INTRODUÇÃOO ameloblastoma é uma neoplasia benigna que pode ser localmente invasiva. Entre as neoplasias odontogênicas, o ameloblastoma acomete os ossos do complexo maxilomandibular, constituindo o tumor odontogênico de maior significado clínico1. O termo ameloblastoma foi utilizado pela primeira vez em 1930, quando foi descrito um tumor odontogênico com formação de múltiplos cordões e lâminas celulares interconectadas, de origem epitelial e homólogas com a lâmina dentogengival do início da odontogênese2. Pode ter origem dos remanescentes da lâmina dental, epitélio reduzido do esmalte, restos epiteliais de Malassez ou da camada de células basais do epitélio de superfície3,4.
A classificação dessa neoplasia, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), situa a mesma como tumor derivado do epitélio odontogênico sem ectomesênquima5.
O ameloblastoma tem incidência relativamente baixa, compreendendo apenas 1% de todos os tumores e cistos da maxila e mandíbula, a maioria dos casos sendo diagnosticada entre a terceira e quinta décadas de vida6. é um tumor de crescimento lento, com poucos sintomas nos estágios iniciais7. Apesar de ser benigno, cursa com comportamento invasivo com alta taxa de recidiva, se não tratado adequadamente8.
O objetivo deste trabalho é fazer uma revisão descritiva dos casos de ameloblastoma admitidos num serviço de referência para tratamento de câncer de cabeça e pescoço.
PACIENTES E MÉTODOSO presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de ética em Pesquisa da instituição na qual foi realizado.
Foram analisados, retrospectivamente, 40 prontuários de pacientes com diagnóstico de ameloblastoma, de 1978 a 2011. Foram avaliadas características clínico-demográficas e histopatológicas destes casos. As variáveis analisadas foram: idade, gênero, etnia, localização do tumor, tipo de tratamento, complicação e recorrência. A análise estatística do estudo foi descritiva.
RESULTADOSNessa casuística, observaram-se 21 (52,5%) casos do gênero masculino e 19 (47,5%) do feminino. Vinte e quatro (60%) casos eram da etnia caucasiana e 16 (40%) não caucasianos. A média de idade foi de 35,45 anos (variando de 14 a 65).
A mandíbula foi o sítio mais acometido. Dezenove (47,5%) pacientes apresentavam tumor restrito ao corpo da mandíbula. Desses, cinco (12,5%) ultrapassavam a linha média. Oito (20%) apresentavam comprometimento do corpo e ângulo ou ângulo e ramo da mandíbula; em 10 (25%) casos a lesão avançava pelo corpo, ângulo, ramo e côndilo e três (7,5%) casos comprometiam a maxila, localização menos frequente (Figura 1).
Figura 1. Ameloblastoma de maxila - recorrência.
Assimetria facial foi a primeira queixa em 65% (26 casos). Trinta e três (82,5%) pacientes foram submetidos a procedimento cirúrgico. Destes, 24 (72,72%) foram submetidos à ressecção segmentar da mandíbula, cinco (15,15%) casos à enucleação ou curetagem, um (3,03%) à ressecção marginal da mandíbula e três (9,09%) à maxilarectomia. A reconstrução mandibular, quando indicada, foi realizada com miniplaca de reconstrução mandibular e/ou enxerto ósseo de crista ilíaca.
Em relação a complicações cirúrgicas, houve infecção de ferida em oito (24,24%) pacientes. Recidiva do tumor ocorreu em quatro casos (12,12%), três (9,09%) após curetagem e um (3,03%) após maxilarectomia. Dessa forma, evidenciou-se que dos três (9,09%) pacientes que apresentaram recidiva após curetagem, dois (6,06) eram do tipo plexiforme e um (3,03%), unicístico (Figura 2).
Figura 2. Ameloblastoma padrão plexiforme mostrando estroma com degeneração tipo cístico. HE 100×.
DISCUSSÃOA distribuição entre os gêneros foi praticamente igual, sendo 52,5% dos casos em homens e 47,5% em mulheres, achados concordantes com o descrito na literatura9. No nosso estudo, houve predomínio na raça caucasiana, com 60% dos casos.
O diagnóstico do ameloblastoma pode ser obtido por meio de radiografias panorâmicas feitas na rotina odontológica, denotando o crescimento intraósseo ou em casos mais avançados, nos quais há expansão da cortical óssea determinando assimetria facial, que foi a queixa mais comum na nossa série. Salienta-se que eram, em sua maioria, casos já tratados.
Em relação à localização, a mandíbula foi o local mais frequente, com 92,5%; três (7,5%) pacientes apresentaram tumor na maxila. A incidência dos ameloblastomas, quanto a sua localização anatômica, é quase exclusiva da mandíbula, ocorrendo em 80% a 97% dos casos. A ocorrência na maxila é rara, variando de 3% a 13%4,10. Segundo a literatura, na maxila, 47% dos casos são em região posterior e 15% em seio maxilar e assoalho de cavidade nasal11,12. Não há predileção por gênero. Na nossa experiência, dois casos eram posteriores e um caso, tratado anteriormente, acometia bilateralmente os seios maxilares. A raridade do ameloblastoma de maxila pode levar tanto a dificuldades para o diagnóstico quanto para o tratamento13.
Não há uma padronização na literatura quanto às regiões afetadas na mandíbula. Lunardi et al.8 sugerem divisão em áreas anatômicas e não em regiões dentárias, como é descrito por Reichart et al.9.
Por sermos um serviço referência de tratamento de câncer e o ameloblastoma ser um tumor benigno, os casos encaminhados ou eram avançados, com grandes deformidades faciais e ressecções complexas, ou já tinham sido submetidos a algum tipo de tratamento prévio, sem sucesso.
Na nossa casuística, 20 (50%) dos pacientes já haviam sido submetidos a algum tratamento cirúrgico. Dez (25%) casos apresentavam lesões extensas que comprometiam o corpo, ângulo, ramo e côndilo mandíbula, Além de cinco casos (12,5%) de lesão de corpo que ultrapassava a linha média e um caso (2,5%) de comprometimento da maxila bilateralmente, perfazendo um total de 16 (40%) casos de lesões extensas.
Há diversos métodos de tratamento, que incluem enucleação e/ou curetagem, ressecção marginal em bloco ou hemissecção (hemimaxilectomia ou hemimandibulectomia), crioterapia, radioterapia, sendo cirurgia a modalidade mais indicada. A escolha do tratamento depende do tamanho e do tipo de lesão, sua localização e condições gerais do paciente. No nosso estudo, 24 (72,72%) foram submetidos à ressecção segmentar, cinco (15,15%) casos à enucleação ou curetagem, um (3,03%) à ressecção marginal e três (9,09%) à maxilarectomia. A cirurgia é o único tratamento para ameloblastoma, devido a sua resistência à radioterapia14. Após a ressecção segmentar, é essencial reconstrução, seja com enxerto ósseo e/ou placa de titânio e parafusos15.
Em relação a complicações cirúrgicas, houve infecção de ferida em oito (24,24%), com necessidade de antibioticoterapia, dos quais dois tiveram perda do enxerto ósseo. Quatro (12,12%) pacientes apresentaram recidiva, três (9,09%) após curetagem e um (3,03%) após maxilarectomia.
O tratamento dos casos levantados neste estudo foi realizado apenas com resultado da biópsia de ameloblastoma. Não especificando o tipo histológico, fato pelo qual foi utilizada a reclassificação histológica15, que é de suma importância pelo comportamento das formas mais comuns (folicular, plexiforme e unicística) que apresentam e que influencia a terapêutica9. Para os tipos plexiforme e folicular, a cirurgia radical é o melhor procedimento, com margem de segurança de 1,5 a 3,0 cm e, para o tipo unicístico, a curetagem óssea é indicada16.
A recidiva da maxilarectomia bilateral ocorreu em um paciente procedente de outro serviço, com história prévia (cinco anos antes) de ressecção de ameloblastoma variante folicular de maxila. No nosso serviço, apresentava uma lesão de 15 cm no maior eixo, ocupando toda a estrutura facial, desde o soalho das órbitas até o palato duro, no sentido crânio-caudal, e desde as fossas nasais até a rinofaringe, no sentido anteroposterior.
CONCLUSÃOO ameloblastoma apresenta diagnóstico tardio em decorrência da sua pobre sintomatologia e baixa prevalência. A curetagem em nossa experiência não se mostrou um tratamento eficaz. Seu tratamento requer, preferencialmente, para os tumores avançados, a ressecção com margem de segurança e reconstrução imediata sempre que possível. Há uma necessidade de classificação histológica do ameloblastoma de rotina para sua caracterização morfológica e, assim, melhor definição terapêutica. Entretanto, o principal fator de sucesso no tratamento é o diagnóstico precoce e a primeira terapêutica eficaz, preferencialmente em Serviços especializados.
REFERÊNCIAS1. Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE. Patologia Oral & Maxilofacial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2004.
2. Ivey RH, Churchill HR. The need of a standardized surgical and pathological classification of tumors and anomalies of dental origin. Am Assoc Dent Sch Trans. 1930;7:240-5.
3. Hughes CA, Wilson WR, Olding M. Giant ameloblastoma: report of an extreme case and a description of its treatment. Ear Nose Throat J. 1999;78(8):568,570-2, 574.
4. Williams TP. Management of ameloblastoma: a changing perspective. J Oral Maxillofac Surg. 1993;51(10):1064-70.
5. Kramer IRH. The World Health Organization: Histological typing of odontogenic tumors: an introduction to the second edition. J Dent Assoc S Afr. 1992;47(5):208-10.
6. Gorlin RJ. Odontogenic tumors. In: Gorlin RJ, Goldman HM. (eds.) Thomas' Oral Pathology. St. Louis: Mosby; 1970. p.481-515.
7. Lucas RB. Ameloblastoma. In: Lucas RB. Patology of tumors of the oral tissues. Baltimore: Williams & Wilkins; 1964. p.30-54.
8. Lunardi LV, Fava AS, Martins RH, Homem MGN, Rapoport A, Carvalho MB. Tratamento cirúrgico do ameloblastoma com reconstrução de mandíbula com enxerto de crista ilíaca não vascularizado - estudo de sete casos. Rev Col Bras Cir. 2001;28(1):9-12.
9. Reichart PA, Philipsen HP, Sonner S. Ameloblastoma: Biological profile of 3677 cases. Eur J Cancer B Oral Oncol. 1995;31B(2):86-99.
10. Gold L. Biologic behavior of ameloblastoma. Oral Maxillofac Surg Clin North Am. 1991;3(1):21-7.
11. Iordanidis S, Makos C, Dimitrakopoulos J, Kariki H. Ameloblastoma of the maxilla. Case report. Aust Dent J. 1999;44(1):51-5.
12. Nastri AL, Wiesenfeld D, Radden BG, Eveson J, Scully C. Maxillary ameloblastoma: a retrospective study of 13 cases. Br J Oral Maxillofac Surg. 1995;33(1):28-32.
13. Chedid HM, Amar A, Rapoport A, Cardoso R, Curioni OA. Ameloblastoma de maxila: Estudo de 3 casos. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço. 2011;40(1):87-9.
14. Li KK, Fabian RL, Goodman ML. Malignant fibrous histiocytoma after radiation for ameloblastoma of the maxilla. J Oral Maxillofac Surg. 1997;55(1):85-8.
15. Vasan NT. Recurrent ameloblastoma in an autogenous bone graft after 28 years: a case report. N Z Dent J. 1995;91(403):12-3.
16. Martins RH, Andrade Sobrinho J, Rapoport A, Rosa MP. Histopathologic features and management of ameloblastoma: study of 20 cases. São Paulo Med J. 1999;117(4):171-4.
1. Médico Residente Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis, São Paulo/SP, Brasil.
2. Doutor em Patologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Chefe do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis, São Paulo/SP, Brasil).
3. Médico Residente Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis, São Paulo/SP, Brasil.
4. Médico Residente Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis, São Paulo/SP, Brasil.
Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis, São Paulo/SP, Brasil.
Endereço para correspondência:
Prof. Dr. Abrão Rapoport
Rua Cônego Xavier, 276
São Paulo - SP, Brasil. CEP: 04231-030
E-mail:arapoport@terra.com.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 29 de janeiro de 2012. cod. 9018
Artigo aceito em 26 de fevereiro de 2012.