ISSN 1806-9312  
Terça, 30 de Abril de 2024
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4156 - Vol. 77 / Edição 3 / Período: Maio - Junho de 2011
Seção: Artigo Original Páginas: 369 a 372
DATASUS como instrumento na elaboração de políticas públicas otológicas
Autor(es):
Henrique Fernandes de Oliveira1; André Luiz Lopes Sampaio2; Carlos Augusto Costa Pires de Oliveira3

Palavras-chave: fatores socioeconômicos, morbidade, orelha, políticas públicas de saúde.

Keywords: ear, morbidity, socioeconomic factors, health public policy.

Resumo: As doenças do ouvido são enfermidades que representam um grupo relevante de morbidade. A otite média, por exemplo, ainda hoje, é um problema de saúde pública. Objetivo: Correlacionar a morbidade hospitalar das doenças otológicas segundo dados disponibilizados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), pelo do Sistema de Informação Hospitalar(SIH) com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de cada unidade federativa. Avaliar a utilização destes dados oficiais na elaboração de políticas públicas otológicas. Material e Métodos: Os Estados brasileiros foram classificados de acordo com os respectivos valores de IDH. Foi calculado o percentual da população de cada Estado em relação à população total do país, bem como o percentual de internações hospitalares por doenças otológicas(SIH) para cada Estado em relação ao número total das mesmas. Correlacionaram-se internações hospitalares de cada unidade federativa com seus respectivos valores de IDH. Resultados: O Estado de São Paulo, terceiro maior IDH, foi responsável por 38,82% das internações hospitalares de causa otológica, apesar de sua população representar 21,64% da população nacional. Estados com menor IDH apresentaram menores taxas de internação hospitalar por doenças otológicas. Conclusão: O SIH, instrumento do DATASUS, mesmo com limitações, pode ser instrumento na elaboração de políticas públicas otológicas.

Abstract: Ear diseases are illnesses which represent a relevant group of morbidity. Otitis media, for instance, still is a public health problem today. Objective: To correlate hospital morbidity of ear diseases according to data from the Information Technology Department of the Public Health Care System -SUS (DATASUS), through the Hospital Information System (SIH) with the Human Development Index (IDH) from each unit of the federation. To assess the use of this official data in the creation of otologic public health care policies. Materials and Methods: Brazilian states were classified according to their respective IDH values. The percentage population from each state was calculated in relation to the entire population of the country, as well as the percentage of hospital admission caused by ear diseases (SIH) for each state in relation to their total number. The hospital admissions from each state were correlated with their respective IDH values. Results: The state of São Paulo, the third largest IDH was responsible for 38.82% of hospital admissions caused by ear diseases, although its population represents 21.64% of the national population. States with lower IDH had lower hospital admission rates for ear diseases. Conclusion: SIH, a DATASUS tool, even with limitations, can be an instrument used to create public policies concerning ear diseases.

INTRODUÇÃO

As doenças do ouvido são enfermidades que representam um grupo relevante de morbidade. A otite média, por exemplo, é uma das doenças mais prevalentes, constituindo-se, ainda hoje, em um problema de saúde pública de caráter mundial1. O impacto socioeconômico criado por essas patologias é grande. O processo inflamatório muitas vezes extrapola os limites do osso temporal, gerando complicações graves ou mesmo fatais. Além disso, pode cursar com perda auditiva funcional, reversível ou não.

Apesar da prevalência ainda grande, a situação já foi pior. A diminuição de doenças otológicas e, principalmente, de suas complicações encontra algumas explicações. Muito se credita tal decréscimo ao maior acesso da população em geral ao atendimento médico, bem como em um curso de tempo menor entre sintomas e sinais iniciais até o atendimento, caso se compare ao passado.

Uma política pública eficaz no sentido de se proporcionar uma melhora no trato das doenças otológicas só é possível partindo-se do conhecimento epidemiológico deste grupo de patologia.

Os dados oficiais de morbimortalidade no Brasil são disponibilizados pelo DATASUS2 - Departamento de  Informática do Sistema Único de Saúde (SUS). Contudo, muito ainda se questiona na viabilidade de usá-los como ferramenta na construção de programas de saúde pública.

Este estudo objetiva correlacionar a morbidade hospitalar das doenças otológicas nos diferentes Estados Brasileiros com o IDH3 - Índice de Desenvolvimento Humano - de cada unidade federativa. Assim, avalia-se se os dados disponíveis no DATASUS podem ser usados na elaboração de políticas públicas otológicas.


MÉTODOS

O DATASUS apresenta o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) como um de seus elementos. O SIH tem como referência o preenchimento da Autorização de Internação Hospitalar (AIH). Foi utilizado o programa TabNet do sítio eletrônico do DATASUS para a confecção das tabelas, tomando como base o número de internações devido a doenças do ouvido e da apófise mastóide (Capítulo VIII do CID-10) por cada unidade federativa. Este sistema dispõe dados de janeiro/2008 a agosto/20102, tendo sido coletado dados de todo este período. Tais dados foram usados representando as causas otológicas de internação pelo SUS.

O IDH é uma medida comparativa que possui três bases de dados: riqueza, educação e esperança média de vida. É uma maneira padronizada de avaliação e medida do bem-estar de uma população. Foi utilizada a última atribuição de valor do IDH para cada Estado brasileiro como forma de expressar as condições socioeconômicas das respectivas populações3.

A população de cada Estado foi obtida do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística4 - e o percentual que representa na população nacional foi calculado.

Os Estados foram colocados em ordem decrescente em relação aos respectivos IDHs. Foi calculado o percentual de internações hospitalares por doenças otológicas para cada Estado em relação ao número total das mesmas.

Assim, comparou-se o percentual de internação referente a cada Estado ao percentual de sua respectiva população, correlacionando-se aos referidos valores de IDH.


RESULTADOS

A Tabela 1 expressa o IDH de cada Estado Brasileiro, o qual varia de 0 a 1,0, sendo este o valor indicativo de maior nível socioeconômico.




A Tabela 2 mostra o total e o percentual de internação por patologia otológica referente a cada Estado, calculado a partir dos dados disponíveis no DATASUS.




A Tabela 3 exibe a população de cada Estado, bem como o percentual da mesma dentro da população nacional, obtido dos dados disponíveis no IBGE.




O estado de São Paulo, terceiro maior IDH, foi responsável por 38,82% das internações hospitalares de causa otológica, apesar de sua população representar 21,64% da população nacional.

O estado de Alagoas, detentor do menor IDH, foi responsável por apenas 0,38% internações hospitalares de causa otológica, sendo que sua população representa 1,65% da população nacional.


DISCUSSÃO

A busca pela etiologia e pelos fatores contribuintes de uma patologia é fundamental para que o entendimento da mesma seja possível e, assim, idealizado seu possível tratamento.

Diversos estudos foram e continuam sendo realizados tentando elucidar a influência das condições socioeconômicas no desenvolvimento das enfermidades. Vários destes concluíram que uma maior expressão da doença se relaciona a um menor nível socioeconômico5-8.

As doenças do ouvido, apesar de prevalência ainda alta em todo o mundo, sofreram diminuição nos últimos anos. Muito se atribui às melhorias sanitárias e acesso médico e farmacológico, mesmo que ainda insuficientes em vários locais. As complicações otológicas também já foram relacionadas a uma pior condição social e econômica9,10.

Uma política pública eficaz se cria conhecendo-se a epidemiologia que envolve determinada enfermidade. No Brasil, os dados do SUS são organizados pelo DATASUS, o qual possibilita informação ampla e acesso livre. Neste, encontra-se, por exemplo, a morbidade das doenças do ouvido e apófise mastoide a partir de janeiro de 20082, divididos por unidade federativa, como mostrado na Tabela 2. Tal morbidade é composta pelo registro da internação de um paciente pelo SUS, o que é feito pelo médico responsável pelo preenchimento da AIH, compondo um dos sistemas de informação que sustentam o DATASUS, particularmente o SIH.

O IDH é uma medida que foi desenvolvida em 1990 e vem sendo utilizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento para avaliar as condições socioeconômicas dos países3. É baseado nos índices de educação, na esperança de vida ao nascer e na renda per capita3.

Analisando- se os percentuais de internação hospitalar por doenças otológicas referentes a cada unidade federativa (Tabela 2) com os respectivos percentuais de população (Tabela 3), vemos que alguns Estados têm um valor maior na morbidade se comparado ao que representa na população total do país. E o inverso também ocorre em alguns casos. E, ainda, ao se relacionar tais valores com os respectivos IDHs (Tabela 1), vê-se que não há relação positiva direta entre um melhor nível socioeconômico e menor morbidade por doenças otológicas.

Essas observações contrastam com a literatura, no sentido de que melhores condições sociais e econômicas têm se relacionado diretamente com melhores valores nos indicadores de saúde.

A morbidade otológica se deve, em grande parte, à cronificação de uma doença, ou seja, na maioria das vezes, à demora no atendimento médico e/ou dificuldade de acesso ao tratamento. Assim sendo, espera-se que a morbidade por doenças do ouvido de uma população reflita, em parte, sua condição socioeconômica. Contudo, pelos dados do SIH, a relação possível é justamente a contrária.

A interpretação mais adequada destes resultados deve ser outra. A morbidade otológica medida pelo SIH reflete, na verdade, a morbidade hospitalar. Ou seja, como é baseada no preenchimento das AIHs, os dados obtidos por este sistema se referem apenas aos pacientes otológicos cujas enfermidades demandaram internação. Omitem e excluem todos aqueles que possuem doenças de ouvido, mas que não foi necessária ou não foi possível a abordagem hospitalar.

Como a maioria das internações otológicas ocorre para que os pacientes sejam submetidos a tratamento cirúrgico, os resultados deste estudo permitem, na verdade, outras conclusões. O estado de São Paulo, detentor de 21,64% da população total brasileira, realizou 38,82% das internações, ou seja, quase o dobro do que se esperaria numa divisão equânime. Isso reflete que, neste estado, o sistema público consegue tratar cirurgicamente mais seus pacientes otológicos do que a média nacional. Por outro lado, o estado de Alagoas, o qual abrange 1,65% da população, foi responsável por apenas 0,38% das internações.

Os resultados possibilitam ver que unidades federativas com baixo IDH apresentam baixas taxas de internação hospitalar e, portanto, pouco ofertam tratamento cirúrgico a seus pacientes otológicos. Se compararmos com dados epidemiológicos obtidos pela Associação Brasileira de Otorrinolaringologia, vemos que são estados com baixa frequência de médicos desta especialidade11.

A importância deste sistema de dados do SUS é indiscutível. Podem-se identificar problemas e carências, materiais e pessoais, a partir de seus dados e, portanto, tentar se propor soluções. Contudo, é sabido que existem erros, principalmente na coleta das informações. É notório que as AIHs são, em vários locais, preenchidas erroneamente, seja por desconhecimento por parte dos médicos, seja por descompromisso com a política de vigilância sanitária. A veracidade e reprodutibilidade dos dados gerados pelos sistemas de informação do SUS são fundamentais para que seus dados sejam úteis na criação de políticas públicas de saúde confiáveis.


CONCLUSÃO

Segundo os dados referentes à morbidade hospitalar (internações) devido a doenças do ouvido disponíveis pelo SIH, no período de janeiro/2008 a agosto/2010, o número de internações hospitalares é percentualmente maior em estados com melhor IDH, e menor nos de IDH inferior. Isso reflete a carência material e pessoal das unidades federativas mais pobres, as quais ofertam menos tratamento cirúrgico aos seus pacientes otológicos. Portanto, mesmo com limitações, as informações oficiais geradas por este sistema de informação do SUS podem ser instrumento na elaboração de políticas públicas otológicas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Costa SS, Dornelles CC, Netto LFS, Braga MEL. Otites médias. In: Costa SS, Cruz OLM, Oliveira JAA. Otorrinolaringologia: princípios e prática. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2006.p.254-73.

2. Ministério da Saúde. Departamento de informática do SUS. Disponível em http://www.datasus.gov.br

3. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) - 2005. Disponível em http//www.pnud.org.br.

4. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Contagem da População 2007. Disponível em http://www.ibge.gov.br.

5. Wise SK, Ghegan MD, Gorham E, Schlosser RJ. Socioeconomic factors in the diagnosis of allergic fungal rhinosinusitis. Otolaryngol Head Neck Surg.2008;138(1):38-42.

6. Ghegan MD, Wise SK, Gorham E, Schlosser RJ. Socioeconomic factors in allergic fungal rhinosinusitis with bone erosion. Am J Rhinol.2007;21(5):560-3.

7. Johnson S, McDonald JT, Corsten MJ. Socioeconomic factors in head and neck cancer. J Otolaryngol Head Neck Surg.2008;37(4):597-601.

8. Agarwal AK, Sethi A, Sethi D, Mrig S, Chopra S. Role of socioeconomic factors in deep neck abscess: A prospective study of 120 patients. Br J Oral Maxillofac Surg.2007;45(7):553-5.

9. Mostafa BE,El Fiky LM,El Sharnouby MM. Complications of suppurative otitis media: still a problem in the 21st century. J Otorhinolaryngol Relat Spec.2009;71(2):87-92.

10. Paradise JL, Rockette HE, Colborn DK, Bernard BS, Smith CG, Kurs-Lasky M, et al. Otitis media in 2253 Pittsburgh-area infants: prevalence and risk factors during the first two years of life. Pediatrics. 1997;99(3):318-33.

11. Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Censo 2009. Disponível em http://www.aborlccf.org.br.










1. Graduação em Medicina/UFMG, Médico Otorrinolaringologista Mestrando em Ciências Médicas pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Brasília.
2. Médico Otorrinolaringologista Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade de Brasília, Médico do Setor de Otorrinolaringologia e Implante Coclear da Universidade de Brasília.
3. Médico Otorrinolaringologista Doutor, Chefe do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade de Brasília.

Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília.

Endereço para correspondência:
Henrique Fernandes de Oliveira
CCSW 03 - Lote 05 - Bloco A - Apto 205 - Sudoeste
Cruzeiro DF Brasil 70680-350
Tel. (0xx61) 3045-9866 / 61-8185-6177
Email: hfdoliveira@yahoo.com.br

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 4 de julho de 2010. cod. 7189
Artigo aceito em 29 de novembro de 2010.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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