ISSN 1806-9312  
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4168 - Vol. 77 / Edição 4 / Período: Julho - Agosto de 2011
Seção: Artigo Original Páginas: 418 a 425
Disfunção têmporo-mandibular e hipermobilidade articular generalizada: aplicação de critérios diagnósticos
Autor(es):
Fernanda Pasinato1; Juliana Alves Souza2; Eliane Castilhos Rodrigues Corrêa3; Ana Maria Toniolo da Silva4

Palavras-chave: avaliação, instabilidade articular, transtornos da articulação têmporo-mandibular.

Keywords: joint instability, temporomandibular joint disorders, evaluation.

Resumo: A hipermobilidade articular generalizada (HAG) é uma condição sistêmica considerada como fator contribuinte para o desenvolvimento de sinais e sintomas da disfunção têmporo-mandibular (DTM). Objetivo: Avaliar aspectos clínicos e psicossociais de indivíduos com DTM associada ou não à HAG. Material e Método: Consistiu de um estudo clínico e experimental do qual participaram 34 mulheres, com idades entre 18 e 35 anos, diagnosticadas com DTM pelos Critérios diagnósticos para pesquisa em DTM (RDC/TMD). A HAG foi avaliada pelo Escore de Beighton e os voluntários divididos em 2 grupos: com HAG (n=22) e sem HAG (n=12). Resultados: Verificou-se elevado percentual de HAG (64,71%). Todos os participantes apresentaram dor miofascial, 79.41% artralgia e 41% desordens discais. Houve correlação entre maiores escores de HAG e maior amplitude de abertura bucal passiva (p=0,0034), com (p=0,0029) e sem dor (p=0,0081). Observaram-se maiores amplitudes de movimento mandibular no grupo com HAG, exceto para a protrusão. A abertura com dor foi significativamente maior no grupo hipermóvel (p=0,0279). Conclusões: Indivíduos com DTM associada ou não à HAG não diferem significativamente quanto aos aspectos clínicos e psicossociais avaliados, exceto quanto à amplitude de abertura mandibular, cuja manutenção em níveis fisiológicos pode levar ao diagnóstico tardio de DTM nestes indivíduos.

Abstract: Generalized joint hypermobility (GJH) has been considered a predisposing factor for the development of temporomandibular disorder (TMD). Aim: To evaluate clinical and psychosocial aspects in individuals diagnosed with TMD with or without GJH. Materials and methods: Clinical and experimental study, which enrolled 34 women, from 18 to 35 years of age with TMD diagnosed by RDC/TMD. The GJH was assessed by the Beighton score and volunteers were broken down into 2 groups: with GJH (n = 22) and without GJH (n = 12). Results: We found a high percentage of GJH (64.71%). All participants had myofascial pain; 79.41% had arthralgia and 41% had disk displacement. There was a correlation between higher GJH scores and higher passive mouth opening amplitude (p=0.0034), with pain (p=0.0029) and without pain (p=0.0081). Greater mandibular range of motion was observed in the group with GJH, except for protrusion. Painful mouth opening was statistically higher in the GJH group (p=0.0279). Conclusions: Individuals with TMD associated or not to GJH do not differ significantly regarding clinical and psychosocial aspects, except in the mandibular opening range of motion, which if kept at physiological levels can lead to a late diagnosis of TMD in these individuals.

INTRODUÇÃO

O termo disfunção têmporo-mandibular vem sendo utilizado para definir condições que envolvem alterações da estrutura e/ou função do sistema mastigatório (ATM e estruturas musculoesqueléticas relacionadas)1,2. Os sinais e sintomas característicos desta disfunção são dor na região periauricular, ATM e músculos mastigatórios, ruídos, limitação ou desvios durante o movimento mandibular3.

A hipermobilidade articular generalizada (HAG) é uma característica hereditária definida pelo aumento da amplitude de movimento de múltiplas articulações4,5. Pode ser compreendida como uma entidade isolada ou compondo o quadro clínico de desordens hereditárias do tecido conjuntivo (síndromes)6.

A amplitude de movimento articular é influenciada por vários fatores, incluindo alterações bioquímicas na estrutura do colágeno e elastina7, levando à perda de resistência à tração, frouxidão e aumento da mobilidade articular.

A prevalência da HAG relatada na literatura é muito variável, no entanto, sabe-se que gênero, origem étnica e idade são fatores importantes. Há relatos de que esta síndrome é mais prevalente em mulheres e indivíduos de ascendência asiática e africana e que, diminui com o aumento da idade8,9.

A HAG tem sido relacionada ao desenvolvimento de sinais e sintomas de DTM4-6,10-16. Considera-se que a ATM esteja entre as articulações hipermóveis, podendo predispor alguns pacientes à subluxação, embora não sendo necessariamente acompanhada de dor ou disfunção4. Vários estudos4,6,14,17 investigam as repercussões da HAG sobre desordens de origem articular, especialmente deslocamento de disco. Acredita-se que devido à frouxidão ligamentar, a articulação seja sobrecarregada, resultando em alterações degenerativas que podem se manifestar em desarranjos internos e inflamação articular18.

Alguns autores pesquisaram se a amplitude de movimento de abertura mandibular pode ser um indicativo dessa hipermobilidade5,19,20. Estudos encontraram relação entre a máxima abertura mandibular e hipermobilidade16,21, enquanto em outros isto não foi confirmado19,20.

Um estudo epidemiológico16 demonstrou que indivíduos com HAG possuem maior risco de desenvolver click recíproco compatível com diagnóstico de deslocamento de disco e menor risco de limitação da abertura bucal. Também observou menor associação do diagnóstico de dor miofascial e artralgia (grupo I e IIIa) e HAG, concluindo que esta parece estar associada a subtipos não dolorosos de DTM. O autor considera que, com o aumento da mobilidade articular geral, maior é a máxima abertura bucal, corroborando a hipótese de que a ATM esteja envolvida no fenômeno de HAG. Consequentemente, uma limitação no movimento de abertura pode passar despercebida devido ao excesso de mobilidade da ATM nesses pacientes.

O bruxismo é um hábito oral parafuncional caracterizado pelo apertamento (bruxismo concêntrico) ou ranger de dentes (bruxismo excêntrico), sendo considerado um fator etiológico de início e perpetuação da DTM22,23. Para Westling & Mattiasson24, a parafunção oral parece ter maior efeito deletério sobre pessoas com hipermobilidade articular do que em indivíduos normais.

Outros fatores etiológicos investigados em indivíduos com DTM são a depressão e ansiedade. A ansiedade favorece a descarga de tensão sobre a musculatura mastigatória presente em quadros de bruxismo e a depressão está frequentemente associada à dor crônica nestes casos25,26. Os critérios diagnósticos em DTM (RDC/TMD) permitem a avaliação destas condições por meio de escores de depressão e sintomas físicos inespecíficos incluindo ou não dor, os quais representam manifestações físicas da ansiedade.

Indivíduos com HAG também são mais comumente acometidos (69,3%) por desordens de ansiedade, quando comparados a grupos com outras condições reumáticas (22%)27. A associação entre desordens de pânico e HAG tem sido explicada por uma duplicação cromossômica, confirmando a hereditariedade destas condições e sua etiologia biológica comum28.

O conhecimento por profissionais da saúde e pacientes referente ao impacto da hipermobilidade sobre a ATM pode contribuir para uma abordagem preventiva e mais específica da DTM. Assim, a HAG poderia ser incluída como um componente do diagnóstico padronizado desta disfunção.

Não existem evidências claras da associação entre DTM e HAG na literatura e esta deve ser mais intensamente investigada, considerando o pequeno número de estudos recentes a respeito do tema18.

Baseado no exposto acima, objetivo deste estudo foi avaliar aspectos clínicos e psicossociais da DTM em indivíduos diagnosticados com DTM com e sem hipermobilidade articular generalizada.


MÉTODOS

A presente pesquisa constituiu-se de um estudo transversal, observacional, de abordagem quantitativa e qualitativa. Foi desenvolvida no Laboratório de Motricidade Oral junto ao Serviço de Atendimento Fonoaudiológico (SAF) da Universidade. A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética da instituição sob o número 0281.0.243.000-08 e realizada no período de agosto de 2008 a junho de 2009.

A amostra constituiu-se de 34 sujeitos, diagnosticados com DTM, do gênero feminino, com idades entre 18 e 35 anos. Foram incluídos no estudo indivíduos provenientes da Disciplina de Clínica de Oclusão da Universidade ou que procuraram os pesquisadores, em resposta à divulgação da pesquisa na mídia impressa e eletrônica, e que apresentaram um ou mais diagnósticos de disfunção têmporo-mandibular, de acordo com RDC/TMD22. Todos os participantes foram informados quanto à natureza e objetivos do estudo e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Os voluntários foram divididos em dois grupos a partir do exame de hipermobilidade articular generalizada (Escore de Beighton): Grupo sem hipermobilidade (GN) e Grupo com hipermobilidade (GH).

Foram excluídos da pesquisa voluntários com comprometimento neuropsicomotor, histórico de traumas ortopédicos ou má formação na região facial; portadores de doença sistêmica ou reumatológica, em tratamento fisioterapêutico, odontológico ou fonoaudiológico atual ou prévio ou que estivessem fazendo uso de qualquer medicação.

O Research Diagnostic Criteria (RDC/TMD)25 é um método de coleta de dados padronizado para o diagnóstico de DTM sistematizado em dois eixos. O eixo I do RDC aborda aspectos clínicos e classifica as DTMs quanto ao seu diagnóstico: Ia) Dor miosfascial; IIb) Dor miofascial com abertura limitada; IIa) Deslocamento do disco com redução; IIb) Deslocamento de disco sem redução com limitação da abertura; IIc) Deslocamento de disco sem redução sem redução da abertura; IIIa) Artralgia; IIIb) Osteoartrite da ATM e IIIc) Osteoartrose da ATM.

Um indivíduo pode ser classificado com nenhum diagnóstico até no máximo cinco diagnósticos. Entre os achados subjetivos do paciente, está incluída verificação de queixa de bruxismo concêntrico e/ou excêntrico. O Eixo II avalia fatores psicossociais, permitindo a classificação quanto à intensidade e incapacidade da dor crônica associada à DTM, além da avaliação da depressão e sintomas físicos não específicos.

O diagnóstico de dor miofascial baseou-se na presença de dor autorreferida ao repouso e sensibilidade à palpação de três ou mais músculos em locais definidos. A abertura da boca foi avaliada pela mensuração da distância entre o incisivo inferior e superior por meio de paquímetro digital, sendo considerada limitação de movimento a abertura bucal < 40mm. Avaliou-se, ainda, a presença de desvio e click articular. Desordens discais foram diagnosticadas na presença de click articular reprodutível. Limitação de abertura sem ruídos articulares caracterizou o diagnóstico de deslocamento de disco sem redução e o diagnóstico de artralgia e/ou osteoartrite/osteartrose foi confirmado na presença de dor ou crepitação articular.

O eixo II do RDC/TMD permite a classificação do grau de dor crônica, depressão e sintomas físicos inespecíficos, a partir de um questionário autoaplicável.

A HAG foi avaliada pelos critérios de Carter e Wilkinson modificados por Beighton29, os quais têm sido utilizados em vários estudos4,6,11-16 sobre hipermobilidade. O Escore de Beighton examina 9 articulações através de 5 testes: oposição passiva do polegar à parte anterior do antebraço até que estes se toquem; dorsiflexão passiva do dedo mínimo até que esteja paralelo ao antebraço; hiperextensão do cotovelo e joelho acima de 10 graus; flexão do tronco com os joelhos completamente estendidos de modo as palmas das mãos toquem o chão (Figura 1).


Figura 1. Avaliação da hipermobilidade articular generalizada (Escore de Beighton). A) Extensão do dedo mínimo; B) Hiperextensão de joelhos; C) Flexão do tronco com palmas da mão tocando o solo; D) Flexão do Polegar em direção ao antebraço; E) Hiperextensão de Cotovelo.



Cada articulação com exame positivo para HAG é pontuada. A HAG é diagnosticada na presença de um escore igual ou maior que 4, sendo excluída na presença de patologias reumáticas.

O teste de Mann-Whitney (Teste U) foi utilizado para comparação das médias de amplitude de movimento mandibular entre os grupos. Também foram utilizados os testes do Qui-quadrado e teste exato de Fischer para comparação de frequências entre os grupos e o teste de Spearman para correlação entre amplitude dos movimentos mandibulares e escores de HAG.


RESULTADOS

Indivíduos com DTM foram classificados quanto à presença de hipermobilidade articular generalizada (HAG) de acordo com a pontuação no escore de Beighton. 64,71% dos indivíduos avaliados tiveram escores igual ou maior a 4, sendo classificados com HAG. Destes, 41,18% apresentaram HAG moderada (4-6 pontos) e 23,53% grave (7-9 pontos). Mobilidade articular normal foi observada em 35,29% dos indivíduos com DTM. A média, desvio padrão e nível significância estatística (teste U) das medidas de amplitude de movimentos mandibulares de indivíduos com DTM com e sem HAG são apresentados na Tabela 1.




Observaram-se maiores amplitudes de movimento no GEH, exceto para a protrusão. Na medida abertura bucal com dor, foi atingido valor estatisticamente maior neste grupo, em relação ao grupo sem hipermobilidade.

Os valores de amplitude dos movimentos mandibulares foram correlacionados aos escores de HAG pelo teste de Spearman, observando-se correlação positiva moderada entre as amplitudes de movimento em abertura mandibular ativa com dor (r=0,49 e p=0,0029), sem dor (r=0,45 e p=0,0081) e na abertura passiva (r=0,49 e p=0,0034) e o escore de HAG. Não foi observada correlação na análise da laterotrusão direita e esquerda e na protrusão.

Os resultados da palpação dos músculos masseter e temporal, polo lateral e ligamento posterior encontram-se na Tabela 2. O grupo sem HAG apresentou maiores percentuais de dor muscular e articular de grau grave em relação ao grupo com hipermobilidade. No entanto, a diferença estatística não foi confirmada pelo teste do Qui-quadrado.




Todos os indivíduos com DTM foram diagnosticados com dor miofascial (Grupo I), 41% tiveram diagnóstico de desordens discais (Grupo II) e 91% apresentaram algum tipo de comprometimento articular (Grupo III), especialmente artralgia (79,41%) (Tabela 3).




Quando os participantes foram subdivididos de acordo com a presença de HAG, foi verificado maior percentual de dor miofascial sem limitação na abertura bucal (Ia) em indivíduos com HAG (81,82%) em relação ao grupo sem HAG (58,33%). Esta diferença não foi significante no teste do Qui-quadrado (p=0,2468).

Deslocamento de disco com redução (IIa) foi diagnosticado em 31,82% dos hipermóveis e 41,67% dos participantes com mobilidade articular normal. O diagnóstico de artralgia (IIIa) apresentou elevados percentuais em ambos os grupos (81,82 e 83,33% nos grupos com e sem HAG, respectivamente).

A classificação de dor crônica, depressão e sintomas físicos não específicos incluindo ou não dor são apresentadas na Tabela 4. Os participantes foram classificados de acordo com o eixo II do RDC quanto ao grau de dor crônica: grau I (baixa incapacidade e baixa intensidade), grau II (baixa incapacidade e alta intensidade), grau III (alta incapacidade e limitação moderada) e grau IV (alta incapacidade e gravemente limitado). Entre os indivíduos com mobilidade articular normal, 58,34% foram diagnosticados com dor crônica graus II e III. Na presença de HAG, este percentual foi de 36,36%. Foi aplicado teste do Qui-quadrado e não foi confirmada diferença estatística na incidência de dor crônica entre os grupos avaliados (p=0,412).




Os percentuais de depressão moderada e grave foram semelhantes entre os grupos, sendo maior a frequência de depressão grave nos indivíduos com HAG. Quanto a classificação de sintomas físicos não específicos incluindo ou não dor, não observaram-se diferenças percentuais entre os grupos.

A ocorrência de bruxismo concêntrico e excêntrico foi relatada por elevado número de sujeitos, sendo que no GN 66,67% e 91,67% relataram estas condições, respectivamente. No GH, 72,73% apresentavam bruxismo concêntrico e 90,91% excêntrico.


DISCUSSÃO

As disfunções têmporo-mandibulares são geralmente descritas como distúrbios de origem multifatorial. A hipermobilidade articular generalizada vem sendo relatada como um fator predisponente ao desenvolvimento de DTM e alguns estudos6,11,14 encontraram maior incidência desta característica entre indivíduos com sinais e sintomas de DTM. No presente estudo, foi observado alto percentual de indivíduos com HAG (64,71%), concordando com Kavuncu et al.14, que encontraram 79,7% de HAG em indivíduos com DTM.

A faixa etária dos participantes foi, em média, 25 anos. A incidência de HAG diminui com o aumento da idade4,29, assim a baixa idade dos participantes também justifica sua maior incidência no grupo avaliado.

Foram verificados valores médios de amplitude de movimento mandibular dentro dos parâmetros de normalidade encontrados na literatura30, exceto para o movimento de protrusão, cujo valor médio observado foi de 4,81 no GN e 4,61 no GH, abaixo dos níveis de referência (> 7mm). Na abertura com dor, o grupo sem hipermobilidade apresentou média de 37,43mm, também abaixo dos valores de normalidade (> 40mm).

Maiores valores de amplitude de movimento mandibular foram observados no grupo hipermóvel, sendo atingido valor estatisticamente maior na abertura com dor. Foi observada correlação positiva moderada entre maiores escores de HAG e maior amplitude de abertura bucal passiva e ativa com e sem dor. Winocur5 também encontrou correlação positiva entre HAG e máxima abertura bucal, e a rotação angular da mandíbula na máxima abertura bucal foi significativamente maior em indivíduos hipermóveis. Salomão & Barbosa31 acrescentam que esta correlação deve ser considerada na avaliação do paciente hipermóvel pois, neste, um achado clínico de 45mm de abertura, embora dentro dos padrões de normalidade, pode significar uma restrição de movimento.

Por outro lado, Perrini et al.11, apesar de encontrarem associação entre HAG e DTM, não observaram maior amplitude de movimento mandibular em indivíduos hipermóveis. Westling & Helkimo20 também não observaram relação entre a máxima abertura bucal e maior mobilidade de articulações periféricas em indivíduos assintomáticos.

Em um estudo epidemiológico sobre fatores de risco para DTM16, verificou-se que indivíduos hipermóveis tiveram menor risco de apresentar abertura bucal limitada. No entanto, em vários estudos4,11,20 a relação entre HAG, aumento da amplitude de movimento em abertura bucal (hipertranslação condilar) e DTM não foi confirmada. Kavuncu et al.14 avaliaram o risco de disfunção têmporo-mandibular quanto coexistem HAG e hipermobilidade condilar e observaram que as mesmas eram mais frequentes em indivíduos com DTM e que o risco para este transtorno é mais elevado quando elas ocorrem simultaneamente. Neste estudo, a hipermobilidade condilar não foi avaliada.

Em estudo longitudinal, Dijkstra et al.32 também não observaram diferença clínica e funcional entre sujeitos sem e com hipermobilidade da ATM, porém estes apresentaram maior incidência de sinais radiográficos da osteartrose. Estes sinais, sem manifestações clínicas e prejuízos funcionais, podem levar a diagnósticos de DTM em estágios avançados. Isto justifica a importância da investigação precoce de DTM em indivíduos hipermóveis.

Múltiplos diagnósticos, de acordo com o RDC/TMD, estiveram presentes na maioria dos indivíduos diagnosticados com DTM, sendo que todos apresentaram dor miofascial e 91,12% algum comprometimento articular, especialmente artralgia (79.41%). Desordens discais estiveram presentes em 41% dos sujeitos. Suvinen et al.33 obtiveram resultados semelhantes, com prevalência de disfunção mista miogênica e artrogênica em 44% dos indivíduos. Entretanto, em estudos que consideraram indivíduos de maior faixa etária34,35, o diagnóstico de desordens discais foi mais frequente e existem relatos11 de que o diagnóstico de deslocamento de disco aumenta com a idade. Na comparação dos indivíduos com DTM com e sem HAG, os percentuais mostraram-se similares em relação ao diagnóstico de artralgia e de dor miofascial.

Maior percentual de dor miofascial sem limitação na abertura bucal foi observado em indivíduos com HAG (81,82%) em relação ao grupo sem HAG (58,33%), porém não foi observada diferença significativa entre eles. Hirsh et al.16 confirmaram menor risco de sujeitos com HAG desenvolverem limitação de abertura bucal. A preservação da amplitude de movimento mandibular dentro de parâmetros fisiológicos, nestes indivíduos, pode levar a uma baixa repercussão funcional e ao diagnóstico tardio.

A prevalência de desordem discal foi semelhante em ambos os grupos (31,82% e 41,67% nos grupos com e sem hipermobilidade, respectivamente). Isto está de acordo com os achados de Conti et al.4 e Saéz-Yuguero et al.17. Em seu estudo, Perrini et al.11 não observaram maior prevalência de HAG em indivíduos com deslocamento de disco bilateral. Por outro lado, outros estudos6,14 encontraram a associação da hipermobilidade com esse tipo de disfunção.

Hisch et al.16 propuseram-se a analisar se a HAG é um fator de risco para DTM em um estudo com 895 sujeitos e verificaram a associação entre HAG, aumento de amplitude de abertura mandibular e click recíproco. Estes achados foram confirmados neste estudo, exceto quanto à presença de click.

No presente estudo, a maioria dos participantes relatou presença de bruxismo concêntrico ou excêntrico que, quando associado à hipermobilidade, pode colaborar para a instalação e manutenção do quadro de DTM. Westling & Mattiasson24 afirmaram que a parafunção oral parece ter maior efeito deletério sobre indivíduos com hipermobilidade articular. De acordo com estes autores, não existem indícios de que parafunções orais levem à DTM, mas um fator sistêmico como a HAG pode desempenhar um papel importante quando o sistema mastigatório está exposto a sobrecargas como na parafunção.

Por outro lado, para Boering apud Winocur et al.5 a hiperpomibilidade por si só não afeta a ATM, a não ser que uma disfunção de movimento tal como click e travamento articular esteja presente. Assim, a parafunção associada à HAG pode ser mais lesiva à ATM, uma vez que o movimento de translação condilar ocorre sob maior pressão devido à sobrecarga articular.

Não foi verificada diferença estatística na incidência de dor crônica e na palpação muscular e articular entre os grupos. Porém, o grupo com HAG apresentou menores percentuais de dor muscular e articular de grau grave e de dor crônica graus II e III (36,36% versus 58,34% no grupo sem HAG). Estes resultados podem indicar que as manifestações clínicas nos indivíduos com HAG são menos evidentes. Winocur et al.5 não verificaram associação estatisticamente significante entre a hipermobilidade da ATM e sinais e sintomas de DTM, que incluíam amplitude mandibular, presença de clicks e sensibilidade à palpação muscular e articular.

Observaram-se elevados percentuais de depressão e sintomas físicos não específicos nos indivíduos avaliados, no entanto não foram encontradas diferenças significativas quando os indivíduos foram comparados com relação à presença de HAG.

A depressão é o estado emocional mais comumente associado à dor crônica, porém a ansiedade também pode ser associada à DTM. Indivíduos com DTM são mais ansiosos e/ou depressivos que indivíduos assintomáticos, sendo que os sintomas da DTM se iniciam durante períodos de estresse psicológico (ansiedade) e se exacerbam durante situações estressantes36-38.


CONCLUSÃO

Hipermobilidade articular generalizada apresentou elevada frequência entre os indivíduos com DTM. Pela análise geral dos resultados obtidos com os grupos estudados, conclui-se que indivíduos com DTM associada ou não à hipermobilidade articular generalizada não diferem quanto aos aspectos clínicos e psicossociais avaliados, exceto quanto à amplitude de movimento de abertura mandibular.

A possível implicação clínica deste resultado é que indivíduos com DTM associada à HAG podem manter a amplitude de movimento da ATM dentro de limites fisiológicos, mesmo na ocorrência da sua redução, o que poderia levar ao diagnóstico tardio desta disfunção.

Assim, a conscientização do paciente sobre esta condição pode evitar a ocorrência de lesões determinadas por atos ou situações que exijam abertura mandibular excessiva (bocejar, abertura ampla da boca durante a alimentação, procedimentos odontológicos prolongados), atuando de forma preventiva.


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1. Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela UFSM, Fisioterapeuta.
2. Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela UFSM, Fisioterapeuta.
3. Doutora em Biologia Buco-Dental pela FOP/UNICAMP, Profª Adjunta do Departamento de Fisioterapia e Reabilitação da UFSM e do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana da UFSM.
4. Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP, Profª Adjunta do Departamento de Fonoaudiologia e do Programa de Pós-graduação em Distúrbios da Comunicação Humana da UFSM.

Universidade Federal de Santa Maria.

Endereço para correspondência:
Fernanda Pasinato
Rua Doutor Bozano, 696, apto. 303, centro
CEP: 97015-000. Santa Maria - RS

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 27 de abril de 2010. cod. 7047
Artigo aceito em 16 de agosto de 2010.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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