INTRODUÇÃOO tamponamento nasal anterior é efetuado por rotina num grande número de cirurgias nasais, nomeadamente na septoplastia. Tem como objetivo prevenir o aparecimento de hemorragia, hematoma septal ou sinéquias nasais no pós-operatório, garantindo a coaptação do retalho mucopericôndrio e a estabilização da cartilagem, de forma a obter os melhores resultados cirúrgicos
1-4. Contudo, não existe evidência científica que suporte o seu benefício e o tamponamento nasal anterior não é um procedimento inócuo
1. Está associado a desconforto/dor (principalmente quando da sua remoção), traumatismo da mucosa nasal, epífora, infecção local, desconforto na deglutição, alterações do sono e, muito raramente, choque tóxico, deslocamento com aspiração e reflexo vagal
5. O seu benefício tem sido questionado e a sua utilização por rotina passou a ser equacionada e muitas vezes não preconizada
1,6-8. Nos últimos anos, têm sido publicados vários estudos efetuados para avaliar a pertinência do tamponamento nasal anterior com diferentes técnicas cirúrgicas e de tamponamento, pelo que se torna difícil a sua comparação e aplicação à nossa realidade.
Este trabalho tem como objetivo avaliar a necessidade de tamponamento nasal anterior nos doentes submetidos à septoplastia no nosso serviço, comparando a incidência de complicações pós-operatórias nos doentes tamponados e não tamponados. Avaliam-se também os resultados cirúrgicos em termos de qualidade de vida comparando os dois grupos no pré e pós-operatório.
MÉTODOFoi feito um estudo prospetivo, randomizado, aprovado pela Comissão de Ética Hospitalar (nº 97/2010), com os doentes submetidos à septoplastia associada ou não à turbinoplastia inferior, entre setembro de 2009 e fevereiro de 2010. Os doentes foram tamponados em meses alternados previamente definidos, independentemente do tipo de desvio septal ou hemorragia perioperatória. Assim, obtiveram-se dois grupos de doentes homogêneos, tamponados e não tamponados. Foram excluídos doentes com menos de 15 anos, cirurgias de revisão, outras cirurgias nasais associadas, hipertensão arterial não controlada, alterações da coagulação (inclusive iatrogênica) e aqueles em que no ato cirúrgico se mostrou estritamente necessário o tamponamento.
A septoplastia foi realizada segundo a técnica de Cottle modificada após infiltração com lidocaína 2% e adrenalina 1:200000. A mucosa dos cornetos inferiores foi submetida à eletrocauterização quando considerado necessário. Em todos os doentes foram colocadas placas nasais de Shah (Exmoor
®) com um ponto de sutura transfixiante (Seda 3.0) a abranger toda a porção cartilaginosa do septo. Nos doentes tamponados utilizou-se um tampão de corda (Ivalon
®) impregnado com pomada antibiótica (Terricil
®). No pós-operatório, foi prescrita antibioterapia (amoxicilina 875 mg e ácido clavulânico 125 mg 2 id) durante 8 dias, analgesia em SOS e lavagens salinas nasais. Os doentes foram destamponados (após infiltração de soro fisiológico no tamponamento) e tiveram alta em 48 horas. As placas nasais foram removidas em ambulatório entre o 7º e o 10º dia pós-operatório.
Foram registados os dados relativos ao ato cirúrgico (turbinoplastia inferior, quantidade de hemorragia por medição do volume do saco de aspiração excluindo o volume de soro utilizado em possíveis lavagens e duração da cirurgia), a dor (dor nasal e cefaleias) no pós-operatório com base na escala visual analógica (EVA 0-10) em 24 e 48 horas, e todas as complicações, incluindo hemorragia, epífora, desconforto na deglutição, alteração do sono, hematoma septal, sinéquias e infeção. No pré-operatório e três meses depois da cirurgia, foi avaliada a qualidade de vida usando o inquérito NOSE (questionário para avaliação da qualidade de vida dos doentes com afecção nasal da
American Academy of Otolaryngology validado em português para a nossa população
9) realizado no internamento e por contato telefônico.
Os dados obtidos foram tratados estatisticamente em SPSS versão 17.0. Para avaliar a homogeneidade dos grupos estudados usaram-se o teste
t-Student para comparar as médias de idades e o teste Qui-quadrado para comparar a incidência de doentes do sexo masculino. Para comparar os dois grupos no que diz respeito à dor nasal, às cefaleias e ao
score do NOSE aos 3 meses, utilizamos o teste de Mann-Whitney. A comparação da percentagem de hemorragia, epífora, desconforto na deglutição e alteração do sono dos dois grupos foi feita com o teste Qui-quadrado. Para comparar os doentes submetidos ou não à turbinoplastia inferior no que se refere à hemorragia e dor pós-operatória usaram-se os testes de Fisher e de Mann-Whitney, respetivamente. Por último, na comparação dos diferentes parâmetros do inquérito NOSE pré e pós-operatório, recorremos ao teste de Wilcoxon. Foi considerado um nível de significância estatística de 0,05 (α = 0,05).
RESULTADOSObtiveram-se 95 doentes nestas condições, dos quais foram excluídos 22 por não ter sido possível completar o questionário NOSE pós-operatório. Os restantes 73 doentes, 64,4% do sexo masculino e idade média de 40,1 ± 13,6 anos (mínima 16; máxima 67), foram divididos em dois grupos homogêneos, 37 tamponados e 36 não tamponados. O seguimento mínimo foi de 3 meses. A duração média da cirurgia foi de 36,6 minutos (mínimo 15; máximo 60) e a turbinoplastia inferior foi feita em 70% dos doentes. A hemorragia perioperatória média foi de 22,6 ml (mínimo 5 ml; máximo 100 ml).
A dor nasal e as cefaleias em 24 e 48 horas foram superiores nos doentes tamponados, embora sem diferença estatisticamente significativa, exceto na dor nasal às 48 horas (Tabela 1). A média de dor pela EVA no destamponamento foi de 5,65, com 75,7% dos doentes a referirem um valor superior a 3, ou seja, dor moderada a intensa.
No que diz respeito à hemorragia pós-operatória, foi mais frequente nos doentes não tamponados (
p > 0,05) (Tabela 2) com um risco relativo de 2,81 e um risco atribuível à falta de tamponamento de 0,19. Não foi possível quantificar a hemorragia, mas apenas um doente teve necessidade de tamponamento no 6º dia pós-operatório (
p > 0,05).
Os doentes submetidos à cauterização dos cornetos inferiores tiveram maior incidência de hemorragia pós-operatória (
p < 0,05), mas não tiveram mais dor (
p > 0,05).
A epífora, o desconforto na deglutição e as alterações do sono foram mais frequentes nos doentes tamponados, mas apenas a epífora alcançou significado estatístico (Tabela 3). Não houve nenhum doente com hematoma septal, sinéquia ou infeção local.
Na comparação do NOSE pré-operatório e 3 meses após a cirurgia, pôde constatar-se uma melhoria de todos os parâmetros avaliados (
p < 0,05). Não houve diferença no
score do NOSE aos 3 meses entre os dois grupos de doentes, tamponados e não tamponados (
p > 0,05).
DISCUSSÃOA dor nasal e as cefaleias foram superiores nos doentes tamponados, mas sem diferença estatisticamente significativa, exceto a dor nasal em 48 horas. A ausência de significado estatístico pode ser explicada por não se ter tido em conta a dimensão do desvio septal (quanto maior, maior necessidade de manipulação óssea, mais dor) e não ter sido possível uniformizar o tamanho do tamponamento usado, uma vez que cada cirurgião o adequa conforme as necessidades. De qualquer modo, a dor no destamponamento (só presente nos doentes tamponados) é também um fator importante a ter em conta para considerar a dor, embora não estatisticamente significativa, clinicamente importante. Este fato foi também demonstrado no estudo de Cukurov et al.
10, em que a dor pós-operatória de 697 doentes submetidos à septoplastia foi também avaliada com base na EVA. Neste estudo, verificou-se que os doentes submetidos a tamponamento nasal tinham mais dor do que aqueles em que era utilizada apenas uma sutura transseptal para garantir a coaptação dos retalhos mucopericôndrios.
A hemorragia pós-operatória foi mais frequente nos doentes não tamponados; no entanto, este dado foi obtido de forma subjetiva com base na informação do doente por meio do inquérito telefônico. O risco atribuível ao fato de não estar tamponado foi de 0,19 e apenas um doente teve necessidade de tamponamento. Assim, os doentes têm mais frequentemente pequenas hemorragias sem necessidade de tamponamento no pós-operatório. A associação de turbinoplastia inferior aumenta o risco de hemorragia. Provavelmente, se tivessem sido excluídos estes doentes, teríamos tido menor número de hemorragias. Teoricamente, se obtivermos um bom controle da hemorragia perioperatória, a hemorragia pós-operatória não será significativa
4,11. Se, no final da cirurgia, o tamponamento se mostrar necessário, a utilização de um material reabsorvível será sempre uma opção válida.
As restantes complicações foram mais frequentes nos doentes tamponados e contribuíram para maior morbidade no pós-operatório imediato destes doentes. A epífora resulta da obstrução do ducto lacrimal, o desconforto na deglutição traduz-se principalmente ao nível do ouvido e as alterações do sono ocorrem por agravamento da apneia e consequentes despertares frequentes.
Não se verificaram hematomas septais, sinéquias ou infeções locais, provavelmente devido à utilização sistemática de placas nasais e antibioterapia pós-operatória.
A septoplastia melhorou a respiração nasal e a qualidade de vida de todos os doentes quando avaliados 3 meses após cirurgia, não havendo diferença entre os dois grupos. Podemos, por isso, inferir que o fato de haver tamponamento não garante melhores resultados cirúrgicos. A melhoria da qualidade de vida, por meio do questionário NOSE, dos doentes submetidos à septoplastia já tinha sido comprovada por Bezerra et al.
12.
Existem já muitos estudos publicados que questionam a necessidade de tamponamento nasal
1,4,8,13,14, mas a grande variedade de materiais e técnicas utilizadas dificulta a sua extrapolação para o nosso dia-a-dia. Este estudo, desenvolvido no nosso serviço com base na nossa prática clínica, sustentou uma mudança de atuação para a não utilização sistemática de tamponamento.
CONCLUSÃOA septoplastia com ou sem turbinoplastia inferior melhora a qualidade de vida dos doentes com desvio do septo nasal, independentemente de ter sido realizado ou não tamponamento nasal no pós-operatório. O uso por rotina do tamponamento nasal deve ser questionado por não apresentar benefício comprovado, aumentar a morbidade e poder originar complicações graves.
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http://dx.doi.org/10.1002/alr.211101. Doutora (Interno ORL - Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. EPE).
2. Médica ORL (Assistente Hospitalar - Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. EPE).
3. Médico ORL (Assistente Hospitalar Graduado - Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. EPE).
4. Médico ORL (Chefe de Serviço - Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. EPE).
Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho. EPE.
Endereço para correspondência:
Teresa Bernardo
Serviço de ORL - Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho. EPE
Rua Conceição Fernandes, 4434-502. Vila Nova de Gaia
Portugual
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) do BJORL em 30 de novembro de 2012. cod. 10634.
Artigo aceito em 27 de março de 2013.