INTRODUÇÃOA síndrome da apneia obstrutiva é um distúrbio do sono muito comum, afetando cerca de 2% a 4% dos homens adultos de idade média e caracterizada pelo recorrente colapso, sono-induzido, das vias aéreas faríngeas, levando à hipoxemia e hipercapnia1. Múltiplos fatores genéticos podem, provavelmente, contribuir com a síndrome, uma vez que também são diversos os fatores componentes para o fenótipo2-5.
Alterações no controle do sistema nervoso central dos músculos das vias aéreas superiores são consideradas um importante componente da síndrome6. Dentre esses músculos, há o genioglosso, inervado por neurônios originados no núcleo hipoglosso no tronco encefálico, cujas contrações, durante a inspiração, contribuem para a efetiva ventilação pulmonar e pela manutenção da abertura das vias aéreas superiores durante a vigília e o sono7,8. Grupos de células serotoninérgicas e noradrenérgicas podem fazer padrões paralelos, estimulando diretamente as células motoras do nervo hipoglosso que regulam esses músculos dilatadores. Portanto, a ativação desses grupos celulares, aumenta a atividade do músculo genioglosso7-9.
É evidente que a serotonina (5-hidroxitriptamina, 5-HT), um neurotransmissor no sistema nervoso central, está envolvida na regulação de uma variedade de funções viscerais e fisiológicas, tais como o sono, apetite, termorregulação, percepção da dor, secreção hormonal e comportamento sexual. Anormalidades do sistema serotoninérgico têm sido implicadas em um grande número de doenças humanas, como depressão, cefaleia, epilepsia, comportamento obsessivo-compulsivo, disfunção têmporo-mandibular e distúrbios afetivos6-9.
A 5-HT também tem um importante papel na patência das vias aéreas superiores, pois excita os neurônios motores dessas vias e, também, promove uma excitação intrínseca nos neurônios motores do tronco encefálico. A atividade dos neurônios que suprem de 5-HT os neurônios motores declina com o sono, conforme a maioria dos estudos funcionais, que mostram que a 5-HT e neurônios serotoninérgicos têm um significante efeito excitatório nos neurônios motores respiratórios, ambos
in vivo e
in vitro e que os referidos neurônios, apresentam máxima atividade durante a vigília e mínima atividade durante o sono REM. O comportamento, relacionado ao sono, da 5-HT sobre os neurônios motores contribui para o colapso das vias aéreas superiores e consequente obstrução da respiração10,11.
A 5-HT atua por meio de uma grande família de receptores 5-HT e, dentre essa, há os receptores denominados 5-HT2 que compreendem três subtipos, 5-HT2A, 5-HT2B e 5-HT2C, os quais são semelhantes em termos de sua estrutura molecular, farmacologia e padrões dos sinais de transdução. Os subtipos 5-HT2A e 5-HT2C têm um importante papel na manutenção da estabilidade das vias aéreas superiores e da respiração normal, na obesidade12. O 5-HT2A, um dos subtipos de receptor da 5-HT, é predominantemente excitatório aos neurônios motores do hipoglosso e o subtipo 5-HT2C é excitatório para neurônios em várias áreas cerebrais. Embora poucas dessas respostas excitatórias tenham sido analisadas usando-se seletivos agentes dos subtipos de receptores, evidências sugerem que, em alguns desses casos, as respostas são mediadas pelos receptores 5-HT2A, enquanto outras envolvem os receptores 5-HT2C12.
A característica de todos os genes da família dos receptores 5-HT2 (denominados genes HTR2) é que eles têm dois introns (no caso dos genes
5-HTR2A e
5-HTR2B) ou três introns (gene
5-HTR2C) na sequência codificante, estando todos acoplados, positivamente, à fosfolipase C, além de mobilizar Ca
2+ intracelular12. O gene
5-HTR2A está localizado no cromossomo 13 (13q14-q21), tendo uma sequência de aminoácidos relativamente alta, idêntica ao gene
5-HTR2C, embora seja mais baixa quando comparada ao gene
5-HTR2B. O gene
5-HTR2C está localizado no cromossomo X (Xq24)12.
Uma variante funcional promotora do gene
5-HTR2A pode, diferencialmente, alterar a transcrição afetando, desse modo, o número de receptores. Polimorfismos nos genes
5-HTR2 estão associados a várias doenças, inclusive à síndrome da apneia obstrutiva do sono, por afetarem o sistema serotoninérgico, contribuindo, portanto, ainda mais para o colapso das vias aéreas durante o sono. Os efeitos excitatórios do receptor 5-HT2C são de baixa magnitude e, embora o polimorfismo do gene
5-HTR2C seja funcional, o efeito de um alelo polimórfico ativo pode não ser suficiente para que esse polimorfismo esteja associado com o índice apneia/hipopneia, devido a menor dominância desse subtipo de receptores no núcleo do hipoglosso13,14. Em compensação, foi identificado, recentemente, um polimorfismo no gene
5-HTR2A, o qual é definido pela substituição T->C na posição nucleotídica 1028, além da identificação da substituição G->A, na posição -1438 da região promotora do gene9, em pacientes com a síndrome da apneia obstrutiva do sono.
OBJETIVOInvestigar a prevalência dos polimorfismos T102C e -1438G/A no gene
5-HTR2A, com o teste da Reação em Cadeia da Polimerase/ Polimorfismo no Comprimento de Fragmentos de Restrição (
Polimerase Chain Reaction/ Restriction Fragment Lenght Polymorphism - PCR/RFLP), em amostra de pacientes com e sem a síndrome da apneia obstrutiva do sono.
MATERIAL E MÉTODODe acordo com as Normas Regulamentadoras de Pesquisa em Seres Humanos, Resolução 196/96 do Ministério da Saúde, o presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição (Parecer nº342/2006).
No período de 01/07/2008 a 30/06/20010 foi realizado um estudo de corte transversal no qual foram estudados 100 casos-índice com síndrome da apneia obstrutiva do sono (73 do gênero masculino e 27 do gênero feminino), com idade entre 23 e 70 anos e 100 pacientes do grupo-controle (40 do gênero masculino e 60 do gênero feminino), com idade entre 17 e 70 anos. Foram submetidos à completa anamnese para investigar presença de roncos, sono agitado, episódios de apneia noturna e sonolência diurna, uso de medicamentos, hipertensão arterial, estados depressivos. Os exames físicos, otorrinolaringológico e sistêmico foram realizados para se avaliar o Índice de Massa Corpórea (IMC), o diâmetro cervical, pesquisar tumores cervicais e afastar malformações craniofaciais, além dos exames das cavidades nasal e oral. Após esta avaliação clínica, os pacientes realizaram exames complementares gerais e específicos da SAOS, como a cefalometria, nasofibroscopia com manobra de Müeller e avaliação polissonográfica.
Para a seleção dos pacientes foram considerados os seguintes critérios:
Critérios de inclusão:
a) preencham os critérios A ou B, mais o C para o diagnóstico da síndrome:
A. sonolência diurna excessiva que não pode ser explicada por outros fatores.
B. dois ou mais dos seguintes critérios que não podem ser explicados por outros fatores:
respiração ofegante ("gasping") durante o sono;
despertares recorrentes do sono;
sono não-reparador; fadiga diurna;
falta de concentração.
C. monitoramento durante a noite, demonstrando mais de 5 episódios de obstrução da respiração por hora, durante o sono. Esses eventos podem incluir qualquer combinação de apneia obstrutiva/hipopneia ou esforços respiratórios relacionados com despertares.
b) ausência de qualquer outra anormalidade somática e laboratorial, após realização dos exames físico geral e complementares.
c) ausência de dismorfismo craniofacial ou alterações têmporo-mandibular, investigados pelo exame físico específico.
d) ausência de dependência de drogas, alcoolismo, transtornos depressivos, demência, investigados pela anamnese e avaliações psiquiátricas.
e) ausência de síndromes genéticas aparentes, investigadas pelo exame físico genético-clínico.
f) presença ou não de outros casos na família.
g) idade máxima de 70 anos.
h) IMC
< 35.
Critérios de exclusão:
a) Pacientes acima de 70 anos, pois a prevalência de apneia central do sono aumenta com o avançar da idade.
b) presença de distúrbios psiquiátricos.
c) alterações nas análises laboratoriais, nos exames físicos geral e específico.
d) não apresentarem os critérios mínimos para diagnóstico da síndrome.
e) IMC > 35.
Os pacientes do Grupo Controle foram selecionados com os mesmos critérios de inclusão e exclusão descritos para o Grupo com SAOS, exceto que o IAH (índice de apneia/hipopneia/hora) é de
< 5.
Foram coletados os seguintes dados: idade à época da realização da polissonografia, Índice de Massa Corpórea (IMC) e índice de apneia/hipopneia (IAH), obtido pelos registros do aparelho de polissonografia (
Stellat System QC, Harmonie TM, Canada). Os pacientes foram distribuídos nas seguintes faixas etárias: adolescência (11 a 17 anos), adulto jovem (18 a 40 anos), adulto (41 a 65 anos) e idoso (> 65 anos)15,16. Em relação ao índice da apneia/hipopneia (IAH), os pacientes foram agrupados na seguinte classificação: SAHOS leve (IAH de 5 a 15,9 eventos/hora), SAHOS moderada (IAH de 16 a 30 eventos/hora), SAHOS grave (IAH > 30 eventos/hora)17. Da mesma forma, em relação ao Índice de Massa Corpórea (IMC), os pacientes foram agrupados de acordo com a classificação da OMS: peso ideal (18,5-24,9 Kg/m
2), sobrepeso (25,0-29,9 Kg/m
2), obesidade Grau I (30,0-34,9 Kg/m
2) e obesidade Grau II (35,0-39,9 Kg/m
2)18. Foi estipulado o limite do IMC
< 35, a fim de que maiores graus de obesidade não influenciassem nos níveis de IAH.
Investigação molecularForam coletados 4,0mL de sangue total em um tubo Vacutainer
® contendo anticoagulante (EDTA), com prévia obtenção dos pacientes ou responsáveis. O DNA genômico foi extraído das amostras de sangue usando o
Illustra Blood GenomicPrep Mini Spin Kit (GE Healthcare)TM , de acordo com o protocolo do fabricante.
Para se detectar ambos os polimorfismos T102C e -1438G/A, fragmentos do DNA nuclear que abrangem a região polimórfica no gene
5-HTR2A foram amplificados pela técnica da PCR, utilizando-se o Kit de PCR -
FideliTaqTM PCR MasterMix (2X) (GE HEALTHCARE®). Para esta reação, foram utilizados dois pares de iniciadores ou "primers", que são oligonucleotídeos sintéticos. As sequências dos oligonucleotídeos dos "primers" e as condições para a reação da PCR foram de acordo com as descritas na literatura8,9.
Como produto da reação da PCR para o polimorfismo T102C, foi amplificado um fragmento de 342 pb, o qual, posteriormente, foi submetido à análise de restrição (RFLP), utilizando-se a enzima
MspI (New England Biolabs) TM, por 2hs30min a 37ºC8. A digestão do fragmento de amostras homozigotas mutantes (CC) para o polimorfismo T102C (ambos os alelos mutantes) produz dois fragmentos de 217 pb e 125 pb, devido ao reconhecimento do sítio de restrição da enzima
MspI, pela substituição das bases nitrogenadas T->C, na posição 102 do gene
5-HTR2A. As amostras heterozigotas (TC) para o polimorfismo, após a digestão enzimática, apresentam três fragmentos: de 342 pb (alelo selvagem-T), 217 e 125 pb (alelo mutante-C). As amostras sem o polimorfismo, portanto homozigotas normais (TT), têm apenas o fragmento de 342 pb, pois não há reconhecimento do sítio da enzima.
Do mesmo modo, para se detectar o polimorfismo -1438G/A, um fragmento de 469 pb obtido após a PCR foi submetido à análise de restrição (RFLP), utilizando-se a enzima
MspI (New England Biolabs)Ò, por 2hs30min a 37ºC9. A digestão do fragmento de amostras homozigotas normais (GG) para o polimorfismo -1438G/A produz dois fragmentos de 243 pb e 226 pb, devido ao reconhecimento do sítio de restrição da enzima
MspI. As amostras homozigotas mutantes (AA) para o polimorfismo têm apenas o fragmento de 469 pb, pois não há reconhecimento do sítio da enzima, pela substituição das bases nitrogenadas G->A na posição -1438 do gene
5-HTR2A e as amostras heterozigotas (GA) têm três fragmentos: de 469 pb (alelo mutante-A), 243 e 226 pb (alelo selvagem-G).
Os produtos de ambas as reações, PCR e RFLP, foram analisados por eletroforese em gel de agarose 2% em tampão TBE 1X, contendo brometo de etídio, na concentração de 0,5mg/mL, submetidos à iluminação ultravioleta, para confirmar o sucesso da reação e o gel, fotodocumentado.
Análises estatísticasOs resultados foram submetidos previamente à estatística descritiva para determinação da normalidade. Foram utilizados o teste
t bicaudal de
Student para amostras independentes com distribuição normal e o teste de
Mann-Whitney para amostras com distribuição não normal. Quando aplicáveis, foram utilizados o teste
Chis-quare para comparação entre as variáveis e o
odds ratio com intervalo de confiança de 95% (IC-95%). O nível de significância foi estabelecido em 5%. Foi realizada análise do Equilíbrio de Hardy-Weinberg para a distribuição genotípica.
Os testes estatísticos foram realizados usando o programa GraphPad InStat version 3.00, GraphPad Software Inc, San Diego California USA, www.graphpad.com.
RESULTADOSDo total de 100 pacientes com apneia (casos-índice), 73 (73%) são do gênero masculino e 27 (27%) do gênero feminino. Em relação à faixa etária, a idade variou de 23 a 70 anos para o gênero masculino (Média M-50,1 anos; DP±12,5) e para o gênero feminino a idade variou de 43 a 65 anos (M-52 anos; DP±6,0). O IMC para o gênero masculino variou de 21,2 a 35 Kg/m
2 (M-29,5 Kg/m
2; DP±3,8) e para o gênero feminino variou de 21 a 35 Kg/m
2 (M-28,6 Kg/m
2; DP±3,5). Em relação ao IAH, este variou de 5,8 a 115 (M-37,5; DP±26,3) para o gênero masculino e para o feminino variou de 5,4 a 79 (M-19,6; DP±19,3).
Dos 100 pacientes do grupo controle, 40 (40%) são do gênero masculino e 60 (60%) são do gênero feminino. A faixa etária variou de 17 a 66 anos (M-46,1 anos; DP±12,3) para o gênero masculino e de 21 a 70 anos (M-43,6 anos; DP±11,7) para o feminino. O IMC para o gênero masculino variou de 20 a 34,6 Kg/m
2 (M-26,8 Kg/ m
2; DP±3,9) e de 20 a 35 Kg/m
2 (M-27,1 Kg/m
2; DP±4,0) para o feminino. O IAH variou de 0 a 4,9 (M-2,3; DP±1,5) para o gênero masculino e de 0 a 4,9 (M-1,6; DP±1,4) para o gênero feminino.
A Tabela 1 apresenta os dados demográficos dos 100 casos-índice e 100 controles e a Tabela 2 apresenta estes dados em média ± desvio padrão.
Houve maior prevalência do gênero masculino (73%) nos casos-índice e o gênero feminino foi o predominante no grupo controle em 60% dos casos, sendo esta relação significante (
p<0,0001).
Em relação ao IMC, o grupo de pacientes com SAOS teve maior prevalência nas classificações de sobrepeso e obesidade Grau I, perfazendo o total de 82% dos casos, enquanto que o grupo controle teve a maior prevalência nas classificações de peso ideal e obesidade Grau I (73% do total), sendo esta diferença entre os grupos significante (
p=0,0081).
Ambos os grupos, casos-índice e controles, tiveram a maior prevalência da idade nas faixas de adulto jovem e adulto, perfazendo o total de 92% e 96%, respectivamente. Não houve paciente adolescente nos casos-índice. A análise estatística para esta variável mostrou significância entre os casos-índice e controles (
p<0,0001).
Conforme apresentado na Tabela 2, os casos-índice apresentaram os valores médios do IMC, da faixa etária e do IAH significativamente maiores, quando comparados aos valores médios do grupo controle.
Os resultados moleculares encontrados e as comparações entre as variáveis obtidas no estudo estão apresentadas nas Tabelas 3 a 7.
As frequências alélicas T e C para os casos-índice foram T=0,56 e C=0,44 e para os controles foram T=0,545 e C=0,455, não apresentando diferença estatística entre os grupos (
p=0,8406). As frequências alélicas G e A para os casos-índice foram G=0,345 e A=0,655 e para os controles G=0,455 e A=0,545, mostrando diferença estatística entre os grupos (
p=0,0321).
Houve diferença estatística dos genótipos do polimorfismo -1438G/A encontrados nos casos-índice em relação ao grupo controle (
p=0,0177).
As frequências genotípicas para o polimorfismo T102C não se encontram em equilíbrio de Hardy-Weinberg tanto para os casos-índice (χ
2=11,511;
p=0,00069) como para o grupo controle (χ
2=15.309;
p=0.00009). As frequências genotípicas para o polimorfismo -1438G/A não se encontram em equilíbrio de Hardy-Weinberg tanto para os casos-índice (χ
2=12.229;
p=0.00047) como para o grupo controle (χ
2=18,628;
p=0,00002).
A Tabela 4 apresenta, em
odds ratio, a relação dos genótipos encontrados no estudo entre casos-índice e controles.
Não houve diferença estatística dos genótipos TT e TC entre casos x controles, o mesmo ocorrendo para o genótipo CC, pois para estes genótipos ambos os grupos apresentaram a mesma frequência.
Apesar da alta frequência dos genótipos GG e GA em ambos os grupos, o grupo controle apresentou frequência significativamente maior em relação aos casos-índice. Mas, em relação ao genótipo AA, os casos-índice apresentaram frequência significantemente maior do mesmo em relação aos controles.
A prevalência do gênero masculino nos casos-índice em relação aos genótipos do polimorfismo -1438G/A foi significante quando comparada aos controles (
p<0,0001).
Houve associação estatisticamente significante dos genótipos do polimorfismo -1438G/A com o IMC entre 25 e 35 Kg/m
2 nos casos-índice em relação aos controles (
p<0,0182).
Não houve associação de ambos os polimorfismos estudados e a gravidade da SAOS nos casos-índice.
DISCUSSÃOO sistema serotoninérgico é um importante componente do sono e da abertura das vias aéreas durante o mesmo. Consequentemente, fatores que afetam as atividades desse sistema podem levar a distúrbios do sono e respiração. O receptor 5-HT2A é um componente essencial do sistema serotoninérgico, estando sua expressão sob controle gênico. Assim, polimorfismos de genes que codificam o receptor podem afetar o estado funcional do mesmo e, por sua vez, a atividade serotoninérgica9,12. Diante disso, o presente estudo teve como objetivos investigar a prevalência dos polimorfismos T102C e -1438G/A do gene
5-HTR2A em pacientes com e sem SAOS, pois até o momento não há trabalhos brasileiros sobre este tema, havendo somente dois estudos na literatura que relatam as frequências destes polimorfismos e a associação com a SAOS8,9, o que reforça a importância deste estudo.
Todos os indivíduos, de ambos os grupos do estudo, realizaram a polissonografia a fim de ser obtido o índice de apneia/hipopneia (IAH) que, pelo qual, foi possível o diagnóstico da presença ou não da SAOS enquadrando-os, respectivamente, em grupo com SAOS e grupo controle. Este critério foi rigorosamente seguido a fim de não se incluir pacientes, especialmente do grupo controle, com diagnóstico de exclusão de SAOS apenas por critérios clínicos, como realizado em outros estudos descritos na literatura6,8,9.
A SAOS é mais frequente em homens, encontrada em todas as faixas etárias, tornando-se mais prevalente com o avançar da idade1. Conforme a literatura, no presente estudo houve maior prevalência dos casos-índice no gênero masculino e na fase adulta, mas apenas 8% dos casos acima de 65 anos.
Em relação ao polimorfismo T102C, como o grupo controle apresentou a mesma frequência dos casos-índice para os genótipos TT/TC e CC, pode-se sugerir que não houve associação do polimorfismo T102C com o desenvolvimento da SAOS, sendo este resultado concordante com os descritos na literatura8,9. Embora o receptor 5-HT2A predominantemente contribua para a excitação da serotonina (5-HT) dentro do representativo núcleo motor das vias aéreas superiores, a falta de polimorfismos comuns ou modificações epigenéticas que alterem os níveis de RNA mensageiro do gene
5-HTR2A pode ser a razão para a ausência de associação do polimorfismo T102C com SAOS nesta população, além de ser considerado um polimorfismo silencioso e estar presente na mesma proporção no grupo controle8,9,13,14.
Mas o genótipo AA foi significantemente maior nos casos-índice, assim como os genótipos GG/GA no grupo controle, significando que, em relação ao polimorfismo -1438G/A, o genótipo AA pode estar associado com o desenvolvimento da SAOS na população do presente estudo, resultado este concordante com os da literatura8,9.Houve diferença significativa entre o gênero dos casos-índice e controles em relação aos genótipos do polimorfismo -1438G/A, o que não ocorreu com os genótipos do polimorfismo T102C. A comparação dos genótipos com o gênero foi realizada no estudo devido, conforme descrito na literatura, à maior prevalência da SAOS no gênero masculino1,6,9,19.
Não houve correlação entre o IAH, obtido pela polissonografia, e os genótipos de ambos os polimorfismos dos casos-índice, resultado este concordante com os da literatura8,9. Esta condição pode sugerir que outros mecanismos, além de polimorfismos no gene
5-HTR2A, estejam também envolvidos na fisiopatologia da SAOS. É evidente que a SAOS seja o fenótipo de um número de diferentes distúrbios, relacionados ou não, e resulte de uma complexa associação de genes e fatores modificadores e ambientais9. Essa pode ser uma explicação para a ausência da associação, estatisticamente significativa, entre ambos os polimorfismos analisados e os achados polissonográficos da amostra do presente estudo.
A variabilidade no tamanho das vias aéreas é provavelmente determinada por influências genéticas na estrutura óssea, tamanho da língua e do tecido tonsilar, assim como fatores adquiridos como a obesidade13,20-22. Embora polimorfismos do gene
5-HTR2A tenham um importante papel na atividade dos músculos dilatadores da faringe, outros fatores, tais como a característica cefalométrica e estruturas de tecidos moles podem ser determinantes na abertura das vias aéreas durante o sono8,23,24. No presente estudo, foram utilizados como critérios de inclusão a ausência de dismorfismo craniofacial ou alterações temporomandibular e IMC
< 35 Kg/m
2. Estes critérios foram rigorosamente seguidos a fim de se excluir estas variáveis e as outras descritas, que afetariam a patência das vias aéreas superiores. Diante do exposto, quando o IMC foi comparado aos genótipos de ambos os polimorfismos em relação aos casos-índice e controles, a relação do IMC entre 25 e 35 Kg/m
2 foi significativa para os genótipos do polimorfismo -1438G/A nos casos-índice, resultado este concordante com os da literatura8,9,25 por ser decorrente do maior número de casos nesta faixa do IMC e não propriamente da influência do polimorfismo.
Em decorrência disto, o polimorfismo T102C parece não estar associado a SAOS nos pacientes do estudo quando comparado ao polimorfismo -1438G/A, o qual pode ser associado com a ocorrência da SAOS, na população estudada, especialmente nos pacientes do gênero masculino e com IMC entre 25 e 35 Kg/m
2, devido à maior prevalência encontrada de pacientes nestas variáveis.
Estudos genéticos estão sendo realizados para esclarecer algumas das complexidades do sono e levar a novos enfoques para o tratamento de seus distúrbios25-27. Os genes estão, provavelmente, menos envolvidos nas mudanças de estado (
non-REM->REM) observadas eletrofisiologicamente durante o ciclo do sono; eles estão, certamente, relacionados a determinar a ritmicidade circadiana e a homeostase do sono28. Os mais comuns distúrbios do sono resultam da interação de múltiplos genes e fatores ambientais. A compreensão do impacto dos fatores genéticos permitirá a elucidação da fisiopatologia destes distúrbios e fornecerá importantes indícios para possíveis esquemas terapêuticos25-27.
CONCLUSÕESAs técnicas moleculares PCR/RFLP permitiram a identificação dos polimorfismos T102C e -1438G do gene
5-HTR2A, colaborando para a investigação molecular da SAOS. Os mecanismos serotoninérgicos podem ser relacionados à SAOS. Não há diferenças na prevalência do polimorfismo T102C entre os pacientes com SAOS e o grupo controle. Há evidências de associação entre o polimorfismo -1438G/A e a SAOS.
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1. Doutora em Ciências da Saúde, Professora Adjunta III-D do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço - FAMERP.
2. Graduação em Medicina, Residente R4 em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço.
3. Doutora em Ciências da Saúde, Chefe do Ambulatório de Sono-FAMERP/FUNFARME.
4. Doutor em Ciências da Saúde, Chefe Ambulatório de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço-FAMERP/FUNFARME.
5. Livre Docente, Professor Livre Docente do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço-FAMERP.
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP (FAMERP) - Av. Brigadeiro Faria Lima 5416 São José do Rio Preto SP 15090-000.
Endereço para correspondência:
Vânia Belintani Piatto
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto SP (FAMERP). Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço
Av. Brigadeiro Faria Lima 5416
São José do Rio Preto SP 15090-000
E-mail: vbpiatto@gmail.com
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 26 de maio de 2010. cod. 7119
Artigo aceito em 4 de outubro de 2010.
FAPESP (Processo Nº2008/01070-4).