INTRODUÇÃOAs neoplasias malignas de glândulas salivares são relativamente incomuns, contabilizando menos de 7% dos cânceres de cabeça e pescoço. Destes, apenas 10% foram diagnosticados como carcinoma adenoide cístico (CAC)1.Acredita-se que o mesmo seja originado a partir das células do segmento do ducto intercalar ou do complexo terminal tubular2. É um tumor que comumente acomete indivíduos entre a 5ª e 7ª década de vida, existindo forte associação com álcool e tabaco. Além disso, tem predileção pelo sexo feminino, sem distinção racial. É tipicamente uma neoplasia de crescimento lento que, na maioria dos casos, apresenta-se clinicamente como um aumento de volume ou nódulo de consistência endurecida, recoberto por mucosa íntegra3.
RELATO DO CASOPaciente, sexo masculino, 48 anos, faioderma, queixava-se de dor de baixa intensidade na região de molares inferiores do lado esquerdo. Relatou evolução de aproximadamente dois meses. Ao exame físico extrabucal, não apresentou assimetria facial e não foram notadas alterações no exame da cadeia ganglionar regional. No exame intrabucal, observou-se coloração normal da mucosa vestibular na região dos molares inferiores do lado esquerdo, sem aumento de volume. Foi observada hiperemia na orofaringe com mucosa de coloração enegrecida na região de bordo lateral de língua, de consistência levemente endurecida e apresentando dor à palpação. A avaliação da ortopantomografia demonstrou uma imagem radiolúcida envolvendo as regiões periapicais dos segundo e terceiro molares inferiores esquerdos com envolvimento do canal mandibular. A tomografia computadorizada de feixe cônico revelou limites indefinidos, erosão da cortical lingual, reabsorção radicular dos dentes envolvidos e comprometimento do canal mandibular (Figura 1A). A exploração cirúrgica revelou um tumor sólido, com limites indefinidos e pouco denso, que comprimia o nervo alveolar inferior. O material cirúrgico foi encaminhado para análise laboratorial e o diagnóstico histopatológico foi de carcinoma polimórfico de baixo grau (Figura 1B). Porém, diante do difícil diagnóstico diferencial dessa lesão com o carcinoma adenoide cístico, como também pela importante repercussão no prognóstico, foi realizada análise imunoistoquímica, que revelou carcinoma adenoide cístico sólido.
O paciente foi, então, encaminhado para oncologia, que optou por terapia cirúrgica radical (hemimandibulectomia) e radioterapia coadjuvante (Figura 1C).
Figura 1. Carcinoma Adenoide Cístico. A. Tomografia computadorizada em reconstrução 3D demonstrando caráter osteolítico da lesão no aspecto lingual; B. Exame histopatológico demonstrando ilhas de células hipercromáticas formando estruturas cribriformes em que as células tumorais são cercadas por material hialinizado (H.E. 200x); C. Exame radiográfico panorâmico pós-operatório.
DISCUSSÃOA incidência de CAC varia de acordo com sua topografia. Nas glândulas parótidas, de 1,6% a 2,2% de todos os tumores e 16% dos tumores malignos são CAC. Já na glândula submandibular, essa porcentagem sobe para 12% a 17% e na glândula sublingual representa 40% de todos os tumores3.
Pode apresentar-se como um tumor assintomático e de crescimento lento, embora seja caracterizado, na maioria dos casos, por pequenos episódios dolorosos, principalmente à palpação, devido, teoricamente, ao fato do neurotropismo marcante dessa lesão. No caso relatado, o paciente apresentou dor de baixa intensidade na região dos molares inferiores exacerbada durante a palpação. A invasão perineural constitui achado comum do CAC, mas não pode ser considerado fator patognomônico, pois também pode ser visto em outras neoplasias de glândulas salivares, como o adenocarcinoma polimórfico de baixo grau4. O diagnóstico histopatológico do caso em questão foi de adenocarcinoma polimórfico de baixo grau, porém, foi realizada análise imunoistoquímica para confirmação do diagnostico, obtendo como resultado carcinoma adenoide cístico sólido.
No que se refere à forma de tratamento, a combinação de intervenção cirúrgica radical associada à radioterapia pós-operatória tem sido o método de eleição para alguns autores, pois parece diminuir sobremaneira as taxas de recidiva quando comparadas ao tratamento cirúrgico isolado4. Essa forma de tratamento foi adotada para o caso relatado pelo fato de tratar-se de um tumor mais agressivo, do tipo sólido, e de localização intra-óssea. Embora aumente a taxa de controle local, essa combinação não necessariamente aumenta a sobrevida. A maioria dos autores concorda que a dissecção linfática do pescoço deve ser reservada àqueles casos em que se encontra evidência clínica de metástase cervical5, o que não foi observado neste paciente.
COMENTÁRIOS FINAISO Carcinoma Adenoide Cístico é uma neoplasia de crescimento lento, que, geralmente, aparece como aumento de volume envolvido por mucosa íntegra, apresentando dor à palpação e com ocorrência de metástases tardias. A recomendação é que seja tratado com cirurgia radical, uma vez que diminui a ocorrência de metástases.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Mano T, Wada N, Uchida K, Muraki Y, Nagatsuka H, Ueyama Y. Central adenoid cystic carcinoma of the mandible with multiple bone metastases: case report. J Oral Maxillofac Surg. 2010;68(2):446-51.
2. Fonseca I, Félix A, Soares J. Cell proliferation in salivary gland adenocarcinomas with myoepithelial participation. A study of 78 cases. Virchows Arch.1997;430(3):227-32.
3. Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE. Patologia Oral α Maxilofacial. 3 ed. São Paulo: Elsevier; 2009.
4. Santos MESM, Ibrahim D, Silva Neto JC, Silva UH; Sobral APV. Carcinoma adenoide cístico: relato de caso. Rev Cir Traumatol Buco-Maxilo-Fac. 2005;5(2):49-54.
5. Carvalho CP, Barcellos AN, Teixeira DC, Sales JO, Silva Neto R. Adenoid cystic carcinoma of the external auditory canal. Braz J Otorhinolaryngol. 2008;74(5):794-6.
1. Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pelo Colégio Brasileiro de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Mestrando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da Faculdade de Odontologia de Pernambuco, FOP/UPE.
2. Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco, FOP/UPE., Mestranda em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da Faculdade de Odontologia de Pernambuco, FOP/UPE.
3. Doutora em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco, FOP/UPE., Professora Adjunta de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco, FOP/UPE.
4. Doutor em Patologia Oral pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN. Professor Adjunto de Patologia Oral da Faculdade de Odontologia de Pernambuco, FOP/UPE.
5. Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Chefe da Residência de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, HUOC/UPE. Universidade de Pernambuco.
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 13 de julho de 2011. cod. 7201
Artigo aceito em 18 de setembro de 2010.