ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
4324 - Vol. 78 / Edição 4 / Período: Julho - Agosto de 2012
Seção: Artigo Original Páginas: 52 a 58
Prevalência de perda auditiva incapacitante em Juiz de Fora, Brasil
Autor(es):
Letícia Raquel Baraky1; Ricardo Ferreira Bento2; Nádia Rezende Barbosa Raposo3; Sandra Helena Cerrato Tibiriçá4; Luiz Cláudio Ribeiro5; Marcelo M. V. B. Barone6; Natália Baraky Vasconcelos7

Palavras-chave: perda auditiva, saúde pública, surdez.

Keywords: deafness, hearing loss, public health.

Resumo: No Brasil, dados de prevalência da perda auditiva incapacitante (PAI) são escassos, o que impacta o conhecimento dos profissionais da saúde sobre a extensão desse problema.
OBJETIVOS: O presente estudo visou estimar a prevalência da PAI no município de Juiz de Fora, MG, identificar possíveis variáveis individuais relacionadas e verificar áreas de risco.
MATERIAL E MÉTODOS: Trata-se de estudo descritivo populacional seccional realizado de janeiro a outubro de 2009. Foram selecionados, aleatoriamente, 349 domicílios com 1.050 indivíduos com idade entre 4 dias e 95 anos. Os instrumentos de coleta foram: questionário estruturado da OMS, exame otorrinolaringológico e exames complementares. Teste de qui-quadrado e modelos de regressão de Poisson foram utilizados para análise.
RESULTADOS: A prevalência da PAI foi estimada em 5,2% (95% CI = 3,1-7,3) a qual foi classificada como moderada em 3,9% (95% IC = 0,001-0,134), grave em 0,9% (95% IC = 0,001-0,107) e profunda em 0,4% (95% IC = 0,001-0,095). Foi verificada correlação entre PAI e zumbido, idade acima de 60 anos e baixa escolaridade.
CONCLUSÕES: Os dados obtidos apontam para a necessidade de se criar programas de saúde auditiva direcionados aos grupos de risco, promovendo qualidade de vida em pacientes com surdez.

Abstract: Data on the prevalence of disabling hearing loss (DHL) in Brazil is scarce, which impacts healthcare professionals' knowledge on the extent of the problem.
OBJECTIVES: This study aimed at estimating DHL prevalence in the municipality of Juiz de Fora, Minas Gerais, to identify individual-related variables and find risk areas.
MATERIALS AND METHODS: This was a descriptive sectional population study held from January to October of 2009. We randomly selected 349 households with 1,050 individuals who with ages ranging between 4 days and 95 years. The data collection instruments were: WHO structured questionnaire, ENT examination and laboratory tests. Chi-square and Poison regression models were used for analyses.
RESULTS: DHL prevalence was estimated at 5.2% (95% CI = 3.1 to 7.3) which was classified as moderate in 3.9% (95% CI = 0.001 to 0.134), severe in 0.9% (95% CI = 0.001 to 0.107) and profound in 0.4% (95% CI = 0.001 to 0.095). We found correlation between DHL and tinnitus; age over 60 years and low educational level.
CONCLUSIONS: Our data obtained pointed to the need to create hearing health programs targeted to specific risk groups, promoting quality of life for hearing impaired patients.

INTRODUÇÃO

A habilidade de comunicação verbal é traço distintivo da espécie humana, com importância indiscutível em qualquer faixa etária1. A privação auditiva sensorial impacta a qualidade de vida dos indivíduos e de suas famílias nos âmbitos biológico e psicossocioambiental. A perda auditiva incapacitante (PAI) acomete 278 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo 2/3 em países em desenvolvimento2. Especialmente na infância, a perda auditiva (PA) pode acarretar distúrbios de desenvolvimento com atraso na aquisição da fala, linguagem, no amadurecimento emocional, educacional e social3.

A PAI em crianças (abaixo de 15 anos de idade) foi definida como a elevação permanente do limiar auditivo na melhor orelha para níveis acima de 30 dBNA e para níveis acima de 40 dBNA em adultos, usando tons puros nas frequências de 0,5, 1, 2 e 4 KHz4.

Surdez é a mais prevalente das doenças passíveis de serem diagnosticadas ao nascimento. Em estudo feito em Filadélfia, EUA, a surdez congênita foi duas vezes mais prevalente (220 em 100.000 nascimentos) que a soma das desordens metabólicas mais comuns5. Desde a última década, a triagem e o diagnóstico precoce da PA em recém-nascidos tem se disseminado de forma ampliada; no entanto, em países como a África do Sul, 90% da população não tem acesso à triagem auditiva neonatal6. No Brasil, a triagem auditiva neonatal universal (TANU) está prevista na lei e pode ser feita pelo Sistema Único de Saúde7.

A transição demográfica que vem ocorrendo no Brasil nas últimas décadas tem como uma de suas consequências o aumento da proporção de pessoas idosas na população8. Associado a isso, observa-se, também, o aumento da longevidade dos indivíduos. Estes fatos contribuem para o aumento da incidência da PA entre os indivíduos idosos e para uma prevalência crescente ao longo do tempo. Tais aspectos populacionais apontam para a importância do diagnóstico da PA em idosos, visto que esta interfere na conversação e predispõe à depressão9. O aumento da incidência e da prevalência de PA tem grandes consequências econômicas. Nos EUA, os custos com a perda auditiva fisiológica (presbiacusia) na faixa etária acima de 65 anos aproximam-se de US$ 8,2 bilhões por ano10.

De forma oposta à tendência universalizada envolvendo a pesquisa da saúde auditiva dos bebês, os esforços para o rastreamento e prevenção da PA na população adulta e idosa são insuficientes ou ausentes, principalmente no tocante aos fatores de risco e comorbidades11. Estudos sugerem que fumantes e diabéticos apresentam consideráveis riscos para desenvolver PA e poderiam se beneficiar do seu rastreamento e intervenção precoces12. Cabe ressaltar que estimativas ou dados importados de outros países não se ajustam às necessidades e realidades brasileiras.

Os resultados obtidos com este estudo poderão contribuir para que as autoridades de saúde de Juiz de Fora, MG, Brasil, possam subsidiar ações estratégicas no planejamento, implantação de programas de saúde auditiva e na alocação de recursos em saúde pública para este fim.

Os dados ainda poderão ser utilizados pelo Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OMS) para compor o desenho global da prevalência da PA.

Considerando a pertinência epidemiológica, o presente estudo objetiva estimar a prevalência da surdez incapacitante no município de Juiz de Fora, sua relação com as diferentes variáveis (sexo, idade, renda familiar, etnia, nível de escolaridade, entre outros), assim como a distribuição dos indivíduos portadores de PAI nas sete regiões administrativas deste município.


MATERIAL E MÉTODOS

Casuística e delineamento experimental


A prevalência da PAI foi estimada por meio de estudo populacional seccional, abrangendo faixas etárias de 4 dias a 95 anos, conduzido no período entre janeiro e outubro de 2009 no município de Juiz de Fora.

Para garantir a participação de domicílios de todas as áreas urbanas desta cidade, foram sorteados dois setores censitários para cada uma das sete regiões administrativas do município (central, leste, nordeste, norte, oeste, sudeste e sul). O tamanho da amostra (1.050 indivíduos) foi calculado considerando-se margem de erro de 2%, a prevalência estimada em 5% e o intervalo de confiança de 95%. Foi realizado um procedimento de amostragem aleatória sistemática dentro de cada setor censitário, coletando-se dados de uma em cada cinco residências. Foram incluídas todas as pessoas com residência permanente nos 349 domicílios sorteados e que aceitaram participar do estudo, mediante a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Foram excluídas as pessoas que não residiam no domicílio visitado, domicílios coletivos e casas comerciais.

Se o pesquisador não encontrasse a pessoa qualificada no domicílio para a entrevista, nova visita era feita com horário pré-agendado. Retornava-se três vezes em horários diferentes se houvesse necessidade. Em caso de abordagem frustrada na terceira vez, abordava-se o domicílio vizinho imediatamente à frente no percurso, imediatamente atrás e assim sucessivamente, até se encontrar uma pessoa qualificada para responder.

Os instrumentos de coleta foram baseados na tradução do WHO Ear and Hearing Disorders Survey Protocol for a Population-Based Survey of Prevalence and Causes of Deafness and Hearing Impairment and other Ear Diseases (WHO, 1999) e eram compostos por um questionário, exame otológico e exames complementares, incluindo audiometria tonal ou emissões otoacústicas transientes (EOAT). A coleta de dados foi feita por duas equipes; cada uma formada por um otorrinolaringologista, um fonoaudiólogo e três acadêmicos de medicina. A média de tempo gasto para coletar os dados em uma família com quatro pessoas era de 20 minutos.

O questionário validado, conforme modelo proposto pela OMS, sofreu algumas modificações, com inclusão de algumas questões sobre comorbidades. Os pesquisadores foram treinados utilizando um manual do questionário, também validado pela OMS, que objetivou a reprodutibilidade na coleta dos dados.

As principais variáveis preditoras avaliadas foram: idade, sexo, raça, renda familiar, escolaridade, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, zumbidos, tabagismo.

O exame realizado pelo otorrinolaringologista foi direcionado à inspeção do pavilhão auricular e otoscopia (otoscópio modelo K 100® 3,5V, Welch Allyn, USA), sendo feito antes dos exames audiométricos. As respostas foram anotadas na parte de avaliação clínica do questionário. Os espéculos utilizados foram descartáveis. O paciente tinha suas características preservadas antes da audiometria e, se necessário, a intervenção era feita depois da coleta dos dados, tal qual remoção de cerume em 67 pacientes ou encaminhamentos para procedimentos cirúrgicos. Com relação à otoscopia, foram encontrados nos indivíduos avaliados (n = 1050) otomicose bilateral 2 (0,2%), corpo estranho unilateral 2 (0,2%), com cerume bilateral 59 (5,6%) cerume unilateral 8 (0,7%), inflamação bilateral 3 (0,3%), eczema bilateral 2 (0,2%) no conduto auditivo externo e edema ou hiperemia bilateral 8 (0,7%), hiperemia unilateral da MT 1 (0,1%), rigidez ou retração bilateral 7 (0,6%) perfuração bilateral 3 (0,3%) timpanosclerose 5 (0,5%), atelectasia bilateral 1 (0,1%) atelectasia unilateral 1 (0,1%).

A fonoaudióloga (audiologista) optou pelas EOAT (OtoRead Portable OAE - Screener, Interacoustics®, Assens, Denmark) e um agogô de campânula grande, para o reflexo cócleo-palpebral para triagem auditiva dos menores de 4 anos. A audiometria tonal liminar foi realizada utilizando audiômetro calibrado (Diagnostic Audiometer AD 226, Interacoustics®, Assens, Denmark) nas crianças maiores de 4 anos e nos adultos. Foi realizada avaliação aérea, nas frequências de 1.000, 2.000 e 4.000 Hz. O local de realização do exame foi o mais silencioso do domicílio, escolhido mediante a medição do ruído ambiente com o decibelímetro (4189, Bruel & Kjaer). Adotou-se a classificação de PAI da OMS.

O projeto foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (nº 0214/08).

Análise estatística

As diversas variáveis pesquisadas foram descritas por meio de técnicas descritivas e exploratórias de dados. A significância da associação entre variáveis qualitativas pesquisadas com a característica auditiva dos indivíduos (presença ou não de perda auditiva incapacitante) foi determinada pelo teste do qui-quadrado (χ2). A variável quantitativa foi descrita pelo teste t de Student. As variáveis que apresentaram associação com a característica auditiva (p < 0,1) foram incluídas no modelo de regressão de Poisson para verificar a consistência da associação de cada variável com perda auditiva incapacitante, controlando-se pelas demais.

Os dados foram analisados utilizando o Statistical Package for Social Sciences for Windows (SPSS) versão 14.0 e STATA Data Analysis and Statistical Software versão 9.2.


RESULTADOS

Entre 349 residências nas quais houve entrevista, 238 tinham de um a três moradores e 1.050 indivíduos foram examinados. Na análise dos resultados, para evitar viés de estimação, aplicou-se ponderação por idade e sexo aos dados, de forma a se obter a equivalência necessária entre amostra e população13.

A distribuição por faixa etária e sexo da amostra foi comparada com a da população do Brasil (2010)14 e é mostrada na Tabela 1.




O nível auditivo da amostra populacional, avaliado por meio das EOAT ou audiometria e distribuída por idade e grau de perda, é mostrado na Tabela 2. Todas as crianças entre 0-3 anos não apresentaram PAI.




Com relação ao ruído ambiente, observou-se média geral de 58,95 dBNA (IC = 58,55 dB a 59,35 dB), sendo 58,94 dBNA no grupo com PAI, e 58,95 dBNA no grupo sem PAI (p = 0,995).

A área administrativa de Juiz de Fora está dividida em sete regiões. Foram encontrados nove casos de PAI na região norte, oito na nordeste, 16 na leste, 10 na central, nove na oeste, nove na sul e nove na sudeste, totalizando 70 casos, conforme apresentado na Figura 1. Os resultados das associações dos diversos fatores com PAI, para as análises bivariadas para os dois modelos de regressão, estão apresentados na Tabela 3.


Figura 1. Distribuição dos indivíduos portadores de PAI entre os setores sorteados delimitados nas regiões administrativas correspondentes do município de Juiz de Fora, MG, Brasil, 2011 (n = 70). PAI: perda auditiva incapacitante.




A prevalência da PAI foi estimada em 5,2% (95% CI = 3,1-7,3), sendo que a PAI foi classificada como moderada em 3,9% (95% IC = 0,001-0,134), grave em 0,9% (95% IC = 0,001-0,107) e profunda em 0,4% (95% IC = 0,001 - 0,095).


DISCUSSÃO

Quando comparados os dados da amostra deste estudo com os da população brasileira, observaram-se grandes semelhanças. A distribuição entre as faixas etárias do sexo masculino e feminino são representativas da população geral brasileira14.

O ruído ambiente foi avaliado em todos os domicílios segundo norma técnica da ABNT15 (Associação Brasileira de Normas Técnicas) 10.152 e não representou fator de interferência nos resultados. O ruído verificado no local onde foram realizados os exames audiométricos da população avaliada não mostrou diferença significante entre a média do nível de ruído verificado na casa de pessoas com e sem portadores de PAI.

No Brasil, um país emergente, que possui IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) 0,699 (PNDU, 2010)16, a preocupação com estudos acerca da prevalência da PAI é um fenômeno relativamente recente. Esta pesquisa foi a primeira a estudar a prevalência da PAI no sudeste do Brasil, feita com o protocolo da OMS. O sudeste do Brasil é a região mais desenvolvida economicamente, ocupa 10,86% do território nacional, abriga 44% da população brasileira e tem os três maiores estados em população17.

A prevalência de PAI em Juiz de Fora foi estimada em 5,2% (95% IC = 3,1-7,3). Esta estimativa é mais baixa que os dados obtidos de um estudo conduzido em Canoas, no sul do Brasil, no qual a prevalência foi estimada em 6,8%. A diminuição da prevalência encontrada deve-se, provavelmente, às ações governamentais, como campanhas de vacinação, programas de detecção precoce de surdez realizada nas maternidades, como a triagem auditiva neonatal universal (TANU), programa de protetização gratuita, entre outras ações7.

É importante ressaltar que pode haver correlação entre as prevalências de PAI no mundo em relação à classificação do IDH por país, como, por exemplo, seria esperado encontrar uma menor prevalência da PAI nos países com alto IDH. Isto pode ser observado na Dinamarca, por exemplo, em que há muito alto IDH (0,866), e 0,2% de prevalência de PAI18. No entanto, países com médio IDH, como Tailândia (IDH: 0654) e Sri Lanka (IDH: 0,658), apresentam altas prevalências de PAI, 13,6% e 9,0% respectivamente19. Ao contrário, um país pobre da África, como Serra Leoa, com muito baixo IDH (0,317) apresenta uma prevalência de PAI estimada em 1,15%, menor do que a de países desenvolvidos, como os EUA, com muito alto IDH (0,956) e cuja prevalência de PAI foi estimada em 1,2%20. Isto se contrapõe às informações sobre a saúde auditiva africana encontradas na literatura6,21.

Ainda hoje, estimativas precisas da prevalência de PAI baseadas em critérios objetivos são escassas, principalmente em países em desenvolvimento, devido ao investimento escasso em relação às pesquisas epidemiológicas6.

Quando se compara a prevalência estimada de PAI deste estudo (5,2%) com a de países europeus como a Dinamarca, com 0,2%18; Reino Unido, 3,9%22; Suécia, 3,3%23, pode-se concluir que a prevalência de PAI do sudeste do Brasil pode ser considerada alta. No entanto, quando comparada à prevalência de PAI encontrada na Índia - 10%24; na Nicarágua, estimada em 18%25; e México, 19%26; a estimada neste trabalho (5,2%) foi bem menor.

Após concluída a estimativa da prevalência da PAI no município de Juiz de Fora, foi realizado o georreferenciamento destes casos. Na região leste foi encontrado maior número de casos em relação às demais regiões. No entanto, não houve significância estatística (p = 0,131) (Figura 1).

A análise bivariada e a estimativa da razão de prevalência entre a PAI e as diversas variáveis isoladas foi realizada antes de entrar no modelo de regressão de Poisson. Os resultados estão apresentados na Tabela 3.

A prevalência de PAI na população com mais de 60 anos foi seis vezes superior à dos mais jovens. Mader27 define PA no envelhecimento como efeito combinado da presbiacusia, socioacusia e ruído ocupacional. Em concordância com Agrawal et al.28, que observaram aumento da prevalência da PA com a idade entre todos os grupos e Souza et al.12, que encontraram correlação entre presbiacusia e o avançar da idade, sexo masculino, diabetes mellitus (DM) e história familiar de presbiacusia. Em relação à idade, na Austrália, verificou-se prevalência de PAI em 13,4% na faixa etária de 55 a 99 anos, tendo sido a prevalência de PAI desse estudo em pessoas com mais de 60 anos estimada em 23,4%. Nos EUA, em pacientes com idade superior a 65 anos, estimou-se uma prevalência de PAI em 30%.

A prevalência de PAI nos indivíduos brancos foi 50% maior do que entre os não brancos. Bunch29 já observava que a presbiacusia atingia a população na seguinte ordem: homens brancos > mulheres brancas > homens negros > mulheres negras; achados estes reforçados por outros autores12,30.

A perda entre os homens foi 15% maior do que entre as mulheres. Este resultado é concordante com o de Bainbridge et al.20, que ressaltam o risco para PA como associados a sexo masculino, baixa escolaridade, ocupação industrial ou militar, os tempos livres de exposição ao ruído e ao tabagismo. A prevalência maior no sexo masculino ainda é corroborada por outros autores28,30.

A PAI entre os indivíduos com escolaridade mais baixa (até ensino fundamental) foi 130% maior quando comparada entre indivíduos com escolaridade mais elevada. Estudo realizado na Noruega confirma estes dados, em que foi encontrada uma prevalência de PAI 60% maior entre homens menos qualificados e trabalhadores braçais do que nos mais qualificados31.

Entre os indivíduos com zumbido, a PAI foi 202% maior do que entre os demais. Este resultado assemelha-se ao estudo de Martines et al.32, no qual os autores sugerem uma reorganização da via auditiva induzida por PAI nestes indivíduos, o que poderia ser uma das principais fontes da sensação de zumbidos. A deaferentação e neuroplasticidade são mecanismos que também contribuem para este processo. Ahmad & Seidman33 também sugerem que os danos responsáveis pelo surgimento dos diversos fatores que contribuem para o aparecimento e piora da PAI tendem a aumentar com a idade e estão relacionados com a piora do zumbido.

Entre os indivíduos com HAS, a PAI foi 311% superior à dos normotensos. Kannel34 refere a incidência de acidente vascular cerebral (AVC) como elevada em pacientes hipertensos. Przewoźny et al.35 relataram serem a HAS, AVC lacunar e presença de isquemia bilateral fatores de risco importantes para a PA em pacientes portadores de AVC. Estes dados são reforçados por Cruisckshanks et al.36 e contrários aos achados de Souza et al.12.

A prevalência de PAI entre os tabagistas foi 90% maior do que entre os demais. Em relação ao tabagismo, inicialmente não se verificou significância estatística na análise bivariada (p = 0,22). Entretanto, após ajuste das proporções em função do sexo e da faixa etária, passou a ser significante a associação com PAI (p = 0,02). Este achado é reforçado por um estudo realizado na Índia que encontrou diferenças nas EOAT de tabagistas37 e confirmados por Cruisckshanks et al.36 que, em pesquisa, mostraram que os tabagistas apresentavam uma chance de ter PAI duas vezes maior que os não tabagistas. Não obstante, a associação do tabagismo com dislipidemias parece agravar ainda mais a evolução da PAI, bem como antecedentes de HAS isolada ou associada a outros fatores de risco, os quais podem ser potencializadores do problema.

A cessação do tabagismo, redução da exposição ao ruído e o tratamento eficaz do DM e da HAS podem retardar o aparecimento da PA28.

Entre os indivíduos com diabetes, a PAI foi 50% maior do que no grupo normoglicêmico e este resultado está de acordo com Bainbridge et al.20, que encontraram prevalência da PA maior nos pacientes diabéticos, o que sugere que a PA pode ser uma complicação não reconhecida do diabetes.

No primeiro modelo, foram incluídas as variáveis que foram significantes quanto da análise bivariada (teste qui-quadrado). Na Tabela 3, estão as variáveis significantes no modelo multivariado. O tabagismo perdeu sua significância quando incluído no modelo 1 sendo as variáveis que mantiveram sua significância foram hipertensão arterial, nível de educação e zumbidos. No modelo 1, não foi incluída a variável idade porque ela é um fator de confundimento da associação das demais variáveis com PAI. Sua inclusão no modelo 2 teve o objetivo de verificar como a associação das demais variáveis com PAI era modificada. Observou-se que a inclusão da variável idade afetou de forma substancial a associação entre PAI e diversos fatores observados anteriormente.

Como algumas variáveis testadas em relação à PAI são fortemente relacionadas com a idade, em indivíduos mais idosos estes fatores ficam mais frequentes, assim como a perda auditiva. É possível que ao serem introduzidas no modelo, juntamente com o fator idade, a significância da associação entre estas variáveis e PAI fique muito reduzida. No modelo 2, além do fator idade, as outras variáveis significantes foram o zumbido e a baixa escolaridade. Estes indivíduos apresentaram prevalência de PAI 145% e 91% superior à dos demais, respectivamente. Os resultados deste modelo indicam que a prevalência de PAI entre as pessoas com mais de 60 anos foi aproximadamente seis vezes maior que as demais (Tabela 2).

A distribuição por faixa etária e sexo da amostra foi comparada com a da população do Brasil (2010)14, na qual se observou semelhança nos mesmos. Então, pode-se supor que os resultados deste trabalho possam ser parecidos aos que seriam encontrados para o Brasil.

Mais estudos acerca da prevalência da PAI são necessários, principalmente nos países em desenvolvimento. Os cuidados básicos e a prevenção são determinantes para o futuro produtivo e qualidade de vida do potencial portador de transtornos auditivos. O conhecimento epidemiológico das necessidades locais e regionais, considerando questões ambientais, genéticas e culturais, contribui para a otimização dos investimentos e para a implementação de ações planejadas de vigilância em saúde.


CONCLUSÃO

A prevalência de PAI para a população de Juiz de Fora, MG, foi estimada em 5,2 %. A relação entre as diversas variáveis socioeconômicas (idade, sexo, raça e renda familiar), cultural (nível de escolaridade), comorbidades (DM, HAS, zumbidos e tabagismo) e a PAI encontrada neste estudo mostrou prevalência de PAI maior nas pessoas com idade superior a 60 anos, com baixa escolaridade e quem tinha como sintoma o zumbido. As demais variáveis correlacionadas com a PAI não apresentaram significância estatística. Não foi detectada área de risco geograficamente determinada para ocorrência de PAI em Juiz de Fora.


REFERÊNCIAS

1. Ferreira MS, Almeida K, Atherino CCT. Audibility threshold for high frequencies in children with medical history of multiples episodes of bilateral secretory otitis media. Braz J Otorhinolaryngol. 2007;73(2):231-8.

2. World Health Organization. Deafness and hearing impairment. Disponível em http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs300/en/index.html. Acessado em 27 de maio 2010.

3. Tiensoli LO, Goulart LMHF, Resende LM, Colosimo EA. Triagem auditiva em hospital público de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil: deficiência auditiva e seus fatores de risco em neonatos e lactentes. Cad Saúde Publica. 2007;23(6):1431-41.

4. World Health Organization-WHO. Ear and Hearing Disorders Survey Protocol (Part 1: Survey methods). WHO: Geneva; 1999. Disponível em http://whqlibdoc.who.int/hq/1999/WHO_PBD_PDH_99.8(1).pdf, Acessado em dezembro 2008.

5. Elden LM, Potsic WP. Screening and prevention of hearing loss in children. Curr Opin Pediatr. 2002;14(6):723-30.

6. Theunissen M, Swanepoel D. Early hearing detection and intervention services in the public health sector in South Africa. Int J Audiol. 2008;47(Suppl 1):S23-9.

7. Lei nº 12.303, de 2 de agosto de 2010. Diário Oficial da União de 03/08/10 nº 147 - p. 1, Seção 1. Disponível em: http://ww.sbfa.org/boletins/leiaotoacustica 20100803.pdf. Acessado em 7 de novembro 2010.

8. Wong LLR, Carvalho JA. O rápido processo de envelhecimento populacional do Brasil. Rev Bras Estud Popul. 2006;23(1):5-26.

9. Carmo LC, Silveira JAM, Marone SAM, D'Ottaviano FG, Zagati LL, Lins EMDS. Audiological study of an elderly Brazilian population. Braz J Otorhinolaryngol. 2008;74(3):342-9.

10. Stucky SR, Wolf KE, Kuo T. The economic effect of age-related hearing loss: national, state and local estimates, 2002 and 2030. J Am Geriatr Soc. 2010;58(3):618-9.

11. Agrawal Y, Platz EA, Niparko J. Risk factors for hearing loss in US adults: data from the National Health and Nutrition Examination Survey, 1999 to 2002. Otol. Neurotol. 2009;30(2):139-45.

12. Sousa CS, Castro Junior N, Larsson EJ, Ching TH. Risk factors for presbycusis in a socio-economic middle-class sample. Braz J Otorhinolaryngol. 2009;75(4):530-6.

13. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. População Residente em Minas Gerais. Em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popmg.def Acessado em 10 de Junho 2010.

14. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. População Residente no Brasil, 2010. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popuf.def Acessado em 15 de novembro de 2011.

15. Brazilian Association of Technical Standards-ABNT. NBR 10152: Noise for Acoustic Comfort, 2000. Disponível em http://portal.mj.gov.br/corde/arquivos/ABNT/NBR15599.pdf. Acessado em 14 de Abril 2009.

16. Lista de IDH dos países wikipedia. http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo: Lista_de_países_por_Índice_de_Desenvolvimento_Humano Acessado em julho 2010.

17. Região Sudeste do Brasil. http://pt.wikipedia.org/wiki/Região_Sudeste_do_Brasil#Refer.C3.AAncias acessado em março de 2010.

18. Karlsmose B, Lauritzen T, Parving A. Prevalence of hearing impairment and subjective hearing problems in a rural Danish population aged 31-50 years. Br J Audiol. 1999;33(6):395-402.

19. Pascolini D, Smith A. Hearing Impairment in 2008: a compilation of available epidemiological studies. Int J Audiol. 2009;48(7):473-85.

20. Bainbridge KE, Hoffman HJ, Cowie CC. Diabetes and hearing impairment in the United States: audiometric evidence from the National Health and Nutrition Examination Survey, 1999 to 2004. Ann Intern Med. 2008;149(1):1-10.

21. Clark JL. Hearing loss in Mozambique: current data from Inhambane Province. Int J Audiol. 2008;47(Suppl 1):S49-56.

22. Davis A, Fortnum H, O'Donoghue G. Children who could benefit from a cochlear implant: a European estimate of projected numbers, cost and relevant characteristics. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 1995;31(2-3):221-33.

23. Johansson MS, Arlinger SD. Prevalence of hearing impairment in a population in Sweden. Int J Audiol. 2003;42(1):18-28.

24. Kumar S. Deafness and its prevention-Indian scenario. Indian J Pediatr. 1997;64(6):801-9.

25. Saunders JE, Vaz S, Greinwald JH, Lai J, MorinL, Mojica K. Prevalence and etiology of hearing loss in rural Nicaraguan children. Laryngoscope. 2007;117(3):387-98.

26. Montes de Oca E, Chavira CL, Rodríguez JA, Arreola Mendoza E. O.R.L. evaluation in five indigenous mexican ethnic groups. An Otorrinolaringol Mex. 1996;41(1):8-12.

27. Mader S. Hearing impairment in elderly persons. J Am Geriatr Soc. 1984;32(7):548-53.

28. Agrawal Y, Platz EA, Niparko JK. Prevalence of hearing loss and differences by demographic characteristics among US adults: data from the National Health and Nutrition Examination Survey, 1999-2004. Arch Intern Med. 2008;168(14):1522-30.

29. Bunch CC. Age variations in auditory defects. Ann Otolaryngol Head. 1929;9:625-36.

30. Béria JU, Rayman BCW, Gigante LP, Figueiredo ACL, Jotz G, Roithman R, et al. Hearing impairment and socioeconomic factors: a population-based survey of an urban locality in southern Brazil. Rev Panamer Salud Publ. 2007;21(6):381-7.

31. Helvik AS, Krokstad S, Tambs K. Socioeconomic inequalities in hearing loss in a healthy population sample: The HUNT Study. Am J Publ Health. 2009;99(8):1376-8.

32. Martines F, Bentivegna D, Martines E, Sciacca V, Martinciglio G. Characteristics of tinnitus with or without hearing loss: clinical observations in Sicilian tinnitus patients. Auris Nasus Larynx. 2010;37(6):685-93.

33. Ahmad N, Seidman M. Tinnitus in the older adult: epidemiology, pathophysiology and treatment options. Drugs Aging. 2004;21(5):297-305.

34. Kannel WB. Framingham study insights into hypertensive risk of cardiovascular disease. Hypertens Res. 1995;18(3):181-96.

35. Przewoźny T, Gasecki D, Narozny W, Nyka W. Risk factors of sensorineural hearing loss in patients with ischemic stroke. Otol Neurotol. 2008;29(6):745-50.

36. Cruickshanks KJ, Wiley TL, Tweed TS, Klein BE, Klein R, Mares-Perlman JA, et al. Prevalence of hearing loss in older adults in Beaver Dam, Wisconsin. The Epidemiology of Hearing Loss Study. Am J Epidemiol. 1998;148(9):879-86.

37. Vinay. Effect of smoking on transient evoked otoacoustic emissions and contralateral suppression. Auris Nasus Larynx. 2010;37(3):299-302.










1. Doutorado (Professora da residência médica em Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora).
2. Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP (Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia, Universidade de São Paulo - SP, Brasil).
3. Pós-doutorado (Professora Adjunta IV da Disciplina de Toxicologia da Faculdade de Farmácia da UFJF).
4. Doutorado (Professora da Faculdade de Medicina do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Juiz de Fora - MG, Brasil).
5. Doutorado (Professor do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Juiz de Fora - MG, Brasil).
6. Médico Otorrinolaringologista (Universidade Federal de Juiz de Fora - MG, Brasil).
7. Acadêmica em Medicina (Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora).

Endereço para correspondência:
Letícia Raquel Baraky
Av. Rio Branco, 2817/803
Juiz de Fora - MG. Brasil. CEP: 36010-012
Tel: 55 (32) 3216-0003. Fax: 55 (32) 3217-7999
E-mail: lebaraky@hotmail.com

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 1 de novembro de 2011. cod. 8876.
Artigo aceito em 25 de março de 2012.
Este trabalho foi apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), (projeto número: 2008/02866-7).
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia