INTRODUÇÃOA paralisia facial pode ser resultado de uma grande variedade de etiologias, incluindo infecciosas, neurológicas, congênitas, neoplásicas, traumáticas, sistêmicas e causas iatrogênicas1. A mais comum das paralisias é a de Bell ou idiopática, cuja incidência é estimada em 2025 casos por 100.000 habitantes por ano. O pico de incidência ocorre entre a segunda e quarta década (15 a 45 anos de vida). Ela ocorre com frequência igual entre os sexos e lados da face2. A avaliação e o tratamento da paralisia facial são particularmente complexos, devido à grande variação no potencial para a regeneração e a falta de indicadores confiáveis de prognóstico para a recuperação espontânea3. O tratamento atual da paralisia facial consiste em uma combinação de terapia farmacológica, fisioterapia facial e intervenção cirúrgica em casos selecionados4. As diferentes formas de intervenções se dividem nas paralisias agudas (até 8 semanas), paralisia de duração intermediária (8 semanas a 2 anos) e para paralisias crônicas (acima de 2 anos), cada qual com suas diferentes indicações e possíveis complicações. O tratamento da paralisia facial aguda pode envolver cirurgia de descompressão do nervo facial ou reparo ou enxertia primária do nervo em casos de sua ressecção ou transecção4. Qualquer estrutura próxima do trajeto do nervo facial está em risco durante a cirurgia de descompressão do nervo via transmastoidea. May & Klein5 observaram que a deficiência auditiva foi a complicação mais frequente (GAP aero-ósseo, perda neurossensorial e queda da discriminação).
O objetivo foi avaliar a possível perda auditiva após descompressão do nervo facial via transmastoidea e evolução do grau de paralisia nos casos de paralisia idiopática dos últimos 15 anos, operados no serviço (hospital escola).
MATERIAL E MÉTODOForam selecionados prontuários de 33 pacientes do ambulatório de otologia do serviço submetidos à descompressão do nervo facial via transmastoidea por paralisia facial periférica aguda idiopática nos últimos 15 anos. Foram comparados o grau da perda auditiva (pela verificação do SRT, perda neurossensorial nas frequências graves, e agudas (de 4000 Hz a 8000 Hz) e evolução da paralisia segundo a escala de House-Brackmann pré e pós-procedimento. Critérios de exclusão: pacientes previamente anacúsicos ipsilateralmente à paralisia, prontuário incompleto ou com falta de dados. Estudo analisado e aprovado pelo Comitê de ética e Pesquisa protocolo CEP 1601/10.
RESULTADOSDentre os prontuários dos pacientes avaliados, 17 eram do gênero masculino (52%) e 16 (48%) eram do gênero feminino. As idades variaram de 12 a 66 anos, com média de 36,8 anos.
Análise da perda auditivaA perda auditiva neurossensorial foi identificada em 20 pacientes (61%), sendo que a perda auditiva em agudos (frequências acima de 4 KHz) esteve presente em todos pacientes. O SRT foi mantido em 23 pacientes (70%). No entanto, desses pacientes, 10 (31%) apresentaram perda nas frequências agudas. Dos dez pacientes com variações no SRT, quatro apresentaram piora de 5 dB, cinco piora de 10 dB e um piora maior que 10 dB (Tabela 1).
Análise da melhora da PFP (escala de House-Brackmann)Foi utilizada a Escala de House-Brackmann para avaliar o grau de acometimento da paralisia facial periférica. Inicialmente, 29 pacientes (88%) apresentavam PFP grau V; três pacientes (9%), PFP grau IV e um paciente (3%) apresentava PFP grau VI. Após a cirurgia, sete pacientes (21%), 19 pacientes (58%) e sete pacientes (21%) apresentaram, respectivamente, PFP graus I, II e III.
DISCUSSÃOEste trabalho concorda com dados epidemiológicos da literatura sobre a faixa etária, acometendo, sobretudo, a população economicamente ativa (média: 36,8 anos), com leve predomínio do sexo masculino (52%)2,6. A paralisia de Bell é rapidamente progressiva e evolui durante 24 ou 48 horas. Ela é causada pelo edema que se acredita ser provocado por um insulto viral agudo ou ativação de uma infecção latente7. A isquemia do nervo facial então é causada pelo edema e sua compressão dentro do canal ósseo8. Ela é diferenciada de outras causas de paralisia facial pela ausência de trauma e pelo curso rápido da doença. Essa história de progressão rápida ajuda a diferenciá-la de paralisia facial secundária a tumores, que progride lentamente ao longo de semanas a meses. Paralisia facial secundária ao insulto viral é geralmente autolimitada. Dependendo da extensão do edema do nervo, a recuperação ocorre dentro de dias ou poucas semanas, mas pode levar até vários meses, em casos graves. Iniciando cedo o tratamento com esteroides, pode-se minimizar o edema progressivo, diminuindo ainda mais o dano do nervo e acelerar a recuperação.
Estudos têm mostrado resultados conflitantes sobre a eficácia do uso empírico de medicamentos antivirais. No entanto, valaciclovir foi recentemente associada à melhora da função do nervo facial em longo prazo9. Em pacientes que têm paralisia facial parcial, a recuperação costuma ser satisfatória (grau I ou II de House-Brackmann). A recuperação pode ser prolongada e incompleta para os pacientes que têm grau VI na escala House-Brackmann no início do quadro. Neste estudo, foram avaliados pacientes que em sua maioria possuíam paralisia grau V. Alguns autores defendem a descompressão do nervo facial se a degeneração do nervo é rápida e grave10. Embora a literatura apoie a descompressão do nervo para casos graves, a taxa de recuperação ainda continua a ser boa sem intervenção cirúrgica, muitas vezes reservada para pacientes com paralisia de repetição7. No entanto, constatou-se que houve melhora significativa em todos os pacientes operados, assim como os resultados obtidos por Yanagihara et al. 11, que, em um estudo caso-controle, submeteram 58 pacientes com paralisia idiopática a descompressão transmastoidea do nervo facial e observaram melhora estatisticamente significante na escala de House-Brackmann 60 dias após o procedimento.
Dessa forma, a indicação cirúrgica deve ser reservada aos pacientes em que houver uma perda da função do nervo maior que 90% em comparação do lado normal7. Nestes casos, a descompressão deve ser realizada dentro de duas semanas da completa paralisia facial. Este procedimento não é isento de risco. As estruturas mais vulneráveis a serem lesionadas são os ossículos e o labirinto, seguidos pelo próprio nervo facial5. Há poucos dados na literatura a respeito de complicações e perdas auditivas desta cirurgia. May & Klein5, em 1983, mostraram que perdas neurossensoriais (a princípio em agudos em frequências de 4000 a 8000 Hz) ocorrem em 51% dos casos, resultado pouco inferior aos encontrados neste estudo (61%). Uma possível hipótese para essa perda audiométrica, principalmente nas frequências agudas, é a transmissão da vibração pelo broqueamento próximo da cadeia ossicular, sobretudo a bigorna, e do labirinto ósseo.
CONCLUSÃOEsse estudo mostrou que uma alta porcentagem de pacientes submetidos à descompressão do nervo facial por Paralisia de Bell apresentou algum grau de perda auditiva após o procedimento. Entretanto, o grau de perda proporcional foi pequeno. Dessa forma, este procedimento cirúrgico não é isento de riscos; sua indicação, riscos e benefícios devem ser esclarecidos aos pacientes por meio do consentimento informado.
REFERÊNCIAS1. Melvin TA, Limb CJ. Overview of facial paralysis: current concepts. Facial Plast Surg. 2008;24(2):155-63.
2. Finsterer J. Management of peripheral facial nerve palsy. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2008;265(7):743-52.
3. Hadlock TA, Greenfield LJ, Wernick-Robinson M, Cheney ML. Multimodality approach to management of the paralyzed face. Laryngoscope. 2006;116(8):1385-9.
4. Mehta RP. Surgical treatment of facial paralysis. Clin Exp Otorhinolaryngol. 2009;2(1):1-5.
5. May M, Klein SR. Facial nerve decompression complications. Laryngoscope. 1983;93(3):299-305.
6. Holland NJ, Weiner GM. Recent developments in Bell's palsy. BMJ. 2004;329(7465):553-7.
7. Danner CJ. Facial nerve paralysis. Otolaryngol Clin North Am. 2008;41(3):619-32.
8. Selesnick SH, Patwardhan A. Acute facial paralysis: evaluation and early management. Am J Otolaryngol.1994;15(6):387-408.
9. Gilden DH, Tyler KL. Bell's palsy -- is glucocorticoid treatment enough? N Engl J Med. 2007;357(16):1653-5.
10. Gantz BJ, Rubinstein JT, Gidley P, Woodworth GG. Surgical management of Bell's palsy. Laryngoscope. 1999;109(8):1177-88.
11. Yanagihara N, Hato N, Murakami S, Honda N. Transmastoid decompression as a treatment of Bell palsy. Otolaryngol Head Neck Surg. 2001;124(3):282-6.
1. Médico Otorrinolaringologista formado pela Disciplina de Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço da UNIFESP/EPM (Fellowship em Otologia -Disciplina de Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço da UNIFESP/EPM).
2. Médico Otorrinolaringologista (Fellowship da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço da UNIFESP/EPM).
3. Fonoaudióloga da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço da UNIFESP/EPM.
4. Professor Livre Docente Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica e Setor de Otologia da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço da UNIFESP/EPM.
Endereço para correspondência:
Rua Pedro de Toledo, 947, Vila Clementino
São Paulo - SP
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 21 de novembro de 2011. cod. 8914.
Artigo aceito em 18 de dezembro de 2011.