INTRODUÇÃOO parênquima das glândulas parótidas está sujeito à alteração de suas características histológicas por condições sistêmicas ou locais. Hipertrigliceridemia pode estar associada à inflitração gordurosa da parótida sem atividade inflamatória1. A queda das taxas de hormônios ovarianos após ovariectomia em ratos mostrou degeneração gordurosa nas parótidas2. Na síndrome de Sjögren, há heterogeneidade do parênquima por causa da degeneração adiposa e infiltração linfocítica3. Em pacientes portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV), pode haver aumento das parótidas e, histologicamente, além da infiltração gordurosa, podem ser evidenciados agregados linfócitos, cistos linfoepiteliais ou linfadenopatia4. Além disso, em etilistas e diabéticos, ocorre redução da proporção de tecido gorduroso do estroma5. Por outro lado, estudos em ratos apontaram que há acúmulo de lípides e degeneração de grânulos secretórios relacionados ao declínio da atividade secretória das parótidas com o envelhecimento6, sem que isso represente, necessariamente, um processo patológico.
No ambulatório de Estomatologia da nossa instituição, foram atendidos pacientes nos quais se observou aumento de volume das parótidas, eventualmente associados com queixas que remetem ao diagnóstico de síndrome de Sjögren, mas que, após investigação diagnóstica ampla, tal condição foi descartada, com base nos critérios diagnósticos vigentes (Consenso Europeu-Americano, 2002)7. Da mesma forma, quaisquer outras condições locais ou sistêmicas, como sarcoidose8 e linfoma9, que explicariam tal quadro, acabam por ser descartadas por meio da propedêutica pertinente. Durante o processo de investigação diagnóstica, contudo, observou-se que, em estudo de imagem por meio de ressonância magnética, um ponto comum a eles é o achado de lipossubstituição das glândulas parótidas.
Portanto, este trabalho tem como objetivo alertar para essa entidade não patológica que faz o paciente procurar o médico, a qual não é muito conhecida.
MÉTODOTrata-se de estudo de coorte histórica transversal em prontuários de seis pacientes atendidos no ambulatório de Estomatologia da nossa instituição, entre fevereiro de 2009 e janeiro de 2012.
O critério de inclusão foi pacientes que se apresentaram clinicamente com aumento volumétrico de parótidas, sem quaisquer condições locais ou sistêmicas que as justificasse após a investigação diagnóstica pertinente, por meio de exames de imagem, laboratoriais e/ou anatomopatológicos (Figura 1). Nesses casos, nossa investigação abrange hemograma, antiSSA, antiSSB, fator antinúcleo, fator reumatoide, HIV, anti-HCV, teste de Schirmer, biópsia de glândulas salivares menores, ressonância magnética cervical, cintilografia e, em casos selecionados, sialografia.
Figura 1. Paciente com aumento parotídeo bilateral e lipossubstituição na ressonância magnética.
Como critério de exclusão, definiu-se os casos comprovadamente unilaterais pela ressonância.
Por se tratar de trabalho retrospectivo baseado em informações de prontuários, sem identificação dos pacientes, não houve necessidade de termo de consentimento livre e esclarecido.
O projeto foi aprovado pela Diretoria Clínica e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, sob o parecer de número 49.444/12.
RESULTADOSNo período considerado (fevereiro de 2009 a janeiro de 2012), foram admitidos 483 pacientes novos em nosso ambulatório, dos quais 64 (13,25%) tinham aumento de parótidas como queixa principal, sendo que seis (1,24%) se enquadraram nos critérios de inclusão.
Na ressonância magnética, a deposição gordurosa das parótidas foi reconhecida por hipersinal em T1; em sequências com supressão de gordura, os locais supressos são identificados por hipossinal (T1 com contraste e T2)10 (Figuras 2 e 3).
Figura 2. Corte axial em T1 sem contraste mostrando hiperssinal em parótidas.
Figura 3. Corte axial em T1 com contraste e supressão de gordura, evidenciando hipossinal nas áreas em que a gordura foi suprimida.
Os resultados obtidos foram diagramados na Tabela 1.
Os dados coletados apontam três pacientes do sexo masculino e três do sexo feminino, não sendo observada, portanto, distinção quanto ao gênero. A idade de início do quadro variou de 33 a 68 anos, com média de 51 (± 12,06) anos. O caráter era recorrente em dois pacientes (33,33%), sendo constante nos demais. Em todos os pacientes, a consistência das parótidas foi firme/fibroelástica, sem irregularidades ou sinais flogísticos, embora levemente doloroso em um paciente. Ressalte-se que a queixa de xerostomia foi apresentada por três (50%) pacientes, confirmados ao exame clínico; no entanto, esses pacientes foram submetidos à cintilografia de glândulas parótidas, sem que houvesse alteração alguma do exame. Quanto aos hábitos, um paciente (16,67%) referiu ser ex-tabagista e um paciente (16,67%) referiu consumo leve de álcool. Em todos os pacientes, foram encontrados sinais de lipossubstituição de parótidas ao exame de ressonância magnética em ambas as parótidas, apesar de dois casos apresentarem-se clinicamente de forma unilateral.
Ressaltamos que os 64 casos de aumento de parótidas do nosso ambulatório tiveram diagnóstico assim distribuído: síndrome de Sjögren (15), parotidite de repetição na infância (13), sialoadenite (7), infecciosas (7), tumoral (5), cisto intraparotídeo (4), HIV (2), linfoma (2), alcoólica (1), sarcoidose (1), lipossubstituição (7). Desses sete casos em que se encontrou lipossubstituição de parótidas, um caso foi excluído do estudo tendo em vista a ressonância mostrar alteração unilateral.
DISCUSSÃOA lipossubstituição de parótidas é um achado radiológico frequente; no entanto, não há na literatura trabalhos que correlacionem abaulamento parotídeo idiopático com sua presença. Sabe-se que se trata de processo fisiológico, natural com o envelhecimento6 (ressalte-se a média de idade de 51 anos da nossa amostra), sujeito, no entanto, a variações conforme a presença de condições clínicas subjacentes1-5. De fato, a relação da lipossubstituição das parótidas com a síndrome de Sjögren já é conhecida, sendo demonstrada por Niemela et al.11, em estudo com 26 pacientes com a forma primária da doença, a presença de alterações (nódulos ou degeneração adiposa do parênquima) em 81% dos casos.
Por outro lado, nossa casuística, composta de indivíduos sem doenças locais ou sistêmicas, exaustivamente investigados, apresentou a lipossubstituição das parótidas como denominador comum, o que nos leva a pensar que, em alguns casos, não se trate de mera transformação histológica esperada com o envelhecimento da glândula, manifestando-se clinica e radiologicamente por aumento parotídeo. Em dois pacientes, o abaulamento parotídeo é recorrente, o que não é o esperado para um processo supostamente lento e gradual. Enfim, há questões que ainda não podem ser definitivamente elucidadas, sobretudo por se tratar de tema ainda pouco presente na literatura médica.
CONCLUSÃOA lipossubstituição das parótidas, apesar de ser um processo fisiológico e esperado com o envelhecimento, pode relacionar-se a aumento bilateral das glândulas em indivíduos que não apresentam causas sistêmicas ou locais para tal condição. Alguns questionamentos relativos a essa associação, entretanto, permanecem em aberto, podendo ser objeto de estudo de novos trabalhos.
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1. Médico Otorrinolaringologista (Fellow em Rinologia - Departamento de Otorrinolaringologia - Santa Casa de São Paulo).
2. Doutor em Otorrinolaringologia (Professor Adjunto e Diretor - Departamento de Otorrinolaringologia - Santa Casa de São Paulo). Departamento de Otorrinolaringologia - Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Endereço para correspondência:
Davi Sousa Garcia
Rua Dr. Cesário Motta Júnior, nº 112, 4º Andar. Pavilhão Conde de Lara. Vila Buarque
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) do BJORL em 7 de setembro de 2012. cod. 10442.
Artigo aceito em 12 de janeiro de 2013.