ISSN 1806-9312  
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4152 - Vol. 77 / Edição 3 / Período: Maio - Junho de 2011
Seção: Artigo Original Páginas: 341 a 347
Epidemiologia do colesteatoma da orelha média e mastoide: estudo de 1146 casos
Autor(es):
Jose Evandro Andrade Prudente de Aquino1; Nelson Alvares Cruz Filho2; Julia Negro Prudente de Aquino3

Palavras-chave: colesteatoma, epidemiologia, orelha média.

Keywords: cholesteatoma, epidemiology, ear, middle.

Resumo: Objetivo: O colesteatoma da orelha média é uma doença relativamente comum, podendo ter sérias consequências. Fizemos um estudo retrospectivo de levantamento estatístico de 1146 cirurgias de colesteatoma da orelha média em adultos e crianças oriundas de várias classes sociais de todas as regiões do Brasil. Casuística e Método: No período de 1962 a 1988 foram realizadas 1146 cirurgias de otite média colesteatomatosa uni ou bilateral, tendo sidos avaliados os dados epidemiológicos do colesteatoma sob diversos aspectos: total de intervenções cirúrgicas, sexo, idade de início primeiro sintoma, tempo de evolução, local da perfuração, localização do colesteatoma, alterações da cadeia ossicular, a orelha contralateral, o colesteatoma bilateral, a sede dos colesteatomas residuais e suas complicações. Resultados: Mostraremos os resultados de diversos parâmetros que se seguem sob a forma de gráficos de diagrama de setores. Conclusão: Ainda somos incapazes de esclarecer a etiologia do colesteatoma. Cada dado, se epidemiológico ou estatístico, cada observação na cirurgia e cada conclusão experimental são bem-vindos para se ter mais subsídios sobre a patogenia do colesteatoma. Comparamos com os artigos internacionais publicados. Salientamos o fato de não termos encontrado nenhum trabalho publicado no Brasil a respeito somente da epidemiologia do colesteatoma.

Abstract: Middle ear cholesteatoma is an important and relatively common disorder which may have serious consequences. Aim: The purpose was to conduct a retrospective study of the statistics of 1,146 middle ear surgical procedures for middle ear cholesteatoma in adults and children of low income living in distant areas from our city. Methods: From 1962 to 1988 there were 1,146 surgeries for unilateral or bilateral cholesteatomas in children and adults, which were reviewed for the following criteria: total number of surgeries, sex, onset of the first symptoms, duration of the disease, the site of perforation, the cholesteatoma site, changes in the ossicular chain, the contralateral ear, bilateral cholesteatomas, the site of residual cholesteatoma, and complications. Results: Results are shown graphically on a pie chart. Conclusion: The etiology of cholesteatomas remains unknown. Epidemiological and statistical data, surgical reports, and conclusions of experimental studies are welcome, as they may provide support for clarifying the pathogenesis of cholesteatoma. Our results were compared with internationally published papers. We found no published papers on the epidemiology of cholesteatoma in the Brazilian literature.

INTRODUÇÃO/OBJETIVO

O colesteatoma da orelha média é um dos mais fascinantes tópicos e um dos maiores e mais complexos problemas de otologia, se estudado e analisado em profundidade em todos os seus mais variados aspectos. Tem estimulado um grande número de pesquisas e debates em todo o mundo.

É uma doença importante e relativamente comum, podendo ter sérias consequências. Para Sade et al.1, 0,5% a 30% de qualquer comunidade é acometida por otite média crônica, estimando-se acima de 20 milhões de pessoas afetadas no mundo todo. Destas, cerca de um quarto, ou seja, 5 milhões, sofre de colesteatoma. A gravidade da doença é consequência de seus efeitos; compressão e infecção. A doença causará com o tempo destruição do ouvido, levando à baixa da audição ou surdez na maioria das pessoas acometidas. Ocasionalmente a vida pode correr risco também.

Constitui uma doença muito estudada desde a antiguidade, largamente tratada e insuficientemente conhecida no que se refere aos seus mecanismos íntimos de desencadeamento. A sua denominação é controvertida. Em sua transcrição literal viria de duas palavras gregas: Chole (bilis) e steatoma (tumor gorduroso). Sua localização na orelha média o diferenciaria do tumor perolado de estrutura cristalina, que se localiza geralmente no endocrânio; e em seu lugar preferível de localização, a orelha média (ou osso temporal) é uma estrutura epidermoide com degeneração córnea, característica do colesteatoma.

Os principais fatores que contribuem para o desenvolvimento do colesteatoma, bem como para a sua frequência, são: distribuição geográfica, fatores genéticos, sexo, idade, meio ambiente, nível socioeconômico, nível de saúde, uso indevido de antibiótico por não especialistas, dentre outros.

Estudos estatísticos epidemiológicos poderão ser usados, mas eles são um tanto quanto limitados. Tem sido relatado que um a dois esquimós sofrem de otite média crônica, porém a incidência de colesteatoma é muito baixa. Na população canadense ela é alta em brancos e baixa em negros. Parece que alterações genéticas e anatomofisiológicas, juntamente com fatores geográficos ou ambientais, influenciam a incidência desta doença. Com relação ao sexo não parece ter diferença significante entre homens e mulheres. Em relação à idade, com exceção do colesteatoma congênito, a incidência é mais alta em pessoas mais velhas.

A incidência de colesteatoma na infância e adolescência parece ser influenciada pelo meio ambiente, fatores socioeconômicos e fatores relativos à saúde1. Está relacionada à otite secretora na infância, desde antes do advento dos antibióticos, embora isso durante algum tempo tenha sido negligenciado. No entanto, o nível do cuidado médico em diferentes países parece contribuir para a incidência desta condição1.

A otite aguda, a secretora e os problemas rinofaríngicos são frequentemente controlados por pediatras e médicos generalistas sem cuidados na avaliação e com o uso indiscriminado de antibióticos. Contudo, é bem sabido que estas condições levam ao desenvolvimento do colesteatoma.

Em todo o mundo, com o desenvolvimento da otorrinolaringologia pediátrica, esta doença deverá diminuir, assim como seus efeitos subsequentes na audição1.

Com a exceção dos estudos histológicos em ossos temporais, o estudo da epidemiologia do colesteatoma tem sido bastante limitado em nosso país. Não sendo uma doença de notificação obrigatória, fica difícil conhecer a incidência do colesteatoma da orelha média no Brasil.

O objetivo deste trabalho é fazer um estudo retrospectivo de um levantamento estatístico de 1146 cirurgias de colesteatoma da orelha média em adultos e crianças oriundas de todas as regiões do Brasil.


REVISÃO DA LITERATURA

A incidência do colesteatoma varia muito no mundo e também com a população estudada.

Bezold2 chama a atenção para a disfunção da tuba auditiva na etiologia da retração da membrana timpânica pelo colesteatoma, evocando a adenoidectomia como medida cirúrgica preventiva. Nager3 revisou 12.000 pacientes com supuração crônica da orelha média e encontrou colesteatoma como complicação em 1/3 dos casos. Tumarkin4 e Jain5 acreditam que os fatores econômicos levam à patogênese da otite média crônica. Essas influências socioeconômicas podem se refletir nos parâmetros epidemiológicos do colesteatoma. Sade et al.6 analisaram a prevalência do colesteatoma em relação ao grupo étnico de pacientes atendidos no hospital de Israel. A distribuição étnica de perfurações bilaterais colesteatomatosas foi significantemente diferente daqueles outros tipos de patologia aural. Em grande parte, esta diferença é devido a geogenes e não a genes que já tenham sido determinados. A incidência anual de tratamento cirúrgico para o colesteatoma foi estimada em 66 para cada 100.000 habitantes/ano. Schuknecht7 acredita que a bolsa epitelizada do colesteatoma é seca, a taxa de queratina pode acumular lentamente, por anos, sem criar complicações e, no entanto, se houver presença de infecção, o colesteatoma poderá desenvolver-se rapidamente. É concebível que, embora isto possa não contribuir para a patogênese do colesteatoma ou otite média em condições climáticas, pode predispor à frequência e severidade da infecção, acelerando o crescimento da lesão e aumentando a gravidade da doença. Harker8 encontrou uma incidência anual de 6 colesteatomas por 100.000 habitantes/ano na população de Iowa, sendo que o pico da incidência foi durante a segunda e terceira décadas de vida. Para Hatnesar9, essa prevalência é bem mais baixa nos esquimós, sugerindo que suas características anatomomorfológicas poderiam facilitar a aeração da orelha média e prevenir as sequelas das otites crônicas.

Nos EUA, segundo publicação de Ruben10, a incidência do colesteatoma é de 4,2 casos para 100.000 habitantes/ano, em um total de 18 novas otites médias crônicas com ou sem colesteatoma. Tos11 encontrou uma incidência anual do colesteatoma em torno de três crianças e de 12,6 adultos por 100.000 habitantes/ano em seu estudo de 137 colesteatomas em crianças e 603 colesteatomas em adultos, operados durante um período de 16 anos. Van Cauwenberge et al.12, em um estudo de 54 pacientes, revisaram a história dos problemas prévios dos ouvidos. O mais importante foi a otite média aguda recorrente. Efusões da orelha média podem predispor à otite média crônica, da qual o colesteatoma é uma parte da entidade otológica. Neste estudo, a prevalência do colesteatoma após a timpanotomia foi menor que 0,5%.

Manolidis et al.13 estudaram a epidemiologia do colesteatoma na Grécia no período de 1960 a 1987 e encontraram a frequência igual em pacientes de todas as classes sociais. Padgham et al.14, no período de 1966 a 1986, na Escócia, encontraram uma incidência anual de 13 colesteatomas por 100.000 habitantes/ano. Homoe & Bretlau15, na Groenlândia, no período de 1976 a 1991, encontraram colesteatoma em 35 groenlandeses Inuit em 756 operações para a otite média crônica. A incidência foi calculada em 5 casos para 100.000 habitantes/ano, ou seja, aproximadamente dois novos casos de colesteatoma/ano. Para Kempainen et al.16 e Chinski17, o colesteatoma teve a mesma incidência nos grupos sociais e tem mostrado uma queda na prevalência da doença com o uso do tubo de ventilação nos ouvidos. Nelson et al.18 divulgaram a incidência do colesteatoma em cerca de 1,4 vezes maior em homens do que em mulheres. Relataram a média de idade em crianças com colesteatoma congênito de 5,6 anos, enquanto nas crianças com a doença adquirida foi de 9,7 anos. Potsic et al.19, em seus estudos epidemiológicos, mostraram uma alta prevalência na população caucasiana, seguida de descendentes africanos. Raramente se observou a doença em asiáticos. Olszenska et al.20 demonstraram que a incidência anual do colesteatoma é de cerca de 3 para 100.000 habitantes/ano para crianças e de 9,2 para 100.000 caucasianos adultos/ano, havendo predominância na população masculina. Dornelles et al.21, em nosso meio, acompanharam 450 pacientes desde agosto de 2000 e encontraram 30% de otite média crônica colesteatomatosa (OMCC), apresentando-se bilateralmente em 12% da amostra total. Dos pacientes com OMCC, 45% tinham até 18 anos, considerados, portanto, pediátricos e adolescentes. Quanto ao gênero, encontraram 70% dos pacientes do sexo masculino.


METODOLOGIA

Fizemos um estudo retrospectivo de um levantamento estatístico de 1.146 cirurgias de colesteatomas em adultos e crianças no período de 1962 a 1988. Para realizar este estudo, selecionamos os casos de colesteatoma entre aproximadamente 5000 fichas de pacientes que se submeteram ao tratamento clínico e cirúrgico da orelha média. Nossa casuística consistiu de 1.146 casos de cirurgias de colesteatomas entre adultos e crianças e adolescentes oriundos de todas as regiões do Brasil. Fizemos um estudo de coorte longitudinal.

Todos os pacientes apresentaram suas fichas de seguimento completas, a saber: história, exame dos ouvidos sob otoscopia e/ou microscopia, nariz e garganta, óstio faríngico da tuba auditiva, cultura e antibiograma de secreção dos ouvidos, avaliação audiológica e radiológica.

Foram avaliados os dados epidemiológicos que são próprios do colesteatoma sob diversos aspectos, tais como:

1) número total de intervenções

2) sexo

3) idade de início do primeiro sintoma

4) o primeiro sintoma da doença

5) tempo de evolução

6) local da perfuração

7) localização

8) alterações da cadeia ossicular

9) o ouvido contralateral

10) o colesteatoma bilateral

11) a sede dos colesteatomas residuais



RESULTADOS

Mostraremos os resultados de diversos parâmetros que se seguem sob a forma de gráficos de diagrama de setores22 (Gráficos 1 a 11).


Gráfico 1. Total de intervenções.


Gráfico 2. Sexo.


Gráfico 3. Idade.


Gráfico 4. Idade no primeiro sintoma (adultos e crianças).


Gráfico 5. Primeiros sintomas (adultos e crianças).


Gráfico 6. Local da perfuração (adultos e crianças).


Gráfico 7. Localização (adultos e crianças).


Gráfico 8. Alterações da cadeia ossicular (adultos e crianças).


Gráfico 9. Acometimento da orelha contralateral (adultos e crianças).


Gráfico 10. Porcentagem de bilateralidade (adultos e crianças).


Gráfico 11. Sede dos colesteatomas residuais na tecnica aberta (adultos e crianças).



DISCUSSÃO

Este estudo compreendeu um total de 1.146 casos, dos quais 960 são adultos e 186 são crianças. Para fins de raciocínio, cada grupo foi considerado separadamente. No grupo de adultos havia 639 homens (66,6%) e 321 mulheres (33,4%). A idade do grupo adulto variou de 16 até 68 anos de idade, e a idade do grupo de crianças variou de 4 a 15 anos inclusive. Foram considerados adultos os pacientes maiores de 16 anos completos.

Com relação ao sexo, podemos dizer que há uma certa predominância de homens (64,7%) sobre as mulheres (35,3%), tanto para adultos quanto para crianças. Sadé et al.1 encontraram uma predominância nos homens de 55,7% e 44,3% para as mulheres.

O período de idade em que o doente procura a consulta médica quando o colesteatoma é diagnosticado é bastante controvertido em razão do baixo nível socioeconômico da nossa casuística, porém o encontramos em 45,5% de nossos pacientes adultos. Deduzimos que próximo da metade dos doentes a sintomatologia do colesteatoma se inicia antes da idade de 15 anos, o que nos leva a pensar que o período da infância é de grande importância para o aparecimento desta afecção.

Quanto ao tempo de evolução, desde o seu primeiro sintoma, varia muito de doente para doente; 30% desses doentes esperam entre 6 e 15 anos para procurar a primeira consulta, podendo ter sintomas por vários anos, sem terem sido diagnosticados. (Sadé et al.1)

Pensando nas possíveis causas deste fato, acreditamos que poderá haver dois fatores importantes que contribuem para o retardo do diagnóstico:

a) que o doente não dá frequentemente muita importância aos sintomas otológicos, salvo quando há dor, tontura e hemorragia;

b) que o colesteatoma pode ser uma afecção muito conhecida de nós, especialistas, mas que é menos conhecida dos pediatras e dos clínicos gerais.

Com relação ao primeiro sintoma do colesteatoma e o mais frequente na nossa pesquisa, a otorreia apareceu em primeiro lugar em 66,5%; em segundo lugar apareceu a associação otorreia-hipoacusia-zumbidos em 23,3% e em terceiro lugar, só hipoacusia, em 7,6%.

Sadé et al.1 encontraram 62,0% de supuração como primeiro sintoma e 11,0% de hipoacusia.

Quanto ao local de perfuração da membrana timpânica nos colesteatomas, sabemos que raramente é central, porém neste levantamento apareceu em 13,3% e na região marginal e atical apareceu em 73,6%. Sadé et al.1 encontraram nestas duas últimas regiões descritas 84,0% de suas perfurações.

Quanto à localização do colesteatoma, há todas as combinações possíveis, mas é evidente que o colesteatoma apareceu com mais frequência na região atical.

Com relação às alterações da cadeia ossicular, esta é a primeira estrutura óssea a ser danificada e nós pensamos em dois fatores que devem ser lembrados: o primeiro é que jamais vimos o estribo ser lesado de maneira isolada; o outro é que o ossículo mais constantemente danificado é a bigorna. Segundo Palomar et al.23, a bigorna estava afetada em 100% dos ouvidos onde a cadeia ossicular estava alterada.

A presença de colesteatoma na orelha média de pacientes com otite média crônica, indubitavelmente, resulta em maior morbi-mortalidade decorrente do grande poder de erosão óssea destes acúmulos epiteliais (Sadé & Halevy24). Usualmente atinge a cadeia ossicular e, menos frequentemente, os ossos do crânio, inclusive o osso mais rígido do corpo humano, a cápsula ótica, o que demonstra sua forte ação destrutiva sobre o tecido ósseo. A destruição parcial ou total dos ossículos é observada em cerca de 80% dos pacientes com colesteatoma, ao passo que na otite média crônica não colesteatomatosa há erosão da cadeia ossicular em, aproximadamente, 20% dos casos (Chole25). Os mecanismos que levam a esse aumento na degradação óssea, na presença de colesteatoma, ainda não estão esclarecidos.

Segundo Swartz26, a destruição ossicular é indiscutivelmente a mais comum dentre as complicações dos colesteatomas, sendo que o tipo de destruição depende da sua origem e do seu modo de expansão. Em sua pesquisa, a cadeia ossicular está intacta em apenas 26% dos colesteatomas aticais, sendo o processo longo da bigorna a região mais afetada, seguida pelo corpo da bigorna e a cabeça do martelo. Já os colesteatomas da parte tensa apresentam um poder de erosão de 90%.

A absorção óssea é estimulada por uma variedade de fatores, incluindo a inflamação, a pressão local e citoqueratinas específicas (Olszewska et al.20). O conceito enzimático, no qual enzimas de origem epitelial são consideradas as responsáveis pela destruição óssea, foi definido por Abramson & Huang27, que demonstraram a presença de colagenases e hidrolases no colesteatoma, hipótese posteriormente confirmada por Thompsen28 e Ferlito et al.29 sugeriram que a erosão óssea é causada pela produção de colagenase pelos componentes dos tecidos epitelial escamoso e fibroso. À hipótese de reabsorção óssea por ação bioquímica, exclusivamente exercida por enzimas colagenolíticas, foram incorporados, posteriormente, outros agentes, como o fator de necrose tumoral (TNF), as interleucinas (IL-1a) e as prostaglandinas (PGE2). (Hansen et al.30).

O mecanismo da reabsorção óssea na otite média crônica ainda não está completamente entendido. Ruedi31 e Tumarkin32 sugeriram que a reabsorção óssea seria devido à pressão exercida pelos colesteatomas sobre a superfície ossicular. Thompsen et al.33 e Sadé & Berco34 notaram que os ossículos erodidos estavam invariavelmente cercados por uma reação inflamatória e sugeriram que a inflamação fosse a causa da reabsorção ossicular. Tem sido demonstrado que o tecido de granulação adjacente aos ossículos é capaz de produzir uma variedade de enzimas e mediadores que aceleram a reabsorção ossicular; estas incluem enzimas lisossômicas, colagenases e prostaglandinas. Entretanto, a célula dominante no processo da reabsorção óssea ainda gera controvérsias. Segundo esses autores, a inflamação persistente na otite média crônica colesteatomatosa causaria um processo perpétuo de cicatrização na perimatriz do colesteatoma, com consequente aumento nos níveis de citocinas. Estas, dentre outros fatores, poderiam ser responsáveis pelo crescimento do colesteatoma e pela destruição óssea por este causada (Milewski35).

As alterações ossiculares participam do próprio conceito de otite média crônica, que são os danos teciduais inflamatórios irreversíveis. Tal comprometimento tem repercussão clínica indiscutível, já que afeta a condução sonora à orelha interna, resultando inevitavelmente em uma disacusia de condução de intensidade variável. Acredita- se que o tipo de alteração provocada pelo processo inflamatório crônico na cadeia ossicular segue um padrão que tende a ser contínuo e mais ou menos repetitivo. Isto quer dizer que a estrutura ossicular mantém-se em um frágil equilíbrio entre a sua própria resistência e os mecanismos destrutivos da inflamação crônica.

A bigorna foi o ossículo mais atingido pela afecção, seguido pelo martelo e pelo estribo, respectivamente. O fato de a bigorna ser o ossículo mais atingido talvez possa dever-se a sua massa incudal, a sua medula óssea proeminente e, principalmente, à exposição e fragilidade da longa apófise e o seu processo lenticular. Estes fatores, atuando sinergicamente, tornariam este ossículo mais vulnerável a agressões extrínsecas e a processos de osteomielite. Estes achados confirmam os de Tos36, que revisou a patologia ossicular em 1.150 orelhas com otite média crônica, apontou a sequência bigorna, estribo e martelo como a mais frequentemente acometida pelo processo inflamatório.

Hoje, acredita-se que os defeitos ossiculares sejam decorrentes de processos ativos de reabsorção óssea e não à necrose ossicular. Esta teoria pressupõe a presença e participação de células vivas nos mecanismos de desmineralização, erosão e destruição do osso (Kranc et al.37). Um osso simplesmente necrótico pode permanecer in situ por vários anos sem sofrer processos de reabsorção. Esta possibilidade é bem ilustrada pelas técnicas de reconstrução de cadeia ossicular com implantes de ossículos homólogos. Nestas situações, os ossículos mantêm-se intactos a longo prazo, viabilizando a propagação do estímulo sonoro através da orelha média.

Para Abramson38 e Deguine & Deguine39, a porcentagem de orelha contralateral afetada no colesteatoma é em torno de 50,0% dos casos.

Deguine & Deguine39 encontraram o tímpano contralateral normal em um terço de seus casos somente, e encontraram o colesteatoma em 10,0% na orelha contralateral. Aquino40 encontrou colesteatoma bilateral em 19,6% dos casos. Em 47,60% a orelha contralateral foi normal.

Para Abramson38 e Deguine & Deguine39, ele é bilateral nas crianças em mais de 10,0% dos casos, e para Sheehy et al.41 é de 8,0%.

Com relação à sede dos colesteatomas residuais nas técnicas fechadas, Aquino40 encontrou 40,0% na região atical, 36,0% no mesotímpano e 23,0% em outras localizações, o que confirma os resultados obtidos por Wayoff et al.42.


CONCLUSÃO

Baseado num levantamento de 1146 casos de cirurgias do colesteatomas, procuramos contribuir para um maior conhecimento sobre a epidemiologia dessa afecção no nosso meio, lembrando que são raras as publicações sobre esse assunto.

Desta forma, propomos esse estudo que trará dados úteis e se integrará aos futuros estudos nacionais para se conhecer a real situação do colesteatoma no nosso país.


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1. Professor Doutor.
2. Professor Doutor em ORL, Prof. Dr. Responsável pelo Setor de Otologia do Hospital Beneficência Portuguesa - SP.
3. Residente do 3º Ano em ORL pelo Cema - SP - Escola Paulista De Medicina EPM - Unifesp - Ambulatório De Otologia Do Prof. Dr. Nelson Alvares Cruz.

Endereço para correspondência:
Prof. Dr. José Evandro A. P. Aquino
Alameda Ribeirão Preto 410 apto. 1106
01331-000 Bela Vista SP
Tel. (0xx11) 8183-9729

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 19 de maio de 2010. cod. 7094
Artigo aceito em 12 de julho de 2010
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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