INTRODUÇÃO A ocorrência de perfuração esofágica nos traumas cervicais fechados é rara, mas com mortalidade em até 20% dos casos. Contribui para este resultado o atraso no diagnóstico pelo não reconhecimento da lesão nestas circunstâncias, evitando que o tratamento adequado seja adotado antes que complicações graves se manifestem.
Procuraremos exemplificá-la e fornecer as bases para seu reconhecimento e manejo, de acordo com os dados da literatura atual.
APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO Paciente masculino de 17 anos procurou atendimento devido à odinodisfagia e vômitos à deglutição ao longo de uma semana após queda de bicicleta, girando o corpo sobre o eixo cervical. Avaliado por duas ocasiões em outros serviços recebendo medicação analgésica e anti- -hemética sem melhora. Submetido à tomografia cervical que mostrou enfisema cervical e pneumoraqui (Figura 1 A-B), associada à ressonância, confirmando lesão ligamentar entre as vértebras T1 e T2 e hemograma com discreta leucocitose. Apesar da endoscopia digestiva não demonstrar lesões, foi indicada cervicotomia exploradora imediata que localizou ruptura esofágica de 1,5 cm na transição cervicotorácica e ruptura de musculatura e ligamentos intervertebrais. Foi realizada a rafia esofágica associada à drenagem cervical, antibióticoterapia e nutrição parenteral com resolução da perfuração sem outras complicações.
Figura 1. A: Tomografia mostrando ar extraluminal cervical (seta clara) e ar no canal medular (seta escura). B: Extensa coleção de ar em contato com a parede esofágica.
DISCUSSÃO A ocorrência de perfuração esofágica tem aumentado devido à generalização da endoscopia diagnóstica e terapêutica, e sua incidência foi calculada em 3,1:1000.000/ano1. Atualmente, 60% das perfurações são iatrogênicas secundárias a procedimentos endoscópicos e cirurgias cervicotorácicas, 15% espontâneas (Síndrome de Boerhaave), localizadas mais comumente em esôfago torácico ou abdominal, e somente 2% a 15% são causadas por trauma cervical. A maioria das lesões esofágicas traumáticas se localiza no seguimento cervical (57%), seguida pela localização torácica e abdominal, devido a ferimentos de arma de fogo (78,8%) ou armas brancas (18,5%) e somente 2,7% relacionadas a traumas cervicais fechados2.
Nos ferimentos cervicais contusos, é importante que se suspeite de perfuração esofágica nas situações que envolvem aceleração e desaceleração rápida associada à hiperextensão do pescoço com compressão do esôfago contra a coluna vertebral.
O sintoma mais comum é a odinofagia, presente em 70% a 92% dos casos. Especial atenção deve ser dada a presença de dor, vômitos e dispneia à deglutição (tríade de Mackler) em 25% dos pacientes. Embora pouco específico para lesão esofágica, enfisema subcutâneo torácico e/ou cervical e pneumoraqui (ar no canal vertebral) indica a possibilidade de ruptura de alguma estrutura que contenha ar3.
Havendo suspeita de perfuração esofágica, justifica-se a realização de exames complementares imediatamente, pois existe aumento da ocorrência de complicações graves quando a investigação e o tratamento acontecem após 24h do trauma e, após esse período, a mortalidade pode chegar a até 60% nos casos tratados tardiamente.
O exame de escolha é a esofagografia, que apresenta entre 90% e 100% de sensibilidade. Em geral, existe preferência pela utilização de contrastes hidrossolúveis (Gastrografin
®), devido ao menor risco de reação inflamatória mediastinal, mais comumente relacionada ao uso de contraste com bário. Todavia, sua utilização não detecta pequenas perfurações do esôfago cervical em até 50% dos casos, favorecendo o uso de contraste de bário em algumas instituições4. A esofagoscopia rígida foi o segundo exame mais utilizado em estudo envolvendo 405 pacientes em 34 centros de trauma americanos, seguida pela endoscopia flexível, que pode ser associada à esofagografia nos casos de suspeita de lesão esofágica com exame radiográfico inicialmente normal, apresentando até 100% de especificidade5.
A conduta inicial mais recomendada é a esofagorrafia primária, utilizada em aproximadamente 80% dos casos, associada à drenagem cervical, antibiotiocoterapia e nutrição enteral ou parenteral6.
COMENTÁRIOS FINAIS A perfuração esofágica é rara nos traumas cervicais fechados, mas deve ser suspeitada nos traumas de alta velocidade com hiperextensão cervical.
REFERÊNCIAS 1. Vidarsdottir H, Blondal S, Alfredsson H, Geirsson A, Gudbjartsson T. Oesophageal perforations in Iceland: a whole population study on incidence, aetiology and surgical outcome. Thorac Cardiovasc Surg. 2010;58(8):476-80.
2. Asensio JA, Chahwan S, Forno W, MacKersie R, Wall M, Lake J, et al.; American Association for the Surgery of Trauma. Penetrating esophageal injuries: multicenter study of the American Association for the Surgery of Trauma. J Trauma. 2001;50(2):289-96.
3. Søreide JA, Viste A. Esophageal perforation: diagnostic work-up and clinical decision-making in the first 24 hours. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2011;19:66.
4. Wu JT, Mattox KL, Wall MJ Jr. Esophageal perforations: new perspectives and treatment paradigms. J Trauma. 2007;63(5):1173-84.
5. Arantes V, Campolina C, Valerio SH, de Sa RN, Toledo C, Ferrari TA, et al. Flexible esophagoscopy as a diagnostic tool for traumatic esophageal injuries. J Trauma. 2009;66(6):1677-82.
6. Sepesi B, Raymond DP, Peters JH. Esophageal perforation: surgical, endoscopic and medical management strategies. Curr Opin Gastroenterol. 2010;26(4):379-83.
1. Médico, Mestre em Ciências (Otorrinolaringologista e Cirurgião de Cabeça e Pescoço - Hospital São José e Centro Hospitalar Unimed - Joinville - SC).
2. Médico (Cirurgião de Tórax - Hospital São José e Centro Hospitalar Unimed - Joinville - SC).
3. Médico (Cirurgião de Cabeça e Pescoço e Cirurgião Crânio-Maxilo-Facial - Hospital São José e Centro Hospitalar Unimed - Joinville - SC).
Centro Hospitalar Unimed - Joinville - Santa Catarina.
Endereço para correspondência:
Agnaldo José Graciano
Rua 3 de Maio, nº 58, sala 104. Centro
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) do BJORL em 15 de novembro de 2011. cod. 8904.
Artigo aceito em 3 de fevereiro de 2012.