ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
4240 - Vol. 78 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 2012
Seção: Editorial Páginas: 2 a 3
Rumos do Implante Coclear bilateral no Brasil
Autor(es):
Miguel Angelo Hyppolito; Ricardo Ferreira Bento

O dispositivo eletrônico do Implante Coclear é a prótese sensorial mais efetiva na história da medicina. As indicações do implante coclear passaram por momentos evolutivos, dependentes do desenvolvimento tecnológico, aprimoramento das técnicas cirúrgicas e da capacitação e qualificação das equipes interdisciplinares envolvidas em todo o processo de implantação, podendo esta tecnologia beneficiar pessoas com graus variados de perdas auditivas em diferentes tempos de privação sensorial, sendo preferencial sua indicação precoce ao longo do primeiro ano de vida.

A indicação bilateral do implante coclear tem sido motivo de discussões e é uma realidade em países europeus e EUA. O sistema de saúde inglês indica o implante coclear bilateral simultâneo para todas as crianças com perda auditiva severa a profunda bilateral, por seus estudos demonstrarem elevado custo benefício para os programas de saúde subsidiados pelo governo, tanto individual como social. Crianças menores de 01 ano de idade com implante coclear bilateral simultâneo comportam-se como normo ouvintes aos 4 anos de idade, com melhor aproveitamento da audição no silêncio e no ruído, melhor desenvolvimento na compreensão e produção da fala, comportamento social de criança com audição normal, resultados escolares e interação escolar como crianças normo ouvintes sem a utilização de recursos como a leitura orofacial e linguagem de sinais.

O implante coclear unilateral proporciona a audição, mas limita a localização e discriminação de sons em ambientes ruidosos, sendo dispendiosos os esforços do indivíduo para acompanhar a conversação.

O implante coclear bilateral promove rapidamente uma atividade cortical homogênea e organizada medida pelo potencial auditivo evocado composto (CAEP), seu estímulo promove latência e amplitude da onda P1 semelhantes a de crianças normo ouvintes da mesma faixa etária, refletindo um desenvolvimento bilateral simétrico das vias auditivas centrais. A aquisição da linguagem falada é mais rápida dentro do primeiro ano pós implante coclear bilateral quando comparada ao unilateral e as crianças que recebem o segundo implante coclear mais próximo do primeiro têm uma melhor percepção da fala com a utilização do segundo implante.

Os familiares de pacientes usuários de 2 implantes cocleares reportam melhora no comportamento geral da criança, com melhor intelegibilidade da fala, melhor desempenho escolar e melhor percepção da fala apos o segundo implante.

Assim, a indicação do implante coclear bilateral é uma realidade e vem sendo considerada pelos órgãos reguladores de planos de saúde privados e que terão a seu tempo a indicação em pacientes dependentes dos serviços públicos de saúde. Quando se considera a possibilidade de indicação do implante coclear em crianças a idade deve ser considerada, pois pode afetar o desenvolvimento auditivo de forma independente.

O melhor desempenho quanto à localização do som em usuários de implante coclear bilateral depende do efeito sombra de cabeça, do efeito "squelch" e do efeito da somação binaural. Esses efeitos são importantes para a melhor compreensão da fala em ambientes com ruído, localizando temporalmente o som que chega a cada orelha implantada. O efeito sombra de cabeça ocorre pela obstrução da cabeça a chegada do som a orelha estimulada e melhorando a relação sinal ruído (SNR). A somação binaural é resultado do processamento auditivo central e demonstra a habilidade do sistema nervoso auditivo central integrar e utilizar a informação das duas orelhas. O efeito "squelch" é a habilidade do sistema auditivo em utilizar a informação de ambas orelhas quando a fala e o ruído são separados espacialmente.

Para a indicação do implante coclear bilateral uma condição importante a considerar é o período crítico para o desenvolvimento auditivo binaural o que favorece a implantação simultânea precoce. A plasticidade das vias auditivas centrais logo após a implantação bilateral precoce é favorável em crianças implantadas bilateralmente e sequencialmente com o segundo implante realizado em um intervalo de tempo menor de 1 ano. O tempo precoce entre os implantes seqüenciais e a simultaneidade no implante coclear em crianças devem ser considerados favoráveis a reabilitação com maior oportunidade para o desenvolvimento da fala e da linguagem. Em adultos o implante coclear bilateral simultâneo ou seqüencial melhora o conforto auditivo de estar escutando pelas duas orelhas com benefício para a localização do som.

Ao considerar o implante coclear bilateral em crianças duas questões importantes são o tempo de surdez antes da primeira cirurgia que interfere com o desenvolvimento da linguagem oral e competências lingüísticas e o intervalo entre as cirurgias, que afeta o desenvolvimento do processamento auditivo binaural.

O momento da indicação e a idade para ser submetida à cirurgia deve ser discutida seriamente com a equipe do programa de implante coclear, que terá como objetivo uma intervenção precoce e melhores condições auditivas em todos os sentidos, buscando diminuir a dificuldade existente e proporcionando benefícios auditivos em busca do respeito e inclusão social.

Estudos internacionais têm mostrado que se a questão financeira não for um problema, o implante coclear bilateral beneficiaria todas as crianças com surdez sensório neural profunda bilateral, devendo ambas as orelhas atenderem aos critérios audiológicos pediátricos.

As contra-indicações do implante coclear bilateral são o peso da criança menor que 6kg e falta de apoio familiar. Nos casos de adultos a contra-indicação está relacionada ao grande tempo de privação sonora sem uso de aparelho de amplificação sonora individual.

Aguardar e reservar uma orelha não implantada a uma nova tecnologia ou tratamento futuro deve ser considerado, não podendo esquecer de que existe um período crítico para o desenvolvimento cortical. Diante disso, a espera de uma nova tecnologia pode ser prejudicial, pois o córtex cerebral pode não aproveitar os benefícios dessa nova tecnologia ou novo tratamento.

Apesar da morosidade para a incorporação de tecnologias a saúde no Brasil, no dia 28 de julho de 2011 a Agencia Nacional de Saúde Suplementar (ANS) através de sua Resolução Normativa - RN Nº 261 - determina que os planos de saúde devem incorporar a partir de janeiro de 2012 no seu rol de procedimentos os implantes cocleares, facilitando o acesso dos pacientes segurados por planos de saúde a este importante benefício que já é uma realidade no SUS, não necessitando de demandas judiciais para a cirurgia do implante coclear uni ou bilateral. Agora os pacientes SUS devem aguardar quando o Governo Federal irá disponibilizar tal tecnologia bilateralmente, o que já é realidade em muitos países.


Miguel Angelo Hyppolito - Professor Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP.

Ricardo Ferreira Bento - Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia