ISSN 1806-9312  
Domingo, 1 de Dezembro de 2024
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4251 - Vol. 78 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 2012
Seção: Artigo Original Páginas: 75 a 80
Comparação entre cirurgia endoscópica e aberta em 37 pacientes com nasoangiofibroma
Autor(es):
José Alberto Alves Oliveira1; Marylane Galvão Tavares2; Carolina Veras Aguiar3; Jorge Ferreira de Azevedo4; João Renato F. Sousa5; Paulo César de Almeida6; Erika Ferreira Gomes7

Palavras-chave: , cirurgia vídeo-assistida, estadiamento de neoplasias.

Keywords: angiofibroma, neoplasm staging, video-assisted surgery.

Resumo: O nasoangiofibroma é um tumor vascular benigno raro da nasofaringe, 0,5% de todas as neoplasias da cabeça e pescoço. Embora o tratamento de escolha seja a cirurgia, não há consenso sobre qual a melhor abordagem.
OBJETIVOS: Comparar o tempo cirúrgico e a necessidade de transfusão intraoperatória em pacientes submetidos à cirurgia endoscópica versus aberta/combinada e relacionar a necessidade de transfusão intra-operatória com o tempo entre embolização e cirurgia.
MATERIAL E MÉTODO: Estudo descritivo, analítico, retrospectivo, com abordagem quantitativa desenvolvido no serviço de otorrinolaringologia de um hospital-escola. Analisados 37 pacientes com nasoangiofibroma submetidos ao tratamento cirúrgico. Dados obtidos de prontuários. Analisados com os testes de Fisher-Freeman-Halton e de Games-Howell. Considerou-se significante se p < 0,05.
DESENHO DO ESTUDO: Estudo de coorte histórica com corte transversal.
RESULTADOS: A abordagem endoscópica teve um menor tempo (p <0,0001).Houve uma menor necessidade de transfusão intraoperatória quando a embolização foi realizada no quarto dia.
CONCLUSÃO: Sugere-se que o período citado seria o ideal para a realização da embolização e que a cirurgia endoscópica por demandar menos tempo estaria associada a uma menor morbidade. Entretanto, não se conseguiu demonstrar qual grupo de pacientes de acordo com o estádio tumoral se beneficiaria com determinada técnica.

Abstract: Juvenile nasopharyngeal angiofibroma is a rare benign vascular tumor of the nasopharynx. Although the treatment of choice is surgery, there is no consensus on what is the best approach.
AIM: To compare surgical time and intraoperative transfusion requirements in patients undergoing endoscopic surgery versus open / combined and relate the need for transfusion during surgery with the time between embolization and surgery.
MATERIAL AND METHODS: Study descriptive, analytical, retrospective study with a quantitative approach developed in the Otorhinolaryngology department of a teaching hospital. Analyzed 37 patients with angiofibroma undergoing surgical treatment. Data obtained from medical records. Analyzed with tests of the Fisher-Freeman-Halton and Games-Howell. Was considered significant if p <0.05.
STUDY DESIGN: Historical cohort study with cross-sectional.
RESULTS: The endoscopic approach had a shorter operative time (p <0.0001). There is less need for transfusion during surgery when the embolization was performed on the fourth day.
CONCLUSION: This suggests that the period ahead would be ideal to perform the process of embolization and endoscopic surgery by demanding less time would be associated with a lower morbidity. This study, however, failed to show which group of patients according to tumor stage would benefit from specific technical.

INTRODUÇÃO

O nasoangiofibroma juvenil é um tumor benigno altamente vascularizado raro da nasofaringe, representando, aproximadamente, 0,5% de todas as neoplasias da cabeça e pescoço. A incidência é de 1:150.000, acometendo indivíduos do sexo masculino com faixa entre 14 a 25 anos1.

O acúmulo nuclear de β-catenina, um coativador do receptor androgênico, pode estar implicado na seletividade dessa neoplasia pelo sexo masculino. Os achados de níveis séricos normais de hormônios em pacientes com nasoangiofibroma corroboram essa explicação2.

A apresentação clínica típica do nasoangiofibroma caracteriza-se por obstrução nasal crônica, epistaxe, rinorreia e dor. Em função de seu crescimento invasivo, pode levar à deformidade facial e sintomas como proptose, alteração da acuidade visual e paralisia dos nervos cranianos, quando acomete a órbita e região intracraniana2,3.

A história e o exame otorrinolaringológico, em conjunto com exames de imagem, permitem um diagnóstico correto, além de evitar procedimentos como a biópsia tumoral, o que levaria a riscos desnecessários de hemorragia. A tomografia computadorizada de nariz e seios paranasais com contraste é o estudo radiológico utilizado de eleição, observando-se uma lesão ocupando a nasofaringe com alargamento do forame esfenopalatino e captação pronunciada de contraste. Nos casos de invasão craniana e orbitária, utiliza-se a ressonância magnética. A angiografia seletiva com subtração digital pode ser usada como meio diagnóstico e terapêutico ao verificar quais são os vasos nutridores do tumor e possibilitar a embolização desses vasos no pré-operatório3,4 .

A cirurgia permanece como sendo o tratamento de escolha para o nasoangiofibroma, embora haja a radioterapia, hormonioterapia, crioterapia, eletrocoagulação e quimioterapia, descritos na literatura como procedimentos terapêuticos. A abordagem cirúrgica do nasoangiofibroma pode ser tanto por via endoscópica, aberta ou combinada5-7.

A escolha do tipo de cirurgia tem como base a extensão tumoral e a experiência do cirurgião. O estadiamento pode ser feito utilizando-se as classificações de Radkwoski, Chandler, Sessions, Andrews e de Fisch, sendo a última a mais utilizada3.

A cirurgia endoscópica é uma alternativa no tratamento desse tumor nos seus estádios iniciais, estádios I e II de Fisch, por apresentar menor morbidade6. Já a cirurgia endoscópica, como um complemento à cirurgia aberta tradicional, diminui as complicações cirúrgicas e as recidivas tumorais8.

Os objetivos deste estudo foram comparar os tempos cirúrgicos entre as diferentes abordagens (aberta, endoscópica e combinada) e analisar a necessidade de transfusão intraoperatória versus o tempo decorrido da embolização.


MATERIAL E MÉTODO

Trata-se de estudo de coorte histórica com corte transversal, retrospectivo, descritivo, analítico e com abordagem quantitativa, realizado no serviço de otorrinolaringologia de um hospital terciário de ensino.

Foram revisados todos os prontuários médicos dos pacientes operados entre 2001 e 2010. A amostra foi composta de 37 pacientes submetidos à ressecção cirúrgica de nasoangiofibroma. Os critérios de inclusão foram os seguintes: possuir diagnóstico histológico de angiofibroma nasal na referida instituição e ter sido submetido à embolização pré-operatória com partículas de polivinilálcool de 150-350 µm.

As variáveis estudadas referem-se às características gerais dos pacientes (idade e sintomas), dos procedimentos cirúrgicos (duração em minutos, transfusão, embolização e tipo de abordagem), bem como do estadiamento tumoral. As cirurgias foram classificadas em dois grupos: endoscópica e aberto/combinada. O tipo de abordagem cirúrgica utilizada ao longo dos dez anos levou em consideração a curva de aprendizado do cirurgião no que concerne à cirurgia endoscópica com a gradativa substituição da técnica aberta.

Para o estadiamento, foi utilizada a classificação de Fisch: Estádio I (tumor limitado à nasofaringe e cavidade nasal sem destruição óssea), Estádio II (tumor invade a fossa pterigomaxilar, o antro maxilar, seio etmoidal e esfenoidal com destruição óssea), Estádio III (tumor invade a fossa infratemporal, órbita e região parasselar, permanecendo lateral ao seio cavernoso) e Estádio IV (tumor com invasão do seio cavernoso, região do quiasma óptico ou fossa pituitária)3,9.

Ao se analisar o intervalo temporal entre embolização e cirurgia, buscou-se relacionar o dia no qual se concentrou o maior número de pacientes (quarto dia) com os demais.

Os procedimentos cirúrgicos foram todos realizados pelo mesmo cirurgião (E.F.G.).

Os dados foram processados no programa estatístico SPSS, versão 16.0. Os dados foram analisados usando-se as frequências simples e percentuais, e, também medidas paramétricas, média e o desvio padrão. A diferença entre os pares de médias foi analisada pelo teste de Games-Howell, haja vista que as variâncias não foram iguais. Nas análises de associação, foi utilizado o teste de Fisher-Freeman-Halton. Considerou-se como significante se p < 0,05.


RESULTADOS

Nos 37 pacientes estudados, que realizaram cirurgia para nasoangiofibroma, a idade mínima foi de 8 anos e máxima, de 44, sendo a média de 17 ± 7anos. Em todos os casos, a artéria nutridora tumoral foi a maxilar, sendo em apenas um destes encontrada contribuição das artérias faríngea ascendente e artéria oftálmica, e em outros dois, ramos diretos da artéria carótida interna.

O intervalo entre a embolização e a cirurgia variou de 1 a 14 dias, com a média de 5 ± 3 dias. Os sintomas, ao diagnóstico, foram: epistaxe (96,8%), obstrução (87,8%), abaulamento facial (22,5%), secreção nasal (19,4%), sintomas oculares (16,1%), dor facial/cefaleia (12,9%) e hipoacusia (3,2%).

A distribuição dos pacientes no que se refere ao estádio tumoral, foi a seguinte: estádio I, um (3%); estádio II, 23 (62%); estádio III, nove (24%); e estádio IV, quatro (11%) (Tabela 1).




Houve necessidade de transfusão intraoperatória em nove pacientes. Desses, oito realizaram cirurgia aberta e apenas um paciente por via endoscópica (Tabela 1).

Relacionando-se o procedimento de embolização realizado no quarto dia pré-operatório, dia com maior concentração de pacientes, com os demais, verificou-se que não ocorreu necessidade de transfusão intraoperatória quando o procedimento de embolização foi realizado especificamente nesse dia (p>0,05) (Tabela 2).




Ao se comparar as médias de tempo cirúrgico entre os tipos de cirurgia, verifica-se que a cirurgia endoscópica, comparada com o outro grupo, demandou um menor tempo operatório (Tabela 3).




Evidenciou-se que a maioria dos pacientes que se submeteram à transfusão intraoperatória em quase todos os estádios, excetuando o estádio I, pertencia ao grupo da cirurgia aberta/combinada, o qual teve também uma média de tempo operatório bem maior do que o da endoscópica. No entanto, não houve uma relação significante quando se associou o estádio tumoral com a necessidade de transfusão intraoperatória (Tabela 4).




DISCUSSÃO

A embolização prévia do tumor contribui para a melhor identificação de estruturas no intraoperatório, sem que haja sangramento considerável, com isto, facilitando o procedimento. Logo, a embolização prévia também contribui para a diminuição da morbidade cirúrgica6.

Trabalhos atestam que o tempo ideal entre a embolização tumoral e a realização do procedimento endoscópico deve ser em torno de um a três dias8. No entanto, em nossa casuística percebeu-se que, quando realizada no quarto dia antes da cirurgia, houve uma menor necessidade de transfusão se comparado aos outros dias, além do fato do cirurgião da equipe associar tal intervalo a um melhor plano de clivagem do tumor, bem como menor sangramento no leito operatório.

A cirurgia endoscópica possui muitas vantagens em comparação às abordagens tradicionais. A principal é a possibilidade de se obter uma visão ampliada da lesão e das estruturas anatômicas adjacentes a partir de vários ângulos, permitindo melhor visualização da interface entre a lesão e os tecidos moles e estruturas ósseas adjacentes. Isso possibilita uma dissecção mais precisa e completa, além de melhor controle do sangramento4,10. Outra vantagem da cirurgia endoscópica é que torna desnecessárias incisões na pele ou mucosa e osteotomias faciais, causando menos alterações no crescimento de terço médio da face em adolescentes. Além disso, há a ausência de incisões e suturas, o que acarreta numa redução do tempo cirúrgico e, em virtude disso, de complicações pós-operatórias, como disestesia, dor e trismo que ocorrem em algumas abordagens externas4.

Yiotakis et al. 9, ao analisarem as complicações operatórias de 20 pacientes submetidos à exérese de nasoangiofibroma, concluíram que a via endoscópica, quando é realizada após embolização, é uma técnica segura e eficaz, associada a um menor número de complicações, sendo ideal para estádios tumorais iniciais. Nesse estudo, a média de tempo operatório para cirurgia endoscópica foi de 107,7 minutos e para as vias abertas acima de 200 minutos (203 min. degloving e 270 min. transpalatina). Tais dados corroboram com os do presente estudo, no qual a média de tempo para cirurgia endoscópica foi de 130 minutos e para a cirurgia aberta foi de 270 minutos, o que poderia sugerir maior morbidade desta.

Em nossa casuística, do total de nove pacientes que necessitaram de transfusão intraoperatória, apenas um foi em cirurgia endoscópica. Ao se analisar a necessidade de transfusão com o estádio tumoral, o presente estudo não conseguiu achar relação entre qual o melhor tipo de técnica para determinado estádio, em função da distribuição não homogênea dos pacientes dentro dos dois grupos de cirurgia.

O nível relativamente baixo de perda sanguínea durante os procedimentos endoscópicos pode ser atribuível à natureza meticulosa da dissecção. Até mesmo pequenas quantidades de sangramento limitam a visão endoscópica do cirurgião e, portanto, uma atenção especial à hemostasia é fundamental para um resultado satisfatório. Além disso, grande parte da perda de sangue nas abordagens abertas é resultado das incisões e osteotomias do acesso cirúrgico5.

Estudo de Pryor et al.5, com 54 pacientes submetidos à exérese de nasoangiofibroma, 49 por via aberta e cinco por endoscópica, evidenciou que nos pacientes submetidos à ressecção endoscópica houve menos perda sanguínea intraoperatória, menor tempo de internação e taxa de complicações e menos recidiva. Nesse mesmo estudo, os autores sugerem que tumores que acometem o etmoide, o seio maxilar e esfenoidal e estádio I e II de Fisch são passíveis de cirurgia endoscópica. Já para tumores que acometem a órbita ou o seio cavernoso, existe a necessidade de uma abordagem intra e extracraniana.

A abordagem degloving médio-facial é uma escolha razoável para quase todas as lesões avançadas, estágio IV de Fisch, pois é muito útil em termos de exposição cirúrgica, duração da cirurgia, resultados estéticos e morbidade, podendo ser combinada com outras abordagens ou craniotomia, se necessário11,12.

As contraindicações para a abordagem endoscópica seriam angiofibromas estádio IV e alguns em estádio III, casos com grande extensão para a fossa craniana média. No entanto, em alguns destes pacientes é vantajoso combinar uma abordagem degloving médio-facial com endoscópica para a remoção de tumores que se estendem através da porção anterior da lâmina crivosa e para eventual correção de fístula liquórica13.

A extensão do tumor para fossa infratemporal lateral, região selar e ao redor do nervo óptico representa desafios significativos à ressecção endoscópica. No entanto, a extensão do tumor para essas regiões também é muito difícil para expor e eliminar por meio de cirurgias abertas. A iluminação, ampliação e visualização multiângulo por meio de endoscópio pode facilitar a remoção da neoplasia adjacente a essas estruturas vitais. Em face disso, a associação da cirurgia aberta com a endoscópica seria vantajosa, pois exploraria as vantagens de ambas, além de diminuir a probabilidade de recidiva8,14.

Apesar disso, Carrau et al.15 observaram que, quando as fossas pterigopalatina e infratemporal estão acometidas, o tumor pode ser tratado exclusivamente por meio de cirurgia endoscópica.

Ao se comparar os resultados do nosso estudo com a literatura vigente, almejou-se contribuir para a discussão acerca do assunto, visto que não há um consenso estabelecido de quando se deve realizar a embolização e qual o melhor tipo de cirurgia para determinado estádio tumoral.


CONCLUSÕES

Ao se analisar somente o tempo cirúrgico, verificou-se que a técnica endoscópica teve uma menor média se comparada à aberta, o que possivelmente estaria associado à menor morbidade do ato cirúrgico. Ademais, verificou que a necessidade de transfusão intraperatória foi menor nos pacientes submetidos à embolização no quarto dia antes da cirurgia.


REFERÊNCIAS

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1. Acadêmico de medicina da Universidade Estadual do Ceará (UECE) (Estudante do sexto ano de medicina da Universidade Estadual do Ceará (UECE)).
2. Médica com residência em otorrinolaringologia pelo Hospital Geral de Fortaleza (HGF) SESA/SUS (Médica otorrinolaringologista da Cínica San Dieu).
3. Médica com residência em otorrinolaringologista pelo Hospital Geral de Fortaleza (HGF) SESA/SUS (Médica Otorrinolaringologista da Clínica Otos).
4. Mestre em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) (Chefe do serviço de cirurgia de cabeça e pescoço do Hospital Geral de Fortaleza SESA/SUS).
5. Cirurgião neuroendovascular (Cirurgião neuroendovascular do Hospital Geral de Fortaleza SESA/SUS).
6. Doutor em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP) (Professor Adjunto do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual do Ceará (UECE)).
7. Médica doutoranda em Otorrinolaringologia da Universidade de São Paulo (USP). ( Médica preceptora da residência de otorrinolaringologia do Hospital Geral de Fortaleza SESA/SUS e doutoranda em Otorrinolaringologia da Universidade de São Paulo (USP)).

Hospital Geral de Fortaleza.

Endereço para correspondência:
José Alberto Alves Oliveira
Rua: Bruno Freire, nº 600, ap. 2201-A, Cidade dos Funcionários
Fortaleza-CE. CEP: 60824-010
albertiezzi@hotmail.com

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 4 de março de 2011. cod. 7621
Artigo aceito em 24 de novembro de 2011.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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