INTRODUÇÃOA audição é um dos sentidos essenciais no processo da comunicação humana, sendo que qualquer tipo de alteração no sistema auditivo, em qualquer etapa da vida, pode acarretar prejuízos a esse processo.
Estudos da década de 90 verificaram que cerca de 70 milhões de pessoas no mundo apresentavam deficiência auditiva maior que 55 decibéis (dB)1. Em 2005, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), havia 278 milhões de pessoas no mundo com perda auditiva, com prevalências de 2,1% a 8,8% de deficiência auditiva incapacitante em países em desenvolvimento2. Números estes que vêm aumentando, a cada ano, devido ao próprio incremento na expectativa de vida nas populações de todos os países. Assim, o conhecimento sobre como a deficiência auditiva ocorre, qual a sua magnitude, fatores determinantes e prevalência nas diferentes regiões e faixas etárias são fundamentais no planejamento das gestões públicas em saúde.
Embora haja escassez de dados estatísticos específicos sobre a deficiência auditiva no Brasil, dados disponibilizados no site do Grupo de Apoio à Triagem Auditiva Neonatal Universal (GATANU) sugerem que a ocorrência de deficiência auditiva em recém-nascidos, no país, seja de 30 para 10.000 nascidos vivos3. Segundo a OMS, 1,5% da população brasileira apresentaria algum grau de deficiência auditiva. Já de acordo com censo demográfico realizado no Brasil pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2000, constatou-se que, dos 14,5% do total da população, da época, que apresentava alguma deficiência, 3,4% declararam incapacidade, com alguma ou grande dificuldade em ouvir4.
Uma análise de diferentes estudos epidemiológicos em audiologia realizados no Brasil, publicada em 20115, concluiu que está ocorrendo maior preocupação em relação às alterações auditivas relacionadas à atividade laboral, sendo que os trabalhadores expostos a ruído ocupacional têm recebido maior atenção por parte dos estudos epidemiológicos, enquanto outros grupos, como os da população neonatal e idosa, não estão sendo contemplados. Ressaltou, ainda, a importância de se realizarem mais projetos de pesquisa relacionados à deficiência auditiva no país, a fim de auxiliar na realização de ações de saúde mais adequadas às necessidades de cada região, permitindo redução de custos para os serviços públicos e melhorando a qualidade de vida da população.
Ainda há muitas controvérsias em relação à incidência e prevalência da deficiência auditiva, devido à heterogeneidade de definições e critérios dos estudos realizados e poucos ainda são os dados demográficos e epidemiológicos disponíveis sobre a deficiência auditiva no Brasil.
Considerando-se a extensão geográfica brasileira, bem como as diferenças populacionais existentes, torna-se necessária a realização de mais estudos na área, seguindo-se uma mesma metodologia.
No Brasil foram realizados, até o momento, dois estudos de base populacional seguindo a metodologia proposta pela OMS. O primeiro estudo foi realizado por Béria et al.6, no município de Canoas, RS, evidenciando 26,1% da população com algum grau de deficiência auditiva, sendo 19,3% com perda auditiva leve e 6,8% com perda auditiva incapacitante (5,4% de grau moderado, 1,2% de grau grave e 0,2% de grau profundo); o segundo estudo foi realizado por Bevilacqua et al.7, em Monte Negro, RO, detectando 16,5% da população com algum grau de deficiência auditiva, sendo 11,7% com perda auditiva leve e 4,8% com perda auditiva incapacitante (3,7% de grau moderado, 1,2% de grau grave e 0% de grau profundo).
Os principais fatores etiológicos da deficiência auditiva na infância incluem as causas genéticas e neonatais, tais como prematuridade, baixo peso ao nascimento, anóxia, hiperbilirrubinemia, uso de medicamentos ototóxicos, além das sequelas e/ou complicações de doenças, como, por exemplo, as otites médias, rubéola, sarampo e meningite. Na população adulta, por sua vez, a presbiacusia, seguida da perda auditiva induzida por ruído (PAIR) apresentam-se como as causas mais comuns das alterações auditivas8.
Tendo em vista que a maioria das perdas e deficiências auditivas poderiam ser evitadas ou as dificuldades geradas por elas poderiam ser minimizadas pela prevenção, diagnóstico e intervenção precoces, o conhecimento de sua magnitude é de fundamental importância.
Neste contexto, o objetivo principal desta pesquisa foi o de verificar a prevalência das perdas auditivas e seus determinantes no município de Itajaí, SC, por meio de um estudo de base populacional, seguindo protocolo preconizado pela OMS, no intuito de criar uma base de dados padronizada, composta por informações epidemiológicas sobre a deficiência auditiva no Brasil.
MÉTODOSEsta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), sob o parecer no 153/2008.
O município de Itajaí possui uma população de 183.373 habitantes (IBGE, 2011)9, distribuídos em 141 setores censitários. O desenho proposto para o estudo foi o de coorte contemporânea com corte transversal, por meio de amostragem populacional, por
clusters, de acordo com o protocolo da OMS10. O termo
cluster implica um grupo de unidades de amostragem, geralmente domicílios, que formam um agrupamento natural. A partir da referência do IBGE do número médio de 3,16 habitantes por domicílio para Itajaí, foram sorteados aleatoriamente os domicílios a serem visitados, em cada um dos
clusters anteriormente definidos. Para determinar quantas pessoas deveriam ser avaliadas por setor censitário, sorteou-se 10% dos setores censitários de Itajaí (14 setores dos 141 do Município) e dividiu-se a amostra calculada pelo número de setores sorteados. O cálculo amostral foi realizado no programa EPI-INFO 6, partindo de uma prevalência estimada de deficiência auditiva de 10% (sugestão do protocolo da OMS/1999), com probabilidade de erro de 3%, precisão de 1,4%, intervalo de confiança e efeito de delineamento de 2,0 e previsão de perda de 30% da amostra. Considerou-se perda quando um residente do domicílio não fosse encontrado para realização dos exames em, no mínimo, três visitas da equipe avaliadora, ou se houvesse recusa em participar da pesquisa. Casas abandonadas ou desabitadas também foram consideradas como perdas e os domicílios seguintes os substituíram. O cálculo resultou em uma amostra de 421 pessoas.
A pesquisa de campo foi realizada entre julho de 2008 e julho de 2011, sendo que, entre julho a novembro de 2008 contou com duas equipes de pesquisadores em campo, uma em cada turno, e de novembro a julho de 2011 contou com uma equipe de pesquisadores em campo, em turnos alternados. Para determinar a ordem de visitação dos setores pela equipe de pesquisadores, após o sorteio, estes foram numericamente ordenados de forma crescente. Em seguida, foram sorteados um quarteirão e uma esquina de cada setor. A partir desta esquina, foram visitadas as quarta, oitava, décima segunda casa, e assim por diante, até chegar ao número de casas estabelecido, indo da menor para a maior numeração do lado esquerdo da rua. Caso o quarteirão terminasse antes de atingir o número estipulado para visitação, os pesquisadores atravessavam a rua e iniciavam a visitação pelo lado direito, seguindo o sorteio de quatro em quatro casas.
Foram incluídos para visitação e avaliação audiológica todos os indivíduos residentes nas casas sorteadas, sendo excluídas pessoas portadoras de deficiência mental ou incapacidade de fornecer consentimento para participação na pesquisa ou moradores que se recusaram a participar após três tentativas. Também foram excluídos domicílios coletivos, casas comerciais e desabitadas.
A equipe de pesquisadores definiu algumas estratégias para que os moradores de Itajaí pudessem ser receptivos à visita dos pesquisadores e serem informados previamente sobre os objetivos e finalidades da pesquisa. Assim, no sorteio e na definição dos domicílios foram entregues cartas de apresentação do projeto em todas as casas com uma semana de antecedência à visitação. A equipe de pesquisadores também estava sempre identificada com crachá e camiseta do projeto.
Os sujeitos que aceitaram participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), o qual informava sobre os objetivos, benefícios e riscos na realização da pesquisa.
Ao longo da pesquisa, foram visitados 774 domicílios, 684 particulares, 10 domicílios coletivos e 80 não residenciais. Foi possível avaliar 715 pessoas; contudo, 336 foram excluídas por fazerem parte de casas consideradas incompletas, seguindo-se rigorosamente a metodologia de pesquisa de base populacional conforme critérios de inclusão sugeridos pela OMS. Assim, obteve-se uma amostra de 379 pessoas avaliadas em casas completas, o que representou uma perda de 10% da amostra ideal calculada (42 de 421 indivíduos).
Foram utilizados os seguintes procedimentos, com base no protocolo de avaliação da prevalência sugerido pela OMS (1999): questionário, medição do nível de ruído ambiental, meatoscopia/otoscopia, pesquisa dos limiares auditivos em 1000, 2000 e 4000 Hz. Em crianças de 0 a 4 anos de idade, foram pesquisadas as emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente e avaliação audiológica comportamental. Além desses procedimentos, foram realizadas timpanometrias automáticas com pesquisa dos reflexos acústicos ipsilaterais em todos os indivíduos avaliados. Ainda, nos idosos acima dos 60 anos de idade também se aplicou um Questionário de Percepção da Perda Auditiva, com base numa versão traduzida do Questionário para Handicap Auditivo para Idosos (
The Hearing Handicap Inventory for the Elderly Screening Version, HHIE-S)11,12, constituído por 10 perguntas de resposta fechada, com escore máximo de 40 pontos, sendo assim divididas e pontuadas: 'sim' (4 pontos), 'às vezes' (2 pontos) ou 'não' (0 ponto), considerando-se um resultado de somatória de pontos inferior a 8% sem percepção de
handicap; 11% a 22% percepção leve a moderada e acima de 22% percepção significativa ou grave.
O questionário geral, envolvendo dados de identificação, idade, gênero, escolaridade e ocupação dos moradores dos domicílios que fizeram parte da pesquisa, foi o primeiro procedimento realizado, servindo como estratégia de interação com a família.
A medição do nível de ruído no ambiente foi realizada com o aparelho medidor de nível de pressão sonora digital
Sound Meter 840029 para garantir níveis de ruído ambientais não superiores a 40 dBA, tendo em vista que as avaliações audiológicas foram feitas fora de cabina acústica (OMS, 1999). Destaca-se que o medidor de nível de pressão sonora foi mantido ligado durante todos os procedimentos.
A inspeção da orelha externa foi feita com um otoscópio da marca
Heine Halógeno K180, a fim de verificar as condições do meato acústico externo e da membrana timpânica para a realização das avaliações audiológicas.
A pesquisa dos limiares auditivos foi realizada em todos os moradores com idade acima de 4 anos. O equipamento utilizado foi o audiômetro manual da marca
Welch Allyn, modelo AM 232, com fones TDH 39. Os indivíduos foram instruídos a levantar uma das mãos todas as vezes que ouvissem um estímulo sonoro. A apresentação dos estímulos foi iniciada em 60 dBNA, na frequência de 1000 Hz, seguido de 2000 e 4000 Hz, com reteste em 1000 Hz. No caso de haver uma diferença maior do que 5 dB no limiar de 1000 Hz, o procedimento foi repetido. A técnica utilizada para a pesquisa do limiar auditivo foi descendente.
A avaliação audiológica comportamental foi feita mediante a observação das reações auditivas para sons de fala (nome, ordens simples e repetição de frases), bem como com a pesquisa do reflexo cócleo-palpebral (RCP) com o uso do agogô.
A pesquisa das emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente (EOET) foi realizada com equipamento
Otoport, permanecendo a criança sentada no colo da mãe.
Foram pesquisadas as bandas de frequências de 1000, 1500, 2000, 3000 e 4000 Hz, sendo utilizado como critério para passa-falha a presença de EOET em no mínimo três bandas de frequências.
Para as timpanometrias automáticas com pesquisa dos reflexos acústicos ipsilaterais, utilizou-se o equipamento
Handtymp. Por ser também um procedimento rápido, objetivo, não invasivo e não necessitar de respostas comportamentais dos indivíduos, foi realizado em todas as faixas etárias, incluindo as crianças menores de 4 anos de idade.
Para análise do grau da perda auditiva, utilizou-se a média dos limiares auditivos obtidos nas frequências de 1000, 2000 e 4000 Hz da melhor orelha, considerando-se para crianças de até 15 anos os seguintes parâmetros: 0-15 dB - normal; 16-30 dB - perda auditiva leve; 31-60 dB - perda auditiva moderada; 61-80 dB - perda auditiva grave e acima de 81 dB - perda auditiva profunda. Para adultos, os parâmetros foram: 0-25 dB - normal; 26-40 dB - perda auditiva leve; 41-60 dB - perda auditiva moderada; 61-80 dB - perda auditiva grave e acima de 81 dB - perda auditiva profunda.
Foram considerados como perda auditiva incapacitante limiares auditivos na melhor orelha de 41 dB ou mais para adultos e de 31 dB ou mais para crianças abaixo de 15 anos. Destaca-se que na definição de perda auditiva incapacitante da OMS, apenas consideram-se como incapacitantes as perdas auditivas permanentes. No entanto, neste estudo, assim como no de Béria et al.6, foram incluídas também as perdas auditivas não permanentes, tais como as causadas pela otite média.
Os indivíduos que apresentaram algum tipo de alteração nas avaliações realizadas foram encaminhados ao 'Serviço de Atenção à Saúde Auditiva' da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), para avaliação otorrinolaringológica e avaliação audiológica completa nos casos necessários. Ressalta-se que o morador já recebia, por escrito, cartão com data e horário da consulta, bem como eram explicados os motivos pelos quais esta seria necessária.
Com o objetivo de realizar controle de qualidade, entrou-se em contato telefônico com os moradores de 10% dos domicílios que participaram do estudo, perguntando-se a respeito da relação entre os entrevistadores e os sujeitos da pesquisa e se todos os procedimentos previstos foram realizados.
Para a análise dos resultados, foi utilizado estudo estatístico por meio de distribuição de frequência simples e relativa com análise cruzada dos dados para as variáveis sexo, faixa etária e níveis auditivos na melhor orelha. A fim de verificar a representatividade da amostra, as variáveis idade e sexo foram comparadas com o estudo de base populacional do IBGE (2011). Os dados são descritos em termos de frequências e percentuais para as variáveis qualitativas e em médias e desvios padrão para as variáveis quantitativas.
RESULTADOSDe acordo com dados do IBGE (2011), no município de Itajaí, foram recenseados um total de 64.679 domicílios. Desses, 57.815 (89,4%) foram classificados como particulares ocupados, (57.612 (89%) com entrevista realizada e 203 (0,4%) sem entrevista realizada), 6.801 (10,5%) domicílios particulares não ocupados e 63 (0,1%) domicílios foram classificados como coletivos, com média de 3,16 moradores por domicílio. Na pesquisa, foram visitados 774 domicílios, 684 (88,37%) particulares: 300 (38,76%) ocupados (137 domicílios completos (17,70%) e 163 (21,05%) incompletos), 384 domicílios não ocupados (256 (33,07%) fechados, 128 (16,54%) vagos); 10 (1,30%) domicílios coletivos e 80 (10,33%) não residenciais, com média de 2,8 moradores por domicílio visitado sem moradores com perda auditiva incapacitante e 2,54 moradores por domicílios onde há pelo menos uma pessoa incapacitada da audição.
Quanto à distribuição por setores censitários, não se constataram diferenças significativas quando considerados os números de domicílios completos e a prevalência da deficiência auditiva por setor. Foram detectadas perdas auditivas leves em todos os 14 setores censitários avaliados, perdas auditivas moderadas em 10 setores e perdas auditivas graves em seis setores.
Dos 379 moradores de Itajaí pertencentes à amostra avaliada, 172 (45,38%) eram do sexo masculino e 207 (54,62%) do sexo feminino.
Nas Figuras 1 e 2 pode-se observar um comparativo da distribuição da amostra por sexo e faixa etária com os dados populacionais (IBGE 2011) no município de Itajaí. Nessas figuras, observam-se diferenças mais expressivas entre a amostra e a população (IBGE) nas faixas etárias de até 4 anos de idade, de 20 a 30 anos e nas faixas acima de 70 anos para o gênero masculino e nas faixas etárias até os 4 anos, de 40 a 50 anos e acima de 70 anos para o gênero feminino.
Figura 1. Comparativo da distribuição da amostra do sexo masculino, por faixa etária, com os dados populacionais (IBGE, 2011).
Figura 2. Comparativo da distribuição da amostra do sexo feminino,por faixa etária, com os dados populacionais (IBGE, 2011).
A análise quanto ao nível mínimo auditivo da melhor orelha evidenciou que 74,1% dos indivíduos tinham audição normal e 25,9% apresentaram alterações auditivas (18,9% deficiência auditiva leve, 5,1% deficiência auditiva moderada, 1,9% grave, 0% profunda). Deste modo, a prevalência de perdas auditivas incapacitantes foi de 7% (Figura 3).
Figura 3. Distribuição percentual das perdas auditivas incapacitantes nos indivíduos em que foi realizada audiometria tonal, Itajaí, SC, Brasil, 2011.
Na Tabela 1, destaca-se a prevalência da deficiência auditiva incapacitante por faixas etárias, observando-se maior ocorrência acima dos 50 anos de idade e predomínio acima dos 70 anos de idade.
A média de ruído nos 137 domicílios completos avaliados foi de 38,4 dB, com uma mediana de 38,3 dB, mínimo de 32,2 dB e máximo de 51,9 dB (desvio padrão de 3,5), não apresentando correlação com a presença ou não de perda auditiva.
Em relação aos resultados das timpanometrias, constatou-se que houve predominância da curva do tipo A (93,4% na orelha esquerda e 93,1% na orelha direita), com menor ocorrência das curvas dos tipos B (5,8% na orelha esquerda e 5,3% na orelha direita) e C (0,8% na orelha esquerda e 1,7% na orelha direita), características de perdas auditivas condutivas, em todos os indivíduos avaliados. Do mesmo modo, a presença dos reflexos acústicos foi predominante na população avaliada. Considerando-se todos os graus de deficiência auditiva, a curva do tipo A e a presença de reflexos foram mais frequentes.
Relacionando-se a história pessoal, familiar e a presença de queixas auditivas/otológicas às deficiências auditivas incapacitantes, detectadas em 26 sujeitos da amostra avaliada, nove não apresentavam queixas, os outros 17 indivíduos apresentavam histórico pessoal positivo e queixas de problemas auditivos/otológicos, sendo sete deles com sintomas associados - dois com vertigem e cinco com zumbido. Considerando-se as comorbidades, dois tinham
diabetes mellitus, dois diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica, dois histórico de acidente vascular cerebral isquêmico e um foi submetido à quimioterapia. Desses 26 casos, um era uma criança (com diagnóstico de otite média com efusão, associada à disfunção de tuba auditiva e hiperplasia de adenoides, que foi encaminhada para cirurgia otorrinolaringológica); quatro indivíduos adultos, com idades acima dos 45 anos (um caso com otite média crônica e cirurgia otológica prévia, um sugestivo de perda auditiva induzida por ruído, dois de etiologia idiopática, todos encaminhados para protetização auditiva); dentre os 21 idosos (diagnóstico de presbiacusia): 17 apresentavam percepção da perda auditiva (escore HHIE-S: três leve-moderada, 14 grave) e quatro não tinham percepção da perda. Quando se avaliou o escore HHIE-S de todos os 92 idosos constituintes da amostra, dos 71 idosos classificados como sem perda auditiva incapacitante, 39 não apresentaram percepção da perda auditiva, 18 percepção leve a moderada e 14 percepção grave. Do grupo dos 21 idosos com perda auditiva incapacitante, um já fazia uso de aparelho de amplificação sonora individual (AASI) bilateralmente e era paciente do Serviço da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), dois se recusaram a dar continuidade ao acompanhamento médico do problema e 18 foram encaminhados para protetização auditiva. Atualmente, 16 já receberam AASIs e dois estão em processo de seleção dos aparelhos auditivos. Considerando-se todos os graus de perdas auditivas e se incluindo os níveis da pior orelha, além dos 26 incapacitantes, mais 109 sujeitos da amostra também apresentaram alterações aos exames. Avaliando-se todos os 315 casos, as etiologias encontradas com maior frequência foram: presbiacusia (40,74%), idiopática (17,04%), cerume (6,66%), otite média crônica (OMC) (5,92%), otosclerose (3,70%), perda auditiva induzida pelo ruído (PAIR) (2,22%), labirintopatia (1,48%), papiloma do conduto auditivo externo (0,74%) e causas associadas (21,5%) (Vide Tabela 2). Dos 109 casos considerados não incapacitantes, mas com alterações detectadas, 54 mantêm acompanhamento clínico periódico da audição, 53 realizaram tratamento clínico medicamentoso/lavagens otológicas com resolução do problema, um foi encaminhado para cirurgia otorrinolaringológica (adenoidectomia e timpanotomia com colocação de dreno de ventilação bilateral) e um já foi submetido a tratamento cirúrgico (exérese de papiloma do conduto auditivo externo). Do grupo das crianças, menores de 4 anos, constituintes da amostra, todas apresentaram RCP presente, três tiveram exames normais, duas OEA ausentes bilateralmente, uma OEA ausentes à direita e uma OEA ausentes à esquerda. As alterações verificadas correlacionaram-se a curvas do tipo B à timpanometria e reflexos acústicos ausentes, com normalização dos resultados após avaliação médica e tratamento clínico adequado.
DISCUSSÃOConsiderando-se as pesquisas de Béria et al.6 e Bevilacqua et al.7, este é o terceiro estudo concernente à prevalência da deficiência auditiva de base populacional realizado no país, seguindo rigorosamente o protocolo sugerido pela OMS, e o primeiro a considerar também os fatores etiológicos determinantes das perdas auditivas, buscando, além do diagnóstico, realizar seu seguimento e terapêutica.
A amostra da pesquisa considerou indivíduos de ambos os sexos, distribuídos por faixas etárias de menos de 4 anos a 80 anos ou mais, totalizando 379 pessoas avaliadas em 137 casas completas, residentes em 14 setores censitários do município de Itajaí. Para a caracterização e análise da representatividade dos domicílios e grupo de indivíduos avaliados, foram considerados os dados censitários do IBGE, com discrepâncias encontradas decorrentes ao maior número de equipes empregadas pelo IBGE, obrigatoriedade de resposta aos recenseadores, não necessidade de entrada no domicílio ou da presença física de todos os moradores do domicílio recenseado, tempo despendido para cada entrevista, enquanto que, para a realização desta pesquisa, houve a necessidade da concordância e da presença de todos os moradores nos domicílios visitados, a necessidade de entrar no domicílio, em virtude da realização dos exames clínicos e maior tempo para tal. As variações mais expressivas verificadas entre a amostra e a população recenseada pelo IBGE ocorreram nas faixas etárias de até 4 anos, de 20 a 30 anos e acima dos 60 anos em ambos os sexos e também no grupo de 40 a 50 anos no sexo feminino. A menor proporção de crianças de até 4 anos, de indivíduos dos 20 aos 30 anos e dos 40 aos 50 anos evidenciada na presente amostra deve-se, provavelmente, à permanência das crianças menores nas creches e escolinhas e dos adultos no trabalho, com predomínio de idosos constituintes da amostra da pesquisa, refletindo a maior permanência desse grupo etário em casa.
Foram visitados 774 domicílios e avaliadas 715 pessoas; entretanto, como foram rigorosamente seguidos os critérios exigidos pela OMS, esses números foram reduzidos a 137 domicílios completos e 379 pessoas constituintes da amostra. As maiores dificuldades encontradas na execução do projeto foram referentes à pesquisa de campo. Apesar de se realizar a estratégia de entregar nas casas sorteadas uma carta informando sobre o projeto e avisando aos moradores que os mesmos receberiam uma visita da equipe de Saúde Auditiva, estratégia esta que minimizou problemas de recusa por parte da população, muitas casas ainda não puderam ser incluídas porque o chefe da família se negou a participar. Outro problema encontrado foi referente às enchentes, que acometeram cerca de 90% do município nos segundos semestres de 2008 e de 2009, que, por muitas vezes, inviabilizaram a equipe de ir a campo. Assim, foram excluídos os domicílios onde não foi possível realizar as avaliações de todos os moradores, seja por não aceitação em participar, por ausência em até três visitas dos pesquisadores ou pelas fortes chuvas e alagamentos, com destruição das casas que redundaram na remoção dos residentes, com os quais não mais foi possível manter contato.
Na amostra considerada, a maior ocorrência foi a de níveis de audição normais, seguida das perdas auditivas de grau leve (18,9%), o que também foi observado por Béria et al.6 (19,3%) e Bevilacqua et al.7 (11,7%). Não foram detectadas perdas auditivas de grau profundo, assim como no estudo de Bevilacqua et al.7.
Avaliando-se a distribuição das perdas auditivas nos diferentes setores censitários considerados, não se verificou predominância das deficiências auditivas incapacitantes em setores censitários específicos do município.
Quanto à média de ruído domiciliar e o número de moradores por domicílio, também não se evidenciou influência destes fatores como determinantes da presença ou não das deficiências auditivas incapacitantes.
A prevalência de perdas auditivas incapacitantes constatada em Itajaí foi de 7%, semelhante ao encontrado no estudo de Béria et al.6, em Canoas, RS, que foi de 6,8%. Por outro lado, esse resultado foi diferente do encontrado por Bevilacqua et al.7, em Monte Negro, RO, que detectaram uma prevalência de 4,8% de perdas auditivas incapacitantes. Considerando os locais de realização das pesquisas, Regiões Norte e Sul, sugerem que as diferenças encontradas sejam decorrentes de peculiaridades regionais, suscitando problemas e hipóteses a serem investigadas em futuras pesquisas.
A maioria das perdas auditivas incapacitantes foi encontrada em indivíduos acima de 50 anos de idade, com predominância destas perdas a partir dos 70 anos. Destaca-se que esse resultado é semelhante aos obtidos por Béria et al.6 e Bevilacqua et al.7, nos quais houve prevalência de perdas auditivas incapacitantes nas faixas etárias acima de 60 e 50 anos de idade, respectivamente. Os resultados indicam a importância de se considerar a faixa etária dos indivíduos avaliados na determinação da prevalência da deficiência auditiva, bem como na comparação dos resultados obtidos em diferentes municípios.
Considerando-se o histórico pessoal e as queixas auditivas presentes, verificou-se que, dos 345 sujeitos sem perda auditiva incapacitante, a maioria, 282 sujeitos, não apresentava queixas, mas, 63 sujeitos sem perda auditiva incapacitante apresentavam alguma queixa concernente à audição/ouvido. Dos 26 sujeitos da amostra avaliada que apresentavam perda auditiva incapacitante, 17 tinham queixas e nove não as apresentavam. Quando se avaliou o escore HHIE-S de todos os 92 idosos constituintes da amostra, dos 71 idosos classificados como sem perda auditiva incapacitante, 39 não apresentaram percepção da perda auditiva, 18 tinham percepção leve a moderada e 14 percepção grave. Do grupo dos 21 idosos com perda auditiva incapacitante, 17 apresentavam percepção da perda auditiva, três com escore HHIE-S de percepção leve-moderada e 14 percepção grave; quatro não apresentavam percepção da perda. Então, queixas auditivas e/ou de percepção da incapacidade auditiva podem ser, nos casos da amostra analisada, consideradas fatores indicadores da presença de perdas auditivas incapacitantes.
Ainda, observou-se que, mesmo nos casos de perdas auditivas não classificadas como incapacitantes (perdas leves, perdas unilaterais ou perdas assimétricas), muitos indivíduos também apresentavam queixas e percepção de sua incapacidade, demonstrando o impacto negativo que as deficiências auditivas, independentemente do grau, podem ter na qualidade de vida das pessoas portadoras de problemas auditivos.
Outro resultado interessante obtido nesta pesquisa foi que, quando consideradas todas as alterações detectadas nos exames, levando-se em conta também os níveis da pior orelha avaliada, 109 (28,76%) indivíduos apresentaram alterações, sendo que cerca de metade destes casos, 55 (50,46%) indivíduos, foram resolvidos com tratamentos clínicos e/ou cirúrgicos e a outra metade, 54 (49,54%) indivíduos, foi orientada a manter acompanhamento clínico periódico do quadro auditivo/otológico. Considerando-se os 26 casos incapacitantes, 24 (92,31%) já estão reabilitados ou em fase de reabilitação de sua perda auditiva, sendo que um indivíduo já era usuário de AASIs e paciente do 'Serviço de Saúde Auditiva' atuante no município, um foi submetido à cirurgia otorrinolaringológica com resolução de sua perda auditiva e dois se recusaram a dar continuidade ao acompanhamento do problema.
No que diz respeito às etiologias das perdas auditivas detectadas, considerando-se a população com perda auditiva incapacitante avaliada na amostra, as mais frequentes foram: presbiacusia (80,76%), otites médias crônicas (7,69%), de etiologia idiopática (7,69%) e PAIR (3,84%), sendo, portanto, 11,53% delas potencialmente preveníveis.
Esses dados ressaltam a importância da detecção e abordagem precoces das alterações auditivas, visto que grande parte delas pode ter resolução e/ou benefícios evidentes com os tratamentos instituídos.
CONCLUSÃOA prevalência da deficiência auditiva incapacitante (moderada, grave e profunda) encontrada no município de Itajaí foi de 7%, com predominância na faixa etária acima dos 50 anos de idade e tendo, como principal causa, a presbiacusia.
Paralelamente, ficou comprovado que a detecção dos problemas audiológicos, nesta população em específico, permitiu a realização de tratamentos e procedimentos que solucionaram e/ou minimizaram as deficiências auditivas constatadas.
Espera-se que este estudo possa auxiliar no desenvolvimento de um banco de dados com informações sobre a audição no município de Itajaí e que poderá ser ampliado, no futuro, para outros municípios de Santa Catarina, orientando ações, minimizando custos, otimizando e direcionando verbas de forma mais adequada para a avaliação, diagnóstico e reabilitação do deficiente auditivo.
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1. Especialização (Médica Otorrinolaringologista (Itajaí / SC) - Clínica Curumim; Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) Serviço de Atenção à Saúde Auditiva & Hospital Universitário Infantil Pequeno Anjo).
2. Doutora (Professora do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal / RN).
3. Mestre (Professora do Curso de Fonoaudiologia & Serviço de Saúde Auditiva da UNIVALI, Itajaí / SC).
4. Mestre (Professora do Curso de Fonoaudiologia & Coordenadora do Serviço de Saúde Auditiva da UNIVALI, Itajaí / SC).
5. Doutora (Professora do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC).
Universidade do Vale do Itajai (UNIVALI) - Itajaí / SC.
Endereço para correspondência:
Dra. Lys Maria Allenstein Gondim
UNIVALI Serviço de Atenção à Saúde Auditiva
Rua Uruguai, nº.458, Bloco 25A, 3º. andar
Itajaí - SC. CEP: 88302-202
FAPESC & Artigo 170, do Governo do Estado de Santa Catarina ABORL-CCF (Bolsa de apoio à pesquisa epidemiológica).
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 18 de agosto de 2011. Cod. 8733.
Artigo aceito em 6 de janeiro de 2012.