INTRODUÇÃONo Brasil, estima-se que existam cerca de 347.000 indivíduos surdos, muitos destes com indicação de implante coclear. Para os pacientes com pouca reserva coclear que não conseguem boa discriminação, mesmo com amplificação sonora, o implante coclear (IC) é uma alternativa para reabilitação da deficiência auditiva1. O implante coclear tem, como benefício, a melhora na qualidade da audição, melhora da percepção e produção da fala, proporcionando um ganho permanente e ascendente em qualidade de vida em diversos aspectos, como autossuficiência e socialização2-5. Desde a década de 70 até os dias atuais, estima-se que 400 mil pacientes já foram implantados6.
O IC substitui parcialmente as funções da cóclea, transformando a energia sonora em sinais elétricos7. A sobrevivência de estruturas neurais em quantidade suficiente no nervo coclear permite que esta estimulação elétrica seja transmitida para o córtex cerebral.
O procedimento cirúrgico para o IC é bem padronizado por meio da abordagem transmastoídea. A cocleostomia foi descrita pela primeira vez na década de 19808. Existem duas técnicas para inserção do implante coclear: via cocleostomia, em que é feito um broqueamento do promontório para inserção do IC, e via janela redonda (JR). Nesta última técnica, faz-se necessária uma menor perfuração do osso, reduzindo o trauma e perda de perilinfa e minimizando a entrada de pó de osso na escala timpânica9. Conservação da audição residual tem se mostrado possível e benéfica, devido à estimulação elétrica e acústica combinada, mas requer uma inserção do eletrodo não traumática para minimizar os danos a estruturas do ouvido interno e, consequentemente, menor degeneração do tecido neural6.
Existem diferentes maneiras para obter medidas objetivas do nervo auditivo em usuários de IC a partir da estimulação elétrica no sistema auditivo, como audiometria de tronco cerebral (ABR), as respostas de média latência e os potenciais tardios e a pesquisa do reflexo estapediano1. A Telemetria de Respostas Neurais (
Neural Response Telemetry - NRT) é uma técnica que permite a medida direta do ECAP (
Eletrically Evoked Compound Action Potential - ECAP) no intra ou pós-operatório em pacientes implantados e tornou-se importante para monitorizar corretamente o funcionamento do hardware externo, interno e para avaliar a estimulação da cóclea com a resposta neural10.
O objetivo deste estudo, prospectivo e transversal, é comparar a telemetria de resposta neural no pós-operatório imediato de 23 pacientes, de ambos os sexos, submetidos ao IC via cocleostomia ou via JR, para saber se existem diferenças na estimulação do nervo auditivo entre estas duas técnicas.
MATERIAL E MÉTODOSEste trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética Médica em Pesquisa em Seres Humanos sob número 004/2010, estando de acordo com as normas éticas estabelecidas pela Resolução nº 196/96 do Ministério da Saúde.
Foram avaliados 23 pacientes, sete homens e 16 mulheres. Seis pacientes foram submetidos à cirurgia do IC via cocleostomia e 17 pacientes via janela redonda. Em todos os pacientes foram usados implantes iguais da Cochlear Corporation. As cirurgias foram realizadas pelo mesmo cirurgião.
Os implantes cocleares multicanais usados constam de 22 bandas de eletrodos, numerados de 1 a 22, inseridos na cóclea, sendo o 22 o mais apical. Estes eletrodos foram agrupados da seguinte maneira para análise: 1-7 sons agudos, 8-15 sons intermediários, 16 a 22 sons graves. Esta divisão fez-se necessária porque durante a NRT nem sempre conseguíamos resposta neural no mesmo eletrodo sem mudarmos os parâmetros de avaliação e, assim, deixamos o próprio software escolher aleatoriamente dentro deste agrupamento os eletrodos para análise. Para comparação, tivemos que agrupar os eletrodos por faixa de frequência sonora em agudos, intermediários e graves para fazer as médias estatísticas, já que nem todos os eletrodos foram analisados individualmente.
A técnica cirúrgica para colocação do implante coclear consiste em: 1. Anestesia geral em crianças e local com sedação em adultos; 2. Acesso retroauricular com incisão de cerca de 3 cm; 3. Dissecção de subcutâneo e plano muscular; 4. Confecção de retalho de periósteo em Y; 5. Deslocamento de periósteo da calota craniana no local de colocação da unidade interna; 6. Mastoidectomia simples; 7. Timpanotomia posterior; 8. Cocleostomia localizada na região anteroinferior da JR, nos casos de colocação por cocleostomia, ou broqueamento do lábio superior da JR e abertura desta com estilete; 9. Inserção do feixe de eletrodos; 10. Telemetria de resposta neural; e 11. Fechamento por planos de camada muscular e pele com vicryl 3-0.
Todos os pacientes receberam alta hospitalar no mesmo dia, ficando com curativo compressivo por 2 dias. O uso de amoxicilina + ácido clavulânico fez-se de rotina por 10 dias. A ativação do implante se faz com 30 dias de pós-operatório.
O sistema de medição da Coustom Sound AutoNRT consiste dos seguintes elementos: 1. Computador com sistema Windows Vista Home Basic, processador Intel
® Pentium
® Dual; 2. Software version Custom Sound EP 2,0 (2.0.4.7298) e 3,2 (3.2.3855); 3. Interface de programação - POD; 4. Processador de fala - Freedom sound processor e
headset SPrint; 5. Implante Freedom Implant (Contour Advance). O software do NRT foi desenvolvido pelo Departamento de Engenharia da
Cochlear Corporation11.
Um computador equipado com uma interface de programação é utilizado para estimular eletrodos específicos dentro da cóclea. Uma série de pulsos de comunicação bidirecional de informação usando um código de rádio frequência são transmitidos da interface do processador Freedom através de uma antena externa colocada dentro de uma bolsa estéril sobre a pele, em cima do receptor-estimulador interno. Este código em radiofrequência controla os parâmetros de estimulação utilizados para evocar o ECAP. O receptor-estimulador interno do IC Freedom Contour é equipado com um amplificador e um conversor analógico-digital. Estes componentes adicionais permitem que a voltagem registrada em um par de eletrodos intracocleares seja amplificada, amostrada e transmitida de volta para a antena externa e, posteriormente, para a interface de programação. Estas voltagens são analisadas e a onda do ECAP resultante é mostrada em uma tela e seus dados podem ser armazenados no computador. O registro do ECAP consta de um pico negativo (N1), com latência de 0,2-0,4 ms, seguido por um pico positivo (P2) com latência entre 0,5-0,7 ms. A amplitude da resposta é medida de N1 até P2 e tem uma faixa entre 40-2000 µV. A amplitude de resposta varia com o nível de corrente e entre os indivíduos. Os parâmetros utilizados para medir o limiar da AutoNRT são: inicia-se a procura dos limiares em 170 CL unidades, o intervalo padrão entre os níveis de estimulação é de 6 CL unidades e a velocidade de estimulação é de 250 Hz.
RESULTADOSEntre os pacientes submetidos ao IC via JR, a idade mínima foi de 4 anos e a máxima de 84 anos, com média de 32 anos e 3 meses. Entre os submetidos à cirurgia via cocleostomia, a idade mínima foi de 4 anos e a máxima de 54 anos, com média de 19 anos.
Para a análise estatística, foi usado o teste de Mann-Whitney, teste não paramétrico que permite a comparação de dois grupos de amostras independentes de tamanhos diferentes.
A comparação das unidades de corrente média para os sons agudos (eletrodos de 1 a 7), entre as inserções do implante coclear via janela redonda e cocleostomia, não mostrou diferenças estatisticamente significativas (Tabela 1).
A comparação entre os sons intermediários (eletrodos de número 8 a 15) entre as duas técnicas não apresentou diferenças estatisticamente significativas (Tabela 2).
Finalmente, a comparação das unidades de corrente médias para sons graves entre cocleostomia e janela redonda na inserção do IC não mostrou diferenças estatisticamente significativas, conforme a Tabela 3.
DISCUSSÃONa cirurgia de implante coclear em pacientes surdos, a conservação dos tecidos estruturais durante a cirurgia não é essencial. No entanto, desde a introdução da estimulação elétrica e acústica combinadas em pacientes com resíduos auditivos, a conservação dos tecidos estruturais e preservação da audição durante a inserção do eletrodo tornou-se fundamental12. A perda de audição residual é o resultado de uma combinação de fatores, incluindo a técnica utilizada para criar o cocleostomia e os estímulos neuronais de eletrodos, bem como a localização da cocleostomia8. Com o advento dos novos eletrodos e maior ênfase na preservação da audição residual, tem havido interesse renovado no uso da janela redonda como um portal para a inserção do eletrodo8. Comparada com a cocleostomia via promontório, a inserção via janela redonda deve reduzir significativamente a quantidade de perfuração necessária para a colocação do eletrodo, dimuindo, assim, o risco de trauma e perda de perilinfa e minimizando, também, a entrada de pó de osso na escala timpânica8. Irregularidades no contorno da margem da janela redonda podem fazer a inserção desafiadora, que pode exigir a perfuração da margem anteroinferior8. Perfuração nessa região deve ser abordada com cuidados especiais por causa da proximidade da abertura do aqueduto coclear8.
O implante coclear requer uma programação de cada eletrodo para se obter níveis apropriados de estimulação elétrica. A unidade utilizada para a programação dos eletrodos é arbitrária e denominada "unidades de corrente" (UC). Um fator importante com relação ao IC é que a quantidade de corrente necessária para eliciar uma sensação auditiva é diferente para cada indivíduo e para cada canal de estimulação. Desta forma, os parâmetros de estimulação elétrica, no processador de fala, devem ser ajustados individualmente para adequarem-se às necessidades dos usuários. Isto é feito por meio de um processo denominado mapeamento.
Uma maneira mais direta de medir a função do nervo coclear é o potencial de ação composto eletricamente evocado (
Eletrically Evoked Compound Action Potential - ECAP). O ECAP reflete o disparo sincronizado das fibras do nervo coclear e é, de muitas formas, semelhante à onda I encontrada no ABR, ocorrendo em uma latência menor que 0,5 ms11. Em humanos, originariamente estas medidas podiam ser feitas apenas no intraoperatório ou por intermédio de implantes cocleares que utilizassem estimulação percutânea.
O reflexo estapediano pode ser medido em resposta ao estímulo elétrico na cóclea por meio de observação direta da contração do músculo estapédio, no ato cirúrgico, ou pelo uso de medidas padrões da impedância acústica no ouvido contralateral ao ouvido implantado. Os limiares do reflexo estapediano evocados eletricamente podem ser utilizados para estimar o nível C; porém, existe muita variabilidade nestas medidas tanto intra como intersujeitos. Além disto, segundo vários autores, estes reflexos não são registrados em aproximadamente 40% da população13,14.
Assim, a NRT é uma técnica que permite a medida direta do ECAP no intra ou no pós-operatório em pacientes implantados com maior sensibilidade, já que esta medida está presente em mais de 80% dos indivíduos avaliados. A técnica da NRT constitui uma ferramenta valiosa na confirmação da integridade do dispositivo interno, na determinação objetiva de quais eletrodos podem ser incluídos em um determinado mapa, das melhores velocidades de estimulação e estratégias de codificação da fala, bem como na estimativa dos níveis T que medem a quantidade de corrente que, primeiramente, induz uma sensação auditiva e níveis C, que são os níveis de sensação de intensidade máxima que o paciente irá aceitar para a estimulação elétrica, o que será de extrema importância clínica15.
A comparação da telemetria de resposta neural não apresentou diferenças entre a inserção do implante coclear via cocleostomia e via janela redonda, inseridos na escala timpânica. Na comparação das médias dos eletrodos de números 16 a 22, um paciente teve que ser excluído da análise (cocleostomia) já que não apresentava medidas de resposta neural na faixa de frequência de sons graves.
Em comparação, o estudo realizado por Karatas et al.8 demonstrou que a inserção do eletrodo, via janela redonda, oferece o melhor estímulo em relação à inserção do eletrodo através de uma cocleostomia via promontório, ao comparar electrically evoked stapedius reflex thresholds (ESRT) e o tempo de duração dos estímulos. Em suma, a melhor resposta foi definida para o menor tempo de resposta.
As duas técnicas de inserção do implante coclear já estão bem estabelecidas na literatura, sendo a técnica da cocleostomia a mais utilizada atualmente. O procedimento cirúrgico é escolhido conforme a preferência e treinamento do cirurgião, não havendo diferenças significativas entre o tempo cirúrgico e/ou risco de complicações entre as duas técnicas.
Como este trabalho apresenta resultados preliminares, não fizemos uma análise da estimulação neural comparando as faixas etárias. Sabemos que o nervo auditivo de uma criança responde melhor aos estímulos do que o de um idoso. Assim, em uma próxima etapa, necessitaremos randomizar os grupos quanto às distintas faixas etárias, para uma melhor conclusão de variáveis por este critério.
Este trabalho possibilita que novos estudos possam ser feitos, aumentando o tamanho das amostras, principalmente no que se refere à técnica de cocleostomia e à medição de todos os eletrodos no pós-operatório imediato. Assim como faz parte de um esforço técnico-científico para que possamos sempre buscar e alcançar os melhores resultados possíveis no estímulo sonoro e reabilitação auditiva dos inúmeros pacientes que apresentam surdez.
CONCLUSÃOOs resultados estatísticos comparativos desta pesquisa preliminar nos permitem afirmar que não há diferença significativa na captação do potencial de ação da porção distal do nervo auditivo por telemetria de resposta neural em pacientes usuários do implante coclear multicanal, submetidos à cirurgia via cocleostomia ou via JR, utilizando o próprio implante para eliciar o estímulo e gravar as respostas. Portanto, ambas as técnicas estimulam de maneira igual o nervo coclear e, baseado nisto, a escolha de uma técnica cirúrgica depende do cirurgião e de sua experiência profissional.
REFERÊNCIAS1. Gallégo S, Frachet B, Micheyl E, Truy E, Collet L. Cochlear implant performance and electrically-evoked auditory brain-stem response characteristics. Electroencephalogr Clin Neurophysiol. 1998;108(6):521-5.
2. Bond M, Mealing S, Anderson R, Elston J, Weiner G, Taylor RS, et al. The effectiveness and cost-effectiveness of cochlear implants for severe to profound deafness in children and adults: a systematic review and economic model. Health Technol Assess. 2009;13(44):1-330.
3. Damen GW, Beynon AJ, Krabbe PF, Mulder JJ, Mylanus EA. Cochlear implantation and quality of life in postlingually deaf adults: long-term follow-up. Otolaryngol Head Neck Surg. 2007;136(4):597-604.
4. Krabbe PF, Hinderink JB, van den Broek P. The effect of cochlear implant use in postlingually deaf adults. Int J Technol Assess Health Care. 2000;16(3):864-73.
5. Cohen SM, Labadie RF, Dietrich MS, Haynes DS. Quality of life in hearing-impaired adults: the role of cochlear implants and hearing aids. Otolaryngol Head Neck Surg. 2004;131(4):413-22.
6. Francis HW, Niparko JK. Cochlear implantation update. Pediatr Clin North Am. 2003;50(2):341-61.
7. Botros A, van Dijk BV, Killian M. AutoNR: an automated system that measures ECAP thresholds with the Nucleus Freedom cochlear implant via machine intelligence. Artif Intell Med. 2007;40(1):15-28.
8. Karatas E, Aud MD, Baglam T, Durucu C, Baysal E, Kanlikama M. Intraoperative electrically evoked stapedius reflex thresholds in children undergone cochlear implantation: round window and cochleostomy approaches. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2011;75(9):1123-6.
9. Roland PS, Wright CG, Isaacson B. Cochlear implant electrode insertion: the round window revisited. Laryngoscope. 2007;117(8):1397-402.
10. Mens LH. Advances in cochlear implant telemetry: evoked neural responses, electrical field imaging, and technical integrity. Trends Amplif. 2007;11(3):143-59.
11. Shallop JK. Objective measures and the audiological management of cochlear implant patients. Adv Otorhinolaryngol. 1997;53:85-111.
12. Adunka O, Unkelbach MH, Mack M, Hambek M, Gstoettner W, Kiefer J. Cochlear implantation via the round window membrane minimizes trauma to cochlear structures: a histologically controlled insertion study. Acta Otolaryngol. 2004;124(7):807-12.
13. Spivak, LG, Chute PM. The relationship between electrical acoustic reflex thresholds and behavioral comfort levels in children and adult cochlear implant patients. Ear Hear. 1994;15(2):184-92.
14. Spivak LG, Chute PM, Popp AL, Parisier SC. Programming the cochlear implant based on electrical acoustic reflex thresholds: patient performance. Laryngoscope. 1994;104(10):1225-30.
15. Ferrari DV, Sameshima K, Costa Filho OA, Bevilacqua MC. A telemetria de respostas neurais no sistema de implante coclear multicanal nucleus 24: revisão da literatura. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(1):112-8.
1. Mestrado (Professor Assistente do Departamento de Oftamo-Otorrinolaringologia do HC/UFPR).
2. Graduação em Medicina (Médico Residente em Otorrinolaringologia).
3. Médico Otorrinolaringologista (Médico Otorrinolaringologista do Instituto Paranaense de Otorrinolaringologia (IPO)).
4. Mestrado (Fonoaudióloga do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC/UFPR)).
5. Médica Otorrinolaringologista (Médica Otorrinolaringologista do Instituto Paranaense de Otorrinolaringologia).
6. Doutorado (Professor Titular do Departamento de Oftamo-Otorrinolaringologia do HC/UFPR).
Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná.
Endereço para correspondência:
Luiz Henrique Schuch
Av. Desembargador Westphalen 824, 1708-A
Curitiba - PR. CEP: 80230-100
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 8 de dezembro de 2011. cod. 8940.
Artigo aceito em 15 de janeiro de 2012.