INTRODUÇÃODesde os primeiros estudos histológicos1 da prega vocal (PV), que demonstraram a íntima relação entre a fisiologia da produção do som e a estrutura da lâmina própria (LP) das pregas vocais, essa região tem despertado a atenção dos laringologistas em todo mundo.
A PV possui uma LP rica em glicosaminoglicanos (GAG), que são as proteínas intersticiais responsáveis pelo preenchimento e pela viscosidade dos tecidos.
O ácido hialurônico (AH), um dos principais GAG da LP, possui alta densidade de cargas negativas em sua estrutura. Isso o torna altamente hidrofílico, fazendo-o ser o grande responsável pela viscosidade, fluidez e preenchimento tecidual2-4.
Vários tipos de distúrbios podem alterar a quantidade de AH das PV e comprometer a qualidade da fonação, sendo o envelhecimento um dos mais prevalentes. Características glóticas indicativas de presbilaringe, como PV arqueada e proeminência dos processos vocais, têm sido descritas por vários autores5-7 e sugerem redução da turgência da LP, com possível redução da concentração de AH.
Outros autores descreveram os efeitos do envelhecimento sobre proteínas fibrosas, mostrando atrofia das fibras elásticas e aumento da densidade das fibras de colágeno da LP8,9.
Apesar de também ter sido demonstrada uma diminuição na expressão de genes que codificam a AH sintase nas pregas vocais de ratos idosos10, as tentativas de quantificar as diferenças na quantidade de AH relacionadas com o envelhecimento não foram bem sucedidas e requerem estudos metodologicamente mais específicos11,12. MÉTODOs de coloração de tecidos que simultaneamente identificam vários tipos de GAGs são, muitas vezes, erroneamente utilizados para avaliar a quantidade de AH.
O objetivo deste estudo é comparar a concentração de ácido hialurônico em PV de ratos do gênero feminino jovens e idosas.
MATERIAIS E MÉTODOSO projeto de pesquisa foi analisado e aprovado pelo Comitê de ética em Pesquisa, tendo sido realizado estudo experimental.
Usamos as PV de 13 ratas Wistar-sp fêmeas, com cerca de 250 gramas. Foram considerados ratos idosos aqueles com idade próxima aos 24 meses.
Incluímos oito ratas do gênero feminino jovens e cinco ratas do gênero feminino idosas, não gestantes e não puérperas, sem uso prévio de qualquer tipo de medicamento e com alimentação
ad libitum. A laringe foi removida cerca de 2 minutos após o sacrifício e foi conservada em microtubos tipo eppendorf com acetona.
Preparação de amostrasAs duas pregas vocais de cada rata fêmea foram retiradas da laringe e fragmentadas em pequenas partículas. O tecido foi pesado após a centrifugação e secagem, tendo sido, então, submetido à digestão das proteínas com o uso de protease (maxatase alcalino protease; Biocon do Brasil Industrial, Rio de Janeiro, Brasil). Após a inativação da protease por meio de fervura, as amostras foram centrifugadas e a camada flutuante foi coletada para a quantificação do AH.
Quantificação AHPara a determinação do AH, realizamos MÉTODO fluorimétrico utilizando a proteína de ligação ao ácido hialurônico (PLAH)13. A PLAH é isolada da cartilagem bovina e compreende a região globular de um proteoglicano denominado agrecan. No nosso estudo, ela foi usada imobilizada em placas de
enzyme-linked immunosorbent assay (ELISA), semelhante a um anticorpo de ligação, e também como uma sonda conjugada à biotina, funcionando como um anticorpo secundário marcado.
As placas de ELISA foram revestidas com PLAH e incubadas com amostras contendo soluções-padrão de ácido hialurônico (000-500 mg/l), para servir como curva padrão da fluorescência, e com a solução amostra obtida a partir do PV, em triplicado.
Posteriormente, as placas de ELISA foram lavadas e a PLAH conjugada à biotina foi adicionada. Após novo processo de lavagem, adicionou-se estreptavidina marcada com európio. Após a liberação do európio da estreptavidina com o uso da solução de
enhancement, a fluorescência final foi medida em um fluorímetro.
Os dados foram interpretados e analisados por meio do teste não paramétrico de Mann-Whitney.
RESULTADOSA Tabela 1 mostra a idade média dos ratos de acordo com os grupos de comparação, seguido pelo desvio padrão de cada grupo. Pode-se notar a grande diferença de idade entre o grupo de ratas fêmeas idosas e jovens.
O grupo de jovens tem idade média de 135,5 dias e é formado por adultos sexualmente maduros. Por outro lado, o grupo de ratas idosas possui média de idade de quase dois anos.
A Tabela 2 mostra a concentração de AH de cada amostra de acordo com os grupos.
Para comparar os grupos, foi aplicado o teste não paramétrico Mann-Whitney (Tabela 3). Podemos, então, observar uma diferença significativa na concentração de AH entre os grupos de ratas idosas e jovens. As ratas idosas têm menor concentração de AH na PV.
DISCUSSÃOUm dos primeiros estudos para detectar GAGs na LP utilizou imunohistoquímica para identificar o receptor de AH, uma vez que os anticorpos não são capazes de se ligar diretamente ao AH2.
Outros autores11 estudaram o ácido hialurônico com a coloração de Ferro Colloidal de Muller-Mowry, que identifica mucopolissacarídeos ácidos e, portanto, cora vários tipos de GAGs. A quantificação ocorreu por comparação colorimétrica de lâminas antes e após o tratamento com hialuronidase testicular, que digere ácido hialurônico, mas também digere o GAG sulfato de condroitina. Usando uma amostra de 10 homens e oito mulheres e com um MÉTODO inespecífico de identificação e quantificação de AH, este estudo foi o primeiro a fazer comparações com relação ao gênero, mostrando maior concentração de AH em homens.
Também usando coloração de Ferro Colloidal de Muller-Mowry, outros autores12 observaram a presença de AH na LP de PV humanas e fizeram comparações entre sexo e idade. Eles utilizaram nove laringes masculinas adultas (de 34 a 52 anos), sete laringes femininas adultas (de 21 a 41 anos), quatro laringes masculinas idosas (de 65 a 77 anos) e cinco laringes femininas idosas (de 65 a 82 anos). Os autores concluíram que, em relação ao gênero, as mulheres tinham menos AH na camada superficial da LP. Todavia, nas regiões mais profundas, a quantidade de AH ultrapassou a dos homens. Quanto à idade, a diferença colorimétrica não foi significativa.
Outro método de coloração tecidual inespecífico que cora simultaneamente vários tipos de GAGs é o Alcian Blue. Alguns autores têm utilizado este MÉTODO de coloração, sem digestão por hialuronidase, para a identificação de mudanças do AH na LP relacionadas à idade14. Esses autores utilizaram oito ratos jovens e oito ratos idosos e encontraram valores mais baixos no grupo de idosos.
Diferentemente dos estudos anteriores, nosso estudo utilizou um MÉTODO de quantificação específico para o AH, o qual fornece sua concentração em nanogramas por miligrama de peso seco13.
Outros autores também utilizaram esse mesmo MÉTODO de fluorescência para a quantificação de AH na prega vocal humana15. No entanto, eles não estudaram possíveis diferenças na concentração de AH em relação à idade.
Nosso estudo utilizou pregas vocais de ratos e, devido ao pequeno tamanho da PV do rato e pela impossibilidade de separar a lâmina própria da musculatura subjacente, toda a profundidade da prega vocal foi quantificada. Portanto, nossos resultados refletem a concentração de AH na lâmina própria e no músculo tireoaritenoideo juntos.
A maioria dos estudos que usam PV humana como material remove a laringe várias horas após a morte, mas, em nosso estudo, o tempo médio decorrido entre a morte e a fixação do tecido foi de 2 minutos. Considerando que os GAGs são substâncias que se degradam rapidamente, a rápida fixação das PV contribuiu para aumentar a exatidão dos nossos resultados.
A manipulação da via aérea antes da morte e o tempo decorrido entre a morte e a fixação da prega vocal são fatores que têm um alto potencial para causar viés. A possibilidade de evitar esses erros reforça as vantagens já descritas do uso de camundongos como modelo animal para estudar as pregas vocais16. Além disso, a capacidade de comparar linhagens genéticas controladas com menor variabilidade entre os indivíduos faz com que os grupos de comparação sejam mais homogêneos e os resultados mais confiáveis.
Ratos idosos são muito difíceis de se obter, devido à sua alta mortalidade. Alguns autores têm demonstrado que a espé cie de ratos Wistar possui longevidade máxima de 34 meses e atinge a sua senescência por volta de 24 meses de idade, momento em que a taxa de mortalidade é de 50%17,18. Essa dificuldade na obtenção de amostras de ratos idosos foi a razão por não termos ratos machos em nosso estudo.
Sabe-se que o conhecimento profundo da LP da prega vocal requer uma compreensão das diferentes funções de cada uma das substâncias envolvidas no mecanismo de vibração da PV. Assim, o ácido hialurônico, como um dos principais componentes da matriz extracelular, é de fundamental importância para a flacidez da onda mucosa da prega vocal e para uma ótima qualidade vocal.
Por isso, acreditamos que este estudo possa contribuir com informações importantes. Com um MÉTODO preciso, que nos fornece a concentração tecidual de AH em relação ao peso seco, nosso estudo demonstrou que o envelhecimento reduz a quantidade de AH na PV de ratas.
CONCLUSÃOOs resultados nos permitem concluir que a prega vocal de ratas fêmeas idosas possui menor concentração de ácido hialurônico que a concentração da prega vocal de ratas fêmeas jovens.
REFERÊNCIAS1. Hirano M. Phonosurgery: basic and clinical investigations. Otologia (Fukuoka). 1975;21(suppl 1):299-303.
2. Pawlak AS, Hammond T, Hammond E, Gray SD. Immunocytochemical study of proteoglycans in vocal folds. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1996;105(1):6-11.
3. Gray SD, Titze IR, Chan R, Hammond TH. Vocal fold proteoglycans and their influence on biomechanics. Laryngoscope. 1999;109(6):845-54.
4. Chan RW, Gray SD, Titze IR. The importance of hyaluronic acid in vocal fold biomechanics. Otolaryngol Head Neck Surg. 2001;124(6):607-14.
5. Honjo I, Isshiki N. Laryngoscopic and voice characteristics of aged persons. Arch Otolaryngol. 1980;106(3):149-50.
6. Mueller PB, Sweeney RJ, Baribeau LJ. Acoustic and morphologic study of the senescent voice. Ear Nose Throat J. 1984;63(6):292-5.
7. Pontes P, Brasolotto A, Behlau M. Glottic characteristics and voice complaint in the elderly. J Voice. 2005;19(1):84-94.
8. Hirano M, Kurita S, Sakaguchi S. Ageing of the vibratory tissue of human vocal folds. Acta Otolaryngol. 1989;107(5-6):428-33.
9. Ishii K, Zhai WG, Akita M, Hirose H. Ultrastructure of the lamina propria of the human vocal fold. Acta Otolaryngol. 1996;116(5):778-82.
10. Ohno T, Hirano S, Rousseau B. Age associated changes in the expression and deposition of vocal fold collagen and hyaluronan. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2009;118(10):735-41.
11. Hammond TH, Zhou R, Hammond EH, Pawlak A, Gray SD. The intermediate layer: a morphologic study of the elastin and hyaluronic acid constituents of normal human vocal folds. J Voice. 1997;11(1):59-66.
12. Butler JE, Hammond TH, Gray SD. Gender-related differences of hyaluronic acid distribution in the human vocal fold. Laryngoscope. 2001;111(5):907-11.
13. Martins JR, Passerotti CC, Maciel RM, Sampaio LO, Dietrich CP, Nader HB. Practical determination of hyaluronan by a new non-competitive fluorescencebased assay on serum of normal and cirrhotic patients. Anal Biochem. 2003;319(1):65-72.
14. Abdelkafy WM, Smith JQ, Henriquez OA, Golub JS, Xu J, Rojas M, et al. Aged related changes in the murine larynx: initial validation of a mouse model. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2007;116(8):618-22.
15. Lebl MDA, Martins JRM, Nader HB, Simões Mde J, De Biase N. Concentration and distribution of hyaluronic acid in human vocal folds. Laryngoscope. 2007;117(4):595-9.
16. Tateya T, Tateya I, Sohn JH, Bless DM. Histologic characterization of rat fold scarring. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2005;114(3):183-92.
17. Brownson RH. Perineuronal satellite cells in the motor cortex of aging brains. J Neuropathol Exp Neurol. 1955;14(4):424-32.
18. Burek JD, Hollander CF. Experimental gerontology. In: Baker HJ, Lindsey JR, Weisbroth SH, eds. The Laboratory Rat, Vol II, Research applications. New York: Academic Press; 1980. p.149-59.
1. Doutor pela Universidade Federal de São Paulo (Médico do Hospital São Paulo).
2. Doutor pela Universidade Federal de São Paulo (Médico do Hospital São Paulo, Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo).
3. Doutor (Professor e Pesquisador Associado do Departamento de Bioquímica, da Divisão de Biologia Molecular e Departamento de Medicina, Disciplina de Endocrinologia da Universidade Federal de São Paulo).
4. Pós-Doutorado (Professora Titular do Departamento de Bioquímica, da Divisão de Biologia Molecular, Universidade Federal de São Paulo).
5. Livre Docente (Professor Titular do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Diretor do Campus São Paulo - Vila Clementino da Universidade Federal de São Paulo).
Endereço para correspondência:
Dr. Hugo Valter Lisboa Ramos
Rua Napoleão de Barros, 715, sala 17. Vila Clementino
São Paulo - SP. CEP: 04024002
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 6 de maio de 2011. cod. 7761
Artigo aceito em 1 de fevereiro de 2012.