INTRODUÇÃOCisto sacular da laringe é um cisto benigno raro, causado pela atresia do orifício do sáculo laríngeo ou pela retenção de muco das glândulas submucosas do ventrículo. Pode ter origem congênita ou adquirida. Nos casos adquiridos, podem ser decorrentes de intubação orotraqueal prolongada e cirurgia laríngea1.
O cisto sacular da laringe é uma das causas de estridor laríngeo no recém-nascido, sendo diagnóstico diferencial de laringomalácia, paralisia de pregas vocais, estenose subglótica congênita, web laríngeo e laringocele2. Pode causar comprometimento grave da via aérea; Porém, cerca de 50% dos casos são assintomáticos e diagnosticados apenas em exames de necropsia3.
O objetivo deste relato é demonstrar a importância do cisto sacular sobre o diagnóstico diferencial em neonatos com estridor laríngeo, seu tratamento e sua evolução.
APRESENTAÇÃO DO CASORecém-nascido a termo, de parto cesárea com sofrimento fetal e mecônio (Apgar 6, 8 e 9). Evoluiu logo após o nascimento com desconforto respiratório e suspeita de aspiração de mecônio, necessitando de intubação orotraqueal. Após a realização de radiografia de tórax, foi descartada a hipótese anterior, procedendo-se a extubação. A criança manteve estridor inspiratório e desconforto, principalmente aos esforços (choro e alimentação). Realizada nasofibroscopia, que mostrou lesão cística com expansão para prega ariepiglótica, sugerindo a presença de cisto sacular.
Com 48 horas de vida, foi submetido à cirurgia de alívio, com marsupialização do cisto. Evoluiu bem, com melhora do desconforto; Porém, manteve estridor laríngeo, que foi atribuído ao edema pós-operatório. Após uma semana, houve piora progressiva do desconforto e nova nasofibroscopia mostrou organização do edema com provável recidiva do cisto, sendo indicada nova abordagem cirúrgica.
Na cirurgia, devido à dificuldade para intubação e o melhor acesso à lesão, foi necessário realizar traqueotomia para obtenção de via aérea e melhor exposição do cisto, sendo realizada abordagem endolaríngea, com remoção da porção superior do cisto e marsupialização do mesmo (Figura 1). O exame anatomopatológico mostrou fragmentos de tecido fibromuscular e glândulas serosas e mucosas, recobertos por epitélio pseudoestratificado colunar ciliado escamoso não queratinizado.
Figura 1. A. Cisto sacular obstruindo totalmente a luz laríngea. B-Exposição da glote após afastamento do cisto. C-Cauterização do cisto com bipolar. D-Exposição da glote após ressecção completa do cisto.
A criança evoluiu bem no pós-operatório imediato, e foi retirada a cânula de traqueostomia nº 7º pós-operatório. A nasofibroscopia realizada nº 3º pós-operatório não mostrou recidiva do cisto.
DISCUSSÃOEmbora exista semelhança entre cisto sacular e laringocele, o cisto representa uma dilatação do sáculo laríngeo que não contém ar em seu interior e não se comunica com o lúmen laríngeo, diferentemente da laringocele. Clinicamente, o cisto pode causar quadro de dispneia, disfagia e estridor laríngeo, sendo necessário exame endoscópico em todos os pacientes e exames de imagem em casos que persistam dúvidas do diagnóstico.
O tratamento clássico do cisto sacular de laringe é a abordagem cirúrgica endoscópica. Hollinger et al.4, em 1978, propuseram, como tratamento inicial, a aspiração do conteúdo do cisto. Devido ao alto índice de recidiva da lesão, alguns autores advogam a marsupialização do teto do cisto como tratamento inicial, o qual é dissecado até sua base, no orifício do sáculo, e, então, amputado; como foi realizado em nosso caso na segunda cirurgia.
Podem-se utilizar, também, técnicas menos invasivas, como a ventriculotomia extendida por via endoscópica, que evita a traqueotomia e o acesso externo, diminuindo-se a morbimortalidade dos pacientes5.
Outra técnica cirúrgica utilizada é o acesso externo, que deve ser realizado quando houver recidiva do cisto após uma ou duas tentativas de ressecção endoscópica, na presença de componente extralaríngeo ou em cistos extensos. Embora menos conservador, o acesso externo tem menor índice de recidiva e, quando bem indicado, diminui o curso da doença e evita complicações pós-operatórias.
CONSIDERAÇÕES FINAISA avaliação otorrinolaringológica de neonatos com estridor laríngeo deve ser detalhada e minuciosa. A história e exame físico são extremamente importantes e incluem a realização de nasofibroscopia para descartar patologias nasais e laríngeas. Embora o cisto sacular tenha incidência rara, seu diagnóstico precoce possibilita a realização de tratamento definitivo, com melhora do desconforto respiratório, evitando intubação oro-traqueal prolongada e suas potenciais complicações.
REFERÊNCIAS1. DeSanto LW, Devine KD, Weiland LH. Cysts of Larynx -- classification. Laryngoscope. 1970;80(1):145-76.
2. Niparko JK, Moran ML, Baker SR. Laryngeal saccular cyst: an unusual clinical presentation. Otolaryngol Head Neck Surg. 1987;97(6):576-9.
3. Kristensen S, Tveterås K. Congenital Laryngeal cyst in infancy. A rare cause of life-threatening stridor. ORL J Otorrinolaryngol Relat Spec. 1986;48(3):150-5.
4. Holinger LD, Barnes DR, Smid LJ, Holinger PH. Laryngocele and saccular cysts. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1978;87(5 Pt 1):675-85.
5. Kirse DJ, Rees CJ, Celmer AW, Bruegger DE. Endoscopic extended ventriculotomy for congenital saccular cysts of the larynx in infants. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2006;132(7):724-8.
1. Professor Livre Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
2. Médico Assistente-Doutor da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
3. Médico Assistente-Doutor da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
4. Médico Assistente-Doutor da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
5. Médico em Especialização em Otorrinolaringologia na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Divisão de Clínica Otorrinolaringológica e no Departamento de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência:
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 12 de abril de 2011 . cod. 7704
Artigo aceito em 29 de agosto de 2011.