IntroduçãoO cantor popular em geral inicia a carreira profissional apoiado apenas no dom de cantar, sem o desenvolvimento de técnicas do canto. É bastante comum na história destes cantores o fato de gostar de cantar e ser atraído pela música desde criança e a partir daí ser descoberto por empresários e ingressar assim na carreira profissional (Oliveira, 1995)1.
Cantores da noite que atuam em bares, boates, salões de baile e festas muitas vezes têm que cantar vários estilos de música para agradar ao público variado destes ambientes (Silva & Campiotto, 1995)2 sendo que numa única noite o repertório pode incluir samba, pagode, sertanejo, valsa, bolero, pop music, rock, MPB e até mesmo peças de clássicos como "O Fantasma da Ópera", "A Flauta Mágica", "Carmina Burana" entre outros. Ouvindo um cantor popular interpretar uma obra lírica observa-se certos ajustes fonatórios que se aproximam da qualidade vocal do canto lírico, porém quais são os ajustes laríngeos mais empregados por estes indivíduos para a modificação da qualidade vocal?
Por exercer o papel de cover, ou seja, reproduzir sucessos de cantores famosos, o cantor de baile na maior parte das vezes tende a imitar a qualidade vocal dos grandes ídolos, estabelecendo com freqüência padrões de abuso vocal. Ao contrário dos cantores líricos, que geralmente têm um padrão estético vocal pré-determinado, o cantor popular de baile é tão mais valorizado pelo público quanto mais se aproximar dos padrões estéticos de cantores famosos, os chamados superstars, que de acordo com Bunch & Chapman (2000)3 são os cantores profissionais de reconhecimento mundial, com constante assédio por parte da mídia.
São vários os estudos que apresentam as diferenças entre o canto popular, com ajustes fonatórios próximos dos ajustes da fala, e o canto lírico, que exige treinamento vocal prévio para adequação do volume e extensão vocal e que tem como principais características o grande controle respiratório, a presença do formante do cantor e um bom padrão de vibrato. Sabe-se que na maior parte das escolas de canto a laringe tende a permanecer em posição baixa no pescoço, estabilizada, mesmo nas freqüências mais agudas sendo que as mudanças de tom ocorrem basicamente pelo alongamento e encurtamento das pregas vocais. A posição baixa da laringe em freqüências agudas, característica da técnica vocal do canto lírico, apontada por Appleman (1967)4 e estudada por Sundberg, Gramming & Lovetri (1993)5 e Miller (1994)6, foi surpreendentemente observada por Lovetri, Lesh & Woo (1999)7 durante o canto belting, que por sua vez tem um padrão de laringe bastante elevada (Schutte & Miller, 1993)8. Estes autores acreditam que as diferentes qualidades vocais provocam ajustes laríngeos diferentes que variam de cantor para cantor. Do mesmo modo Sundberg (1987)9 refere que diferenças individuais entre cantores favorecem diferentes estratégias no uso da musculatura laríngea. Também Campiotto (1998)10 observou a posição da laringe relacionada mais com o estilo da música interpretada que com a técnica vocal do canto erudito.
A constrição ântero-posterior foi observada em diversos estilos de canto como no twang, belting e ópera, num estudo feito por Yanagisawa, Estill, Kmucha & Leder (1989)11. Hamam, Kyrillos, Bortolai & Figueiredo (1996)12 encontraram maior ocorrência deste tipo de constrição em cantores líricos quando comparados com cantores populares.
O presente estudo tem por objetivos analisar:
1. os parâmetros acústicos e a configuração laríngea de cantores de baile durante emissões de "é" falado, "é" cantado, escalas de intensidade e freqüência, e o canto de um trecho de uma música popular e de uma música em estilo lírico;
2. as alterações laríngeas eventualmente presentes nesse grupo.
Material e MétodoForam analisados 26 sujeitos, 10 homens e 16 mulheres, todos cantores profissionais atuantes em baile, do gênero popular e com média de três apresentações semanais. A faixa etária variou entre 20 e 49 anos.
Foi aplicado questionário para verificação do perfil vocal dos sujeitos, realizada gravação digital durante os trechos de músicas cantadas em estilo popular e lírico, para análise perceptivo auditiva e acústica das vozes e, também, avaliação nasofibroscópica para análise da configuração laríngea.
O questionário com respostas de múltipla escolha abordou questões sobre o tempo de profissão, número de apresentações semanais, treinamento vocal, higiene vocal, queixa e história de patologia vocal. Não houve exclusão dos indivíduos que apresentavam história ou queixa de patologia laríngea.
Após a aplicação do questionário foi realizada gravação digital em diferentes locais para cada sujeito, sendo estes locais silenciosos, porém não tratados acusticamente. O equipamento utilizado para a gravação vocal foi um minidisc da marca Sony modelo MZ-R50 e microfone profissional unidirecional da marca Shure modelo SM58. As gravações foram realizadas individualmente sendo que as provas solicitadas foram: "é" falado, "é" cantado, primeira estrofe da música "Canção da América", cantada no estilo de canto popular, e refrão da música "Con te Partirò", cantada em estilo de canto lírico.
Não houve controle dos tons das músicas uma vez que o objetivo foi o de avaliar o gesto motor da laringe e não a afinação ou outras características musicais.
Os sujeitos foram ainda submetidos à nasofibrolaringoscopia, por um otorrinolaringologista experiente na avaliação da voz cantada, com o uso do nasofibroscópio Mashida 3.2mm modelo ENT-30 III, fonte de luz Dyonics Highlight 250W, câmera CCD Color Camera Jedmed, videocassete Sony SLV - 72 HF e um monitor SONY 14 polegadas. Foi utilizado anestésico tópico Tetracaína a 2%, aplicado numa das narinas de cada sujeito. As provas solicitadas durante o exame foram: emissão do "é" falado, emissão do "é" cantado, escala com a vogal "i" com variação ascendente e descendente de intensidade, escala com a vogal "i" com variação ascendente e descendente da freqüência, primeira estrofe da música "Canção da América" e refrão da música "Con te Partirò".
Foi realizada análise acústica da gravação digitalizada do "é" falado e cantado através do software Dr. Speech Sciences da Tiger Eletronics, módulo Voice Assessment. Através da análise dos dados o programa forneceu a freqüência fundamental (F0) e seus valores de perturbação a curto prazo jitter e shimmer em porcentagem. Realizou-se também análise espectrográfica da emissão da vogal "é" cantada, através do módulo Real Analysis, também integrante do software Dr. Speech Sciences, para verificação da ocorrência do formante do cantor (FC).
Os parâmetros analisados tiveram como base os seguintes critérios: freqüência fundamental (F0) expressa em Hertz (Hz), medidas relativas de jitter PPQ (period perturbation quocient), que emprega uma média de 5 pontos e com valor limite de normalidade de 0,5% e shimmer APQ (amplitude perturbation quocient) com média de 5 pontos e com valor limite de normalidade de 3%. O formante do cantor (FC) foi analisado através do espectro formado com o registro simultâneo da FFT (Fast Fourier Transform) e do LPC (Linear Predictive Coding).
Realizou-se análise perceptivo auditiva dos dois trechos musicais, a partir das gravações digitalizadas, a fim de verificar se houve ou não mudança na qualidade vocal dos indivíduos durante o canto dos dois estilos.
A configuração laríngea foi analisada através das imagens laringoscópicas. Tal análise foi realizada visualmente por consenso de um grupo de 30 fonoaudiólogas com experiência na área de voz sendo que foram considerados os seguintes aspectos: simetria laríngea, presença ou não de fenda glótica, tipo de fenda glótica, constrição ântero-posterior e mediana da supraglote, modificação vertical da laringe e alongamento das pregas vocais na mudança de freqüência, tensão laríngea, estabilidade laríngea e presença de vibrato.
A simetria laríngea foi avaliada visualmente através da comparação dos dimídios direito e esquerdo. A imagem foi considerada simétrica quando as hemilaringes eram aproximadamente especulares.
Em relação ao fechamento glótico, foi considerada ausência de fenda glótica as imagens que apresentaram coaptação das pregas vocais em toda extensão, fazendo desaparecer por completo a rima glótica. Os tipos de fenda considerados foram: fenda triangular (posterior, médio-posterior, ântero-posterior), fusiforme (anterior, ântero-posterior ou posterior), paralela, dupla, ampulheta ou irregular.
As constrições ântero-posterior e mediana também foram analisadas visualmente sendo que para a primeira considerou-se a situação em que ocorreu uma redução no volume do vestíbulo às custas da aproximação das cartilagens aritenóideas da epiglote, com redução ou mesmo impedimento da visualização das pregas vocais. Foi considerada como constrição mediana a imagem laríngea que apresentava a aproximação das paredes laterais do vestíbulo, em direção à linha média, com o deslocamento das pregas vestibulares.
Nas provas em que era necessária a mudança de freqüência foi observado visualmente se esta ocorreu com o recurso da modificação da posição da laringe no pescoço, ou seja, laringe mais baixa ou mais elevada nas variações dos sons graves e agudos, ou se foi utilizado o recurso de alongamento e encurtamento das pregas vocais durante a variação dos tons.
Nas provas em que ocorreu mudança de intensidade foi observado visualmente se o aumento da intensidade vocal correspondia a um aumento de tensão, caracterizado por maior coaptação glótica e/ou envolvimento supraglótico.
Nos dois trechos de canto verificou-se a estabilidade laríngea através da redução dos movimentos desta durante o canto e/ou a manutenção do mesmo número de movimentos quando na fala.
O vibrato foi analisado perceptivo-auditivamente sendo considerada a presença ou não do mesmo bem como mudanças na sua intensidade.
Os achados de alterações laríngeas foram descritos pelo otorrinolaringologista que realizou os exames.
Os parâmetros acústicos nas emissões falada e cantada foram analisados estatisticamente através do Teste T de Student, para dados pareados e para a comparação entre os sexos para todas as variáveis. Os dados apresentados nas Tabelas 2 e 3 tiveram tratamento estatístico através do Teste de Mann-Whitney, para a comparação entre sexos para todas as variáveis, e do Teste de McNemar, para dados pareados.
ResultadosEste grupo constituiu-se especificamente de cantores de baile que se apresentam acompanhados por banda musical. A média de apresentações semanais foi de três bailes com cinco horas de duração cada baile sendo que cada cantor interpreta em média 13 músicas (solo) num único baile. O tempo de exercício profissional variou de 5 a 20 anos sendo que 19 sujeitos têm no canto sua atividade profissional exclusiva.
Em relação à prática de aula de canto, 20 sujeitos afirmaram já ter praticado aula de canto, sendo que, destes, 9 estudaram por menos de um ano, 7 de um a cinco anos e 4 de seis a dez anos de aula. Apenas 4 sujeitos continuam em aula atualmente. Apesar disso, a maioria dos sujeitos acredita que o canto é um "dom" mas também uma capacidade adquirida com técnica.
Perguntados sobre o início de suas carreiras, 8 sujeitos referiram ter ingressado na carreira de cantor já profissionalmente e 16 sujeitos admitiram ter iniciado a carreira imitando cantores famosos.
Quanto aos hábitos vocais antes das apresentações, 14 sujeitos fazem aquecimento vocal, 5 fazem repouso vocal, 17 sujeitos evitam gelados, 11 evitam álcool, apenas 1 indivíduo toma cuidados com a alimentação e 6 indivíduos não têm nenhum cuidado especial com a voz. Quanto aos hábitos de vida, apenas 2 cantoras referiram fazer uso de cigarros e 1 cantor afirmou fazer uso de álcool. Nenhum sujeito afirmou fazer uso de drogas.
A Tabela 1 apresenta os valores individuais e médios dos parâmetros acústicos analisados, freqüência fundamental (F0) média e habitual, jitter e shimmer durante a emissão falada e cantada da vogal "é".
A análise espectrográfica não detectou presença do formante do cantor em nenhuma das vozes analisadas.
Os parâmetros visuais das constrições ântero-posterior e mediana considerados a partir das imagens laringoscópicas durante a emissão do "é" falado, do "é" cantado, da escala de intensidade e dos dois trechos de canto de acordo com o gênero do cantor encontram-se na Tabela 2.
A Tabela 3 apresenta as modificações laríngeas e vocais realizadas durante a emissão do "é" cantado, em relação ao "é" falado bem como nas escalas com variação de intensidade e freqüência e nos dois trechos de canto.
Os achados de alterações laríngeas observados nas imagens nasofibrolaringoscópicas encontram-se na Tabela 4.
Tabela 1. Parâmetros acústicos, frequência fundamental (F0) média e habitual (Moda), jitter e shimmer na vogal sustentada "é" em emissão falada e cantada.
Test T de Student:
Jitter cantado, homens x mulheres: p=0,068
Jitter falado x jitter cantado, mulheres: p=0,018*
Shimmer falado x shimmer cantado, mulheres: p=0,001*
Tabela 2. Constrição ântero-posterior e mediana nas emissões do "é" falado e cantado, na escala de intensidade e nos dois trechos de canto, de acordo com o gênero do cantor.
Teste de Mann-Whitney
Constrição mediana ausente no "É" falado, homens x mulheres: p=0,047*
Constrição mediana ausente no "É" cantado, homens x mulheres: p=0,047*
Constrição mediana ausente em Con te Partirò, homens x mulheres: p=0,041*
Teste de McNemar
Constrição ântero-posterior aumenta, Canção da América x Con te Partirò: p=001*
Constrição mediana aumenta, Canção da América x Con te Partirò: p=031*
Tabela 3. Modificações laríngeas, análise do vibrato e dos ajustes vocais nas emissões do "é" cantado, em relação ao falado, nas escalas de intensidade e frequência e nos dois trechos de canto de acordo com o gênero do cantor.
Tabela 4. Achados otorrinolaringológicos referentes à simetria e alterações laríngeas a partir das imagens da nasofibrolaringoscopia e o gênero do cantor.
DiscussãoIngressar na carreira profissional através da imitação de cantores famosos é fato comum entre os cantores populares. Perguntados sobre este aspecto, 61,53% dos sujeitos desta pesquisa afirmaram ter iniciado a carreira profissional através da imitação. De maneira bastante interessante, ao serem perguntados sobre a habilidade para o canto, 84,61% respondeu que acredita que o canto é um dom e uma habilidade adquirida com técnica. Apesar disso, parece que para o cantor popular não é fundamental para o exercício de sua profissão o preparo técnico uma vez que atualmente apenas 4 sujeitos (15,38%) praticam aula de canto, indicando a falta de preparo vocal de tal população, fato este também verificado por Oliveira (1995)1 e Duprat, Eckley, Silva & Costa (1996)13. Ainda em relação à aula de canto, 76,92% dos sujeitos referiram ter praticado aula de canto, porém a maior parte destes (80%) praticou aula por um período inferior a cinco anos. A ausência de técnicas adequadas para a prática do canto desta população pode ser verificada através de alguns dados apresentados na Tabela 3. O emprego pela maioria dos sujeitos de variação vertical da laringe, juntamente com alongamento e encurtamento das pregas vocais durante a realização de uma escala de freqüência, é um dos aspectos que sugere o despreparo técnico de tal população.
No presente estudo foi estatisticamente significante não somente o aumento da constrição ântero-posterior como também da constrição mediana durante o canto do trecho lírico em relação ao popular. Também foi verificado o aumento da estabilidade laríngea nesta mesma comparação (Tabela 3). Relacionando estes achados com a modificação da qualidade vocal, melhorando a ressonância vocal e sobrearticulando mais as palavras, durante o trecho lírico em relação ao popular, com o aumento do volume de voz e também do vibrato (Tabela 3), aspecto este que auditivamente contribui para uma qualidade vocal menos tensa (Sundberg, 1995)14, podemos suspeitar que ao cantarem o trecho lírico estes sujeitos fazem ajustes laríngeos semelhantes aos ajustes do canto lírico intuitivamente. Tal consideração no entanto diferencia-se do que acreditam Miller, Sulter, Schutte & Wolf (1997)15, os quais defendem que um indivíduo imita um determinado tipo de emissão vocal muito mais por uma habilidade auditiva que por semelhança das posturas do trato vocal. Foi ainda verificada diferença significante entre os sexos quanto à presença da constrição mediana sendo que esta foi observada em menor número nas laringes femininas durante as provas do "é" falado e cantado e no trecho de canto em estilo lírico.
A qualidade vocal foi analisada auditivamente a partir da gravação digitalizada e não do exame laringoscópico uma vez que, apesar da nasofibrolaringoscopia ser considerado um bom exame para avaliação da fonação (Hertegard, 1994)16, que fica mais próxima da fala ao natural, e da biomecânica laríngea (Koufman, 1995)17, a situação de exame não propiciava uma grande modificação na qualidade vocal quando no canto em estilo lírico. Lim, Oates, Phyland & Campbell (1998)18 observaram que o uso de anestésico nasal bem como a presença do nasofibroscópio provocam alterações na qualidade vocal.
Houve dificuldade, por parte dos indivíduos deste estudo, em realizar a escala com variação de intensidade. Sob esta solicitação, os sujeitos pareciam não entender o que era pedido, sendo portanto necessária apresentação de modelo para a maior parte dos sujeitos. Tal ocorrência pode ser explicada pelo fato de que, em sua atividade profissional, o cantor popular não necessita utilizar desníveis de intensidade com a própria voz uma vez que faz uso de sistema de amplificação, o que também foi apontado por Hamam, Kyrillos, Bortolai & Figueiredo (1996)12. O mecanismo laríngeo mais utilizado para a realização desta prova foi o aumento da tensão laríngea. Segundo Baken (1991)19, a mudança de intensidade da voz se dá tanto pelo aumento da pressão subglótica como por aumento da resistência glótica à passagem do ar.
A análise acústica (Tabela 1) revelou valores de freqüência fundamental na emissão de voz falada diferentes dos valores obtidos em outros estudos, ficando a média masculina superior aos valores encontrados por Behlau, Tosi & Pontes (1985)20 e Saviolli (1999)21 e a média feminina inferior ao encontrado pelos primeiros autores e também por Tosi (1998)22. Comparando as emissões falada e cantada, observou-se que todos os sujeitos apresentaram valores da freqüência fundamental média na vogal cantada acima dos valores da vogal falada, porém a diferenciação entre vogal falada e cantada se dá predominantemente pelo aumento da projeção vocal, não necessariamente dependente do aumento da freqüência fundamental. A não ocorrência do formante do cantor é mais um fator indicativo da ausência de treino vocal desta população sendo que, segundo Behlau (1996)23, a observação do formante do cantor é uma das contribuições clínicas da análise acústica que permite a distinção entre vozes treinadas e não treinadas. Quanto aos índices de perturbação a curto prazo, os valores de jitter e shimmer diminuíram na vogal cantada em relação à vogal falada para grande parte dos sujeitos. Todos os valores de jitter estiveram dentro dos limites de normalidade sendo que seus valores diminuíram na vogal cantada em relação à falada significantemente no sexo feminino. Quanto aos valores de shimmer, foram observados em poucos sujeitos índices acima dos limites de normalidade na vogal falada sendo que, na emissão cantada, entraram na normalidade. Também os valores do shimmer reduziram significantemente na vogal cantada somente nas vozes femininas. Na comparação entre os sexos observou-se diferença entre os valores de jitter, na vogal cantada, próxima da significância estatística (p=0,068), o que pode não ter ocorrido devido ao tamanho da amostra.
Dos achados de alterações laríngeas (Tabela 4) verificou-se maior número de alterações em laringes masculinas que femininas, sendo que a patologia mais encontrada em ambos os sexos foi o refluxo gastroesofágico. Um número elevado de patologia laríngea em indivíduos que dependem e utilizam a voz profissionalmente também pode indicar o despreparo técnico vocal, a falta de conhecimento dos mecanismos e estruturas laríngeas e/ou falta de higiene vocal por parte desta população. Estes aspectos também foram verificados por Teachey, Kahane & Beckford (1991)24 num estudo com 30 cantores profissionais com pouco (até 2 anos) ou nenhum treinamento vocal formal, sendo que neste estudo o achado patológico mais observado foram os nódulos de pregas vocais. No entanto, mesmo com estas evidências de falta de higiene vocal, as respostas ao questionário, semelhante ao que foi encontrado por Duprat, Eckley, Silva & Costa (1996)13, indicam que o cantor popular tem preocupações, porém não toma os devidos cuidados em relação à sua saúde vocal.
Os dados obtidos sugerem a realização de outro estudo que analise a imitação do canto lírico por cantores amadores a fim de verificar se os ajustes observados neste estudo, realizados pelos cantores profissionais, são puramente fisiológicos ou se existe a influência da prática profissional do canto. Koufman, Radomski, Joharji, Russel & Pillsbury (1995)25 observaram que cantores amadores apresentam padrões elevados de tensão laríngea em relação a cantores profissionais sendo que destes, os cantores populares apresentam padrões de tensão laríngea maiores que os cantores líricos. Sugere-se ainda a comparação, através da análise perceptivo-auditiva, do canto em estilo lírico entre cantores populares e líricos.
Conclusões1. Ao cantar um trecho de música em estilo lírico, o cantor popular muda a qualidade vocal, aumentando o vibrato, o volume vocal, melhorando a ressonância vocal e sobrearticulando mais as palavras;
2. Os ajustes laríngeos são diferentes para o canto em estilo popular e lírico;
3. Ocorre aumento das constrições ântero-posterior e mediana durante o trecho em estilo lírico em comparação com o trecho em estilo popular;
4. A constrição mediana ocorre mais no sexo masculino que no feminino nas provas de "é" falado e cantado e no trecho de canto em estilo lírico;
5. Os valores de jitter e shimmer reduzem na vogal cantada, em relação à vogal falada, sendo esta redução estatisticamente significante somente nas vozes femininas;
6. Diversas anormalidades laríngeas foram observadas no grupo estudado.
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1 Fonoaudióloga Especialista em voz.
2 Fonoaudióloga Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP.
3 Otorrinolaringologista Doutor em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP.
Endereço para correspondência: Sueli A. Zampieri - R. Sebastian Pietro Camandona, 11/ 41 - Bela Vista - Osasco SP - 06080-220 - Tel/Fax: (0xx11) 3682.7984 / 9957.3556 - E-mail: suelizampieri@uol.com.br
Monografia apresentada ao Centro de Estudos da Voz - CEV, como pré requisito para a conclusão do Curso de Especialização em Voz.