INTRODUÇÃOOs potenciais evocados miogênicos vestibulares (VEMPs) são reflexos vestíbulo-cervicais, decorrentes da estimulação do sáculo com sons de forte intensidade1,2. As respostas são captadas na musculatura cervical, por meio de eletrodos de superfície3, e podem ser utilizadas na avaliação da função vestibular, especificamente do sáculo, nervo vestibular inferior e/ou núcleo vestibular4-6.
O VEMP pode estar presente na região de frequências entre 100 e 3200 Hz7. Nos seres humanos, o VEMP apresenta sensibilidade a diferentes frequências de estimulação, com maior sensibilidade para os sons graves7,8. Estímulos com frequências próximas a 500 Hz apresentam maiores amplitudes de resposta, quando comparadas às captações realizadas com estímulos em 800 Hz7,9. Alguns autores10 observaram maior sensibilidade dessas respostas entre 250 e 500 Hz e outros7, entre 200 e 400 Hz. Os estímulos cliques ainda são amplamente utilizados na literatura, os quais geram respostas confiáveis, apesar de estimularem regiões entre 1000 e 4000 Hz1.
Em humanos, a maior sensibilidade para as frequências graves pode ser decorrente da quantidade de massa no sáculo humano ser maior que em espécies menores e, por isso, esses apresentarem sensibilidade sacular maior para frequências mais altas, como o gato, por exemplo7,11.
Apesar das frequências graves serem as mais adequadas para a captação do VEMP, ainda não existem parâmetros de normalidade para indivíduos jovens normais. Dessa forma, objetiva-se realizar a normatização do potencial evocado miogênico vestibular para baixas frequências de estimulação.
MATERIAL E MÉTODOEste estudo está baseado na Resolução No 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade onde foram coletados os dados, no dia 4 de março de 2009, no 1010.
Os dados foram coletados de 80 voluntários normais (160 orelhas), sendo 40 do gênero feminino e 40 do gênero masculino, os quais apresentavam idades até 35 anos (faixa etária entre 18 e 31 anos, média de idade de 21,28 ± 2,90 anos) e tinham limiares auditivos iguais ou inferiores a 20 dBNA para as frequências entre 250 a 8000 Hz para a audiometria com tons puros. Os indivíduos não apresentavam história médica de problemas auditivos ou desordens vestibulares e foram alocados por demanda espontânea do ambulatório de Audiologia da instituição, onde os dados foram coletados. Os exames de VEMP foram realizados com um aparelho específico para a captação desse potencial, desenvolvido no Brasil, no Laboratório de Instrumentação e Acústica (LIA) da UNCISAL e no Centro de Instrumentação Dosimetria e Radioproteção da FFCLRP-USP (CIDRA), o qual é composto por amplificadores biológicos, filtros, sistema de proteção elétrica e um sistema lógico que possibilita a investigação aprofundada do VEMP12.
O registro foi realizado por meio de eletrodos de superfície descartáveis do tipo prata e cloreto de prata (Ag/ AgCl), em que o eletrodo ativo foi colocado na metade superior do músculo esternocleidomastoideo, ipsilateral à estimulação; o eletrodo de referência, sobre a borda superior do esterno ipsilateral, e o eletrodo terra na linha média frontal.
Após a colocação dos eletrodos, procedeu-se à avaliação da impedância entre os eletrodos não inversor e o terra e entre os eletrodos inversor e o terra. Dessa forma, foi permitida impedância entre os eletrodos de até 3 kΩ e de cada eletrodo isolado de 5 kΩ.
Para obtenção do registro dos potenciais evocados miogênicos vestibulares no músculo esternocleidomastoideo, o paciente deveria permanecer sentado, com rotação lateral máxima de cabeça para o lado contralateral ao estímulo e deveria manter contração tônica do músculo em torno de 60 a 80 µV, a qual foi controlada por meio de eletromiografia de superfície. Os estímulos, apresentados por meio de fones de inserção ER-3A, iniciaram-se pela aferência direita e, posteriormente, repetidos na aferência esquerda. As respostas foram confirmadas, ou seja, registradas duas vezes do lado direito e duas vezes do lado esquerdo.
No exame de VEMP, foram promediados 100 estímulos tone bursts na frequência de 250 Hz (duração de 10ms - subida: 4ms, platô: 2ms, descida: 4ms), taxa de 5 Hz, intensidade de 95 dB NAn, utilizando-se filtro passa banda de 5 a 2.200 Hz. Os registros foram realizados em janelas de 50ms.
A latência de p13 foi definida como a polaridade positiva da onda bifásica que aparece a aproximadamente 13ms, e a latência de n23 é definida como a polaridade negativa da onda bifásica, que surge, em média, em 23ms.
O parâmetro amplitude foi analisado por meio do cálculo do índice de assimetria interaural, o qual demonstra a subtração da amplitude das respostas do músculo direito pelas do músculo esquerdo, em módulo, dividida pela soma da amplitude dessas respostas, multiplicadas por 100. A amplitude de cada lado do músculo (direito ou esquerdo) deve ser calculada pela amplitude interpico p13-n238.
Utilizou-se o software PASW Statistics data editor, versão 17.0, para a análise dos dados, sendo a normalidade da amostra observada pelo teste de Shapiro-Wilk. Foi aplicado o teste T de Student independente para as amostra que apresentaram curva normal e o teste de Mann - Whitney, para amostra com curvas não normal.Os valores foram considerados significativos para
p < 0,05 e o valor de alfa admitido foi de 0,1.
RESULTADOSO VEMP foi registrado, com morfologia e amplitude adequadas, em 100% da amostra estudada. Os dados serão, inicialmente, apresentados por orelha e por gênero.
Na Tabela 1, podemos verificar que, para o gênero feminino, não houve diferença significativa entre os lados direito e esquerdo, quanto aos parâmetros latência de p13 e n23, exceto quando verificamos as latências interpicos, para valores de
p menores que 0,05.
Para o gênero masculino, em nenhum dos parâmetros do VEMP (latências de p13, n23 e p13-n23) encontrouse diferença estatisticamente significativa entre as duas orelhas (Tabela 2).
Verificaram-se maiores valores de latências de p13, n23 e p13-n23 para o gênero feminino, exceto para o parâmetro latência de n23, o qual foi maior no gênero masculino. Aplicando-se o teste T de Student independente ou o teste de Mann-Whitney, não foram encontradas diferenças entre os gêneros, considerando-se
p valor menor que 0,05 (Tabela 3).
Podemos visualizar, na Tabela 4, valores de normalidade (médios, desvios-padrão e limites máximos) referentes às latências de p13, n23 e aos valores interpicos p13-n23 para amostra estudada, independente do gênero.
Foi realizado o cálculo do índice de assimetria interaural para o parâmetro amplitude, em que se constataram valores iguais a 13,48% e 3,81%, para os gêneros feminino e masculino, respectivamente.
DISCUSSÃO O esternocleidomastoideo foi o músculo escolhido para a captação do VEMP, visto que as respostas são mais homogêneas que as captadas em outros músculos e é o mais utilizado, atualmente8,13,14.
A colocação dos eletrodos foi semelhante à utilizada na maioria dos estudos8,13,15,16 e, durante a captação do potencial, o paciente deveria manter contração tônica do músculo em torno de 60 a 80 µV, na tentativa de diminuir as interferências no parâmetro amplitude3.
Escolheu-se o estímulo tone burst em 250 Hz, uma vez que VEMPs podem ser captados na região de frequências entre 100 e 3200 Hz7,13,17, sendo as respostas mais efetivas nas regiões de baixa frequência (
<1.000 Hz)3,8.
Além disso, apesar de estudos demonstrarem que as células do sáculo respondem melhor aos estímulos com 709 Brazilian Journal of Otorhinolaryngology 77 (6) Novembro/Dezembro 2011 http://www.bjorl.org.br / e-mail: revista@aborlccf.org.br frequências graves, não existem estudos para a normatização de VEMPs com estímulos de 250 Hz, nem mesmo na literatura internacional. O trabalho publicado com a proposta de normatização da população brasileira utilizam estímulos tone bursts de 1000 Hz18. Assim, no presente estudo, observamos presença de VEMP em todos os sujeitos avaliados, com ondas bem definidas e amplitudes adequadas, corroborando com estudos anteriores para estímulos com diferentes frequências13,17,18.
A intensidade dos estímulos foi igual a 95 dB NAn, como preconizado pela maioria dos estudos, que utiliza intensidades iguais ou superiores a 90 dB NAn14,19,20.
Analisando-se as populações masculina e feminina, não observamos diferenças significativas para latências absolutas de p13 e n23 entre as orelhas direita e esquerda, o que corrobora estudos anteriores, utilizando-se estímulos com frequências em 1000 Hz18, 500 Hz21 e para estímulos cliques22,23.
Na amostra estudada, não encontramos diferenças entre os gêneros, para todos os parâmetros do VEMP, como constatado em estudo anterior24, para estímulos tone bursts de 250, 500, 750 e 1000 Hz. Em outros trabalhos (estímulo tone burst de 500 Hz), não foram relatadas mudanças no VEMP para a latência absoluta; porém, foram observadas diferenças nas amplitudes de p13-n2322,25. Em pesquisa anterior26, verificou-se que existem menores latências de p13, em média 0,73ms, nas mulheres, quando comparadas aos homens. Entretanto, não foram constatadas diferenças quanto à amplitude.
Assim, no presente estudo, propusemos valores de normalidade para os resultados do VEMP, os quais são condizentes com os relatados na literatura para outras frequências de estimulação. Foi observado, em nossos dados, menor valor de latência p13, parâmetro mais utilizado na análise do VEMP24,27.
Para a análise do parâmetro amplitude, optamos por fazer uso do cálculo do índice de assimetria, uma vez que os valores de amplitude absolutos apresentam pouca reprodutibilidade intra e intersujeitos e são dependentes de fatores como idade, intensidade e frequência do estímulo e contração tônica do músculo. Assim, no presente estudo, os índices de assimetria encontrados, tanto no gênero feminino quanto no masculino, foram menores que 34%, condizentes com ausência de assimetrias interaurais28
CONCLUSÕESEstímulos de baixa frequência geram respostas de potenciais evocados miogênicos vestibulares, com morfologia e amplitudes adequadas, sendo determinados, dessa forma, valores de normalidade para essa frequência, em indivíduos jovens normais.
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1. Doutorado - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto- USP, Professora da Universidade Federal de Sergipe.
2. Livre-Docente, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP, Professor Livre-Docente da Faculdade de medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo.
3. Doutorado, Universidade de São Paulo - USP, Professor Adjunto da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas.
Universidade Federal de Sergipe.
Endereço para correspondência:
Aline Cabral de Oliveira
Rua G, nº 38, Porto Sul, Aruana
Aracaju - SE. CEP: 49039-282.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 3 de março de 2011. cod. 7616.
Artigo aceito em 21 de junho de 2011.