INTRODUÇÃOA conduta a ser adotada na habilitação e reabilitação de indivíduos portadores de Neuropatia Auditiva/Dessincronia Auditiva (NA/DA) tem levado a questionamentos e opiniões divergentes, uma vez que estes sujeitos, ainda hoje, estão inseridos no grupo de casos especiais para a indicação do Implante Coclear (IC).
O termo Neuropatia Auditiva (NA) vem sendo utilizado de maneira genérica para nomear discrepâncias entre as funções coclear e neural do sistema auditivo.
A NA/DA é descrita pela literatura científica como uma alteração na sincronia neural, caracterizada por um comportamento auditivo no qual a função das células ciliadas externas (CCE) mostra-se preservada, ao mesmo tempo em que a transmissão neural aferente encontra-se alterada. No entanto, até o momento, o local exato correspondente à lesão ainda não pôde ser precisamente determinado pelos métodos diagnósticos existentes na prática clínica.
Esta alteração auditiva é capaz de afetar de maneira significativa a compreensão e produção da fala. Nesse sentido, uma conduta de habilitação e reabilitação adequada deve ser considerada, especialmente em crianças que se encontram no período crítico para o desenvolvimento das habilidades de audição e linguagem.
O uso de Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI) parece não demonstrar bons resultados, uma vez que a amplificação pode ser capaz de contribuir para uma melhor detecção dos sons, sem, no entanto, beneficiar o desenvolvimento das habilidades auditivas de discriminação, reconhecimento e compreensão dos sons da fala1-3 .
Outras estratégias de comunicação, entre elas a comunicação gestual, a leitura orofacial e os sistemas de frequência modulada (FM), vêm sendo discutidas como possibilidades a serem utilizadas no processo de habilitação e reabilitação desse grupo clínico de casos4,5.
Aproximadamente um terço dos sujeitos portadores de NA/DA apresentam deficiência auditiva de grau grave a profundo e podem ser, então, candidatos ao IC6.
A indicação do IC nesse grupo clínico fundamenta-se no fato de que esse dispositivo eletrônico, capaz de substituir parcialmente as funções das células sensoriais auditivas e estimular diretamente o nervo auditivo, pode beneficiar a sincronia neural e contribuir, portanto, para o desenvolvimento das habilidades de audição e linguagem7-9.
Paralelo a isso, o registro do Potencial de Ação Composto do Nervo Auditivo Eletricamente Evocado (ECAP) ou resposta neural em usuários de IC é capaz de demonstrar, de maneira objetiva, modificações na função auditiva após a estimulação elétrica do sistema auditivo de sujeitos portadores de NA/DA.
Diante da possibilidade de a estimulação elétrica gerada pelo IC melhorar a sincronia neural e contribuir para o desenvolvimento das habilidades auditivas, esta pesquisa teve como objeto de análise a avaliação do desempenho auditivo e das características do ECAP em um grupo de crianças portadoras de NA/DA e usuárias do dispositivo de Implante Coclear.
MATERIAL E METODOEstudo de coorte transversal. Participaram da pesquisa 18 crianças portadoras de Neuropatia Auditiva/Dessincronia Auditiva (NA/DA) e usuárias do dispositivo de Implante Coclear (IC) por um período igual ou superior a seis meses de uso, pertencentes a dois diferentes programas de Implante Coclear situados no estado de São Paulo.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos sob o oficio de número 316/2005 UEP-CEP.
Os responsáveis pelos participantes deste estudo foram informados sobre os procedimentos a serem realizados e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Em relação aos critérios de inclusão da pesquisa, vale ressaltar que a indicação cirúrgica para o IC em crianças portadoras de deficiência auditiva pré-lingual é feita a partir de critérios internacionais, utilizados e adotados por ambos os centros em que foi realizado o estudo, destacando-se: idade ao redor de um ano; permeabilidade coclear para a inserção cirúrgica dos eletrodos; perda auditiva neurossensorial de grau grave a profundo e/ou profundo bilateral; limiares auditivos com amplificação convencional superiores a 60 dB nas frequências de 500, 1000 e 2000 Hz, após habilitação auditiva intensa e efetiva; benefício limitado das habilidades auditivas com o uso do Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI); ausência de comprometimentos de natureza intelectual ou emocional; motivação da família para o uso do IC e para o desenvolvimento de atitudes de comunicação favoráveis pela criança; expectativas familiares adequadas quanto aos resultados do IC, bem como a participação da criança em programa de habilitação e reabilitação auditiva na cidade de origem.
Todos os sujeitos de pesquisa apresentaram resultados normais no estudo por imagens, realizada no momento pré-cirúrgico e composto pela ressonância magnética e tomografia computadorizada de temporais.
Outras particularidades clínicas, específicas de cada paciente, as quais não contemplam os critérios descritos anteriormente, são analisadas e definidas como casos especiais.
Quanto aos critérios de contraindicação do IC em crianças deficientes auditivas pré-linguais, os dois programas de Implante Coclear, nos quais a coleta de dados foi realizada, também seguem as seguintes recomendações internacionais: comprometimentos neurológicos graves associados à deficiência auditiva; condições médicas ou psicológicas que contraindiquem a cirurgia; deficiência auditiva causada por agenesia de cóclea, de nervo auditivo ou lesões centrais; infecção ativa do ouvido médio e expectativas irreais quanto aos benefícios, resultados e limitações do IC por parte da família.
As características audiológicas e eletrofisiológicas correspondentes ao diagnóstico da NA/DA no grupo de sujeitos avaliados estão descritas a seguir: função normal de células ciliadas externas, identificada por meio da presença de Emissões Otoacústicas (EOA) e/ou do Microfonismo Coclear (MC); alteração da função neural, com respostas para Potencial Evocado Auditivamente no Tronco Encefálico gravemente alteradas ou ausentes; alteração dos limiares audiométricos, bem como resultados limitados com o uso da amplificação convencional para o desenvolvimento das habilidades de audição e linguagem.
A idade em que a cirurgia foi realizada entre os sujeitos de pesquisa variou de 1 ano e 8 meses a 6 anos e 11 meses de idade (média de 3 anos e oito meses) e o tempo de uso do dispositivo apresentou uma variação de 10 meses a 3 anos e 5 meses de uso.
A marca e o modelo do IC utilizado pelos sujeitos da pesquisa não foram considerados como critérios de inclusão e/ou exclusão do estudo. No entanto, todos os sujeitos faziam uso do dispositivo de IC modelo Nucleus 24 (Cochlear Corporation) e apresentaram inserção total dos eletrodos.
Com base na classificação do grau da perda auditiva segundo o critério sugerido por Davis & Silverman (1970)10, nove (50%) sujeitos apresentaram perda auditiva de grau profundo e nove (50%) possuíam limiares audiométricos compatíveis com uma alteração auditiva de grau grave.
A coleta de dados do estudo foi composta pelo levantamento de dados pré, peri e pós-natais, bem como a análise dos dados referentes à etiologia da deficiência auditiva, bateria de testes audiológicos e eletrofisiológicos (audiometria tonal, EOA, impedanciometria, PEATE, pesquisa do MC e audiometria tonal) e dados referentes à cirurgia do IC.
A avaliação da percepção auditiva foi realizada por meio da Avaliação Comportamental da Audição (Audiometria Lúdica para determinação dos limiares audiométricos em campo livre, com a utilização do dispositivo de IC, nas frequências de 500 Hz, 1kHz, 2kHz, e 4kHz) e da Avaliação da Percepção de Fala (testes correspondentes à idade e ao desenvolvimento das habilidades auditivas dos sujeitos, de acordo com os instrumentos adaptados para a língua portuguesa em cada faixa etária).
Os seguintes procedimentos foram utilizados para a avaliação da percepção da fala: Procedimento para a Avaliação de Crianças Deficientes Auditivas Profundas11 - adaptação do
Glendonald Auditory Screening Procedure (GASP) e Avaliação da Percepção dos Sons da Fala para Crianças Deficientes Auditivas - Lista de Palavras12.
Após a aplicação dos procedimentos de avaliação da percepção de fala, a natureza da tarefa das habilidades auditivas dos sujeitos da pesquisa foi classificada de acordo com as habilidades auditivas observadas.
A categoria detecção de sons foi utilizada para as crianças com resultados de percepção de fala limitados, capazes apenas de realizar a Prova 1 do procedimento GASP.
A categoria conjunto fechado (
closed-set) foi atribuída às crianças capazes de realizar a Prova 5 do procedimento GASP, na qual alternativas de resposta são apresentadas à criança13.
As crianças que possuíam habilidades auditivas suficientes para a realização da Prova 6 do procedimento GASP e, consequentemente, para a lista de palavras dissílabas foram classificadas na categoria conjunto aberto. Nela, a criança não possui alternativa de resposta, requerendo, normalmente, habilidades auditivas mais complexas13.
Para a avaliação da resposta neural, a telemetria de impedância dos eletrodos ou telemetria reversa ou bidirecional foi realizada em todos os modos de estimulação presentes no sistema de IC Nucleus 24 e teve como objetivo avaliar a integridade do dispositivo no que diz respeito ao funcionamento dos eletrodos intracocleares.
Foram considerados os valores de impedância dos eletrodos intracocleares avaliados no estudo, sendo eles: eletrodos 20, 15, 10 e 05.
Os eletrodos que apresentaram alteração em seus valores de impedância, caracterizando curto-circuito ou circuito aberto, foram excluídos da avaliação. O eletrodo apical adjacente com valores de impedância dentro dos padrões de normalidade foi considerado para o protocolo da pesquisa.
Do total de 72 eletrodos avaliados, quatro eletrodos apresentaram alteração nos valores de impedância, sendo utilizado, portanto, o eletrodo apical adjacente.
A Pesquisa do Potencial de Ação Composto do Nervo Auditivo Evocado Eletricamente (ECAP) foi realizada nos eletrodos 20, 15, 10 e 5, presentes no feixe de eletrodos inseridos cirurgicamente.
Os parâmetros utilizados durante o registro da resposta neural foram determinados a partir das recomendações propostas pela literatura cientifica14-16.
A determinação dos limiares do ECAP foi realizada nas frequências de estimulação de 80 e 35Hz, com o objetivo de avaliar possíveis modificações nas características da resposta neural, à medida que a frequência de estimulação é diminuída. Os mesmos parâmetros de registro da resposta neural foram utilizados para as duas frequências de estimulação testadas. Para a análise do registro do ECAP, as respostas foram classificadas de acordo com os parâmetros a seguir: presença de N1(pico mensurável); presença de P1/P2 (pico mensurável); morfologia da resposta; reprodutibilidade da resposta; presença consecutiva de registros válidos.
Os registros presentes foram avaliados de maneira qualitativa e quantitativa, utilizando-se os critérios de valores dos limiares e da amplitude da resposta neural.
As correlações existentes entre idade na cirurgia e tempo de uso do IC e os resultados de percepção de fala foram avaliadas por meio da técnica de análise de variância com dois fatores.
O teste exato de Fisher foi adotado para a verificação da relação existente entre os resultados obtidos no registro das EOAET e as habilidades auditivas.
A relação existente entre a média do limiar auditivo nas frequências da fala (0,5; 1 e 2 kHz) e os resultados de reconhecimento de fala em conjunto aberto e fechado em cada sujeito foi analisada por meio da técnica de análise de variância com medidas repetidas. As médias dos limiares auditivos em campo livre observadas em cada frequência foram destacadas com o símbolo de triângulos nas diferentes faixas de frequências testadas.
As análises do limiar e da amplitude da resposta neural nas frequências de 35 e 80Hz foram realizadas por meio da técnica de analise de variância com medidas repetidas.
RESULTADOSNo que se referiu aos fatores etiológicos relacionados à deficiência auditiva, a causa associada a múltiplos indicadores de perdas auditivas ao nascimento, aqui denominada multifatorial, esteve presente em 50% dos sujeitos, seguida de causa desconhecida ou idiopática em 44% dos sujeitos e rubéola congênita como fator etiológico da alteração auditiva em 6% dos sujeitos.
Os resultados de percepção de fala encontrados na população estudada, no que diz respeito às habilidades auditivas de detecção de fala, reconhecimento auditivo em conjunto fechado e reconhecimento auditivo em conjunto aberto, ficaram assim distribuídos: 61% dos sujeitos de pesquisa apresentaram reconhecimento de fala em conjunto fechado; 33% foram capazes de reconhecer a fala em conjunto aberto e 6% apresentaram apenas habilidade auditiva de detecção de sons.
Não foram verificadas diferenças estatisticamente significativas entre as médias da idade na cirurgia e do tempo de uso do IC e as habilidades auditivas de reconhecimento de fala.
Não foi observada relação estatisticamente significativa entre o desempenho da percepção de fala para as habilidades de reconhecimento de fala em conjunto aberto e conjunto fechado e a presença das emissões otoacústicas no momento pré-cirurgico, tanto na orelha direita (
p=0,304) quanto na orelha esquerda (
p=0,620).
A Figura 1 apresenta os resultados dos limiares auditivos obtidos em campo livre nas frequências de 0,5; 1; 2 e 4 kHz de cada sujeito da pesquisa.
Figura 1. Audiometria Tonal em Campo Livre - Resultados dos limiares auditivos em campo livre (dB) nas freqüências de 0,5, 1, 2 e 4 kHz
Não foi observada diferença estatisticamente significativa entre as médias dos limiares tonais nas frequências da fala e as habilidades auditivas de reconhecimento de fala em conjunto aberto e conjunto fechado (
p=0,485).
Em relação ao registro da resposta neural, no eletrodo 20, os registros estiveram presentes em 83% das mensurações, seguidos de 83% de resposta presentes no eletrodo 15, 88% no eletrodo 10 e 94% de registros presentes no eletrodo 5.
A Figura 2 apresenta a comparação dos limiares visuais da resposta neural para as frequências de estimulação de 35 e 80Hz, observada nos eletrodos 20,15, 10 e 5.
Figura 2. Limiar Visual da Resposta Neual - Resultados das médias ± erros padrão do limiar visual da resposta neural nos eletrodos 20, 15, 10 e 5 para as frequências de estimulação de 35 e 80 Hz.
Foi detectada diferença entre as médias dos limiares nos quatro eletrodos avaliados (
p=0,000), tanto para a frequência de estimulação de 35Hz quanto para a frequência de estimulação de 80Hz (
p=0,849).
Na análise específica por eletrodo, não foram observadas diferenças entre as médias do limiar visual nas frequências de estimulação de 35 e 80Hz (
p=0,566).
Os resultados da comparação entre os eletrodos demonstraram que a média do limiar visual foi menor no eletrodo 20, quando este eletrodo foi comparado aos demais (
p=0,000). O eletrodo 15 apresentou média do limiar visual menor que o eletrodo 10. A comparação entre as médias do limiar visual obtidas nos eletrodos 10 e 5 apresentou um valor de
p marginal (
p=0,051).
No que se referiu à amplitude da resposta neural, para a frequência de estimulação de 35Hz, a amplitude variou entre 21, 8mV e 128mV nos eletrodos 20, 15, 10 e 5. Para a frequência de estimulação de 80Hz, a amplitude da resposta neural apresentou uma variação de 27,7 mV a 103,1 mV entre os eletrodos testados.
A Figura 3 apresenta os valores médios da amplitude da resposta neural obtidos nos eletrodos 20, 15, 10 e 5 para as frequências de estimulação de 35 e 80Hz.
Figura 3 - Amplitude da Resposta Neural - Resultados das médias ± erros padrão da amplitude da resposta neural nos eletrodos 20, 15, 10 e 5 para as frequências de estimulação de 35 e 80 Hz.
Não foram detectadas diferenças estaticamente significativas entre as médias da amplitude da resposta neural para as frequências de estimulação de 35 e 80Hz (
p=0,969) em todos os eletrodos analisados.
A comparação das amplitudes da resposta neural entre cada eletrodo avaliado demonstrou não haver diferenças estatisticamente significativas entre as médias da amplitude da resposta neural nos eletrodos 20,15, 10 e 5 (
p=0,096), tanto na frequência de estimulação de 35Hz quanto na frequência de estimulação de 80Hz (
p=0,527).
DISCUSSÃOA variabilidade de resultados que se encontra na população clínica usuária de Implante Coclear (IC) está intimamente relacionada a fatores intrínsecos pertinentes ao sistema auditivo de cada indivíduo, e a fatores extrínsecos, como motivação para o uso do dispositivo, apoio familiar, método de habilitação e reabilitação, entre outros.
Especialmente na população portadora de Neuropatia Auditiva/Dessincronia Auditiva (NA/DA), a diversidade de achados pode ainda representar diferentes graus de comprometimento relacionados a essa patologia, ou ainda alterações diversas ao longo da via auditiva.
A presença de NA/DA secundária a doenças neonatais foi encontrada em 50% dos sujeitos de pesquisa. A ocorrência de complicações durante e/ou após o nascimento, como fatores relacionados ao diagnóstico dessa patologia, já havia sido descrita anteriormente pela literatura científica17-22.
As dificuldades encontradas na determinação do fator etiológico relacionado ao diagnóstico da NA/DA ficaram evidentes no estudo - 44% dos sujeitos da pesquisa apresentaram NA/DA de causa desconhecida. Esse alto índice foi também encontrado em estudo anterior22, no qual, em um total de 70 pacientes, 40% apresentaram NA/DA de causa idiopática.
A ocorrência de rubéola congênita como fator etiológico relacionado à NA/DA ainda não havia sido descrita na literatura científica, talvez pelo fato de que, em países desenvolvidos, a rubéola esteja controlada pela imunização de mulheres em idade fértil.
Resultados encorajadores foram alcançados ao longo deste estudo no que se referiu à utilização da estimulação elétrica na população portadora de NA/DA, já que uma melhora significativa das habilidades auditivas foi observada em 94% dos sujeitos de pesquisa. Resultados promissores do IC em sujeitos portadores de NA/DA já haviam sido apresentados por diversos autores7,20,23,24.
Assim sendo, o IC pareceu ser suficientemente capaz de promover o desenvolvimento das habilidades auditivas, independentemente do diagnóstico da NA/DA. Esse achado está de acordo com a similaridade encontrada por estudos anteriores7,23 .
Mesmo não havendo diferenças estatisticamente significativas entre o tempo de uso do IC e as habilidades de reconhecimento de fala em conjunto aberto e em conjunto fechado, quanto maior foi o tempo de uso do IC, melhores foram os resultados de percepção de fala. Outros autores também destacaram o desenvolvimento progressivo das habilidades de percepção de fala ao longo do tempo de uso do IC em distintos grupos de crianças usuárias do dispositivo25-33.
No que se referiu ao registro das Emissões Otoacústicas (EOA), o mecanismo de deteriorização ou ausência das EOA em sujeitos portadores de NA/DA ainda é desconhecido, não sendo possível estabelecer uma relação significativa entre a ausência e/ou possível perda das EOA e uma alteração específica relacionada à NA/DA. Os resultados deste estudo demonstraram que a presença das EOA durante a avaliação pré-cirúrgica pareceu não ser uma variável determinante para o desenvolvimento das habilidades auditivas, uma vez que não foi encontrada correlação significativa entre a presença das EOA, tanto na orelha direita quanto na orelha esquerda, e as habilidades auditivas de reconhecimento de fala em conjunto aberto e conjunto fechado.
Diante desse resultado, a presença das EOA na avaliação pré-cirúrgica pareceu não determinar, necessariamente, um melhor prognóstico após o IC. A ausência de correlação significativa entre a presença das EOA e os resultados de percepção de fala para usuários de AASI já havia sido descrita anteriormente na literatura cientifica34.
Todos os sujeitos da presente pesquisa apresentaram limiares audiométricos dentro dos valores médios encontrados na população usuária de IC. A pequena variação observada em cada sujeito pode ser atribuída ao fato de que a pesquisa dos limiares audiométricos constitui-se como um teste de caráter subjetivo, no qual a atenção, concentração e motivação no momento da avaliação podem justificar modificações mínimas entre duas ou mais situações de teste.
Em relação ao registro da resposta neural, um número reduzido de estudos descreveu as características do ECAP em sujeitos portadores de NA/DA, não sendo observados nessa população aspectos específicos relacionados ao registro desse potencial.
Não foram encontradas, no presente estudo, características específicas relacionadas ao registro do ECAP neste grupo de crianças portadoras de NA/DA. A presença dessa patologia pareceu não ser, portanto, um fator determinante para o registro do ECAP.
Diante da similaridade encontrada nas características do ECAP entre o grupo de sujeitos estudados e a população clínica usuária de IC e na escassez de estudos que descrevam de maneira específica as características da resposta neural nos sujeitos portadores de NA/DA, a análise do presente estudo foi realizada a partir das investigações já existentes no que se refere às características de registro do ECAP na população usuária de IC em geral.
A resposta neural esteve presente em valores superiores a 80% dos registros obtidos ao longo deste estudo. Possibilidades semelhantes de registro do ECAP também já foram descritas anteriormente35.
Segundo Charasse et al. (2004)36, a frequência de estimulação utilizada para registrar o ECAP é capaz de interferir no número de registros válidos e na qualidade da resposta neural da população usuária de IC.
Assim sendo, presumidamente nos casos de NA/DA, em que a alteração da sincronia neural pode ser a causa das dificuldades encontradas na percepção de fala, a utilização de frequências de estimulação reduzidas tenderia a originar respostas neurais mais robustas.
A hipótese de que, na população clínica portadora de NA/DA, o sistema auditivo responderia de maneira mais lenta em função da alteração nos disparos dos neurônios do nervo auditivo e, com isso, menores taxas de apresentação dos estímulos, supostamente, produziriam respostas neurais mais evidentes, motivou a mensuração das características da resposta neural nas frequências de estimulação de 35 e 80Hz.
No entanto, não foram detectadas diferenças estatisticamente significativas entre os limiares visuais da resposta neural quando as duas frequências de estimulação foram comparadas. Esses resultados corroboram com os achados anteriores apresentados na literatura cientifica35, nos quais não foram observadas diferenças significativas entre os resultados do registro do ECAP nas frequências de estimulação de 35 e 80Hz em 38 adultos usuários de IC.
Da mesma maneira, a amplitude da resposta neural não apresentou diferenças estatisticamente significativas à medida que a frequência de estimulação foi diminuída para 35Hz. Entretanto, os valores médios da amplitude da resposta neural foram maiores para a frequência de 35Hz em todos os eletrodos avaliados, indicando, assim, uma melhor determinação da resposta neural para essa frequência de estimulação. A tendência de aumento na amplitude da resposta neural para frequências de estimulação reduzidas foi também reportada por outros autores37.
A similaridade encontrada nas características da resposta neural para as frequências de estimulação de 35 e 80Hz sugere que o sistema auditivo na população investigada neste estudo, após a estimulação elétrica, foi capaz de recuperar as propriedades temporais presentes na codificação das informações, independentemente da frequência de estimulação utilizada. Diferenças significativas na qualidade da resposta neural foram descritas pela literatura científica apenas para os registros obtidos nas frequências de estimulação superiores a 150Hz36. Estudos posteriores que investiguem as características da resposta neural em sujeitos portadores de NA/DA para frequências de estimulação acima de 80Hz poderão contribuir para a análise da qualidade do registro da resposta neural à medida que a frequência de estimulação é significativamente aumentada para valores superiores a 150Hz.
No presente estudo, os benefícios para a percepção auditiva observados nas crianças portadoras de NA/DA e usuárias de IC, bem como a possibilidade do registro do ECAP, demonstraram que a estimulação elétrica advinda do IC foi capaz de compensar a alteração da sincronia neural decorrente da NA/DA.
Com exceção de apenas um sujeito avaliado nesta pesquisa, após a utilização do IC, as crianças portadoras de NA/DA avaliadas apresentaram desenvolvimento das habilidades auditivas semelhante àquele observado na população infantil usuária do mesmo dispositivo. Variáveis intrínsecas, inerentes ao processo fisiopatológico relacionado à NA/DA, pareceram não interferir no desenvolvimento das habilidades auditivas dos sujeitos portadores de NA/DA após a utilização da estimulação elétrica. Para a programação do processador de fala, as crianças portadoras de NA/DA não necessitaram ajustes específicos relacionados aos parâmetros de programação utilizados.
É importante destacar que os resultados do IC em sujeitos portadores de NA/DA apresentam-se intimamente relacionados à localização da alteração. Entretanto, ainda não é possível a determinação do local exato correspondente à lesão, no sentido de inferir os sujeitos portadores de NA/DA que poderão apresentar um benefício mais significativo com o IC. Os resultados encorajadores no que diz respeito ao desenvolvimento das habilidades auditivas no grupo de sujeitos portadores de NA/DA e usuários de IC avaliados neste estudo indicam preservação da função neural. A alteração da sincronia neural presente nesses casos, possivelmente, esteve relacionada à alteração das CCI e/ou da sinapse dessas células com o nervo auditivo.
A avaliação longitudinal dos sujeitos portadores de NA/DA e usuários de IC poderá inferir nuances específicas no processo de reabilitação desse grupo clínico de casos ao longo do tempo de uso do IC. Paralelo a isso, a utilização de um protocolo de testes que inclua a avaliação das habilidades auditivas na presença de ruído competitivo, bem como a avaliação das habilidades de linguagem e de produção de fala, poderá contribuir para a determinação de características clínicas específicas aos sujeitos portadores de NA/DA e usuários de IC.
CONCLUSÕESO Implante Coclear caracterizou-se como um efetivo recurso para o desenvolvimento das habilidades auditivas em 94% dos sujeitos portadores de NA/DA avaliados ao longo deste estudo e que a utilização da frequência de estimulação reduzida de 35Hz não determinou modificações estatisticamente significativas nas características de limiar e amplitude da resposta neural.
Entretanto, a heterogeneidade pertinente a esse grupo clínico de casos indica que uma conduta clínica comum a todos os portadores de NA/DA ainda não pode ser definida e adotada.
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1. Doutor. Professora Doutora do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudilogia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
2. Professora Titular, Professora Titular da Universidade de São Paulo.
3. Livre Docência, Professor Associado da Universidade de São Paulo.
4. Professor Titular, Professor Titular da Universidade de São Paulo.
Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência:
Ana Claudia Martinho de Carvalho
Rua Indiana 499/12
São Paulo - SP. CEP: 04562000
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 8 de dezembro de 2009. cod. 6829
Artigo aceito em 25 de outubro de 2010.
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.