ISSN 1806-9312  
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4254 - Vol. 78 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 2012
Seção: Artigo Original Páginas: 95 a 102
Timpanometria com sonda de 226 e 1000 hertz em bebês
Autor(es):
Luciana Macedo de Resende1; Juliana dos Santos Ferreira2; Sirley Alves da Silva Carvalho3; Isamara Simas Oliveira4; Iara Barreto Bassi5

Palavras-chave: audição, lactente, orelha média, testes de impedância acústica.

Keywords: acoustic impedance tests, ear, middle, hearing, infant.

Resumo: Os objetivos deste estudo foram descrever e analisar as medidas timpanométricas obtidas com sonda de 226 e 1000 Hz; verificar correlação da timpanometria com o resultado das emissões otoacústicas e otoscopia; descrever as alterações.
MATERIAL E MÉTODO: Estudo prospectivo, duplo cego, realizado com 70 bebês, entre 7 dias e 1 mês e 13 dias de vida. Foram realizadas as emissões otoacústicas, otoscopia e timpanometria com sonda de 226 Hz e 1000 Hz.
RESULTADOS: Observou-se diferença estatisticamente significante (p<0,05) na correlação entre as medidas timpanométricas analisadas com os dois tons de sonda e na correlação entre o resultado das emissões otoacústicas e a compliância obtida. Foi observada normalidade em todos os exames na maioria dos bebês (94,28%); apenas três (4,28%) foram encaminhados ao diagnóstico audiológico e um bebê (1,42%) apresentou alteração de orelha média confirmada pela otoscopia e timpanometria em 1000 Hz.
CONCLUSÕES: A timpanometria realizada com tom sonda de 1000 Hz é a mais recomendada para avaliar bebês até 6 meses de idade. São necessários mais estudos com enfoque nas propriedades mecanoacústicas da orelha média de bebês para que a interpretação de exames com este tom de sonda tenha maior confiabilidade.

Abstract: This study aimed at describing and analyzing tympanometric results obtained with 226Hz and 1000Hz probe tones; checking for correlations between tympanometry, otoacoustic emissions and otoscopic examination; describing abnormal results found in the evaluation procedures.
METHODS: Double-blind and prospective study. Our sample included 70 babies, between 7 days and one month and 13 days of age, without risk indicators for hearing loss, evaluated in the State Neonatal Hearing Screening Program. Transient evoked otoacoustic emissions, otoscopic examination and tympanometry with 226Hz and 1000Hz probe tones were used as assessment tools. The study was approved by the Ethics Committee from the institution.
RESULTS: Statistically significant differences were observed (p<0.05) in the tympanometric measures correlation and also between transient evoked otoacoustic emissions and compliance obtained with both probe tones. Most test results were within the normal range (94.28%). Three children (4.28%) were referred to diagnostic follow-up and one (1.42%) had middle ear dysfunction confirmed by otoscopy and 1000Hz tympanometry.
CONCLUSIONS: 1000Hz tympanometry is the most reliable probe tone used to evaluate children under three months of age. More studies focusing on middle ear acoustics and mechanics are necessary to provide reliable and precise interpretation in the evaluation of middle ear functions in babies.

INTRODUÇÃO

A existência de afecções de orelha média em neonatos e bebês tem prevalência significativa e, quando não identificadas, podem atrasar o correto diagnóstico audiológico. Muitos estudos, nas últimas décadas, dedicaram-se a descrever quais os melhores procedimentos para a apropriada avaliação desta faixa etária. A maioria dos estudos concorda que o uso do tom de sonda de 1000 Hz, na timpanometria, é o mais indicado à avaliação de neonatos e bebês até 3 meses de idade1-4.

A timpanometria convencional é realizada com tom de sonda de 226 Hz e os resultados são confiáveis para o diagnóstico de alterações de orelha média em idosos, adultos e crianças a partir de seis meses de idade5-7.

Estudo realizado por Linares & Carvallo8, com lactentes de 0 a 8 meses de idade, defendeu a utilização da sonda de 226 Hz no exame timpanométrico, pois foram encontrados resultados compatíveis em suas avaliações, utilizando apenas este tom de sonda com o exame de Emissões Otoacústicas Evocadas por estímulo transiente (EOAT) realizado previamente nos bebês da amostra.

Resultados controversos ao uso exclusivo do tom de sonda de 226 Hz para pesquisar alterações timpanométricas em neonatos e bebês menores de seis meses têm sido demonstrados em vários estudos. Nesta faixa etária, em bebês com patologia de orelha média confirmada, os timpanogramas obtidos com a sonda de tom teste de baixa frequência não são comprovadamente diferentes dos obtidos em orelhas normais. Ou seja, em lactentes com ausência de EOAT, pode ocorrer curva timpanométrica normal quando pesquisada com sonda de 226 Hz, mesmo na presença de um componente condutivo, o que equivale a dizer que os exames realizados com este tom de sonda apresentam uma elevada taxa de resultados falso-negativos. Desta forma, considera-se esta frequência pouco sensível na detecção de alterações condutivas9-12. Nos estudos de Keefe et al.13 e Keefe & Levi14, foram obtidos timpanogramas com compliância e pressão normais coexistindo com otite média secretora, confirmada ao exame clínico do otorrinolaringologista. E também alguns registros de curva tipo B, segundo a classificação de Jerger15, com orelha média normal.

Kei et al.1 realizaram estudo no qual foram descritas as características dos timpanogramas de baixa e de alta frequência em neonatos com resultados de EOAT normais e para estabelecer dados normativos para avaliação desta população. O tom de sonda de 1000 Hz foi considerado eficaz para ser utilizado na TAN para detectar possíveis alterações de orelha média em neonatos, o que pode diminuir o número de crianças que têm o diagnóstico audiológico atrasado pela otite média crônica.

A sonda de 1000 Hz foi considerada a mais apropriada para a avaliação de neonatos e bebês até os 3 meses de idade no estudo realizado por Alaerts et al.4. Os autores sugeriram o seguinte protocolo: bebês até 3 meses de idade devem ser avaliados exclusivamente com tom sonda de 1000 Hz; entre os 3 e 9 meses de idade deve ser realizada a timpanometria com tom de 1000 Hz e, no caso de falha no resultado, realizar uma segunda avaliação usando o tom de 226 Hz; após os 9 meses de idade, a timpanometria pode ser realizada exclusivamente com o tom sonda de 226 Hz. Outro dado importante, presente neste estudo, foi que o uso da sonda de 1000 Hz reduziu a prevalência de timpanogramas planos no grupo de crianças.

Dessa forma, a aplicação do tom teste de alta frequência (1000 Hz) tem sido sugerida pela maioria dos autores, pois demonstra maior sensibilidade para identificar discretas alterações de orelha média, e pode servir para reduzir o atraso no diagnóstico de perdas auditivas condutivas em bebês2,3,16,17.

Os diferentes resultados encontrados nas pesquisas com os dois tons de sonda (226 Hz e 1000 Hz), ou seja, as características incomuns dos timpanogramas obtidos em neonatos e bebês podem ser atribuídas às diferenças fisiológicas entre as orelhas dos neonatos e adultos. Durante o crescimento, várias mudanças ocorrem na orelha dos bebês e interferem nas propriedades mecânicas do canal auditivo que influenciam no registro do timpanograma. Dentre as alterações físicas na OE e OM após o nascimento que procuram explicar as mudanças acústicas, incluem-se: aumento da orelha externa, mastoide e cavidade da orelha média; mudança na orientação da membrana timpânica; fusão do anel timpânico; diminuição da massa da OM (devido às mudanças na densidade óssea e perda do mesênquima); formação óssea na parede do MAE; compressão da junção ossicular; aproximação do estribo ao ligamento anular5,18-21.

As características timpanométricas de neonatos são diferentes dos adultos para uma única definição de normalidade ser atribuída, ou seja, um único tipo de curva timpanométrica e valores quantitativos. A orelha média do bebê é um sistema dominado por massa, enquanto que no adulto é um sistema no qual predomina a rigidez. Os componentes de massa são maiores nas sondas de alta frequência e menores nas sondas de baixa frequência1,5,18. A orelha média normal é dominada, primariamente, pela rigidez em tons de baixa frequência (226 Hz). Em frequência mais alta (por exemplo, 1000 Hz), a contribuição relativa dos componentes de cada estrutura anatômica se modifica e a admitância acústica medida na entrada da OM se torna mais dominada pela massa16.

Outra dificuldade da timpanometria realizada com sonda de baixa frequência em neonatos e bebês, com idade inferior a seis meses, refere-se a sua baixa sensibilidade, ou seja, o alto índice de falso-negativos, como já foi relatado anteriormente.

Poucos estudos de timpanometria têm sido conduzidos com lactentes menores de seis meses de idade. Além disso, os detalhes das propriedades mecanoacústicas da orelha média dos neonatos não têm sido amplamente explorados. Tanto estudos sistemáticos quanto dados normativos são necessários para aprimorar o uso da timpanometria no diagnóstico auditivo em neonatos e bebês. Estudos que contribuam para um conhecimento mais aprofundado e preciso sobre a prevalência de afecções de orelha média em bebês necessitam ser realizados.

O presente estudo teve por objetivos analisar os resultados timpanométricos de neonatos e bebês até 2 meses de idade, obtidos em testagem com tom de sonda de 226 Hz e 1000 Hz, descrever e comparar os parâmetros obtidos à testagem (volume do conduto auditivo externo, compliância e pressão do pico timpanométrico), correlacionar os achados timpanométricos da amostra com os resultados do exame EOAT, correlacionar os achados otoscópicos aos achados timpanométricos e descrever os exames que se apresentaram alterados nos bebês da amostra.


MATERIAL E MÉTODO

Estudo prospectivo, duplo-cego, cuja amostra foi constituída por 70 neonatos e bebês, de ambos os sexos, com idades entre 7 dias e 1 mês e 13 dias de vida.

Os neonatos e bebês incluídos na pesquisa não apresentavam indicador de risco para perda auditiva, conforme os critérios propostos pelo Joint Committee on Infant Hearing - JCIH22 e as recomendações do Comitê Brasileiro sobre Perdas Auditivas na Infância (CBPAI)23, nasceram a termo e não possuíam histórico de intercorrências pré, peri ou pós-natais que evidenciassem alguma alteração auditiva.

Os pais ou os responsáveis foram esclarecidos sobre a finalidade do estudo e quanto aos procedimentos que seriam realizados. Ressaltou-se que os mesmos possuíam caráter não invasivo, não eram dolorosos e não ofereciam riscos para os participantes do estudo. Todos os pais concordaram e autorizaram a utilização dos resultados dos exames no presente estudo, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foram critérios de exclusão da amostra: presença de qualquer tipo de má-formação no conduto auditivo externo, presença de alterações neurológicas e/ou algum tipo de síndrome genética, e o não consentimento por parte dos pais ou responsáveis pelos bebês.

Após a realização da Triagem Auditiva Neonatal Universal, composta pelo exame de Emissões Otoacústicas Evocadas por estímulo transiente e pela Observação do comportamento auditivo, os neonatos e bebês foram submetidos à avaliação otoscópica, realizada por uma otorrinolaringologista. Logo após, foi realizado o exame timpanométrico, com os tons de sonda 226 Hz e 1000 Hz.

Os dados coletados em cada avaliação foram registrados em protocolos elaborados para este estudo. Os examinadores, bem como os responsáveis pelos bebês, não tiveram conhecimento dos resultados dos demais exames dos bebês. A pesquisadora só teve acesso aos resultados após a conclusão dos exames a que os bebês foram submetidos. Os pais foram informados sobre os resultados das avaliações após a realização de todos os exames.

O exame de Emissões Otoacústicas é um procedimento não invasivo, rápido, objetivo, sensível na detecção de perdas auditivas de grau leve a profundo, uni ou bilaterais e pode ser realizado em locais sem tratamento acústico. As Emissões Otoacústicas Evocadas por estímulo transiente foram realizadas com cliques não lineares a 80 dBNPS e a janela de testagem foi de 12 milissegundos, sendo 512 estímulos (protocolo utilizado para triagem). O registro das emissões foi realizado com o equipamento AuDX Plus, marca Biologic Co. (EUA). No exame, os parâmetros analisados foram a presença e reprodutibilidade das emissões e a relação sinal/ruído.

A otoscopia consiste em um exame visual direto do meato acústico externo e da membrana timpânica. O médico otorrinolaringologista efetua o exame com um otoscópio eletrônico, introduzindo um pequeno espéculo na orelha do bebê e iluminando o conduto auditivo externo até a membrana timpânica. É um procedimento comum e que tem como finalidades diagnosticar várias afecções do conduto auditivo externo, tais como inflamações, infecções, presença de corpos estranhos, rolhas de cera, entre outros. É também útil para detectar alterações da membrana timpânica, que podem ser traduzidas como opacidade, hiperemia, abaulamento, perfuração e retraimento.

A timpanometria é um exame dinâmico e objetivo que fornece informações sobre a compliância ou mobilidade do sistema tímpano-ossicular em função das mudanças de pressão do ar no conduto auditivo externo. Foi introduzida uma oliva no meato acústico externo do bebê, por meio da qual aplicou-se uma pressão variável de +200 daPa a -400 daPa, com velocidade de 50 daPa/s. Todos os testes foram realizados com a criança no colo da mãe ou responsável sob estado de sono natural ou, quando isso não foi possível, em estado tranquilo e sem agitações. Os bebês foram submetidos ao exame sem uma ordem rígida de apresentação do tom teste. Porém, a maioria dos exames foram iniciados pela frequência de 226 Hz seguida pela frequência de 1000 Hz. A escolha da orelha para iniciar o teste foi aleatória, o que dependia do posicionamento do bebê no colo da mãe ou responsável. Quando a curva timpanométrica não foi obtida de forma satisfatória, devido à movimentação do bebê, causando escape de pressão, o exame foi repetido com a retirada da oliva e sua reinserção na mesma orelha, para obtenção de novos valores confiáveis.

Terminados todos os procedimentos, os exames foram analisados e os seguintes critérios de normalidade foram elencados:

- As Emissões Otoacústicas Evocadas por estímulo transiente foram consideradas presentes quando a reprodutibilidade se apresentou maior ou igual a 70%, a intensidade mínima de registro das Emissões (amplitude das Emissões) foi igual ou maior a 6dBNPS, a relação sinal/ruído (TE/NF) foi maior ou igual a 6dBNPS e a estabilidade da sonda se manteve igual ou maior que 90 %. As emissões otoacústicas foram, então, classificadas como presentes ou ausentes. O registro das respostas foi realizado com o equipamento da marca Biologic, modelo AuDX Plus, software Scout Sport (EUA) para análise das respostas.

- Os achados otoscópicos foram descritos como normal ou alterado; sendo que os sinais de alteração elencados foram opacidade, hiperemia, abaulamento, perfuração e retraimento da membrana timpânica.

- O exame timpanométrico foi realizado pela pesquisadora utilizando dois tons de sonda, 226 Hz e 1000 Hz. O registro foi feito com o analisador de orelha média Impedance Audiometer - AT 235h, marca Interacoustics, equipamento automático, calibrado de acordo com as instruções do fabricante (Assens, Dinamarca). Foram descritos e analisados os parâmetros observados ao exame realizado com os dois tons de sonda, a saber: Pressão do Pico Timpanométrico, Volume da Orelha Externa e Compliância.

No estudo estatístico, foram realizadas análises descritivas e comparativas e verificou-se associação entre os resultados da Triagem Auditiva Neonatal, otoscopia e timpanometria dos neonatos e bebês. As análises foram realizadas por meio do Teste de Wilcoxon e calculadas as médias. Foi definido, para análise de inferência estatística, um nível de significância de 0,05 e os valores significantes foram assinalados com asterisco (*).

O presente estudo, bem como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição em 02/09/2009, sob parecer nº ETIC 337/09.


RESULTADOS

Os resultados foram apresentados por orelha (direita e esquerda) e por exame realizado. Foi realizada análise descritiva dos exames que se apresentaram alterados nos bebês da amostra. Foram registrados 140 timpanogramas para cada frequência de tom teste, 226 Hz e 1000 Hz.

Na análise estatística dos dados, foram realizadas as seguintes correlações: comparação entre os parâmetros dos exames realizados com os tons de sonda 226 Hz e 1000 Hz, com o intuito de verificar a existência de diferença estatisticamente significante; correlação entre os resultados da EOAT e os valores da compliância obtidos com os diferentes tons de sonda.

Os resultados das Tabelas 1 e 2 indicam que houve diferença estatística na comparação entre os dois tons de sonda, em cada orelha, de acordo com as medidas timpanométricas analisadas: Volume da Orelha Externa, Pressão do Pico Timpanométrico (PPT) e Compliância.






A correlação entre os resultados da EOAT e os valores da compliância obtidos com os diferentes tons de sonda também se mostrou estatisticamente significante em ambas as orelhas, conforme se observa nas Tabelas 3 e 4.






Em relação à análise descritiva, observou-se que dos 70 bebês avaliados, 66 (94,28%) apresentaram resultados normais em todos os exames. Apenas quatro apresentaram resultados alterados em um ou mais dos exames realizados. Destes, dois bebês apresentaram ausência de EOAT, ou seja, falharam na triagem auditiva neonatal. Ao exame timpanométrico, realizado com os dois tons de sonda, os resultados obtidos foram normais e à avaliação otoscópica também não foram constatadas anormalidades de membrana timpânica. Desta forma, os bebês não apresentaram quaisquer alterações de orelha média que justificasse a ausência do registro das emissões. Estes bebês foram encaminhados ao diagnóstico audiológico.

Apenas um bebê falhou na triagem auditiva e, ao ser realizada a avaliação otoscópica, observou-se opacidade de membrana timpânica. A alteração de orelha média foi confirmada pela timpanometria realizada com a sonda de tom prova de 1000 Hz, na qual se obteve uma curva Tipo B, de acordo com a classificação proposta por Jerger18, o que condiz com a ausência de registro da EOAT. Por outro lado, ao ser realizado o exame timpanométrico com a sonda de 226 Hz, verificou-se a existência de uma falsa curva Tipo A.

Somente um bebê, que falhou na triagem auditiva, apresentou alteração de membrana timpânica (opacidade) à otoscopia e, em contrapartida, foram obtidos resultados normais ao exame timpanométrico com os dois tons de sonda. Estes achados configuram 1,42% de alterações condutivas na amostra estudada. Apenas três pacientes da amostra (4,28%) necessitaram de encaminhamento para diagnóstico audiológico com suspeita de perda auditiva neurossensorial.


DISCUSSÃO

O principal propósito do presente estudo foi estudar a relação entre as EOAT, os achados otoscópicos e as medidas timpanométricas obtidas com as sondas de 226 Hz e 1000 Hz em neonatos e bebês, na tentativa de se obter informações que auxiliem na decisão diagnóstica, com base na avaliação por meio destes exames. Poucos estudos timpanométricos com neonatos e bebês menores de seis meses têm sido realizados e são necessários para aperfeiçoar a aplicação das respostas timpanométricas no diagnóstico auditivo nesta faixa etária.

A maior dificuldade encontrada por pesquisadores é a padronização da timpanometria em lactentes, pois, diante da ausência das Emissões Otoacústicas, seja durante a triagem auditiva neonatal, seja no processo diagnóstico, a preocupação é com a diferenciação entre o comprometimento de orelha média e interna8.

Neste estudo, após a análise das medidas quantitativas registradas na timpanometria realizada com os tons de sonda de 226 Hz e 1000 Hz, os valores médios obtidos foram: na orelha direita, o volume da orelha externa foi de 0,64ml com o tom de 226 Hz e 0,42mmho com 1000 Hz; a PPT variou entre -96daPa e 93daPa, com valor médio de 1,39daPa para o tom de 226 Hz e entre -129daPa e 100daPa, com média de 19,68daPa para o tom teste de 1000 Hz; os valores de compliância foram de 0,91ml com o tom teste de 226 Hz e 0,72mmho com 1000 Hz. Na orelha esquerda, o volume da orelha externa foi de 0,64ml, com o tom de 226 Hz e 0,44mmho com 1000 Hz; a PPT variou entre -87daPa e 72daPa, com valor médio de 3,03daPa para o tom de 226 Hz e entre -119daPa e 100daPa, com média de 16,05daPa para o tom teste de 1000 Hz; os valores de compliância foram de 0,98ml com o tom teste de 226 Hz e 0,79mmho com a sonda de 1000 Hz. A comparação dos valores médios obtidos em ambas as sondas de tom prova se apresentou estatisticamente significativa, o que se traduz com a diferença nas medidas quantitativas quando o exame timpanométrico é realizado com os diferentes tons de sonda.

Esses resultados são semelhantes aos que foram encontrados por Carvallo24 em que, em relação às medidas quantitativas, os valores médios obtidos foram: volume da orelha externa, 0,55ml com o tom de 226 Hz, 1,29mmho com 678 Hz e 1,67mmho com 1000 Hz; compliância, 0,56ml com tom teste de 226 Hz, 0,45mmho com 678Hz e 0,84mmho com tom de sonda de 1000Hz; PPT variou entre -95daPa e 60daPa com o tom de 226Hz, entre -120daPa e 120daPa com o tom de 678Hz e entre -150daPa e 115 daPa com o tom teste de 1000Hz.

No estudo realizado por Kei et al.1, 170 neonatos saudáveis foram avaliados por meio de EOAT e timpanometria com tom teste de 226 Hz e 1000 Hz. Foi observado efeito de significância de orelha, sendo que as orelhas direitas apresentaram valores médios de admitância estática mais altos, porém, médias de admitância acústica a +200 daPa, mais baixas do que nas orelhas esquerdas. Não foi encontrado efeito de significância relacionado ao gênero ou interação entre as orelhas.

Em contrapartida, no estudo realizado por Alaerts et al.4 observou-se que, nos lactentes menores de 3 meses, os timpanogramas com tom teste de 1000 Hz foram mais fáceis de interpretar e apresentaram valores mais confiáveis (91%) do que o tom de 226 Hz (35%), o que demonstra significativamente melhor resultado na avaliação do sistema da orelha média. Além disso, o tom teste de 226 Hz resultou em 58% de resultados falso-positivos, nesta faixa etária. Os valores de compliância e volume da orelha externa, obtidos pelos autores, diferem daqueles encontrados no presente estudo.

As indicações do uso do tom teste de 1000 Hz na timpanometria em bebês advêm de diferenças anatômicas e fisiológicas na orelha média, como descrito por Holte et al.18, Hall & Chandler19, Keefe et al.20, Margolis & Hunter5. Tais ocorrências são esperadas, pois as estruturas da orelha média e externa de neonatos e bebês se modificam com o desenvolvimento, tornando-se como a dos adultos aproximadamente aos nove anos de idade20.

Estudos feitos por Margolis et al.2 e Kei et al.1 apontaram evidências em favor do uso da sonda de tom prova de 1000 Hz em relação às sondas de 226 Hz e 678 Hz, pois constataram que os componentes de massa são maiores nas sondas de alta frequência e menores nas sondas de baixa frequência, o que modifica as características de ressonância da orelha média. Tais colocações colaboram nas justificativas dos achados deste estudo.

Outro objetivo do presente estudo foi verificar a relação da timpanometria de múltiplas frequências com as EOAT para analisar qual tom de sonda apresenta melhor correlação. Na amostra, houve diferença estatisticamente significante na correlação da amplitude das EOAT com o exame timpanométrico realizado com os dois tons de sonda para ambas as orelhas. Como mostram as Tabelas 3 e 4, os valores médios registrados da amplitude das EOAT e da compliância em 226 Hz e 1000 Hz na orelha direita foram, respectivamente, 19,70dBNPS, 0,91ml e 0,72mmho e na orelha esquerda obteve-se 17,95dBNPS para amplitude das EOAT, 0,98ml e 0,79mmho para compliância em 226 Hz e 1000 Hz, respectivamente.

No estudo realizado por Garcia et al.7, na comparação entre o exame timpanométrico, utilizando o tom de sonda de 226 Hz e a presença ou ausência de EOAT nos dois grupos estudados, não foi encontrada diferença estatisticamente significante. Ao contrário, para o tom teste de 1000Hz obteve-se correlação estatisticamente significante nos dois grupos. O Grupo I (EOAT presentes) apresentou normalidade em 81,8% das timpanometrias e no Grupo II (EOAT ausentes) 88,9% apresentaram alteração timpanométrica.

A mesma ocorrência foi observada em diversos estudos, em que se encontrou relação significativa da EOAT com o exame timpanométrico, apenas quando foi realizado com o tom teste de 1000 Hz, em neonatos e bebês2,3,17.

Observa-se grande variabilidade das respostas comparando os achados do presente estudo com a literatura, particularmente os parâmetros de amplitude das EOAT e compliância na timpanometria. Isto se deve a inúmeros fatores, dentre eles, o tamanho da amostra estudada, as condições de testagem, se houve movimentação e/ou sucção do bebê no momento do registro, o vedamento do conduto auditivo externo, a idade gestacional, o tamanho da orelha, as condições gerais de saúde do bebê.

É relevante notar que neste estudo encontrou-se uma reduzida prevalência de alterações condutivas (1,42%), comprovadas pela otoscopia e da timpanometria com tom sonda de 1000 Hz. Este resultado discorda do estudo realizado por Linares & Carvallo8, no qual o grupo com ausência de EOAT apresentou ocorrência de 33,3% de timpanogramas com curva tipo B. No estudo de Carmo17, o grupo estudo, com ausência de EOAT, apresentou 74,07% de timpanogramas alterados quando analisados pela sonda de tom prova de 1000 Hz. O mesmo ocorreu no estudo de Garcia et al.7, em que 95% das orelhas avaliadas no grupo estudo (lactentes com ausência de EOAT e alteração à avaliação otoscópica) estavam alteradas ao exame timpanométrico realizado com a sonda de 1000 Hz. Ao contrário do que foi encontrado na avaliação com a sonda de 226 Hz, em que 88,9% dos timpanogramas estavam normais, mesmo quando a otoscopia apresentou alteração. Tais diferenças entre os estudos provavelmente são devidas ao tamanho da amostra e condições de saúde dos neonatos e bebês no momento do exame.

Estudos mostram diferentes prevalências de timpanogramas normais, com sonda de 1000 Hz, em bebês até 3 meses de idade, independentemente da classificação usada. Tais diferenças se devem ao número de bebês incluídos em cada estudo. Margolis et al.2 encontraram 91% de normalidade e Baldwin25 obteve 71% de timpanogramas normais. Kei et al.1 obtiveram em seu estudo 92,2% timpanogramas com pico único, semelhante ao tipo A, que é indicativo de função normal da orelha média; 5,7% timpanogramas planos, semelhante ao tipo B; 1,2% apresentaram timpanogramas pico duplo e outras formas atípicas ocorreram em duas orelhas (0,8%) da amostra estudada. Tais resultados corroboram com o presente estudo, no qual foi obtido 94,28% de avaliações normais com o tom teste de 1000 Hz.

A timpanometria, em especial a realizada com tom teste de alta frequência, pode auxiliar no diagnóstico auditivo de neonatos e bebês até seis meses de idade. Porém, não deve ser interpretada isoladamente, mas em conjunto com os resultados dos demais exames, EOAT e otoscopia.

Poucos estudos na literatura abordam a timpanometria em neonatos e bebês. Há a necessidade de se realizar mais pesquisas para que um maior número de dados seja confrontado comparativamente e, dessa forma, indiquem maior confiabilidade na interpretação dos exames e validação dos resultados em pacientes desta faixa etária.


CONCLUSÕES

Os parâmetros obtidos e analisados na correlação entre os exames timpanométricos realizados com os tons de sonda de 226 Hz e 1000 Hz apresentaram diferença estatisticamente significante. A correlação realizada entre os resultados da EOAT e os valores da compliância também demonstrou diferença significante com os diferentes tons de sonda. A maioria dos bebês avaliados apresentou normalidade em todos os exames realizados. Apenas um bebê falhou na triagem auditiva e a alteração de orelha média foi comprovada com o exame otoscópico e a timpanometria realizada com o tom de sonda de 1000 Hz. Os resultados indicam que o tom sonda de 1000 Hz é o mais recomendado para a avaliação de bebês até os 3 meses de idade.


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1. Mestre em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. (Professora Assistente do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Doutoranda em Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP).
2. Fonoaudióloga graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais (Fonoaudióloga).
3. Doutora em Biofísica Sensorial pela Université D´Auvergne (Professora Adjunto do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFMG).
4. Médica Otorrinolaringologista (Residente de Otorrinolaringologia no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais).
5. Mestre, Fonoaudióloga e Doutoranda em Saúde e Trabalho pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG).

Universidade Federal de Minas Gerais.

Endereço para correspondência:
Luciana Macedo de Resende
Alameda Serra do Curral, 340, Vila Del Rey
Nova Lima - MG. CEP: 34000-000

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 11 de abril de 2011. cod. 7700
Artigo aceito em 14 de julho de 2011.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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