ISSN 1806-9312  
Quarta, 27 de Novembro de 2024
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4206 - Vol. 77 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 2011
Seção: Artigo Original Páginas: 628 a 638
Qualidade de Vida e restrição de participação: um estudo em idosos
Autor(es):
Ruth Magalhães1; Maria Cecilia Martinelli Iório2

Palavras-chave: auxiliares de audição, perda auditiva, qualidade de vida, questionários, saúde do idoso.

Keywords: health of the elderly, hearing aids, hearing loss, quality of life, questionnaires.

Resumo: Segundo o IBGE, o Brasil tinha 21 milhões de idosos em 2008. Objetivo: Estudar os efeitos da intervenção fonoaudiológica por meio de adaptação de próteses auditivas na qualidade de vida do idoso e restrição de participação, segundo sexo e faixa etária. Material e Método: Participaram 50 idosos, 23 do sexo feminino e 27 do sexo masculino, distribuídos em Grupo 1 e Grupo 2. Foram avaliados antes da adaptação das próteses auditivas e um ano após, por meio de questionários HHIE e SF 36 e realizados acompanhamentos bimensais. Resultados: O HHIE revelou que a Escala Emocional e Social no período pós foram significantes, no sexo e faixa etária. No SF 36, os resul¬tados de seis dos oito aspectos revelaram resultados significantes no período pós. Dois aspectos não apresentaram resultados significantes no período pós. No entanto, no aspecto dor, os idosos do Grupo 2 apresentaram resultados significantes no período pós. Conclusão: Há menor autopercepção das restrições de participação após a intervenção do HHIE. Há melhora na qualidade de vida após intervenção fonoaudiológica. Estudo Retrospectivo.

Abstract: According to the IBGE, Brazil had 21 million elderly persons in 2008. Objective: To study the effects of speech therapy - fitting of hearing aids - on the quality of life of elderly persons and restriction of participation according to sex and age. Material and Method: 50 elderly subjects, 23 females and 27 males, were allocated to Group 1 and Group 2, and were assessed with questionnaires (HHIE and SF 36) before and one year after fitting hearing aids; subjects were monitored every two months. Results: The HHIE Social and Emotional Scale was significant with regards to sex and age after fitting hearing aids. The SF 36 results after fitting hearing aids were significant in six of eight test aspects. Two test aspects were not significant after fitting hearing aids; pain, however, was significant in the elderly group 2. Conclusion: There is little awareness of participation restrictions after the HHIE intervention. There is improvement in quality of life after rehabilitation. Retrospective study.

INTRODUÇÃO

Dentre as alterações sensoriais que acompanham o envelhecimento, a presbiacusia é uma das deficiências mais devastadoras e incapacitantes. A diminuição da audição leva à dificuldade na compreensão da fala, ocasionando prejuízos na comunicação, afastando-os do convívio familiar e social. Assim sendo, a deficiência auditiva no idoso afeta não somente a sensibilidade auditiva, mas também acarreta implicações psicossociais graves1.

A OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde) estabelece que promover o envelhecimento ativo e saudável significa, entre outros fatores, valorizar a autonomia e preservar a independência física e psíquica da população idosa, prevenindo a perda de capacidade funcional ou reduzindo os efeitos negativos de eventos que a ocasionem2.

No âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde), garantir atenção integral à Saúde da população idosa, com ênfase no envelhecimento saudável e ativo (Portaria nº 2.528, de 19 de outubro de 2006), é fundamental para a manutenção e reabilitação da capacidade funcional, sendo, para tal, necessário conhecer as características do idoso brasileiro, que,segundo o IBGE, configura um contingente de quase 21 milhões de pessoas3.

A política nacional do idoso tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade com vistas à manutenção da qualidade de vida. Segundo o IBGE, considerando a continuidade das tendências verificadas para as taxas de fecundidade e longevidade da população brasileira, as estimativas para os próximos 20 anos indicam que a o número de idosos poderá exceder 30 milhões de pessoas, chegando a representar quase 13% da população.

Viver cada vez mais pode acarretar uma vida marcada por incapacidades e dependência. Para os profissionais de saúde, que atendem à população idosa, há outro desafio: avaliar a qualidade de vida, não apenas mensurar a velhice, mas também o impacto de tratamentos, condutas e políticas públicas na assistência deste grupo etário4.

Dentro dessa realidade, faz-se necessário haver estudos específicos com grupos de idosos por parte de profissionais da área da saúde. Para tanto, os questionários vêm sendo utilizados como instrumentos de avaliação capazes de quantificar as dificuldades e a percepção que o idoso apresenta das mesmas. Alguns questionários vêm sendo utilizados para mensurar as dificuldades dos idosos, como Hearing Handicap Inventory for the Elderly - HHIE, que tem como objetivo avaliar o impacto da perda auditiva no aspecto emocional e social do paciente idoso. Outro questionário, SF36 - Short Form Health Survey SF 36, tem por objetivo avaliar a saúde e a qualidade de vida, e consiste de duas partes, sendo a primeira para avaliar o Estado de Saúde (com questões relacionadas à mobilidade física, dor, sono, energia, isolamento social e reações emocionais) e a segunda parte para avaliar o impacto da doença na vida diária do paciente.

A partir destas considerações, foram estabelecidos alguns questionamentos: Quão impactante seria a perda auditiva na qualidade de vida dos idosos? Quem teria maior percepção das restrições de participação na vida diária, o homem ou a mulher? Qual grupo etário teria a qualidade de vida mais comprometida? Sendo assim, torna-se evidente a necessidade de elaborar um protocolo que inclua a avaliação da qualidade de vida de idosos, valorizando a opinião deles a respeito de questões que considerem importantes.

Com base nestas considerações, o objetivo desta pesquisa foi estudar os efeitos da intervenção fonoaudiológica por meio da adaptação de dispositivos eletrônicos (próteses auditivas) na restrição de participação em atividades de vida diária e na qualidade de vida do idoso, segundo as variáveis sexo e faixa etária.


MATERIAL E MÉTODO

O projeto deste estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética, sob o número CEP nº 0913/08. Os pacientes que aceitaram participar da pesquisa foram orientados e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido elaborado com base na resolução 196/96, que versa sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa, envolvendo seres humanos.

Foram estabelecidos os seguintes critérios de elegibilidade para composição da amostra: Idade maior que 60 anos, perda auditiva neurossensorial bilateral simétrica de grau até grave, Índice Percentual de Reconhecimento de Fala (IPRF) superior a 50%, indicação de adaptação de próteses auditivas binaural, sem evidências de outros comprometimentos, e ser alfabetizado.

A amostra constou de 50 idosos, sendo 23 do sexo feminino (46%) e 27 (54%) do sexo masculino, com idades iguais ou superiores a 60 anos. Os indivíduos foram distribuídos em dois grupos etários, sendo: Grupo 1 (G1) - composto por 24 (48%) idosos, 11 do sexo feminino e 13 do sexo masculino, com idades variando de 60 a 74 anos, e Grupo 2 (G2) - composto por 26 (52%) idosos, 12 do sexo feminino e 14 do sexo masculino, com idade igual ou superior a 75 anos.

As avaliações audiológicas (audiometria tonal liminar, logoaudiometria e imitanciometria) foram realizadas na clínica por fonoaudiólogas que fazem parte da equipe de alta complexidade da instituição.

Para este estudo, foram utilizados os questionários de autoavaliação: HHIE (Hearing Handicap Inventory for the Elderly) e o Inventário de Qualidade de Vida SF-36 (Medical Outcomex Study 36 - Item Short Form Health Survey - SF 36).

O questionário HHIE é desenvolvido para avaliar as consequências psicossociais, emocionais e sociais decorrentes da perda auditiva no paciente idoso. Foi originalmente escrito na Língua Inglesa e adaptado para a Língua Portuguesa por Wieselberg (1997). A técnica utilizada para a aplicação foi a de papel e lápis5.

O HHIE é constituído por 25 perguntas, dentre as quais 13 exploram as consequências emocionais da deficiência auditiva e 12 os efeitos social/situacional da deficiência. O grau de classificação das restrições de participação foi determinado seguindo a pontuação das respostas proposta, em que se atribui quatro pontos para a resposta "sim", dois pontos para a opção "às vezes" e zero ponto para a opção "não", e quanto maior o escore, maior é a percepção do indivíduo em relação a sua restrição de participação. Sendo assim, maiores são as dificuldades auditivas e não auditivas impostas pela deficiência de audição. As pontuações são distribuídas da seguinte forma: não há percepção do handicap de 0 a 16, percepção leve-moderada do handicap de 18 a 42 e percepção grave-significativa do handicap > 42 pontos.

O Inventário de Qualidade de Vida SF- 36 (Medical Outcomex Study 36 - Item Short Form Health Survey - SF 36) foi elaborado originalmente, em inglês e traduzido para a população brasileira6,7. O SF 36 é um instrumento genérico validado para ser utilizado na avaliação da qualidade de vida de pacientes, composto por 11 questões e 36 itens que englobam oito aspectos distintos, representados por: capacidade funcional, aspectos físicos, aspectos emocionais, intensidade da dor, estudo geral da saúde, vitalidade, aspectos sociais e saúde mental. A técnica utilizada foi a de papel e lápis.

Os oito aspectos avaliados são: a Capacidade Funcional avaliada por 10 itens; Aspectos Físicos e Vitalidade, por quatro itens; Aspectos Emocionais, por três itens; Dor e Aspectos Sociais, por dois itens; e Estado Geral de Saúde e Saúde Mental, por cinco itens. Os itens são avaliados e o individuo recebe uma pontuação para cada aspecto, que são posteriormente pontuados numa escala de 0 a 100, em que zero é considerado o pior escore e 100 o melhor escore, sendo assim, quanto maior o escore melhor é a qualidade de vida.

Para esta pesquisa foram agendadas reuniões periódicas, a cada dois meses, totalizando sete reuniões, com o objetivo de acompanhar os pacientes no processo de adaptação de próteses auditivas. Nestas reuniões, os pacientes receberam orientações sobre uso, cuidados e manuseio com as próteses auditivas e sobre estratégias de comunicação.

1ª Reunião - Os idosos receberam os questionários impressos SF 36 e HHIE para responder. Após esta reunião, ao longo do mês de agosto de 2008, estes idosos foram adaptados com suas próteses auditivas bilaterais, todas do tipo retroauriculares e de uma mesma marca e modelo, já previamente selecionadas pela equipe da Instituição.

2ª Reunião - Os idosos já estavam adaptados com suas próteses auditivas e puderam esclarecer as dúvidas quanto ao uso, manuseio e cuidados. Durante a reunião, cada idoso pode relatar a sua experiência até o momento com a prótese auditiva, descrevendo as dificuldades e as conquistas.

3ª Reunião - Todos receberam orientações quanto ao uso do telefone. Foram ainda discutidas as dúvidas sobre cuidados e manuseio da prótese auditiva.

4ª Reunião - Nesta reunião, foram doados um desumidificador e um dispositivo para limpeza dos moldes para cada idoso. Cada idoso recebeu instrução quanto ao uso destes materiais, verbalmente, com demonstração e por escrito por meio de folheto explicativo.

5ª Reunião - Os idosos já estavam com mais de seis meses de uso das próteses auditivas, no entanto, nesta reunião foram retomadas as informações sobre uso, cuidados e manuseio com a prótese auditiva. Foi possível perceber a interação do grupo. Os mais adaptados ajudavam os que demonstravam algum tipo de dificuldade.

6ª Reunião - Foi doado a cada idoso um chaveiro para testar a pilha da prótese auditiva e receberam instrução quanto ao uso destes materiais, verbalmente, com demonstração e escrito por meio de folheto explicativo.

7ª Reunião - Nesta última reunião, todos os idosos receberam para responder os questionários SF 36 e HHIE, após aproximadamente um ano de uso das próteses auditivas bilaterais.


MÉTODO ESTATÍSTICO

A amostra foi caracterizada quanto ao sexo e faixa etária. Foram construídas tabelas com valores de estatísticas descritivas para os escores nos questionários HHIE e SF 36 por período, sexo e faixa etária.

Para comparar as médias dos escores nos questionários nos dois períodos de avaliação, sexos e faixas etárias, foi aplicada a técnica de Análise de Variância com medidas repetidas8. Após esta análise, as médias das diferenças nos dois períodos (pré - pós) foram estimadas e construídos intervalos de confiança de 95% para as médias.

A análise foi realizada por meio dos programas estatísticos Minitab versão 15 e SPSS versão 11. Em cada teste de hipótese, foi adotado o nível de significância de 0,05 e os p-valores significantes foram destacados com o símbolo asterisco (*).


RESULTADOS

A amostra consistiu de 50 idosos, 23 do sexo feminino (46%) e 27 (54%) do sexo masculino. Vinte e quatro (48%) têm idade na faixa de 60 a 74 anos e 26 (52%) na faixa de 75 anos ou mais.

Foram inicialmente estabelecidas as estatísticas descritivas para os escores do questionário HHIE antes e após a intervenção (Tabela 1).




O estudo dos escores do questionário por escala Emocional e Social é apresentado nas Tabelas 2 e 3.






Nas Tabelas 4 a 10 são apresentados os valores de Estatísticas Descritivas e Análise de Variância para sete dos oito aspectos avaliados pelo questionário SF36 na condição Pré e Pós-intervenção, segundo as variáveis sexo e faixa etária. Optou-se por não apresentar os valores das estatísticas descritivas relativas ao estudo do Aspecto Saúde Geral do questionário SF 36, pois não foram observadas diferenças significantes entre os escores obtidos pré e pós-intervenção.
















DISCUSSÃO

O crescente aumento da população idosa no Brasil leva à necessidade de criação de programas de atenção à saúde para este grupo etário, a fim de proporcionar-lhes melhor qualidade de vida.

O impacto da deficiência auditiva na qualidade de vida do indivíduo pode ser determinado pela configuração e grau da perda auditiva, bem como pela idade do paciente à época da instalação da mesma. Desta forma, a restrição de participação em atividades de vida diária, imposta pela deficiência auditiva, compromete o desempenho social, profissional e, consequentemente, sua qualidade de vida9.

A análise do escore total do HHIE obtido no período pré e pós-intervenção revelou valores médios de 32,9% e 8,8%, respectivamente, sendo esta melhora significante. Tais resultados são compatíveis com autopercepção da restrição de participação moderada no período pré-adaptação e não percepção no período pós.

Dentre os vários estudos que aplicaram o questionário de autoavaliação HHIE, autores relataram que para minimizar as reações psicossociais decorrentes da deficiência auditiva no idoso faz-se necessária a inclusão destes idosos em programas de reabilitação auditiva. E verificaram que, após a participação no programa de reabilitação auditiva, os idosos apresentaram efetiva redução da restrição de participação, revelando também a importância da adaptação de próteses auditivas10.

Quando analisadas, separadamente, as escalas Emocional e Social/Situacional, verificou-se que, relativo à escala Emocional, os escores médios no período pós-intervenção (um ano) foram significantemente menores do que no período pré, nas duas faixas etárias (60 a 74 anos e 75 anos ou mais), tanto no sexo masculino quanto no sexo feminino.

Vale ressaltar que, no período pré-intervenção, o escore médio obtido nos idosos do sexo masculino foi significantemente maior que o obtido no feminino e no período pós não ocorreu esta diferença entre os escores médios. Sendo assim, o decréscimo que ocorreu entre o período pré para o pós-intervenção foi maior no sexo masculino que no sexo feminino, demonstrando que os idosos do sexo masculino apresentavam maior grau de percepção de suas restrições de participação antes da intervenção.

Ainda com relação à análise da restrição de participação relativa à Escala Emocional, no estudo segundo a variável faixa etária, verificou-se que o escore médio no período pós-intervenção foi significantemente menor do que no período pré, tanto na faixa etária de 60 a 74 anos, quanto na faixa etária de 75 anos ou mais. No entanto, o decréscimo médio que ocorreu do período pré para o período pós-intervenção foi maior nos idosos de 75 anos ou mais, revelando que estes idosos apresentavam maior grau de percepção das suas restrições no período pré e que estes obtiveram maiores benefícios com a intervenção fonoaudiológica.

Com relação ao estudo da Escala Social/Situacional, verificou-se que os resultados relativos aos escores médios obtidos nos dois períodos foram significantes, sendo menores no período pós-intervenção, tanto no sexo feminino, quanto no masculino. No período pré, os escores médios calculados para os idosos do sexo masculino foram maiores do que no sexo feminino. Assim, o decréscimo médio que ocorreu do período pré-intervenção para o período pós foi significantemente maior nos idosos do sexo masculino, demonstrando novamente que estes apresentaram maior grau de percepção das suas restrições de participação com maior benefício, portanto, no período após intervenção fonoaudiológica.

Estudos demonstraram que os idosos do sexo masculino apresentaram percepção de suas restrições mais significativa do que os idosos do sexo feminino, resultados estes semelhantes aos achados da presente pesquisa11.

Acredita-se que os idosos do sexo masculino apresentaram maior percepção de suas restrições, pois culturalmente, em nossa sociedade, os homens, mesmo idosos, representam frequentemente o papel do provedor da família, configurando como uma dificuldade a percepção das restrições de participação.

Alguns autores observaram que o beneficio pode ser avaliado após seis semanas de uso efetivo das próteses auditivas12. No entanto, para alguns autores, o tempo de adaptação da prótese auditiva inferior a três meses não evidenciou beneficio significante, demonstrando que períodos curtos entre a aplicação e reaplicação dos questionários não seriam adequados para avaliar o benefício da prótese auditiva13.

Acredita-se que o tempo de adaptação pode influenciar no beneficio, mas na presente pesquisa o tempo determinado para a reavaliação foi de um ano de adaptação, considerado tempo suficiente para reaplicação do questionário.

Os achados deste estudo demonstraram que os idosos apresentaram redução da autopercepção das restrições de participação após um ano de uso das próteses auditivas. Pode-se atribuir esta melhora simplesmente à adaptação e uso das próteses auditivas, como relatado em inúmeras pesquisas. No entanto, é importante destacar que neste estudo houve o acompanhamento bimensal dos pacientes em forma de reuniões, em que eles puderam tirar dúvidas em relação ao uso efetivo das suas próteses auditivas, ser esclarecidos quanto a estratégias de comunicação e, principalmente, estabelecer um vínculo afetivo, uma relação de confiança com a pesquisadora. Tal procedimento, sem dúvida alguma, deve ter influenciado nos resultados satisfatórios obtidos neste estudo.

O estudo dos resultados obtidos na aplicação do questionário SF 36, lembrando que quanto maior o escore melhor é a qualidade de vida do paciente, demonstrou que os escores médios do Aspecto Capacidade Funcional no período pós-intervenção foram significantemente maiores do que no período pré, independentemente do sexo e da faixa etária.

É importante ressaltar que, quando as análises foram realizadas segundo as variáveis sexo e faixa etária, o número (N) de idosos considerados foi de aproximadamente a metade do N total (50). Esta redução pode ter contribuído para as não significâncias observadas.

O estudo utilizando o questionário SF 36 revelou que, entre todos os aspectos estudados, o Aspecto Capacidade Funcional foi o que apresentou o maior número de correlações clínicas e resultados estatisticamente significantes com os dados clínicos coletados7.

Os escores médios obtidos na avaliação do Aspecto Físico no período pós-intervenção foram expressivamente maiores que no período pré. Esta análise demonstrou que as atividades avaliadas no Aspecto Físico apresentaram melhora significante quando considerados os dados gerais, não sendo influenciadas pelas variáveis sexo e faixa etária, assim como o observado no estudo do Aspecto Capacidade Funcional.

No estudo que utilizou o questionário WHOQOL-bref, os piores escores ocorreram no domínio físico independentemente do sexo. Os autores concluíram que não foram encontradas relações entre a deficiência auditiva e a qualidade de vida dos idosos estudados. A correlação observada ocorreu entre a idade e as relações sociais, sendo quanto maior a idade menor a participação dos idosos em atividades sociais14.

No presente estudo, os menores escores encontrados foram igualmente no Aspecto Físico, que está diretamente ligado à capacidade que o individuo tem de desempenhar algumas atividades físicas, como subir escadas, caminhar e realizar atividades domésticas.

Os resultados encontrados na avaliação do Aspecto Dor demonstraram que não ocorreram diferenças entre os escores médios calculados nos períodos pré e pós-intervenção, independentemente do sexo e da faixa etária. Os escores médios encontrados para a faixa etária de 75 anos ou mais foram significantemente maiores, revelando melhor qualidade de vida que na faixa de 60 a 74 anos, independentemente do sexo e período pré e pós-intervenção. Os idosos de maior faixa etária eram mais ativos e talvez esta energia e disposição fossem decorrentes de melhor condição física e menor queixa de dor, o que pode justificar este achado.

Os resultados analisados segundo a variável idade revelaram que os idosos com a idade mais avançada apresentaram os melhores escores. Segundo os autores, esse fato demonstrou que os idosos mais velhos apresentaram melhor qualidade de vida. Os resultados revelaram também que o questionário genérico de saúde SF 36 foi um instrumento adequado na avaliação da qualidade de vida dos aposentados estudados15. Os resultados analisados segundo a variável idade concordam com os achados da presente pesquisa em que os idosos com a idade mais avançada, 75 anos ou mais, obtiveram maiores escores, ou seja, melhor qualidade de vida.

O estudo dos resultados do Aspecto Saúde Geral não apresentou diferença entre as médias dos escores nos períodos pré e pós-intervenção. Os resultados encontrados ocorreram independentemente do sexo e da faixa etária. Tal resultado era esperado, uma vez que os idosos estão em processo natural de envelhecimento.

Resultados encontrados referentes ao Aspecto Físico, Aspecto Dor e Aspecto Saúde Geral foram os piores. Quando os resultados foram analisados segundo a variável sexo, os idosos do sexo masculino apresentaram melhores escores em quase todos os aspectos, exceto no Aspecto Saúde Geral e Aspecto Emocional. Neste estudo, os idosos do sexo feminino consideraram a saúde pior quando comparados com os idosos do sexo masculino16. Os resultados deste estudo concordam com os achados da presente pesquisa, quando revelou que os idosos do sexo masculino apresentaram melhores escores que o sexo feminino.

O estudo dos escores médios encontrados na análise do Aspecto Vitalidade no período pós-intervenção foram significantemente maiores que no período pré, independentemente do sexo e da faixa etária, demonstrando, assim, que o uso efetivo das próteses auditivas contribuiu para melhor qualidade de vida, traduzida por maior vitalidade. Como explicar a maior vitalidade decorrente do uso da amplificação? A amplificação possibilita maior interação e melhor comunicação, traduzindo em maior disposição para realizar as atividades de vida diária.

A análise do Aspecto Social revelou que os idosos após a intervenção desempenharam melhor as atividades envolvidas neste aspecto. Os escores médios no período pós-intervenção foram significantemente maiores que no período pré-intervenção, sendo este resultado revelado independentemente do sexo. A diferença entre os escores médios obtidos no período pós e no período pré dependeu da faixa etária, sendo a média no período pós significantemente maior que no período pré na faixa de 60 a 74 anos. No entanto, na faixa de 75 anos ou mais, não foram encontradas diferenças entre as médias nos dois períodos.

Estudos verificaram a relação entre a deficiência auditiva e a qualidade de vida. O instrumento utilizado para avaliar a qualidade de vida foi o questionário de autoavaliação WHOQOL-bref. Foram avaliados o domínio físico, psicológico, relação social e meio ambiente. Os resultados revelaram que os melhores escores ocorreram no domínio relações sociais. Para os pesquisadores, esse fato foi uma surpresa, já que consideravam que o envelhecimento seria uma fase de afastamento do idoso do convívio social, e também porque os idosos eram portadores de deficiência auditiva16. Na presente pesquisa, foi possível verificar que os idosos apresentaram expressiva melhora no Aspecto Social após a intervenção fonoaudiológica.

Os escores médios revelados no estudo do Aspecto Emocional no período pós-intervenção foram significantemente maiores do que no período pré, independentemente do sexo e da faixa etária. Os resultados da presente pesquisa revelaram que, no sexo feminino, a média dos escores na faixa etária de 75 ou mais, foi maior que na faixa etária de 60 a 74, revelando resultados significantes, demonstrando também que mulheres são mais sensíveis às questões emocionais. Não foram encontradas diferenças entre a autopercepção da qualidade de vida dos dois grupos etários no sexo masculino.

O uso efetivo de prótese auditiva promoveu especialmente melhora na comunicação, possibilitando o retorno do idoso ao convívio familiar e social e, consequentemente, melhora da qualidade de vida. Neste estudo, o autor encontrou resultados compatíveis com melhor qualidade de vida após a adaptação das próteses auditivas, principalmente no domínio psicológico, revelando a importância da audição e, consequentemente, da intervenção na melhoria da qualidade de vida e saúde geral do idoso. Os resultados demonstraram melhora significante no domínio psicológico tanto no sexo masculino quanto no sexo feminino, revelando que a variável sexo não influenciou nos resultados16.

Na presente pesquisa, outro aspecto que apresentou baixos escores foi o Aspecto Emocional, sendo encontrados os piores resultados nos idosos do sexo feminino, o que indica que os idosos do sexo feminino foram mais suscetíveis a problemas emocionais.

Os resultados dos escores médios revelados no Aspecto Saúde Mental no período pós-intervenção foram significantemente maiores que no período pré-intervenção, independentemente do sexo e da faixa etária.

Observou-se que as médias dos escores encontradas no período pós-intervenção foram maiores que no período pré, considerando a população geral (N total), em seis dos oito aspectos avaliados, o que revela melhora na qualidade de vida após a intervenção fonoaudiológica. O estudo segundo as variáveis sexo e faixa etária, não revelou, em sua maioria, diferenças significantes o que pode ser justificado pelo reduzido número da amostra estudada. No entanto, a análise da qualidade de vida por meio do SF-36 demonstrou a relevância deste tipo de estudo junto à população de idosos deficientes auditivos, pois, apesar deste inventário não incluir questões específicas sobre comunicação e audição, foi sensível na identificação de melhora na qualidade de vida decorrente do uso de amplificação. Dos oito aspectos avaliados, apenas dois não apresentaram melhora após um ano de acompanhamento e uso das próteses auditivas, sendo eles: Dor e Saúde Geral. É possível justificar tal achado pelo fato de os idosos vivenciarem uma condição crônica que gradativamente limita e restringe suas atividades de vida diária. No que tange ao Aspecto Vitalidade, verificou-se que ocorreu melhora significante após um ano de uso de amplificação. Esta melhora pode ser atribuída à maior disposição dos idosos em participar de atividades, uma vez que estão mais seguros e confiantes simplesmente por poder escutar e entender a fala.

Considerando-se que o estudo foi realizado com indivíduos idosos, portanto, predispostos às transformações ocasionadas pelo envelhecimento, além de serem todos portadores de deficiência auditiva com algum grau de percepção de suas restrições, vale ressaltar que os resultados foram importantes e esperados, pois estes idosos sofreram intervenção fonoaudiológica por meio da adaptação das próteses auditivas e acompanhamento periódico durante o período de um ano.

Na presente pesquisa, o protocolo de avaliação foi constituído por questionários de autoavaliação, e os resultados encontrados demonstraram que estes foram capazes de mensurar alterações na qualidade de vida e restrição de participação de vida diária. O questionário HHIE, específico para as questões auditivas, já foi muito utilizado por pesquisadores da área. Com relação ao questionário SF 36, que aborda questões de saúde em geral, não foram encontrados trabalhos na literatura que tivessem utilizado este questionário para avaliar a qualidade de vida de deficientes auditivos. Por isso, os resultados foram surpreendentes e, na verdade, esperados, pois foi possível mensurar a melhora na qualidade de vida e a redução das restrições de participação nas atividades de vida diária, sob o efeito da intervenção fonoaudiológica.

CONCLUSÃO

Após a análise crítica dos resultados, foi possível estabelecer as seguintes conclusões: observou-se que há menor autopercepção das restrições de participação após a intervenção fonoaudiológica nas Escalas Social e Emocional no que tange o questionário HHIE. Segundo a variável sexo, os idosos do sexo masculino apresentam maior autopercepção das restrições de participação, tanto na Escala Emocional quanto na Escala Social, no período anterior à intervenção fonoaudiológica. Quanto à variável idade, foi possível estabelecer que os idosos de maior faixa etária apresentam maior autopercepção da restrição de participação na Escala Emocional, antes da intervenção fonoaudiológica.

Observou-se que há melhora na qualidade de vida demonstrada nos Aspectos Capacidade Funcional, Físico, Vitalidade, Emocional, Social e Saúde Mental do questionário SF-36 após a intervenção fonoaudiológica, independentemente do sexo e faixa etária.


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1. Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo - Unifesp, Fonoaudióloga Clínica da Saúde Auditiva da Santa Casa de Misericórdia de Santo Amaro.
2. Livre-Docente da Universidade Federal de São Paulo, Chefe do Departamento de Fonoaudiologia.

Endereço para correspondência:
Ruth Magalhães
Av. Adolfo Pinheiro 760, ap. 222A, Santo Amaro
CEP: 04.734-001. São Paulo - SP
Tel. (550xx21) 9846 - Cel. 7644-8896
E-mail: lces@terra.com.br

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 30 de agosto de 2010. cod. 7295
Artigo aceito em 4 de novembro de 2010.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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