ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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4306 - Vol. 78 / Edição 3 / Período: Maio - Junho de 2012
Seção: Artigo Original Páginas: 105 a 115
Estudo da prevalência de hipoacusia em indivíduos com diabetes mellitus tipo 1
Autor(es):
Diego Augusto Malucelli1; Fernanda Justus Malucelli2; Vinicius Ribas Fonseca3; Bianca Zeigeboim4; Angela Ribas5; Fabiano de Trotta6; Thanara Pruner da Silva7

Palavras-chave: audiometria, diabetes mellitus, orelha, perda auditiva.

Keywords: audiometry, diabetes mellitus, ear, hearing loss.

Resumo: Diabetes mellitus (DM) é uma doença crônica causada pela não produção e uso inadequado de insulina. Enfermidade crônico-degenerativa. Complicações crônicas do DM, no sistema auditivo, podem causar atrofia do gânglio espiral, degeneração da bainha de mielina do VIII par craniano, diminuição de fibras nervosas na lâmina espiral ou espessamento das paredes capilares da estria vascular e das pequenas.
OBJETIVO: Verificar os limiares auditivos em indivíduos portadores de DM tipo 1.
MATERIAL E MÉTODOS: Estudo clínico envolvendo 60 indivíduos, divididos em Grupo Estudo (GE) e Grupo Controle (GC), indivíduos diabéticos e não diabéticos. Realizada anamnese, exame físico, otorrinolaringológico e exame audiométrico.
RESULTADOS:Quanto aos limiares de audibilidade, no GE, houve diferença estatisticamente significante nas frequências 250, 500, 10.000, 11.200, 12.500, 14.000 e 16.000 Hz em ambas as orelhas e médias das orelhas. Na comparação dos GE e GC, houve diferença estatisticamente significativa com maior probabilidade de ocorrência de hipoacusia em alguma frequência independente da orelha testada no GE.
CONCLUSÕES: Houve diferenças estatisticamente significativas nos achados audiológicos no GE quando comparado com GC, justificando avaliação audiológica completa em pacientes diabéticos tipo 1, incluindo audiometria de altas frequências.

Abstract: Diabetes mellitus (DM) is a chronic degenerative disease that impairs normal insulin production and use. DM chronic auditory complications may include spiral ganglion atrophy, degeneration of the vestibulocochlear nerve myelin sheath, reduction of the number of spiral lamina nerve fibers, and thickening of the capillary walls of the stria vascularis and small arteries.
OBJECTIVE: This paper aims to verify the hearing thresholds of individuals with type 1 DM.
MATERIALS AND METHODS: Sixty patients were enrolled in this trial and divided into case and control groups featuring diabetic and non-diabetic subjects respectively. All individuals were interviewed and underwent physical examination, ENT examination, and audiometric tests.
RESULTS: Statistically significant difference was observed in hearing thresholds of case group subjects at 250, 500, 10,000, 11,200, 12,500, 14,000 and 16,000 Hz for both ears and ear average. Case group subjects had higher likelihood of having hypacusis at any frequency regardless of ear than controls.
CONCLUSION: Statistically significant differences were seen in the audiological findings of case group subjects when compared to controls. Thorough audiological examination including high frequency audiometry is required for subjects with diabetes mellitus type 1.

INTRODUÇÃO

O diabetes mellitus (DM) é uma doença crônica decorrente da não produção adequada de insulina pelo pâncreas ou da incapacidade do organismo em utilizar de modo eficaz a insulina presente, levando a uma situação de hiperglicemia1. Essa deficiência é determinada geneticamente2.

É uma das principais enfermidades crônico-degenerativas, com prevalência variável de região para região. Estima-se que, em 2025, haverá o dobro de pacientes diabéticos, em relação aos números de 2000, em todo o mundo, totalizando cerca de 300 milhões de doentes1. Dados nacionais apontam para cerca de 5 milhões de brasileiros diabéticos, sendo que quase metade desconhece o fato de estar doente, não sendo raros os casos de diagnóstico tardio, principalmente em crianças e adolescentes2.

Há quatro tipos principais de DM: Tipo 1: provocado por reação autoimune, com consequente destruição das células beta pancreáticas; Tipo 2: distúrbio de ação, ou secreção de insulina; Diabetes secundário relacionado à predisposição genética, uso de drogas, fator causal desconhecido; Diabetes gestacional, aquele que se manifesta ou é diagnosticado durante a gestação1.

O DM tipo 2 é responsável por 80% a 90% de todos os casos e está intimamente relacionado à obesidade. O DM tipo 1 responde pelos 10% a 20% restantes, com incidência anual no Brasil de 8,4/100.000 habitantes. Dentre as complicações crônicas do DM, podem-se citar alterações nos olhos, rins, nervos cranianos, nervos periféricos, ouvido e sistema vascular. No sistema auditivo, o DM pode levar à atrofia do gânglio espiral, degeneração da bainha de mielina do VIII par craniano, diminuição de fibras nervosas na lâmina espiral ou espessamento das paredes dos capilares da estria vascular e das pequenas dentro do canal auditivo1.

Quando se fala de DM, há discordância de opiniões no que diz respeito às alterações patológicas provocadas no sistema auditivo. Cita-se, também, que há relatos de vários tipos de perdas auditivas encontradas em diabéticos. Uma delas é a de instalação gradual e progressiva, bilateral, sensorioneural, afetando, principalmente, as frequências altas e em pacientes idosos. Seria similar à presbiacusia, Porém, com perdas maiores do que as esperadas pela idade. Em contrapartida, há autores que relatam a possibilidade de ser uma perda auditiva sensorioneural precoce, localizada nas baixas e médias frequências, podendo ser súbita2.

Quanto à incidência da perda auditiva em pacientes com DM, observou-se que também não há consenso na literatura, variando de zero a 93%2.

À luz dos conhecimentos atuais, há indícios de que o DM possa causar perda auditiva, Porém não se pode afirmar que exista correlação nítida de causa e efeito. Sabe-se que uma série de variantes pode favorecer a associação entre as duas doenças, mas são necessários estudos mais criteriosos a fim de estabelecer o verdadeiro papel desses fatores. Como foi visto, diabetes e perda auditiva poderiam ser componentes dependentes entre si, ou até componentes de uma síndrome genética2.

Por ser uma patologia incurável, mas controlável, seu tratamento visa evitar complicações decorrentes de sua evolução crônica, tais como alterações vasculares, neurológicas e metabólicas2.

Sendo o diagnóstico de problemas metabólicos como causa de afecções da orelha interna de grande importância para o otorrinolaringologista e seus pacientes e considerando-se as divergências sobre o assunto, julga-se necessário um estudo mais aprofundado sobre os sinais e sintomas auditivos em indivíduos acometidos pelo DM insulino-dependente3.

Diante disso, o objetivo do presente estudo é verificar os limiares auditivos em indivíduos portadores de DM tipo 1.

Revisão da literatura

Muito se discute acerca da relação entre diabetes e alterações auditivas desde que foi cogitada pela primeira vez, em 1857, por Jordão, pois ainda não se conseguiu estabelecer uma relação exata entre ambas. Em geral, os dados literários apresentam-se divergentes. O estudo de Framingham acusou relação entre os níveis glicêmicos e a piora auditiva em mulheres. Em 1997, investigou-se a via central e periférica auditiva em pacientes com DM tipo 2 e concluiu-se que o receptor coclear é o principal afetado nos pacientes diabéticos, e que não há comprometimento das rotas auditivas centrais4.

Perda auditiva e diabetes mellitus

Atualmente, tem-se dado ênfase na relação entre DM e perda auditiva. As queixas que envolvem os sistemas auditivo e vestibular e as alterações do metabolismo dos glicídios e dos lipídios têm sido apontadas como um dos principais agentes etiológicos para perda auditiva, tinnitus e tontura5. Portanto, a população diabética deve ser considerada como grupo de risco para o desenvolvimento de doenças auditivas3.

Relatou-se um limiar auditivo médio mais elevado (maior perda auditiva) nos pacientes diabéticos com neuropatia quando comparados com grupo (diabéticos sem neuropatia) em todas as frequências de 250 Hz a 8.000 Hz, e que a perda auditiva encontrada no DM não segue um padrão similar ao da presbiacusia, em função da distribuição linear entre as frequências6.

Característica da perda auditiva e diabetes mellitus

Refere-se que nos pacientes com "diabetes in situ" (quando os exames de rotina não fazem o diagnóstico do diabetes), a perda auditiva costuma ser flutuante, característica da hidropsia secundária às alterações do gradiente sódio/potássio e à diminuição do potencial endococlear. Na evolução do quadro, a microangiopatia e a neuropatia diabética colaboram para a progressão da disacusia7.

A disacusia se apresenta de forma gradual e progressiva, bilateral, sensorioneural, principalmente em idosos, acometendo as frequências mais altas e podendo ocorrer perda súbita unilateral. A angiopatia e a neuropatia diabéticas, isoladamente ou associadas, têm sido implicadas como as principais responsáveis pelas alterações vestibulococleares por afetarem os vasos da orelha interna e a estria vascular2.

Causas da perda auditiva e diabetes mellitus

Propõe-se que a resistência à insulina e a hiperinsulinemia aumentariam a taxa de produção dos triglicérides8. Vários trabalhos mostram a associação dos distúrbios dos lipídios e glicídios em pacientes com vertigem, salientando o risco maior de aterosclerose ou infarto agudo do miocárdio9-12. Portanto, as alterações dos níveis séricos de insulina a longo prazo podem ser responsáveis pela aceleração do desenvolvimento de lesões ateroscleróticas nos pacientes diabéticos. Em 1972, foi publicado relato de uma senhora de 86 anos, diabética, com crises recorrentes de vertigem, cuja autópsia revelou degeneração parcial da divisão superior dos nervos vestibulares, Além de grave aterosclerose coronariana13. A degeneração foi interpretada como secundária à vasculopatia arterosclerótica da artéria vestibular anterior, confirmando a hipótese de que o distúrbio do metabolismo da glicose e insulina afeta a microcirculação.

Sabe-se que, para funcionamento adequado da orelha interna, é necessário equilíbrio do nível de insulina e aporte adequado de glicose. No DM, há glicose no sangue, mas ela não é capaz de entrar nas células da orelha interna, devido ao Déficit insulínico, dessa forma, levando aos distúrbios funcionais5. Esse pode ser um importante fator etiológico para disfunção labiríntica14.

Os principais mecanismos propostos são a interferência no transporte de nutrientes através de paredes capilares espessadas, redução do fluxo através de vasculatura estreitada e a degeneração secundária do VIII par craniano, causando neuropatia15-17.

A angiopatia acontece principalmente na estria vascular e no ligamento espiral. Estudos em ratos diabéticos sugerem que o prejuízo auditivo é primariamente causado por diminuição no número de células ganglionares espirais e, secundariamente, pelo edema da estria vascular18.

Alguns trabalhos, no entanto, insistem na progressão da hipoacusia pelo comprometimento das vias auditivas centrais (neuropatia), e não pela progressão da microangiopatia na cóclea19.

Foi descrita a atrofia dos neurônios do gânglio espiral e desmielinização do oitavo par em quatro indivíduos diabéticos. Demonstrou-se que a desmielinização é também a lesão inicial nos nervos periféricos das extremidades no diabetes e que há indícios que anormalidades no metabolismo da mielina podem ter importância na patogênese da neuropatia diabética. Mediante microscopia óptica, foram observadas: desmielinização do nervo auditivo, por degeneração da bainha de mielina, com pequenas alterações no axônio e fibrose do perineuro; atrofia grave do gânglio espiral com perda de células do giro basal e do giro médio da cóclea, Além de um decréscimo no número de fibras nervosas na lâmina espiral. Outros achados foram: redução no número das células ganglionares dos núcleos cocleares ventral e dorsal, pequena perda de células ganglionares no núcleo olivar superior, colículo inferior e corpo geniculado medial. Nos centros auditivos de ambos os lobos temporais, não foi observada nenhuma alteração específica diretamente atribuída ao DM20.

Há outros autores que acreditam ser a neuropatia a lesão primária da perda auditiva, argumentando que o material PAS positivo (ácido periódico de Schiff) encontrado na parede dos vasos é muito inespecífico, sendo encontrado também em outras doenças. Eles realizaram um estudo audiométrico em 20 pacientes com neuropatia periférica diabética, usando como controle 32 pacientes sem DM. Observaram que o limiar dos indivíduos com neuropatia periférica era sempre pior que o do grupo controle, em todas as frequências. E também que o limiar dos pacientes com mais de 60 anos era pior em ambos os grupos. A perda auditiva encontrada foi tipicamente sensorioneural, progressiva, mais intensa acima dos 60 anos21.

Outras possibilidades cogitadas pelos estudiosos seriam as síndromes genéticas, uma vez que se observam mais casos de hipoacusia em indivíduos diabéticos filhos de mulheres diabéticas. Desta forma, estaria relacionada à herança ligada ao DNA mitocondrial2.

Essa relação foi primeiramente referida e descreveu-se DM associada à deficiência auditiva sensório neural iniciada por volta dos 30 anos de idade em parentes maternos de uma família alemã22. Em 1992, foi descoberta uma mutação no DNA mitocondrial comum a todos os pacientes com diabetes e surdez de origem materna, que pertenciam a uma mesma família. Essa mutação consiste na substituição do nucleotídeo adenina pelo guanina no locus 3243 do gene tRNA codificador de uma leucina (gene tRNAleu)23.

Newkirk et al.24 relataram em seu estudo prospectivo a prevalência do DM e surdez de herança materna na população de diabéticos do Newcastle Hospital. Ressaltaram ser essa associação um novo subtipo de diabetes e que resulta da substituição de uma adenina por uma guanina na posição 3243 do gene mitocondrial tRNALeu (uur). Lembraram que essa síndrome era originalmente identificada como causa da síndrome MELAS (miopatia, encefalopatia, acidose lática e episódios repetidos de acidente vascular cerebral) e que a perda auditiva sensorioneural aparece como um sintoma adicional em cerca de 70% dos casos.

A possibilidade de relação com mutações no DNA mitocondrial foi levantada pela primeira vez por Luft et al.25, que descreveram um paciente com hipermetabolismo de origem não tireoidiana, cuja biópsia muscular mostrou, à microscopia óptica, células com inclusões paracristalinas nas mitocôndrias.

Essa relação veio a ser confirmada em 1986, quando Petty et al.26 descreveram um paciente com miopatia mitocondrial e deficiência auditiva. A incidência de deficiência auditiva de origem mitocondrial parece variar de 0,5 a 1,0% entre todas as causas relacionadas à origem genética. Nesses casos, pode ser classificada em dois grupos: sindrômica, quando a perda auditiva está relacionada a outras manifestações sistêmicas; ou não sindrômicas, quando só surdez.

Dados estatísticos revelam que a associação entre diabetes e surdez de herança materna corresponde a 1,5% de todos os casos de diabetes tanto na Holanda como no Japão27.

As características clínicas do DM relacionado à surdez de herança materna estão bem estabelecidas:

  • tipo de diabetes é insulino-dependente: na instalação do quadro, o diabetes pode ser não insulinodependente, mas, geralmente, evolui para insulinodependente, porque a alteração mitocondrial altera a secreção de insulina pelo pâncreas;
  • a herança é exclusivamente materna;
  • os pacientes são magros;
  • a idade de instalação fica abaixo dos 40 anos;
  • o tipo de deficiência auditiva é neurossensorial, inicialmente nas frequências agudas, progressiva e recrutante, sugerindo um acometimento puramente coclear27.


  • A angiopatia diabética tem sido caracterizada por proliferação endotelial, acúmulo de glicoproteínas na íntima e espessamento da membrana basal de capilares e pequenos vasos sanguíneos. também foi observado espessamento fibrótico da parede e estreitamento do lúmen da artéria auditiva interna. Constatou-se, ainda, acúmulo de substância PAS positiva (ácido periódico de Schiff) na parede dessa artéria, assim como nos vasos do modíolo e capilares da estria vascular20.

    Fukushima et al.28 avaliaram os efeitos da DM nos elementos cocleares em seres humanos. Concluíram que pacientes diabéticos tipo 1 podem cursar com microangiopatia coclear e subsequente degeneração das paredes laterais cocleares, assim como de células ciliadas.

    O metabolismo da glicose tem grande influência no ouvido interno e tanto a hipoglicemia como a hiperglicemia podem alterar seu funcionamento normal. Os pacientes com alterações do metabolismo da glicose, como acontece no diabetes, podem apresentar sintomas auditivos, vestibulares ou mistos7.

    A orelha interna destaca-se no corpo humano por sua intensa atividade metabólica, no entanto, essa estrutura não possui reserva energética armazenada, o que faz com que pequenas variações da glicemia influenciem seu funcionamento5,7,29. Na alteração metabólica na orelha interna, seja na liberação da insulina pelo pâncreas, seja alteração de receptores em nível de membranas celulares, há tendência de deslocamento de potássio da endolinfa para perilinfa e de sódio em sentido contrário, sendo esse o mecanismo desencadeador de vertigem, zumbido, hipoacusia e plenitude auricular5.

    A presença de neuropatia periférica ou retinopatia graves parece aumentar o risco de perda auditiva. Entretanto, não há associação entre a duração e a gravidade do diabetes e a perda auditiva30.

    Grupos com diabetes mellitus e maior chance de perda auditiva

    Existem determinados grupos que têm maior probabilidade de vir a adquirir uma perda auditiva por inúmeros fatores predisponentes. Entre esses grupos, estão os indivíduos que são submetidos à exposição ao ruído e ingestão de medicamentos ototóxicos ou apresentam alterações metabólicas7,31.

    As queixas auditivas são mais variadas, podendo-se apresentar desde hipoacusia flutuante até perdas auditiva neurossensoriais. Ocorrem, ainda, zumbidos e sensação de plenitude auricular7,31.

    Constatou-se que a perda auditiva nas altas frequências, similar à presbiacusia, pode se apresentar mais precocemente em diabéticos antes de 60 anos. Após essa idade, a perda auditiva apresenta menor diferença entre diabéticos e não diabéticos32.

    Metabolismo da orelha interna

    A importância do metabolismo aeróbico da glicose na manutenção do potencial endolinfático já foi documentada experimentalmente33. Embora as células ciliadas possam utilizar outros substratos para manter o potencial endolinfático como o glutamato, piruvato ou fumarato, nenhum deles é tão eficiente como a glicose34,35. Pode ser, ainda, detectada a presença de glicogênio na estria vascular, mas essa fonte alternativa de energia não suporta a alta demanda exigida para a manutenção desse potencial na ausência de glicose36.

    A hipoglicemia afeta o transporte ativo de sódio e potássio, levando a um desequilíbrio hidro eletrolítico na endolinfa. A endolinfa tem composição semelhante ao meio intracelular, rica em potássio e pobre em sódio. A perilinfa, ao contrário, é rica em sódio e pobre em potássio, assemelhando-se bastante ao meio extracelular. Como os líquidos são separados por uma membrana permeável, há tendência ao deslocamento de potássio da endolinfa para a perilinfa e do sódio em sentido contrário. Esse mecanismo passivo e espontâneo levaria à hipernatremia na endolinfa, com consequente deslocamento de água para esse compartimento. Isso provocaria o que se chama de "Hidrops Endolinfático" e suas repercussões clínicas: vertigem, zumbido, hipoacusia e plenitude auricular5.

    O diagnóstico de problemas metabólicos que afetam a orelha interna é muito importante para o otorrinolaringologista e seus pacientes, uma vez que esses pioram ao serem tratados com medicamentos mais popularmente empregados no tratamento das afecções labirínticas, tais como a cinarizina e a flunarizina, entre outros, que possuem ação vasoativa, a qual aumenta o consumo de glicose pelas células nervosas e agrava o distúrbio metabólico37.

    Alterações histológicas

    Nos casos de DM propriamente dito, as alterações observadas histologicamente são a microangiopatia e a neuropatia periférica, responsáveis pela dificuldade do fluxo sanguíneo terminal e pelo fornecimento irregular de glicose38. Alguns autores relatam, ainda, alterações celulares mínimas e comprometimento funcional das vias labirínticas centrais como complicação do DM inicial, que não apresenta relação com a neuropatia ou microangiopatia39-41.

    Um trabalho de revisão citou que a membrana basal do capilar é composta de proteínas do colágeno, que são comuns no tecido conectivo e também nos tecidos cicatriciais, visto que a síntese dessas substâncias aumenta em resposta a uma variedade de estímulos e injúrias. Os autores afirmaram que o espessamento da membrana basal do capilar associada com diabetes é considerado uma resposta proliferativa das células capilares à injúria. Os outros relataram, ainda, que esse espessamento é atribuído a repetidos episódios de morte de células endoteliais e regeneração (com retenção de células endoteliais necróticas na membrana basal e surgimento de novas camadas nessa mesma membrana, pela regeneração). Concluíram que uma grande variedade de estudos in vivo e in vitro é também consistente com essa hipótese, sugerindo que a síntese da membrana basal e a renovação tecidual estão aumentadas no diabetes e que a degradação da membrana basal está reduzida ou prejudicada42.

    Em um estudo dos ossos temporais de 32 indivíduos diabéticos, de várias faixas etárias43, os autores mostraram ser de maior interesse as alterações demonstradas nas preparações dos vasos sanguíneos da estria vascular quando coradas pelo PAS - MÉTODO de coloração que define bem membrana basal, matriz mesangial e hialinose. Nesse estudo, foi encontrado depósito maciço de PAS nas paredes dos capilares da estria vascular, que eram 10 a 20 vezes mais espessas que o usual e possuíam estrutura homogênea ou lamelar. As alterações eram semelhantes àquelas que podem ser vistas na aterosclerose, Porém, mais pronunciadas, ocorrendo somente na estria vascular. Esses autores observaram degeneração em outras partes do labirinto, todavia, correspondentes aos achados nos ossos temporais de pessoas não diabéticas, da mesma faixa etária.

    O estudo confirmou que a angiopatia não é generalizada, tendo a predileção por certos sistemas capilares da orelha interna, por exemplo, na estria vascular. Contudo, a partir dessa investigação, os autores afirmaram não poderem tirar conclusões sobre a natureza química do precipitado, pois várias substâncias são coradas por esse MÉTODO. Relataram que as alterações são típicas do diabetes, mas não específicas da doença, observando que a aterosclerose se reduz perifericamente, enquanto a angiopatia diabética aumenta de intensidade na região dos pequenos vasos43.


    MÉTODOS

    Casuística


    Participaram deste estudo 60 indivíduos de ambos sexos, divididos em dois grupos.

    Grupo 1: denominado Grupo Estudo (GE), constituiu-se de 30 indivíduos com DM tipo 1, sendo 17 (57%) do sexo masculino e 13 (43%) do sexo feminino, na faixa etária de 18 e 55 anos (média de 25,9 anos de idade e desvio padrão de 10,4).

    Grupo 2: denominado Grupo Controle (GC), constituiu-se de 30 indivíduos não diabéticos, que foram avaliados clínica e laboratorialmente, por meio de MÉTODOs convencionais (glicemia de jejum tendo como padrão valores de glicemia inferiores a 101), não apresentando história mórbida familiar de DM, sendo 17 (57%) do sexo masculino e 13 (43%) do sexo feminino, na faixa etária de 18 e 55 anos (média de 26,56 anos de idade e desvio padrão de 9,6).

    Foi realizado no Laboratório de Audiologia e foram excluídos, em ambos os grupos, indivíduos que apresentaram malformações, otite média crônica e rolha de cerúmen ou sangue.

    Este estudo foi aprovado pelo Comitê de ética em Pesquisa (CEP) sob protocolo número 009/2005. Os indivíduos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos.


    Método

    Realizou-se em ambos os grupos inicialmente uma anamnese, cuja finalidade foi obter dados relevantes sobre indicadores de sintomas otológicos e, para o grupo controle, dados indicativos de DM atual ou familiar.

    A seguir, realizaram-se os seguintes procedimentos:

    a) Avaliação otorrinolaringológica - realizou-se otoscopia com auxílio do otoscópio Welch Allyn modelo 20200 USA®, objetivando-se excluir alterações capazes de interferir nos resultados do estudo.

    b) Avaliação audiológica convencional - audiometria tonal limiar por via aérea nas frequências de 250 a 8000 Hz, por via óssea nas frequências de 500 Hz a 4000 Hz, seguida pelas determinações do limiar de reconhecimento de fala (LRF) e pelo índice percentual do reconhecimento de fala (IPRF), realizado em cabine acusticamente tratada para impedir a interferência de ruídos estranhos ao teste.

    Utilizou-se, para essa avaliação, o audiômetro modelo AC40®, marca Interacoustics, com fones TDH-39®, com limiares expressos em dBNA.

    c) Avaliação audiológica de altas frequências - pesquisaram-se os limiares auditivos nas altas frequências de 9000 Hz até 16000 Hz, com audiômetro já especificado, utilizando-se fones KOOS HV/PRO® digitais, com limiares expressos em dBNA.

    Audiometria de altas frequências avalia frequências que vão de 9000 até 18000 Hz; é um importante exame na detecção precoce de perdas auditivas localizadas na base do ducto coclear, antes que os efeitos característicos apareçam na faixa de frequência convencional, bem como também na monitorização da audição no uso de drogas ototóxicas, a fim de evitar que ocorram processos degenerativos no órgão espiral44.

    O equipamento encontra-se calibrado de acordo com os padrões ISO 8253. Para interpretação dos resultados em adultos, utilizou-se os Critérios de Davis e Silverman45,46. Para os indivíduos acima de 50 anos de idade, adotaram-se os padrões de análise propostos pela International Organization for Standardization Geneve (2000).

    Análise estatística

    Os resultados obtidos no estudo foram expressos por médias, medianas, valores mínimos, valores máximos e desvio padrão (variáveis quantitativas) ou por frequências e percentuais (variáveis qualitativas).

    Para a comparação dos grupos estudo e controle, em relação a variáveis quantitativas, foi usado o teste t de Student para amostras independentes e o teste não-paramétrico de Mann-Whitney.

    Em relação a variáveis qualitativas dicotômicas, os grupos foram comparados considerando-se o teste exato de Fisher. Valores de p < 0,05 indicaram significância estatística. Os dados foram analisados com o programa computacional Statistica v.8.0.

    Em todos os testes, fixou-se 0,05 em 5% como nível de rejeição da hipótese de nulidade e assinalaram-se com asterisco os valores significantes.


    RESULTADOS

    Comparação entre os grupos (controle e estudo) com relação aos limiares de audibilidade (dBNA) nas orelhas direita e esquerda, em ambos os sexos


    Na Tabela 1, são apresentadas estatísticas descritivas do limiar de audição de acordo com as frequências, os grupos e as orelhas estudadas. também são apresentados os valores de p dos testes estatísticos.




    As frequências em que houve diferença estatisticamente significativa com aumento do limiar audiométrico no GE quando comparado com o GC foram: 250, 500, 10.000, 11.200, 12.500, 14.000 e 16.000 Hz em ambas orelhas e nas médias de ambas as orelhas. Em 9.000 Hz apenas na orelha direita e na média de ambas orelhas.


    RESULTADOS

    Comparação entre os grupos (controle e estudo) com relação aos limiares de audibilidade (dBNA) nas orelhas direita e esquerda, em ambos os sexos


    Na Tabela 1, são apresentadas estatísticas descritivas do limiar de audição de acordo com as frequências, os grupos e as orelhas estudadas. também são apresentados os valores de p dos testes estatísticos.

    As frequências em que houve diferença estatisticamente significativa com aumento do limiar audiométrico no GE quando comparado com o GC foram: 250, 500, 10.000, 11.200, 12.500, 14.000 e 16.000 Hz em ambas orelhas e nas médias de ambas as orelhas. Em 9.000 Hz apenas na orelha direita e na média de ambas orelhas.

    Comparação dos grupos (estudo e controle) em relação à probabilidade de ter hipoacusia

    Na análise abaixo, considerou-se com "hipoacusia" o indivíduo que apresentou alteração auditiva em alguma frequência e em alguma orelha.

    Testou-se a hipótese nula de que a probabilidade de hipoacusia no GE é igual à probabilidade de hipoacusia no GC, versus a hipótese alternativa de probabilidades diferentes.

    Na Tabela 2 são apresentados os resultados do número de casos (percentual) de acordo com os grupos e o valor de p do teste estatístico.




    Houve diferença estatisticamente significativa com maior probabilidade de ocorrência de hipoacusia em alguma frequência, independentemente da orelha testada ou frequência estudada no GE, com 23 pacientes com hipoacusia quando comparados a 12 pacientes no GC.


    DISCUSSÃO

    Tay et al.47 relataram em seu estudo uma maior perda auditiva nos pacientes com DM nas frequências baixas e médias (p < 0.001), assim como outro estudo, de 1981, encontrou diferença significativa apenas na frequência de 2KHz48. Recente estudo com 5.140 pessoas, em 2008,49 constatou diminuição da capacidade auditiva para todas as frequências do som entre diabéticos, sendo essa mais importante para os sons de alta frequência. Nesta faixa, 54% dos diabéticos apresentaram alterações auditivas. Para sons de baixa ou média frequência, os diabéticos apresentaram alterações auditivas em 21% dos casos.

    O presente estudo encontrou maior probabilidade de alterações auditivas no GE, Além de concluir que as frequências em que houve diferenças estatisticamente significativas com aumento do limiar audiométrico no GE quando comparado com o GC foram: 250, 500, 10.000, 11.200, 12.500, 14.000 e 16.000 Hz em ambas as orelhas e as médias. Em 9.000 Hz, apenas na orelha direita e na média de ambas orelhas.

    A perda auditiva encontrada nos pacientes avaliados foi do tipo neurossensorial, com predomínio nas frequências altas. Das 88 orelhas testadas, 33 (37,5%) apresentaram perda auditiva, sendo 24 orelhas (72,7%) de grau leve e nove orelhas (27,3%) de grau moderado. Verificou-se que 12 sujeitos (27,3%) apresentaram perda auditiva bilateral5.

    A deficiência auditiva de origem mitocondrial é do tipo neurossensorial, bilateral, progressiva e simétrica. O grau da deficiência e a idade de instalação são variáveis, podendo a deficiência auditiva estar associada ou não a quadros sindrômicos, como a DM27. Conforme resultados deste trabalho, houve maior probabilidade de ocorrência de hipoacusia no GE (23 pacientes com hipoacusia) quando comparado ao GC (12 pacientes).

    Acuidade auditiva pode estar comprometida nos pacientes com alterações de metabolismo da glicose e alterações da ação da insulina, independentemente da idade. Marchiori & Gibrin3 referem que no GE em 36 pacientes apenas um indivíduo apresentou ausência de perda auditiva e no GC, dos 36 pacientes avaliados, 11 apresentaram perda auditiva. Este resultado é semelhante ao da presente pesquisa, que apresentou diferença estatisticamente significativa (p = 0,008) com maior probabilidade de ocorrência de hipoacusia no GE em 23 pacientes com hipoacusia quando comparado a 12 pacientes no GC.

    Salvenelli et al.30 encontraram em seu estudo uma maior deterioração da função auditiva na população com DM em relação ao controle, o que foi significante em todas as faixas etárias. O presente estudo encontrou resultados semelhantes, entretanto não realizou estudos estatísticos separando as diferentes faixas etárias.

    Alvarenga et al.1 observaram 33 indivíduos, sendo que, nos grupos controle e diabéticos, não houve nenhuma diferença estatisticamente significante entre os grupos, resultado discordante deste trabalho.

    Maia & Campos2 concluíram que não há evidências suficientes para estabelecer de forma sólida a relação entre DM como causa de perda auditiva. Afirmam também que em muitos trabalhos aparece a relação direta entre perda de audição e diabetes, Porém, há outros trabalhos que negam a existência de tal associação2.

    Maia & Campos2 apresentam uma relação de cinco trabalhos publicados na literatura e nos quais não encontraram relação entre DM e perda auditiva: Profazio & Barraveli (1959), Strauss et al.; (1982), Miller et al.; (1983), Axellson & Fagerberg (1968) e España et al.; (1995). E uma relação de 11 trabalhos nos quais encontraram relação entre DM e perda auditiva: Camisasca et al.; (1950), Jorgensen & Buch (1961), Tota & Bocci (1965), Marulo et al; (1974), Friedman et al; (1975), Taylor & Irwin (1978), Ferrer et al.; (1991), Cullen & Cinamond (1993), Tay et al.; (1995), Dalton et al.; (1998) e Karkalapudi et al.; (2003). Sendo que o presente trabalho concorda com a relação dos trabalhos em que se constatam associação entre DM e perda auditiva2.


    CONCLUSÕES

    Após avaliação audiológica, houve diferença estatisticamente significativa com aumento do limiar audiométrico no GE quando comparado com o GC nas frequências de 250, 500, 10.000, 11.200, 12.500, 14.000 e 16.000 Hz em ambas as orelhas e médias das orelhas. Em 9.000 Hz, apenas na orelha direita e na média de ambas as orelhas.

    Houve diferença estatisticamente significativa com maior probabilidade de ocorrência de hipoacusia, independentemente da orelha ou da frequência estudada no GE.

    Houve diferença estatisticamente significativa nos achados audiológicos no GE, quando comparado com GC, justificando avaliação audiológica completa nestes pacientes, pois o DM 1 é fator de risco para desenvolvimento de perda auditiva. Portanto, deve-se incluir audiometria de altas frequências na avaliação clínica.


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    1. Mestrado (Médico Otorrinolaringologista e Preceptor do Serviço de Otorrinolaringologista do Hospital da Cruz Vermelha - Filial do Paraná).
    2. médica Endocrinologista (médica).
    3. Doutor (Médico otorrinolaringologista e Preceptor do Serviço de Otorrinolaringologista do Hospital da Cruz Vermelha - Filial do Paraná e do Hospital Angelina Caron).
    4. Doutora (Coordenadora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Tuiuti).
    5. Doutora (Docente do Programa de Pós-Graduação da Universidade Tuiuti).
    6. Medico Otorrinolaringologista (Médico).
    7. Residente (médica Residente).

    Universidade Tuiuti do Paraná

    Endereço para correspondência:
    Dr. Diego Malucelli
    Av. Vicente Machado, 1243, Batel
    Curitiba - PR. CEP: 80420-011

    Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 27 de outubro de 2011 . cod. 8869.
    Artigo aceito em 3 de março de 2012.
    Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
    Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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