INTRODUÇÃO O risco de queda na população idosa tem sido investigado por meio de questionários, testes clínicos de equilíbrio e de marcha ou por meio de plataformas de força e posturografia1-6. Os testes clínicos, como a escala de equilíbrio de Berg e de mobilidade de Tinetti e o TUG (
Timed up and go), são amplamente utilizados mas, enquanto os dois primeiros são demorados, exigem maior treinamento de quem aplica o teste e necessitam de espaço e arranjos, o teste TUG não tem estes inconvenientes1-3. Ele foi desenvolvido a partir de um grupo de idosos com doenças e tem sido utilizado em investigações sobre uma doença determinada, uma certa condição física ou mental específica, uma queixa de desequilíbrio, de queda, uma faixa etária ou sexo ou usando grupo-controle3,6-11. Os estudos têm sido muito heterogêneos quanto a critérios de inclusão e exclusão e mesmo trabalhos normativos para determinar valores de referência do TUG em idosos aparentemente normais mostram heterogeneidade10,12,13. Doenças sistêmicas em idosos estão intimamente associadas a desequilíbrio e quedas14,15. O teste avalia de forma realista a mobilidade e o equilíbrio nestes indivíduos ao criar um risco de queda propiciado pelo levantar, caminhar e girar o corpo, sentar-se, movimentos requeridos para realizá-lo3,10.
Não foram encontrados na literatura estudos investigando o desempenho de idosos da comunidade na realização do teste TUG sem outros critérios senão aqueles que permitem a realização do mesmo, isto é, capacidade de entender ordens e de caminhar sem auxílio. Estes estudos permitiriam verificar a real situação de equilíbrio desta população. O objetivo da presente investigação é o de avaliar o equilíbrio dos idosos da comunidade utilizando o teste "
Timed up and go" - TUG.
MÉTODO Estudo descritivo transversal de uma série de casos envolvendo idosos de ambos os sexos, frequentadores de um ambulatório de Geriatria de uma Unidade Básica de Saúde (Centro de Saúde Escola). Foram testados 102 indivíduos, dos quais 66% eram do sexo feminino e 34% do sexo masculino. Predominaram idosos com idade igual ou superior a 75 anos ou mais, correspondendo a cerca de 75% dos casos (Tabela 1).
Os critérios de exclusão foram indivíduos incapazes de compreender as instruções referentes aos testes, com doenças sistêmicas e outras descompensadas, inaptidão para caminhar sem ajuda e uso de cadeira de rodas. Procurou-se ater o mais próximo possível ao que foi feito pelos autores do teste, que pouco restringiram, pois muitos pacientes eram portadores de acidente vascular encefálico e outras doenças neurológicas e os critérios de exclusão limitavam-se a indivíduos "medicamente instáveis" ou com doença de Parkinson grau IV3.
Uma breve história clínica foi realizada para obtenção de dados sobre doenças diagnosticadas pelo clínico que favorecem queda e para interrogar sobre sintomas sugestivos de risco de queda. Perguntou-se sobre o número de quedas nos últimos 6 meses2,5-7. Foram usados nomes e termos simples ou popularmente conhecidos de doenças e alterações, tais como "colesterol aumentado" e "derrame", e outros, conforme informação fornecida pelo geriatra aos pacientes. Os idosos e acompanhantes foram inquiridos sobre doença no coração, rim e pulmão e sobre infarto cardíaco e derrame. Perguntou-se sobre possíveis sequelas de derrame que, direta ou indiretamente, comprometem o equilíbrio, tais como vertigem, alteração da marcha, perda de força muscular, ataxia e distúrbios sensitivos de face e tronco, compatíveis com lesão nervosa nos territórios irrigados pelo sistema vertebrobasilar, na oclusão do mesmo16.
Obteve-se uma visão geral suficiente para se suspeitar de condições físicas que propiciam queda. A queixa de tontura registrada é um termo não especifico usado pelos pacientes tanto para descrever sintoma de sensação giratória como a vertigem, denominada na região do estudo frequentemente de "labirintite", quanto para descrever perda de consciência (síncope) ou os pródromos dela (pré-síncope) manifestados por queixas de escurecimento ou embaçamento visual, instabilidade, desequilíbrio, fraqueza, cabeça vazia e queda, entre outras16. A queixa de desequilíbrio era registrada se correspondesse à alteração objetiva da postura estática ou em movimento. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição (protocolo 4132/2012).
O teste "
Timed up and go - TUG" foi aplicado segundo o preconizado pelos autores3. O idoso senta-se em uma cadeira com braços e recebe ordem de levantar e caminhar para frente até uma marca no piso, girar de volta e sentar-se na cadeira. O tempo dispendido é medido com cronômetro a partir da ordem de "vá". Valores de tempo de menos de 10 segundos sugerem indivíduos totalmente livre e independentes; os pacientes que realizam o teste entre 10 e 19 segundos são independentes, pois têm razoável equilíbrio e velocidade de marcha e a maioria caminha livremente mais de 500 metros, sobe escadas e sai de casa sozinho. Aqueles que dispendem entre 20 e 29 segundos estão em uma "zona cinzenta", isto é, demonstram dificuldades para as tarefas da vida diária que variam muito, dependendo das diferentes situações que se apresentam ao indivíduo, as quais exigem bom equilíbrio, velocidade da marcha adequada (no mínimo 0,5 m/seg) e capacidade funcional3. Os sujeitos com escore de tempo de 30 ou mais segundos tendem a ser totalmente dependentes para muitas atividades básicas e instrumentais da vida diária (levantar-se de uma cadeira, alimentar-se, trocar-se, banhar-se, caminhar). Era demonstrado previamente ao paciente como se realizava o teste, sendo dadas instruções de caminhar segundo sua velocidade e seu passo habituais. Em caso de dúvida na execução do mesmo por parte do individuo ou do examinador, o mesmo era repetido. O examinador acompanhava o paciente para sua segurança.
RESULTADOSA Tabela 2 mostra as porcentagens das diversas doenças e queixas relatadas, destacando-se o elevado número de hipertensos e dislipidêmicos, assim como a queixa de desequilíbrio. A Tabela 3 apresenta os escores de tempo dispendidos. Dentre os 102 indivíduos, quatro (3,81%) dispenderam menos que 10 segundos no teste. Outros 65 sujeitos (63,7%) demoraram de 10 a 19 segundos e 17 indivíduos (16,76%) consumiram entre 20 e 29 segundos. Idosos que dispenderam 30 ou mais segundos foram 16 ou 15,80% do total avaliado. Não houve significância estatística entre faixa etária e tempo gasto, entre número de quedas e faixa etária e entre número de quedas e tempo consumido. Houve significância estatística entre a queixa "tontura" e o número de quedas (
p = 0,03); entre a queixa "desequilíbrio" e número de quedas (
p 0,02) e entre a queixa "desequilíbrio" e tempo dispendido (
p < 0,0001). A queixa de tontura em função do número de quedas, corrigida pela idade, mostrou ser significativa, a idade sendo um fator independente para tontura. Desequilíbrio em função do tempo dispendido, corrigido pela idade, não mostrou significância, isto é, a idade é um fator confundidor para desequilíbrio. Desequilíbrio em função do número de quedas, corrigido pela idade, mostrou ser significativo, isto é, idade é um efeito independente para desequilíbrio.
DISCUSSÃOA porcentagem de idosos que apresentou escores entre menos de 10 e 19 segundos foi de 70% do total. Indivíduos com este desempenho apresentam ou têm esporádicas ou poucas restrições de movimento para atividades básicas e instrumentais da vida diária3. Aqueles que tiveram tempo medido entre 20 e 29 ou 30 ou mais segundos corresponderam à porcentagem de 30% dos casos. Este percentual elevado inclui tanto indivíduos com restrição máxima de movimentos, isto é, dependência para atividades mesmo dentro de casa quanto indivíduos com riscos variados de queda por apresentarem restrições para certas atividades dentro e fora de casa3. Estes escores acima de 20 segundos são claramente piores que os obtidos dos estudos normativos e idosos saudáveis em que o tempo máximo despendido não passou de 11 a 12 segundos10,12,13. Se forem comparados aos valores normativos ou de referência, eles estão aumentados em parte, mesmo entre aqueles considerados como independentes, na faixa de 10 a 19 segundos, segundo Podsiadlo & Richardson3. As doenças sistêmicas apresentadas pelos indivíduos neste estudo podem explicar as diferenças, pois elas comprometem frequentemente o equilíbrio11,13,14,17,18.
Não por acaso, aproximadamente 31% e 34% deles relataram respectivamente "labirintite" e tontura, enquanto que 51% e 25% referiram, respectivamente, desequilíbrio e queda. Sabe-se que a síndrome metabólica atinge 30% a 50% dos idosos brasileiros e que hiperglicemia, dislipidemia e hipertensão arterial são distúrbios associados com frequência à síncope e às vestibulopatias11,17-20. Os estudos normativos também mostraram piora no desempenho do TUG de acordo com o aumento da idade, resultados não observados no presente trabalho12,13. A menor casuística e/ ou o fato de que o número de idosos com idade igual ou superior a 75 anos correspondeu a cerca de 75% do total de casos podem ter impedido o aparecimento de associação significativa. A idade não interferiu no pior desempenho de tempo e no desequilíbrio relatado pelos indivíduos, mas interferiu no número de quedas de sujeitos com a queixa de tontura e no número de quedas em idosos com queixa de desequilíbrio. Não foram encontradas investigações na literatura com idosos doentes para comparação quanto à idade e o teste TUG.
A queixa de desequilíbrio em função do número de quedas e de desequilíbrio em função do maior tempo dispendido foi significativa do ponto de vista estatístico e isto está de acordo com a literatura, mas a queixa de tontura, embora tenha demonstrado associação com número maior de quedas, não mostrou relação significativa com pior escore de tempo dispendido quando corrigida pela idade6-9.
Os resultados desta investigação mostram grande diferença quando comparados aos estudos normativos e de referência, comprovando que o TUG é um bom instrumento de avaliação de risco de queda8,10-13. Outros estudos também comprovaram este papel, mostrando diferenças significativas entre um grupo que não cai e aquele que cai duas ou mais vezes em 6 meses6,7. Os valores de referência e normativos devem ser vistos como de caráter qualitativo, isto é, permitem excluir alguém da possibilidade de risco de queda, do ponto de vista da necessidade de alguma medida a ser tomada. Os valores obtidos pelos criadores do teste TUG e sua relação com risco de queda, por outro lado, com seu caráter quantitativo obtido a partir de indivíduos doentes, são úteis para tomada de decisão clínica quanto aos riscos. Isto não significa que eles sejam tomados como verdades absolutas, já que as amostras de idosos avaliados variam muito quanto a doenças, medicações e estado físico6,13. Este teste pode ser visto como um "
screening" a ser usado em uma unidade básica de saúde movimentada e ser realizado por um profissional de enfermagem, médico, fisioterapeuta ou outro, após um mínimo de treino3.
Este trabalho tem limitações que impedem que seus resultados sejam generalizados. Elas são decorrentes do tamanho da amostra e ao fato desta ter sido obtida a partir de doentes frequentadores de um ambulatório de geriatria e não da população total de idosos. Um estudo populacional com convocação e adesão de moradores da comunidade mediante campanha de divulgação é a forma mais adequada para obter valores que sejam generalizados por retratarem fielmente o estado de equilíbrio da população idosa. Este, porém, exige organização e equipe disponível, trabalho para um futuro próximo. Cumpre lembrar, entretanto, que o perfil obtido de um estudo populacional inevitavelmente incluirá não só indivíduos provavelmente saudáveis, mas, também, sujeitos portadores de doenças, em tratamento ou não.
CONCLUSÃOA maior parte dos idosos mostrou baixo risco de queda, sugerindo ter boa mobilidade funcional. Entretanto, um número expressivo de idosos com valores elevados de tempo dispendido no teste estão, provavelmente, mais propensos a quedas e à limitação menor ou maior das atividades da vida diária.
REFERÊNCIAS1. Tinetti ME. Performance-oriented assessment of mobility problems in elderly patients. J Am Geriatr Soc. 1986;34(2):119-26.
2. Berg KO, Wood-Dauphinee SL, Willians JI, Maki B. Measuring balance in the elderly: validation of an instrument. Can J Public Health. 1992;83 Suppl 2:S7-11.
3. Podsiadlo D, Richardson S. The timed "Up & Go": a test of basic functional mobility for frail elderly persons. J Am Geriatr Soc. 1991;39(2):142-8.
4. Powel LE, Myers AM. The activities-specific Balance Confidence (ABC) Scale. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 1995;50A(1):M28-34.
5. Shumway-Cook A, Baldwin M, Polissar NL, Gruber W. Predicting the probability for falls in a community-dwelling older adults. Phys Ther. 1997;77(8):812-9.
6. Chiu AY, Au-Yeung SS, Lo SK. A comparison of four functional tests in discriminating fallers from non-fallers in older people. Disabil Rehabil. 2003;25(1):45-50.
7. Shumway-Cook A, Brauer S, Woollacot M. Predicting the probability for falls in community-dwelling olders adults using the Timed Up & Go Test. Phys Ther. 2000;80(9):896-903.
8. Newton RA. Validity of the multi-directional reach test: a practical measure for limits of stability in older adults. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2001;56(4):M248-52.
9. Boulgarides LK, McGynty SM, Willet JA, Barnes CW. Use of clinical and impairment-based tests to predict falls by community-dwelling olders adults. Phys Ther. 2003;83(4):328-39.
10. Bischoff HA, Stahelin HB, Monsch AU, Iversen MD, Weyh A, von Dechend M, et al. Identifying a cut-off point for normal mobility: a comparison of the Timed "up and go" test in a community-dwelling and institutionalized elderly women. Age Aging. 2003;32(3):315-20.
11. Gazzola JM, Perracini MR, Ganança MM, Ganança FF. Functional balance associated factors in the elderly with chronic vestibular disorder. Braz J Otorhinolaryngol. 2006;72(5):683-90.
12. Pondal M, del Ser T. Normative data and determinants for timed "up and go" test in a population based-sample of elderly individuals without gait disturbances. J Geriatr Phys Ther. 2008;31(2):57-63.
13. Bohannon RW. Reference values for the timed up and go test: a descriptive meta-analysis. J Geriatr Phys Ther. 2006;29(2):64-8.
14. Lipsitz LA, Jonsson PV, Kelley MM, Koestner JS. Causes and correlates of recurrent falls in ambulatory frail elderly. J Gerontol. 1991;46(4):M114-22.
15. Herndon JG, Helmich CG, Sattin RW, Stevens JA, DeVito C, Wingo PA. Chronical medical conditions and risk of fall injury events at home in older adults. J Am Geriatr Soc. 1997;45(6):739-43.
16. Chan Y. Differencial diagnosis of dizziness. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2009;17(3):200-3.
17. D'Avila C, Lavinsky L. Glucose and insulin profiles and their correlations in Ménière's disease. Int Tinnitus J. 2005;11(2):170-6.
18. Serra AP, Lopes KC, Dorigueto RS, Ganança FF. Blood glucose and insulin levels in patients with peripheral vestibular disease. Braz J Otorhinolaryngol. 2009;75(5):701-5.
19. Rigo JC, Vieira JL, Dalacorte RR, Reichert CL. Prevalence of metabolic syndrome in an elderly community: comparison between three diagnostic methods. Arq Bras Cardiol. 2009;93(2):85-91.
20. Gazzola JM, Ganança FF, Aratani MC, Perracini MR, Ganança MM. Clinical evaluation of elderly people with chronic vestibular disorder. Braz J Otorhinolaryngol. 2006;72(4):515-22.
1. Professor Livre-Docente (Professor Adjunto da Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu da UNESP).
2. Aluno de Graduação da Faculdade de Medicina de Botucatu da UNESP.
3. Professor Livre-Docente (Professor Adjunto do Departamento de Bioestatística do Instituto de Biociências de Botucatu da UNESP).
Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
Endereço para correspondência:
Onivaldo Bretan
Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP
Distrito de Rubião Júnior, s/n.
Botucatu - SP. Brasil. CEP: 18618-970.
Tel: (14) 3880-1512.
E-mail: onivaldobretan@uol.com.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) do BJORL em 20 de julho de 2012. cod. 9406.
Artigo aceito em 28 de novembro de 2012.