INTRODUÇÃOSialoadenoma papilífero é uma neoplasia rara de glândula salivar menor descrita pela primeira vez por Abrams & Finck em 1969 1, que histologicamente mostra-se similar ao siringocistadenoma papilífero2. A origem dessa lesão não está clara, parecendo surgir a partir de células mioepiteliais1, ou a partir de um bloqueio do ducto glandular, resultando em hiperplasia3, fenômeno metaplásico4 ou, ainda, a partir de células do ducto intercalar5 ou do ducto excretor6.
Sialoadenoma papilífero frequentemente acomete o palato6, sendo apenas um caso até o presente descrito na língua2. Aqui, relatamos um caso de sialoadenoma papilífero de glândula salivar menor nesta localização, discutindo os seus aspectos clinicopatológicos.
APRESENTAÇÃO DO CASOSexo feminino, faioderma, 32 anos, procurou a clínica de estomatologia, relatando aumento de volume, indolor, na parte de trás da língua que incomodava, com cerca de um ano de evolução. O exame físico intraoral revelou lesão exofítica, irregular, com superfície discretamente papilomatosa, localizada na borda lateral posterior direita da língua, medindo aproximadamente 1,0 x 1,0 cm (Figura 1A). A paciente negou ser tabagista ou etilista e na palpação cervical não foram detectados linfonodos suspeitos. Sob a hipótese de carcinoma escamocelular, procedeu-se à biópsia incisional. O exame anatomopatológico revelou a presença de mucosa exulcerada revestida por epitélio pavimentoso estratificado paraqueratinizado ao lado de crescimento endofítico de epitélio escamoso papilífero suportado por conjuntivo marcadamente inflamado. Observava-se também na base da lesão transição entre epitélio escamoso papilífero para epitélio colunar ductal que revestia os elementos ductais proliferantes, os quais mostravam células cuboidais basais e colunares sobrejacentes e, eventualmente, mucócitos (Figura 1B).
Figura 1. A: Lesão irregular, papilomatosa localizada na borda lateral direita da língua; B: Lesão endofítica com superfície epitelial escamosa papilífera, em cuja base da lesão observa-se transição de epitélio escamoso para epitélio colunar ductal.
Havia, também, elementos ductais por vezes ramificantes e pequenos espaços císticos na profundidade da lesão. O diagnóstico histopatológico foi consistente com um sialoadenoma papilífero da língua. Apesar de exíguo, foi realizada imuno-histoquímica no material, no qual as citoqueratinas 7, 13 e 14 foram aplicadas usando um sistema polimérico de amplificação (
EnvisionTM,
Dako Cytomation), sendo a 13 a que apresentou forte marcação. A lesão foi totalmente removida, embora a biópsia relatada fosse parcial. Após quase 2 anos de acompanhamento, não há sinais de recidiva.
DISCUSSÃONo presente caso, a lesão envolveu a borda lateral posterior da língua de uma mulher de 32 anos. Nesta localização, o sialoadenoma papilífero não tem sido descrito, a não ser um caso descrito por Liu et al.2 a partir do qual surgiu um carcinoma mucoepidermoide. Portanto, trata-se de uma localização bastante rara na boca, uma vez que o palato é local mais frequentemente acometido por esta lesão6.
Clinicamente, a lesão apresentava superfície irregular, discretamente papilomatosa, o que levou a se pensar em um carcinoma escamocelular. No entanto, histologicamente, esta suspeita foi descartada, apesar da diferenciação escamosa e aspecto papilífero, pois o carcinoma escamocelular também pode se apresentar com este último aspecto descrito. O caso aqui relatado mostrou uma lesão exibindo crescimento endofítico, com epitélio escamoso papilífero, sendo visível a transição entre esse epitélio papilífero e o epitélio ductal proliferante com presença de células cuboidais, colunares e mucócitos. Portanto, os aspectos morfológicos aqui descritos se enquadram naqueles que definem o diagnóstico de sialoadenoma papilífero1,2,5,6. É importante comentar que o crescimento exofítico2,6 e inflamação2,6 também têm sido descritos para o sialoadenoma papilífero. Quanto à imuno-histoquímica, o caso aqui relatado está em acordo com aquele que atribui a origem dessa lesão ao ducto glandular excretor, tendo em vista a positividade para CK136. Por isso, deve-se ter o cuidado com a distinção entre carcinoma mucoepidermoide e até papilomas ductais.
Após a exérese cirúrgica do presente caso, são quase dois anos de acompanhamento e não há sinais de recidiva, o que é similar aos trabalhos de Liu et al.2.
COMENTÁRIOS FINAISO diagnóstico do sialoadenoma papílífero deve ser criterioso, uma vez que, quando localizada na língua, essa lesão, além de poder mimetizar uma neoplasia maligna, pode ser verdadeiramente uma.
REFERÊNCIAS1. Abrams AM, Finck FM. Sialadenoma papilliferum. A previously unreported salivary gland tumor. Cancer. 1969;24(5):1057-63. http://dx.doi.org/10.1002/1097-0142(196911)24:5<1057::AID-CNCR2820240529>3.0.CO;2-L
2. Liu W, Gnepp DR, de Vries E, Bibawy H, Solomon M, Gloster ES. Mucoepidermoid carcinoma arising in a background of sialadenoma papilliferum: a case report. Head Neck Pathol. 2009;3(1):59-62. http://dx.doi.org/10.1007/s12105-009-0106-5 PMid:20596992 PMCid:2807533
3. Eversole LR, Sabes WR. Minor salivary gland duct changes due to obstruction. Arch Otolaryngol. 1971;94(1):19-24. http://dx.doi.org/10.1001/archotol.1971.00770070055004
4. Testa Riva F, Riva A, Puxeddu P. Ciliated cells in the main excretory duct of the submandibular gland in obstructive sialadenitis: a SEM and TEM study. Ultrastruct Pathol. 1987;11(1):1-10. http://dx.doi.org/10.3109/01913128709023177 PMid:3824561
5. Nakahata A, Deguchi H, Yanagawa T, Yoshida H, Sato M, Hayashi Y. Coexpression of intermediate-sized filaments in sialadenoma papilliferum and other salivary gland neoplasms. J Oral Pathol Med. 1990;19(7):313-8. http://dx.doi.org/10.1111/j.1600-0714.1990.tb00851.x PMid:1700116
6. Gomes AP, Sobral AP, Loducca SV, de Araújo VC. Sialadenoma papilliferum: immunohistochemical study. Int J Oral Maxillofac Surg. 2004;33(6):621-4. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijom.2003.10.019 PMid:15308267
1. Doutor em Patologia Bucal (Professor Associado).
2. Mestre em Odontologia pela Universidade Federal da Bahia (Áluna do Doutorado em Odontologia - Universidade Federal da Bahia).
3. Doutora em Patologia (Professora Adjunta da Universidade Federal da Bahia).
4. Doutora em Estomatologia (Professora Associada da Universidade Federal da Bahia).
Universidade Federal da Bahia. Laboratório de Patologia Cirúrgica - Faculdade de Odontologia.
Endereço para correspondência:
Jean Nunes dos Santos
Faculdade de Odontologia - UFBA
Av. Araújo Pinho, nº 62. Canela
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) do BJORL em 3 de maio de 2012. cod. 9186.
Artigo aceito em 4 de agosto de 2012.