INTRODUÇÃOA Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) é uma doença crônica caracterizada por episódios parciais ou completos de colapso da via aérea superior (VAS), resultando em dessaturação de oxigênio e microdespertares, com sintomas que variam desde o ronco até a sonolência excessiva diurna. Em adição a estes sintomas, que afetam negativamente a qualidade de vida, a SAOS causa aumento da morbimortalidade cardiovascular e cerebrovascular.
A polissonografia (PSG) é considerada o exame padrão ouro para o diagnóstico da SAOS, apesar de suas limitações. Apresenta custo elevado, difícil acessibilidade, principalmente em países subdesenvolvidos, e necessita de suporte técnico especializado. Dessa forma, torna-se necessário desenvolver um método mais simples e menos dispendioso como alternativa de "screening" para SAOS1.
A obesidade é reconhecida como fator preditivo para SAOS conforme citado e pesquisado em diversas publicações científicas. Atualmente, esta entidade é dividida em visceral ou androide e periférica ou ginecoide, evidenciando-se maior correlação da visceral com a SAOS1. Existem várias medidas antropométricas associadas ao grau da obesidade, como: índice de massa corpórea (IMC), circunferência cervical (CC), circunferência abdominal (CA), circunferência pélvica (CP) e índice de Mallampati modificado2-5. Entretanto, é importante definir quais dessas medidas têm o maior valor preditivo para o diagnóstico da obesidade e sua associação com SAOS2.
Diante da hipótese de uma correlação entre medidas antropométricas com SAOS, nosso estudo foi desenvolvido com intuito de estudar essa relação e demonstrar um provável fator preditivo para a gravidade da SAOS.
MATERIAIS E MÉTODOSA amostra do estudo foi de 82 pacientes adultos (66 masculino e 16 feminino) que referiam, na primeira consulta clínica, distúrbios do sono (ronco, sonolência excessiva diurna e possibilidade de apneia). Os pacientes foram atendidos entre julho de 2008 e março de 2010 em nossos ambulatórios e questionados sobre o interesse em participar do presente estudo. A instituição, pelo seu comitê de ética, revisou e aprovou o estudo dos 202 pacientes, o qual foi registrado sob protocolo de pesquisa 116/010.
Foram avaliados peso, altura, IMC, CC, CA, CP e índice de Mallampati modificado. Circunferência cervical foi medida, tendo como referência uma linha horizontal ao nível da metade da cartilagem tireoide. Com o paciente em pé, medimos as CA e CP. A CA foi medida por um ponto no limite superior da crista ilíaca e a CP seguindo uma linha horizontal ao nível do trocanter maior do fêmur. As medidas antropométricas foram baseadas no National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) guidelines.
O estudo do sono foi feito pela PSG de noite inteira. As variáveis escalares selecionadas foram Índice de Apneia e Hipopneia (IAH), subdividida em apneias e hipopneias isoladamente, saturação média (SMED) e saturação mínima de oxigênio (SMIN), todas de acordo com o resultado do exame.
Foram excluídos os pacientes que apresentaram IAH menor que 5 e menores de 18 anos de idade.
A amostra foi analisada usando o programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences) na versão 17.0 com aplicação da Análise de Correlação de Spearman, Teste de Mann-Whitney e Teste de Kruskal-Wallis.
RESULTADOSO total de pacientes atendidos com queixa de distúrbios do sono em nosso serviço, no período do estudo, foi 202. Desses, 120 foram excluídos devido a dados incompletos de acordo com o protocolo do trabalho e por apresentarem IAH < 5. A amostra final ficou composta de 82 pacientes, 66 do sexo masculino, perfazendo 80,5% e 16 do sexo feminino, 19,50%.
A idade variou de 25 a 71 anos, com média de 43,76 anos. As variáveis escalares utilizadas na análise estatística do estudo com suas variações e médias estão expostas na Tabela 1. O posicionamento da língua em relação ao palato, avaliado pelo Índice de Mallampati modificado, resultou em 45,1% para grau III, 29,3% grau II, 20,7% grau IV e 4,9% grau I.
A aplicação da
Análise de Correlação de Spearmean, com o intuito de verificarmos a relação entre as variáveis idade e medidas antropométricas com as variáveis associadas ao grau de gravidade da SAOS, está exposta na Tabela 2.
Evidenciou-se uma correlação estatisticamente significante entre as variáveis peso, IMC, CC, CA e CP em relação aos parâmetros polissonográficos avaliados no nosso estudo. Assim, observou-se que o grau de gravidade do IAH tem correlação com o aumento de peso e IMC e com maior CC, CA e CP, sendo a relação mais significativa entre IAH e as variáveis escalares CC (r +0,411) e CA (r +0,393). Dentre estas, pelo coeficiente de correlação, evidenciou-se que a mais significativa foi CC (r +0,411). Saturação média de oxigênio teve uma correlação positiva com IMC, CA e CP, dos quais a relação mais significativa foi com a CA. A saturação mínima de oxigênio esteve relacionada, de forma significante, com peso, IMC, CC e CA.
Pela aplicação do
Teste Mann-Whitney, com o objetivo de verificarmos possíveis diferenças entre os sexos, para as variáveis IAH, SMED e SMIN, foi possível evidenciar que os pacientes do sexo masculino apresentam maior valor de IAH (p<0,05). No entanto, em relação às saturações de oxigênio, não houve diferença significativa entre os sexos, conforme visualizado na Tabela 3.
Foi aplicado o
Teste de Kruskal-Wallis, evidenciando uma correlação positiva entre IAH, SMED, SMIN e grau de Mallampati (Tabela 4).
DISCUSSÃOAvaliação antropométrica é o método de investigação para obesidade baseado na medição das variações físicas e na composição corporal global. É apontada como sendo o melhor parâmetro para avaliar o estado nutricional de grupos populacionais e possibilita diagnósticos individuais e de coletivo. (WHO, 2004).
Os parâmetros mais utilizados para a avaliação antropométrica são as medidas primárias (utilizadas isoladamente), como peso, estatura, dobras cutâneas e circunferências e as medidas secundárias (combinadas), como IMC, peso ideal, somatória de dobras cutâneas, entre outros.
No presente estudo, foram avaliadas as medidas circunferenciais, CC, CP e CA e a medida combinada IMC, relacionando-as com a gravidade da SAOS. Assim como em outras publicações, medidas de obesidade correlacionam-se significativamente com distúrbios do sono. Davies & Stradling, em 1990 demonstraram que a relação entre obesidade e SAOS é explicada pela variação da CC ocasionada pela deposição de gordura no pescoço6. Em 1991, os mesmos autores confirmaram que a CC é o melhor preditor clínico da SAOS comparada com as outras medidas antropométricas3. Deegan & McNicholas, em 1996, demonstraram a CA como fator que mais se correlacionou com distúrbio do sono5.
Assim como nos estudos mais antigos, recentemente, Davidson & Patel, em 2008, encontraram significância entre CC e CA relacionada ao IAH, dentre essas a mais significativa foi CA (
p<0,001)2. Dixon et al., em 2003, consideraram a CC como a melhor medida preditora de IAH7.
No nosso estudo, evidenciamos uma relação significativa entre as variáveis CC, CA e CP com a gravidade da SAOS. Dentre elas, as que obtivemos a maior significância foram CC (
p<0,001) e CA (
p<0,001). Isso confirma os resultados já demonstrados pelos outros autores, sugerindo que as medidas circunferências são fatores preditores na determinação da gravidade da SAOS.
Friedman analisou esses parâmetros antropométricos em relação à melhora pós-operatória no IAH dos pacientes com SAOS, encontrando melhor sucesso cirúrgico nos pacientes magros comparados com os obesos. Além disso, revisando histórias clínicas de seus pacientes, percebeu uma predisposição dos pacientes obesos virem a desenvolver distúrbios do sono8.
O IMC, apesar de não indicar a composição corporal, a facilidade de sua mensuração e a grande disponibilidade de dados de massa corporal e estatura, além da sua relação com morbimortalidade, oferecem motivos suficientes para a sua utilização como indicador do estado nutricional em estudos epidemiológicos em associação (ou não) a outras medidas antropométricas, até que metodologias de campo, que expressem a composição corporal, sejam desenvolvidas para estudos epidemiológicos9.
Hoffstein & Mateika, avaliando IMC e medidas de circunferência, encontraram que pacientes apneicos têm IMC e CC significativamente maior em relação ao grupo dos pacientes não apneicos. Sugeriram ainda que IMC é um determinante de IAH4. Ogretmenoglu et al. consideraram que IMC associado à massa gorda corporal é o fator que está mais correlacionado à IAH. Em contraste com a maioria dos estudos, esses autores acreditam que a CC tem pouca correlação com a SAOS1. Katz et al. identificaram IMC, idade, circunferência interna da faringe e CC como preditores significantes de SAOS10, e a CC foi identificada como a medida mais importante como parâmetro de SAOS.
No presente estudo, confirmamos os achados descritos anteriormente, em que o IMC, que teve uma média de 28,42, apresentou uma relação significativa com IAH (
p<0,005), demonstrando novamente a importância das medidas antropométricas como parâmetro preditivo para a gravidade da SAOS. Obtivemos, ainda, relações significativas entre IMC, CC e CA com a saturação mínima de oxigênio. Já a saturação média, teve correlação positiva com CA, IMC e CP, sendo a mais significativa CA (
p<0,009).
Há inúmeras publicações científicas correlacionando obesidade com doença cardiovascular, síndrome metabólica e Diabetes tipo II insulino-resistentes. Curiosamente, distúrbios do sono ainda não fazem parte das desordens relacionadas à obesidade, embora de acordo com médicos especialistas em medicina do sono essa associação já seja bem conhecida. A razão, em parte, para essa falta de reconhecimento é que o mecanismo preciso de como o tecido adiposo causa distúrbio do sono ainda não está bem elucidado2.
Davidson & Patel sugeriram que o Mallampati é um parâmetro para avaliar a deposição de gordura na língua e utilizaram essa variável como medida de obesidade. Encontraram uma forte correlação entre o Mallampati e IAH no sexo masculino2.
Nashi et al. observaram que os pacientes com obesidade abdominal coincidentemente apresentavam um aumento de volume da língua. Dessa forma, desenvolveram um estudo em cadáveres para avaliar essa correlação. Os autores demonstraram que a língua é considerada um ponto de armazenamento de gordura da orofaringe e a porcentagem de gordura do terço posterior da língua é maior que dos dois terços anteriores. Além disso, perceberam que o aumento do volume da língua está relacionado com um maior índice de Mallampati e este, quando elevado, está correlacionado com a alta prevalência e aumento da gravidade dos distúrbios do sono11. Na nossa casuística, também utilizamos o Mallampati como medida antropométrica, encontrando relação significativa entre essa variável e alterações polissonográficas como IAH, SMED e SMIN.
Outro método de avaliação corporal com validação científica para diagnosticar obesidade é a bioimpedância, que se baseia na condução de uma corrente elétrica de baixa intensidade (800 microA - 50 kHz), que percorre o corpo, medindo a resistência que é oferecida pelos vários tecidos do organismo, quantidade de água corporal total, percentual de gordura e massa magra corporal. Estudos vêm relatando tal exame como um melhor parâmetro comparado ao IMC para determinar a composição de gordura corporal1.
CONCLUSÃOA associação de obesidade com a SAOS é atualmente claramente conhecida. Há controvérsias quanto aos parâmetros preditivos mais significativos. Em nosso estudo, em 82 pacientes verificamos que o IAH tem correlação com o aumento de IMC, CC, CA, CP e Índice de Mallampati modificado. Desses, o parâmetro mais significativo para estimar gravidade da SAOS foi a circunferência cervical (CC).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Oğretmenoğlu O, Süslü AE, Yücel OT, Onerci TM, Sahin A. Body fat composition: a predictive factor for obstructive sleep apnea. Laryngoscope. 2005;115(8):1493-8.
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3. Davies RJ, Ali NJ, Stradling JR. Neck circumference and other clinical features in the diagnosis of the obstructive sleep apnoea syndrome. Thorax. 1992;47(2):101-5.
4. Hoffstein V, Mateika S. Differences in abdominal and neck circumferences in patients with and without obstructive sleep apnoea. Eur Respir J. 1992;5(4):377-81.
5. Deegan PC, McNicholas WT. Predictive value of clinical features for the obstructive sleep apnoea syndrome. Eur Respir J. 1996;9(1):117-24.
6. Davies RJ, Stradling JR. The relationship between neck circumference, radiographic pharyngeal anatomy, and the obstructive sleep apnoea syndrome. Eur Respir J. 1990;3(5):509-14.
7. Dixon JB, Schachter LM, OBrien PE. Predicting sleep apnea and excessive day sleepiness in the severely obese: indicators for polysomnography. Chest. 2003;123(4):1134-41.
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9. Van Gaal LF. Body fat, body fat distribution and the respiratory system: a "fat neck" syndrome? Eur Respir J. 1992;5(4):375-6.
10. Katz I, Stradling J, Slutsky AS, Zamel N, Hoffstein V. Do patients with obstructive sleep apnea have thick necks? Am Rev Respir Dis. 1990;141(5 Pt 1):1228-31.
11. Nashi N, Kang S, Barkdull GC, Lucas J, Davidson TM. Lingual fat at autopsy. Laryngoscope. 2007;117(8):1467-73.
1. Otorrinolaringologista, Diretor/Chefe.
2. Médica Otorrinolaringologista, Assistente do Núcleo de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço de São Paulo.
3. Médica Otorrinolaringologista, Assistente do Núcleo de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço de São Paulo.
4. Médico Residente, Residente de Otorrinolaringologia - Núcleo de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço de São Paulo.
5. Médica Residente, Residente de Otorrinolaringologia - Núcleo de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço de São Paulo.
6. Médica Residente, Residente de Otorrinolaringologia - Núcleo de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço de São Paulo.
Hospital e Maternidade São Camilo - Pompéia Núcleo de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço de São Paulo.
Endereço para correspondência:
Jose Antonio Pinto
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 22 de outubro de 2010. cod. 7383
Artigo aceito em 19 de janeiro de 2011.