INTRODUÇÃOO progresso nas diversas áreas do conhecimento humano vem criando cada vez mais uma sociedade ruidosa. A chamada poluição sonora é a mais difundida forma de poluição no mundo moderno.
O ruído tem sido dado como causador de alteração auditiva nas pessoas que trabalham em indústrias, existindo relatos nos mais diversos ramos de atividades. A característica clínica da perda auditiva induzida por ruído é seu início insidioso e sua irreversibilidade1.
O ruído é considerado como o mais freqüente entre os agentes nocivos à saúde, nos ambientes de trabalho4,27.
Admite-se que apesar de estar se tornando um problema crescente, o reconhecimento da perda auditiva induzida pelo ruído não é universal5.
O ruído, é ainda, caracterizado como o fator mais prevalente na origem de doenças ocupacionais e também como o agente físico nocivo à saúde mais comum nos ambientes de trabalho3,22.
Todos estamos sujeitos à exposição a sons potencialmente nocivos ao aparelho auditivo no dia-a-dia, sendo aceito que a perda auditiva induzida pelo ruído seja a maior causa isolada de perda auditiva factível de prevenção28.
A principal característica clínica da perda auditiva de longa duração produzida pela exposição ao ruído é o seu início insidioso. Além disso geralmente é simétrica e a perda se concentra nas freqüências entre 3 a 6 kHz1.
A perda auditiva induzida por ruído é conceituada pelo Comitê Nacional de Ruído e Conservação Auditiva10 como uma diminuição gradual da acuidade auditiva, decorrente da exposição continuada a níveis elevados de ruído.
É considerado que o ruído possa causar alterações extra-auditivas, tais como alterações vestibulares, hipertensão arterial, transtornos neurológicos diversos, alterações na gestação, na excreção de cortisol entre outras, apesar de não existirem evidências definitivas desses efeitos.
Vários agentes químicos podem causar danos morfológicos e funcionais à orelha interna. A presença de ruído associada a esses agentes pode ser um fator de agravamento do comprometimento do órgão.
Os solventes e metais são considerados fatores de risco, quando associados ao ruído. Os efeitos dessas substâncias, de maneira geral, não são bem determinados e o diagnóstico se baseia na confirmação da exposição e da presença de sinais e sintomas.
A presença de ruído combinada a alguns desses agentes ototóxicos pode ser potencialmente mais danosa, do que isoladamente6.
Vários trabalhos concluíram que a exposição a solventes determina um risco relativo importante, como produtor de alteração auditiva, quando comparados aos não expostos aos agentes químicos18.
O mecanismo da ação ototóxica dos solventes ainda não foi entendido e necessita maior exploração. Essa associação ainda é pouco estudada e, apesar de existir uma numerosa população de trabalhadores expostos a produtos químicos ototóxicos, só uma porcentagem destes, cuja exposição a ruído seja importante, terá sua audição testada regularmente.
Dentre os solventes, o tolueno foi estudado em uma empresa brasileira de impressão e pintura, dividindo os trabalhadores em quatro grupos: não expostos, expostos somente a ruído, expostos a tolueno e ruído e expostos somente ao solvente. O risco de apresentar perda auditiva foi em ordem decrescente: no grupo exposto ao tolueno e ruído, ao tolueno isoladamente, ao ruído isoladamente e finalmente os não-expostos23.
Em estudos de revisão da literatura sobre exposição ocupacional a ruído e solventes orgânicos e efeitos no sistema auditivo foram evidenciados três agentes comprovadamente neurotóxicos: o tolueno, o tricloroetileno e o dissulfeto de carbono. Destacaram, ainda, dois agentes provavelmente neurotóxicos: o estireno e o xileno. No entanto referiram a necessidade de pesquisas futuras para melhor discussão24.
Outros autores revisaram um grande número de estudos conduzidos recentemente investigando os efeitos potenciais da combinação de ruído e uma variedade de substâncias industriais. Os agentes mais citados são os solventes orgânicos (dissulfeto de carbono, tolueno, estireno, tricloroetileno e outros), o monóxido de carbono e metais (chumbo, cádmio, manganês e alumínio)9.
O efeito ototóxico do monóxido de carbono foi determinado em exames audiométricos e eletronistagmográficos realizados em trabalhadores ocupacionalmente expostos. Em 66,6% dos casos foi encontrada alteração auditiva e em 79,5% alterações vestibulares21.
Outros agentes como, por exemplo, antibióticos também são citados. Em estudo com ratos, demonstrou-se que o cloranfenicol isoladamente não produz dano coclear. Já sua combinação com a exposição ao ruído causa maior dano coclear se comparado à exposição isolada ao ruído8.
Na indústria, podem ser observados vários fatores de risco. Dependendo das características de exposição, produtos químicos como solventes e metais podem causar alteração auditiva, independentemente da presença de ruído24.
RUÍDO, EXPOSIÇÃO A METAIS E ALTERAÇÃO AUDITIVAEm estudo com trabalhadores expostos a vapores metálicos ricos em manganês, foram encontradas alterações em exames audiométricos e índices vestibulares em indivíduos com mínimo grau de exposição ao metal. Os autores sugeriram esses exames como um critério importante no diagnóstico precoce de intoxicação crônica ao manganês20.
A toxicologia dos metais compreende um enorme campo de estudo em que a pesquisa ocupacional pode ser amplamente desenvolvida. A maioria dos metais não tem função essencial no homem, mas podem produzir efeitos tóxicos com a absorção diária de pequenas doses de maneira prolongada. A absorção, distribuição, retenção e excreção pelo organismo, varia de um metal para outro. A poluição do ambiente a elementos metálicos e subsequente exposição humana pode ocorrer de diversas maneiras em nível ocupacional, sendo que o uso industrial dos metais está continuamente crescendo2.
Em anos recentes, um número significativo de estudos têm sido conduzidos investigando os efeitos potenciais no organismo, da combinação de ruído com alguns metais, principalmente o chumbo e o cádmio.
Em estudo recente com trabalhadores expostos a chumbo e ruído, houve uma correlação estatisticamente significante, sendo que os resultados sugeriram alguma interação entre os dois fatores, porém uma avaliação mais profunda deve ser realizada16.
A intoxicação pelo cádmio vem merecendo atenção crescente devido à importância de sua utilização tanto sob o ponto de vista ocupacional, como ambiental. A exposição ao cádmio ocorre em trabalhadores de indústrias que produzem baterias e também em alguns grupos de soldadores e operadores de máquinas de solda. A exposição ao cádmio e ao ruído, simultaneamente, parece ser mais lesiva que aos dois isoladamente.
O cádmio tem sido encontrado em vários órgãos, tais como o pâncreas, os testículos, a tireóide, as glândulas salivares, o coração entre outros.
O rim é o órgão que primeiramente atinge uma concentração crítica de cádmio, como decorrência da acumulação deste metal. O córtex renal é a região onde o cádmio está mais concentrado. A excreção do cádmio é muito lenta e ocorre, principalmente, através das vias urinária e intestinal. A excreção urinária do cádmio aumenta com a idade. Outras vias de excreção são descritas, porém são de menor importância, como por exemplo, a salivar.
Em trabalhadores expostos ao cádmio, encontra-se com maior freqüência, como anormalidade, dano renal devido à lesão no túbulo proximal, afetando as funções de reabsorção e mais tardiamente, do túbulo contornado distal e dos glomérulos. Os primeiros sinais relacionam-se com o aumento da excreção urinária de proteínas de baixo peso molecular. Apesar de existirem vários modelos tentando elucidar o mecanismo de toxicidade do cádmio, ainda não se conseguiu definir com precisão tal mecanismo. A intoxicação pelo cádmio é caracterizada por dano renal com proteinúria26.
Os achados em animais de laboratório fornecem informações importantes dos efeitos nefrotóxicos. Após 15 dias de exposição, começam a surgir as primeiras lesões ultra estruturais, todas localizadas nos túbulos proximais. Após dois meses são vistas lesões do túbulo proximal com edema e vacuolização citoplasmática das microvilosidades. Após três meses tornam-se perceptíveis modificações glomerulares como o espessamento das cápsulas de Bowman e da membrana basal. As lesões do túbulo distal aparecem após a vigésima semana de exposição12.
As alterações pulmonares encontradas em trabalhadores expostos ao cádmio, em comparação a grupos não expostos, consiste em um grande número de anormalidades da função e alterações radiológicas consistentes com enfisema. As alterações eram mais pronunciadas nos expostos ao metal por um período maior de anos. Existem evidências de que o cádmio provoca essa doença11,14.
A exposição ocupacional ao cádmio pouco tem sido estudada no Brasil, embora a importação do metal tenha crescido de maneira importante. O número de trabalhadores expostos é desconhecido, porém o crescente consumo desse metal faz supor que a exposição seja significativa12.
A via respiratória é descrita como a principal via de introdução do metal no organismo dentro do ambiente industrial13. A quantidade de cádmio absorvido por essa via depende de alguns fatores:
1. do tamanho, da forma química e solubilidade das partículas retidas,
2. da quantidade do metal depositada e
3. do mecanismo de depuração.
Cerca de 70% do cádmio absorvido é encontrado nos eritrócitos, ligado à hemoglobina. Após a absorção, o cádmio fixa-se a uma proteína, a metalotioneína, que é sintetizada pelo fígado. Devido ao seu baixo peso molecular, essa proteína é filtrada através do glomérulo, reabsorvida pelas células do túbulo proximal, onde libera o metal12.
No homem, alguns dos efeitos tóxicos resultantes da exposição prolongada ao cádmio relacionam-se aos rins, pulmões, ossos, fígado entre outros14.
Também foi discutido o efeito do cádmio no sistema nervoso em vários pontos: na função do sistema visual, em desordens olfatórias, polineuropatias e alterações neurológicas diversas.
Efeitos neuropsicológicos foram atribuídos à exposição ao cádmio, como alterações na memória, alterações cognitivas, velocidade psicomotora entre outras. O cádmio interfere em várias funções importantes do sistema nervoso, mas os mecanismos de neurotoxicidade permanecem incertos9.
Alterações na olfação são descritas em trabalhadores com exposição crônica a fumos de cádmio, sendo encontrada a hiposmia em diversos graus desde leve até severa25.
As lesões renais induzidas pelo cádmio são irreversíveis. Foi evidenciado ainda que, mesmo após o término da exposição ao metal, a lesão glomerular ainda progride19.
Estudos experimentais em laboratório, sugeriram existir evidências de que a exposição ao ruído associadamente ao cádmio aumentaria o efeito tóxico deste9.
Tem sido demonstrado que o cádmio pode ser um potente agente neurotóxico, principalmente para o sistema nervoso periférico. A meia vida do metal no organismo é de mais de 15 anos e a polineuropatia pode se desenvolver com o passar dos anos, mesmo após o término da exposição. Os achados têm sido favoráveis à hipótese do cádmio ter uma participação no desenvolvimento da polineuropatia29.
Em estudo recente sobre alterações neurológicas relacionadas ao cádmio, foram observadas queixas compatíveis com neuropatia periférica e disfunção de nervos sistêmicos em trabalhadores expostos ao metal, bem como alterações no equilíbrio e na capacidade de concentração. No estudo, os autores descreveram essas alterações antes de qualquer sinal de disfunção renal30.
O conhecimento disponível para a compreensão dos aspectos ocupacionais da exposição ao cádmio é ainda fragmentário, muitas vezes sendo necessário fazer inferência a partir de estudos epidemiológicos e em animais. A toxicocinética do cádmio no organismo envolve aspectos complexos e com várias interrogações, cujas respostas ainda dependerão de muitas pesquisas, geralmente tecnicamente difíceis, mas que se fazem necessárias.
OBJETIVOAvaliar dois grupos de indivíduos expostos à mesma intensidade de ruído industrial, sendo um desses grupos exposto ao cádmio e outro não, e verificar se a exposição aos dois agentes poluentes é mais prejudicial do que a exposição ao ruído isoladamente.
MATERIAL E MÉTODONo presente estudo foi utilizada avaliação audiométrica (audiometria de tons puros) em 36 trabalhadores em empresa metalúrgica da região do grande ABC, São Paulo, em áreas expostas a ruído e fumos metálicos ricos em cádmio. Foi organizado um grupo controle com 36 trabalhadores, dos mesmos setores da empresa, porém expostos somente a ruído.
O estudo foi realizado no período de 5 anos (entre os anos de 1994 e 1998).
Nos trabalhadores em estudo a média das idades foi de 37,16 anos, sendo a idade mínima 23 anos e a idade máxima 48 anos ao início da coleta de dados. No grupo controle a média das idades foi de 37,02 anos, sendo a idade mínima 22 anos e a máxima 47 anos, também ao início da coleta de dados.
No grupo estudo foram incluídos 32 soldadores e 4 maçariqueiros de quatro setores da empresa. No grupo controle foram incluídos outros trabalhadores dos mesmos setores, porém não expostos a fumos de solda.
Nos dois grupos, nenhum dos trabalhadores apresentava, em seu histórico médico e laboratorial, alterações da função renal.
Os níveis de ruído foram medidos por empresa especializada, sendo realizados nos diversos pontos de trabalho, na escala "A" e no circuito de resposta lenta, segundo estabelece o Anexo 1 da NR-15 da Portaria 3214/78. Foi utilizado um medidor de pressão sonora marca Simpson modelo 884, calibrado acusticamente. Os níveis de ruído oscilaram entre 80 e 118 dB15.
Foram coletadas amostras de fumos e poeiras metálicas com filtros especiais, seguindo metodologia específica. As amostras foram dosadas gravimetricamente e a seguir por determinação por espectrofotometria de absorção atômica. Todos os resultados das avaliações são inferiores aos limites estabelecidos, de acordo com o Anexo 12 da NR-15 da Portaria 3214.15
Os exames audiométricos foram realizados utilizando audiômetro MAICO - MA 41 (padrão ANSI-69), calibrado semestralmente por empresa especializada. Foi utilizada cabine acústica que segue as normas que propiciam isolamento acústico, sendo construída por empresa especializada.
Os exames foram realizados nos anos de 1994, 1995, 1996, 1997 e 1998 em diferentes grupos, de acordo com o mês de admissão na empresa, em intervalos regulares de 12 meses.
Todos os exames foram realizados pelo autor, com repouso auditivo superior a 14 horas segundo norma do Comitê Nacional de Ruído e Conservação Auditiva. Na testagem foram utilizadas as freqüências de 250, 500, 1000, 2000, 3000, 4000, 6000 e 8000 Hz, em ambas as orelhas. Foram excluídos os indivíduos que apresentavam perda auditiva de origem condutiva.
Gráfico 1. Valores das médias dos limiares, em função do tempo de estudo, na freqüência de 4000 Hz, na orelha direita, para os grupos estudo e controle
Gráfico 2. Valores das médias dos limiares, em função do tempo de estudo, na freqüência de 4000 Hz, na orelha esquerda, para os grupos estudo e controle
RESULTADOSOs resultados obtidos foram analisados sob diversos modelos estatísticos (médias aritméticas, desvio padrão, variações absolutas e percentuais das médias, teste do t não pareado, teste do t pareado).
Na análise dos resultados, quando obteve-se a média das diversas freqüências dos cinco anos, nos 36 indivíduos de cada grupo não foram verificadas diferenças estatisticamente significantes.
Na análise dos grupos, observando-se os dados do ano de 1994 (antes) e 1998 (depois) foi verificada significância estatística para as freqüências e lados em ambos os grupos.
Observando-se as médias aritméticas das freqüências e lados nos diversos anos, verificou-se que a maior perda se concentra em 4000 Hz.
Em seguida foi realizada a análise de variância para medidas repetidas com fatores, com todas as freqüências e dados, entre os dois grupos, controle e estudo. Foram verificadas variações entre as freqüências e não entre os lados das orelhas e também não entre os grupos. (Tabela 1)
Foram utilizadas então para o cálculo da análise de variância para medidas repetidas, com fatores, apenas as freqüências que mostraram maior variação (2000, 3000, 4000 e 6000Hz). O cálculo da análise mostrou variação conjunta significante para as freqüências, lados e grupos. (Tabela 2)
Foram realizados os testes de Tuckey e de SNK (Student Newmam Keuls) simultaneamente, sendo as variações localizadas entre os grupos, na freqüência de 4000 Hz, lado direito (Tuckey) e ambos os lados no SNK. Na freqüência de 6000 Hz foi observada variação significante no lado direito, pelo teste de SNK. (Tabela 3).
Portanto, os resultados das análises de variância para medidas repetidas, sob fatores (Tabelas 1 e 2) e os testes de comparação múltipla de Tuckey e SNK (Tabela 3), mostram variação estatisticamente significante dentre todas apenas nas freqüências de 4000 e 6000 Hz, especialmente na primeira.
Tabela 1. Análise de variância para medidas repetidas, com fatores para os 2 grupos, 8 freqüências e 2 lados de orelha. F calculado e sua significância (*).
Tabela 2. Análise de variância para medidas repetidas, com fatores, para os 2 grupos, 4 freqüências (2000, 3000, 4000 e 6000Hz) e 2 lados da orelha. F calculado e sua significância (*).
Tabela 3. Valores calculados de p, nos testes de Tuckey e SNK para as variações entre o grupo controle e o grupo estudo, nas freqüências de 2000, 3000, 4000 e 6000 Hz e dois lados de orelha.
DISCUSSÃOAlém do ruído, outros agentes presentes no meio ocupacional parecem ter influência no sistema auditivo. São descritos agentes químicos como solventes e metais pesados, como causadores de alteração na audição.
Os trabalhos que abordam esse tema são menos freqüentes, quando comparados aos que tratam do ruído. De maneira geral, são estudos observando grupos expostos aos agentes químicos em comparação a grupos não expostos. Pouco é descrito sobre os tipos de alteração histológica que ocorrem na orelha interna e a correlação é feita a partir da observação a longo prazo de perda parcial da função auditiva associada a exposição ao agente.
A possível ação conjunta de ruído e agentes químicos e metais é pouco discutida.
O presente estudo compara dois grupos de indivíduos ocupacionalmente expostos a ruído, sendo que um deles é também exposto a fumos de cádmio.
A ausência de trabalhos sobre possíveis alterações ototóxicas induzidas pelo cádmio em associação ao ruído, conduzidos por um período de tempo prolongado, gerou a idealização deste estudo, em que os mesmos indivíduos puderam ser analisados com um intervalo anual, em cinco verificações audiométricas, realizadas sempre com o mesmo aparelho, na mesma cabine audiométrica e pelo mesmo observador. Dessa forma não houve interferências no método adotado.
Na composição do grupo foram incluídos 36 trabalhadores de 4 setores da empresa expostos a ruído e a fumos de cádmio. Outros 36 trabalhadores dos mesmos setores, não expostos ocupacionalmente ao cádmio, porém expostos à mesma intensidade de ruído, constituíram o grupo controle.
Os indivíduos desse grupo foram escolhidos de acordo com suas idades, sendo a média nos dois grupos bastante semelhante.
Os extremos de idade têm sido implicados como fatores de risco para a ototoxicidade7. Esse fator não está presente neste estudo que teve a média de idade situada em 37,16 anos no grupo estudo e em 37,02 anos no grupo controle.
Na análise dos grupos, observando-se os dados do ano de 1994 (antes) e 1998 (depois) foi verificada significância estatística para as freqüências e lados em ambos os grupos. Dessa maneira a interferência do ruído como fator de alteração auditiva é facilmente demonstrado.
O Comitê Nacional de Ruído e Conservação Auditiva observa que na PAIR a perda inicial se concentra em 3000, 4000 e 6000 Hz, posteriormente nas demais freqüências. Ressalta ainda a ocorrência da perda máxima em 3000, 4000 e 6000 Hz nos primeiros dez a quinze anos de exposição.2
Em nosso estudo, a maior perda se concentrou em 4000 Hz, que é a freqüência mais atingida pela PAIR.
Os resultados das análises de variância para medidas repetidas com fatores e a seguir os testes de comparação múltipla mostram variação estatisticamente significante nas freqüências de 4000 e 6000 Hz, sobretudo na primeira. Dessa forma, parece que o cádmio interage com o ruído e potencializa o efeito deste, acentuando a diferença de perda auditiva nessas freqüências, quando comparadas ao grupo exposto somente ao ruído.
A relação entre a exposição aos fumos de cádmio associados ao ruído ser mais lesiva ao sistema auditivo, quando comparada ao ruído, isoladamente, não é bem determinada, pois nenhum estudo demonstrou o local em que o metal atua, nem seu mecanismo de ação.
O cádmio interfere com várias funções importantes do sistema nervoso, porém os mecanismos de toxicidade permanecem incertos17.
Os limiares de 4000 Hz apresentam maior diferença, entre o grupo exposto ao ruído e o grupo exposto ao ruído e aos fumos de cádmio, a partir do segundo intervalo de avaliação audiométrica, tendência esta que permanece nos anos subseqüentes (Gráficos 1 e 2). Com esse dado, supõe-se que a ação tóxica do cádmio é maior após algum tempo de exposição, porém estabiliza-se e a diferença entre os grupos se mantém nos anos subseqüentes. Dessa forma é possível acreditar que a toxicidade parece ser menor ao início da exposição, se acentuando com o passar do tempo, quando começa a ocorrer o depósito do metal no organismo. Pelos estudos sobre o potencial tóxico do cádmio, pode-se acreditar que, cessando a exposição ao metal, seu efeito tóxico não deve ser eliminado, e a continuidade da exposição ao ruído poderá levar a uma progressão da perda auditiva.
Realizando uma comparação entre as lesões renais causadas pelo cádmio e por outros agentes nefrotóxicos, como por exemplo, os antibióticos aminoglicosídeos, observamos uma semelhança entre elas, com maior freqüência o dano renal causado pelo cádmio como uma lesão localizada no túbulo proximal13. As lesões renais associadas aos aminoglicosídeos nefrotóxicos são da mesma forma em sua maioria no túbulo proximal que é considerado o sítio mais comum de lesão7.
O primeiro passo do efeito ototóxico dos aminoglicosídeos é uma interação eletrostática com a membrana das células ciliadas. O aminoglicosídeo é então transportado para dentro da célula. Uma vez dentro da célula, pode interferir em várias reações intracelulares, levando então à progressão do efeito ototóxico. De maneira semelhante, seria este o mecanismo de ação ototóxica do cádmio? Poderia a alteração ocorrer a nível do tronco cerebral? Estudos em animais podem levar a um esclarecimento sobre o problema.
O número de agentes ototóxicos e os fatores que atuam sinergicamente vem crescendo. Apesar disso, vários fatores interferem para se determinar o grau de risco. Tais fatores não são somente o tempo de exposição, a idade, outros medicamentos em uso, variabilidade individual. A exposição concomitante ao ruído aparece descrita como um fator de agravamento na alteração auditiva induzida por vários elementos químicos.
No presente estudo houve uma diferença estatisticamente significante nas alterações audiométricas no grupo de indivíduos expostos ao cádmio e ao ruído, quando comparados ao grupo exposto ao ruído isoladamente, sugerindo a interação entre os dois elementos.
Os conhecimentos sobre os efeitos finais da combinação do ruído a uma grande variedade de substâncias industriais indicam uma limitação de informações disponíveis, pela falta ou por falhas nos estudos com modelos animais e pelo desconhecimento da ação das diferentes substâncias no organismo e sua interação com o ruído9.
A meia vida do cádmio no organismo é muito longa causando um acúmulo durante o decorrer da vida. Dessa forma, mesmo após cessar a exposição ao metal, ele continua acumulado no organismo, sendo eliminado muito lentamente. Os estudos em animais são muito prejudicados, pois a ação dos diferentes agentes geralmente sofre grandes variações com as particularidades específicas de cada espécie, dificultando a padronização de modelos de estudo7. Os poucos estudos em animais relativos aos efeitos do cádmio associado ao ruído se restringem aos efeitos renais, neurotoxicidade e alterações na formação do esqueleto ósseo9. A existência de evidência audiométrica no presente trabalho realça a necessidade de estudos experimentais controlados, em animais, para tentar encontrar o sítio de alteração otológica mais provável.
A exposição ao cádmio pode ser monitorada através de sua dosagem no sangue e na urina. Foi verificado que podem ocorrer alterações neurológicas em indivíduos expostos ao cádmio, porém com função renal preservada e baixas concentrações do metal nos exames laboratoriais disponíveis30.
Uma maneira de tentar se assegurar que nenhum indivíduo exposto a agentes possivelmente ototóxicos em concomitância ao ruído, ou mesmo sem este, tenha alteração auditiva, é a realização de testes audiométricos periódicos. Dessa maneira poderão ser verificadas mínimas variações da função auditiva.
CONCLUSÕESA análise dos resultados obtidos no estudo com 36 trabalhadores ocupacionalmente expostos a fumos de cádmio e ruído e um grupo controle com 36 trabalhadores expostos somente a ruído, permitiu as seguintes conclusões:
1. A exposição ocupacional ao ruído levou à alteração auditiva no grupo controle.
2. A exposição ao ruído levou à alteração auditiva principalmente nas freqüências de 4000 e 6000 Hz.
3. Demonstrou-se que a associação entre exposição ocupacional ao ruído e aos fumos de cádmio levou à alteração auditiva mais acentuada do que a exposição isolada ao ruído.
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1 - Auxiliar de Ensino da Faculdade de Medicina do ABC.
2 - Doutor em Otorrinolaringologia pela UNIFESP, Vice-Coordenador da Pós-Graduação em Otorrinolaringologia da Comissão de Pós- Graduação do Hospital do Servidor Público Estadual - IAMSPE - SP
Trabalho baseado em dissertação de mestrado apresentada à Comissão de Pós-Graduação do Hospital do Servidor Público Estadual - IAMSPE - SP, sendo aprovada em defesa pública em 24 de agosto de 2000.
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