ISSN 1806-9312  
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4184 - Vol. 77 / Edição 4 / Período: Julho - Agosto de 2011
Seção: Artigo Original Páginas: 526 a 530
Avaliação funcional da deglutição do idoso em uso de medicação psicotrópica
Autor(es):
Marisa Portes Fioravanti1; Fernanda Balero Miyahara2; Heloisa Helena Cavallari3; Onivaldo Bretan4

Palavras-chave: idoso, psicotrópicos, transtornos de deglutição.

Keywords: aged, psychotropic drugs, deglutition disorders.

Resumo: Drogas neurolépticas são utilizadas em diversas doenças mentais e suspeita-se que causem disfagia orofaríngea, principalmente em usuários idosos. Objetivo: Observar o efeito dos neurolépticos sobre a deglutição de idosos institucionalizados. Forma de Estudo: Descritivo transversal de série de casos. Material e Métodos: A deglutição de 47 idosos moradores de casa de repouso, usuários e não usuários de drogas neurolépticas foi avaliada por meio do teste clínico funcional da deglutição usando quatro consistências de alimentos. Resultados: Não houve diferença significativa entre os dois grupos. Os usuários de neurolépticos mostraram porcentagem maior de deglutições múltiplas, enquanto os não usuários apresentaram porcentagem maior de escape oral. Conclusão: Medicações neurolépticas, isoladamente, não afetam o mecanismo da deglutição do idoso. Entretanto, novos estudos, com número maior de indivíduos e que usem avaliação específica da deglutição, são necessários.

Abstract: Neuroleptic drugs are used in several mental disorders, but are suspected of causing oropharyngeal dysphagia, mainly in the elderly. Aim: To study the effect of neuroleptic agents on swallowing of institutionalized older people. Material and method: A cross sectional study of swallowing in 47 subjects that either used or did not use neuroleptic drugs. Bedside swallowing tests with foods of four different consistencies were carried out. Results: There was no significant difference between the two groups. Users of neuroleptic medications showed a higher percentage of multiple swallowing while non-users had a higher percentage of oral food escape. Conclusion: Neuroleptic agents alone do not affect the mechanism of swallowing in the elderly; nonetheless. Further studies with a larger number of individuals and specific swallowing tests are needed.

INTRODUÇÃO

Idosos são frequentemente portadores de doenças sistêmicas, neurológicas e de alterações mentais diversas que requerem tratamento medicamentoso1,2. Ansiolíticos, antidepressivos, antiepiléticos e antipsicóticos podem reduzir a cognição e o estado de alerta ou interferir no tronco cerebral, favorecendo ou provocando distúrbio das fases oral e ou faríngea da deglutição3-5. Os antipsicóticos neurolépticos, particularmente, têm sido apontados como causadores de asfixia e de disfagia silenciosa em pacientes psiquiátricos, principalmente em idosos internados com diagnósticos de esquizofrenia, desordem esquizoafetiva ou bipolar e depressão com aspectos psicóticos6-10. Asfixia foi o termo utilizado em relatos de problemas respiratórios observados durante refeições em indivíduos usando medicações antipsicóticas (neurolépticos)5,8-10. Ainda que se saiba que a palavra asfixia designa a ocorrência de obstrução da via respiratória, ela não indica, entretanto, qual o mecanismo da mesma, que pode ser outro que não uma falsa rota do bolo alimentar ao ser deglutido. Estes relatos correspondem a observações exclusivamente clínicas, que não permitem afirmar qual o mecanismo obstrutivo subjacente.

Trabalhos sobre deglutição de sujeitos consumindo medicações de uso psiquiátrico que tenham utilizado exames específicos são escassos. Videofluoroscopia da deglutição realizada em doentes psiquiátricos com história de engasgo mostrou disfagia em 18 dos 21 indivíduos com síndromes piramidais secundárias ao uso de neurolépticos11. Estudo semelhante quanto às doenças e drogas, mas sem história prévia de engasgo, utilizou o teste clínico funcional (screening) da deglutição e encontrou alteração em 30% dos sujeitos7. Em ambos os trabalhos, foi utilizada apenas água como consistência testada e os sujeitos avaliados pertenciam a diferentes faixas etárias. Não há relato na literatura de investigação que tenha estudado o efeito de medicações psicotrópicas sobre a deglutição de idosos. Sabe-se que erros dos cuidadores na hora da alimentação e o uso de drogas para controlar alterações comportamentais são fatores favorecedores de disfagia, anorexia, pneumonia e perda de peso em moradores de casas de repouso1,2,11-16. O objetivo do presente trabalho é o de observar o efeito de drogas neurolépticas na fase orofaríngea da deglutição de idosos institucionalizados por meio do teste clínico funcional da deglutição usando várias consistências de alimentos.


CASUÍSTICA E MÉTODOS

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (387/2003), tendo os participantes recebido os esclarecimentos necessários e assinado o termo de consentimento livre e esclarecido. Foram avaliados 47 idosos moradores de uma casa de repouso. Os indivíduos apresentavam idades que variaram de 61 a 91 anos, com média de 78,5 anos, sendo 30 sujeitos do sexo feminino e 17 do sexo masculino. Do total de moradores, 29 deles (68%) apresentavam idade igual ou superior a 75 anos. Entre os 47 moradores, 13 apresentavam doenças orgânicas sistêmicas e usavam drogas correspondentes, 14 eram portadores de doenças sistêmicas ou neurológicas (doença de Parkinson, epilepsia) estando em uso de medicações correspondentes e de drogas de uso psiquiátrico, 12 recebiam apenas drogas de uso psiquiátrico e oito indivíduos não apresentavam qualquer doença e não ingeriam medicações regularmente. A maioria daqueles com doenças sistêmicas apresentava mais de um distúrbio, predominando hipertensão arterial e diabetes. Do total de indivíduos, 26 utilizavam uma ou mais drogas de uso psiquiátrico e, destes, 18 consumiam neurolépticos para diversas psicoses. Estes 26 indivíduos também recebiam ansiolíticos, antidepressivos, antiepiléticos e antiparkinsonianos. Os critérios de exclusão foram: indivíduos com impossibilidade física e ou mental de colaboração com os exames e sujeitos com doenças infecciosas agudas ou crônicas não controladas. A Tabela 1 apresenta as drogas neurolépticas utilizadas.




MÉTODOS

Os procedimentos relativos à avaliação clínica funcional da deglutição basearam-se nos protocolos propostos por Logemamn17,18 e Perlman & Schulze-Debrieu19.

Foram oferecidas quatro consistências de alimentos: sólida (bolacha), pastosas grossa e fina, usando suco dietético e espessante alimentar, líquida, usando suco diluído em água. O volume oferecido para pastosa e líquida foi de 5ml. Procurou-se observar a presença dos seguintes sinais: alteração da mastigação (AM), isto é, ausência ou incoordenação de movimentos mastigatórios; escape oral anterior (EOA), por incapacidade de manter o vedamento labial; deglutições múltiplas (DM), isto é, mais que duas deglutições percebidas, alteração da elevação da laringe (AEL), avaliada colocando-se o dedo indicador e médio do avaliador entre a laringe e o osso hioide e observando-se se havia de ascensão da mesma; presença de tosse antes, durante ou imediatamente após a deglutição (PT) e alteração na qualidade vocal após a deglutição (AV), notada quando o idoso era instruído a falar e percebida como "voz molhada"20. Considerou-se que a AEL, PT e AV são sinais altamente sugestivos de disfagia e risco de aspiração20. Os idosos foram divididos em dois grupos: grupo 1, composto de 18 indivíduos que usavam drogas neurolépticas; grupo 2, composto por 29 indivíduos não usuários de neurolépticos, totalizando 47 idosos. Em ambos os grupos, havia idosos usando medicamentos antidepressivos, ansiolíticos, antiparkinsonianos e antiepiléticos. A análise estatística investigou possíveis fatores ou variáveis de confundimento e/ou interação sobre os desfechos por meio da estimativa de odds ratio e teste de Qui-quadrado ou teste exato de Fisher, para estimar o efeito do sexo, idade, hipertensão arterial e diabetes sobre alterações investigadas. Em seguida, os grupos foram comparados por meio de teste exato de Fisher. Diferenças e efeitos foram considerados estatisticamente significativos se p < 0,05.


RESULTADOS

O estudo estatístico não revelou fatores ou variáveis de confundimento ou de interação que pudessem interferir nos resultados e comprometer a veracidade das alterações eventualmente encontradas. A avaliação dos dados não mostrou diferença entre os dois grupos. Em dois dos sete sinais clínicos, EOA e DM, foi observada diferença percentual entre os grupos, porém sem significância estatística (Tabela 2). DM estava presente em porcentagem maior entre os não usuários de neurolépticos, enquanto que EOA foi maior no outro grupo. A Tabela 3 ilustra a distribuição de cada sinal clínico encontrado nos indivíduos de ambos os grupos.






DISCUSSÃO

Os trabalhos que descreveram relação entre neurolépticos, alimentação, disfagia e asfixia eram todos clínicos5,6,8-10. Os dois únicos estudos que usaram método específico de avaliação da deglutição em sujeitos sob efeito de neurolépticos encontraram distúrbios em número significativo de indivíduos7,11. Entretanto, eles não usaram grupo controle e os pacientes distribuíram-se em várias faixas etárias, o que incluía idosos, que têm particularidades físicas e doenças sistêmicas que favorecem disfagia8-10. Os autores também não mencionaram os sinais clínicos que encontraram, além de terem usado apenas a consistência água e de não terem informado o volume utilizado7,11. Disfagia e aspiração podem ocorrer, dependendo do volume, da quantidade de alimento e ou da consistência do mesmo colocado na boca19-23. Portanto, as diferenças de resultados entre este e os demais trabalhos são devidas tanto ao uso de método específico de avaliação da deglutição amplamente adotado, quanto à observação detalhada das relações entre consistências e sinais clínicos5-11,19,21,23-25. Assim, enquanto uma das investigações específicas encontrou alteração em 30% e a outra em 90% dos indivíduos, o presente trabalho não mostrou haver efeito significativo das drogas sobre a deglutição7,11. Como há outros fatores e comorbidades que favorecem disfagia, mesmo em sujeitos mais jovens, os relatos anteriores podem estar atribuindo aos neurolépticos efeito na deglutição sem métodos de avaliação apropriados. De qualquer forma, aqueles trabalhos sugeriram associação entre droga e disfagia que não pode ser desprezada. Portanto, a prudência recomenda observação e encaminhamento do paciente para um especialista em distúrbios da deglutição, inclusive porque há outros fatores de risco presentes26,27. É importante lembrar que, além de sinais evidentes de disfagia, tais como engasgo, dificuldade respiratória e tosse ao deglutir, a observação poderá notar perda de peso sem causa aparente e ou pneumonias de repetição por aspiração silenciosa28.

Este estudo, embora não tenha mostrado diferença entre os grupos, revelou que OM e EOA apareceram em porcentagens maiores, mas em grupos distintos. Estas alterações podem ser observadas em idosos sem problemas de deglutição ou em sujeitos com dificuldade na fase oral21. O escape oral anterior pode estar associado a outra alteração oral que acentuaria a ineficiência daquela fase23. Alteração da mastigação, por sua vez, é frequente em indivíduos sem dentes ou próteses dentárias e também devido à redução do desempenho da musculatura oral26,27. Investigação prévia com o mesmo grupo de idosos mostrou que cerca de 40% deles apresentaram um ou mais dos três sinais clínicos sugestivos de passagem do bolo alimentar para a via aérea, PT, AEL e AV em uma ou mais consistências20. A presente avaliação, entretanto, não encontrou percentual maior no grupo em uso de neurolépticos, sugerindo que aquelas drogas não foram, isoladamente, responsáveis pelas desordens encontradas.

Este trabalho tem limitações, pois o pequeno número de indivíduos avaliados e de alterações encontradas não permitem conclusões que possam ser generalizadas. Também, não foram apresentadas doses e tempo de uso das medicações, permitindo apenas especular que diferentes doses e tempo de uso de drogas provocam distintos efeitos sobre a deglutição.


CONCLUSÃO

Drogas neurolépticas, isoladamente, não interferem na deglutição de idosos institucionalizados. São necessárias novas investigações que realizem avaliação clínica detalhada da deglutição, testem número maior de indivíduos, levem em conta dose e tempo de uso da medicação e apresentem minuciosamente os resultados das alterações encontradas. Eventual interferência destas medicações na fase orofaríngea da deglutição poderá, então, ser observada com maior acurácia.


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1. Mestrado, Fonoaudióloga.
2. Aluna da Graduação em Medicina da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP, Graduanda.
3. Aluna da Graduação em Medicina da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP, Graduanda.
4. Professor Livre-Docente, Professor Assistente Doutor.

Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.

Endereço para correspondência:
Onivaldo Bretan
Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP Depto. Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço
Distrito de Rubião Júnior s/n
Botucatu - SP. CEP: 18618-970
Tel/fax: (0xx14) 3811-6256 / (0xx14) 3811-6081
E-mail: onivaldobretan@uol.com.br

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 18 de agosto de 2010. cod. 7275
Artigo aceito em 10 de dezembro de 2010.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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