ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
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4136 - Vol. 77 / Edição 2 / Período: Março - Abril de 2011
Seção: Relato de Caso Páginas: 267 a 267
Associação entre cisto de ducto nasolacrimal congênito e atresia bilateral de coanas
Autor(es):
José Faibes Lubianca Neto1; Gabriel Kuhl2; Mariana Magnus Smith3; Person Antunes de Souza4; Leonardo Radünz Vieira5

Palavras-chave: atresia das coanas, ducto nasolacrimal, obstrução nasal.

Keywords: nasal obstruction, choanal atresia, nasolacrimal duct.

INTRODUÇÃO

Atresia de coanas (AC) é definida como a falha no desenvolvimento da comunicação entre cavidade nasal e rinofaringe, gerando obstrução total ao fluxo aéreo nasal1,2. Cisto de ducto nasolacrimal congênito (CDNLC) ocorre por obstrução da válvula de Hasner, localizada na porção distal do ducto. Apesar da incomum ocorrência, tais cistos devem ser incluídos no diagnóstico diferencial de obstrução nasal persistente ao nascimento3,4. A associação das duas anomalias parece ser extremamente rara, tendo sido reportado apenas um caso na literatura3.

No presente estudo, são descritos dois casos de associação entre CDNLC e AC bilateral. Embora seja um achado raro, a associação encontrada nos casos chama a atenção para necessidade de se pesquisar outras anormalidades congênitas nasais em indivíduos com AC.


RELATO DOS CASOS

Caso 1


Neonato, com 37 semanas de gestação, feminino, apresentou progressiva insuficiência respiratória imediatamente pós-parto. Manobra de progressão da sonda de aspiração através das fossas nasais foi ineficaz, levando à suspeita de AC completa. Havendo progressiva piora do estado respiratório, procedeu-se à intubação orotraqueal, estabilizando o quadro. Frente à suspeita inicial de AC, foi solicitada tomografia computadorizada(TC) de crânio e face que evidenciou AC bilateral, além de massa em meato inferior à esquerda e dilatação de saco e canalículos lacrimais ipsilaterais. Com fibroendoscopia nasal (FEN) em bloco cirúrgico, confirmou-se AC e evidenciou-se lesão cístico-azulada, em meato inferior esquerdo. Tal lesão foi marsupializada, drenando secreção de aspecto mucoide. Em seguida foi realizada abertura bilateral das coanas por técnica endonasal endoscópica (Figura 1). Paciente evoluiu bem, foi extubada com sucesso após a recuperação anestésica. Recebeu alta ventilando normalmente. Após 1 ano, mantém-se bem, sem recidivas da estenose coanal ou do cisto.


Figura 1. Abordagem transoperatória



Caso 2

Neonato feminino, com disfunção respiratória imediatamente após o nascimento. Apresentou dificuldade de progressão da sonda aspirativa em ambas as fossas nasais. Foi então intubada com estabilização do quadro. À FEN realizada na UTI, foi observada AC bilateral e imagem cística em fossa nasal esquerda. TC de face confirmou AC bilateral, com significativo espessamento posterior do vômer. Foi também avaliada pela equipe de genética que descartou outras malformações. Após dois dias realizou-se correção endoscópica da AC e marsupialização do cisto. Não houve intercorrência no período trans e pós-operatório, evoluindo com padrão ventilatório normal, sem intubação. Recebeu alta hospitalar assintomática dois dias após a cirurgia. Atualmente, a paciente encontra-se com 24 meses de vida e o exame endoscópico revela perviedade das coanas sem recidiva cística.


DISCUSSÃO

Atresia Coanal é mais comum no sexo feminino1,2, achado semelhante na nossa amostra. Podem ser uni ou bilaterais, sendo 60-70% unilaterais1,5. Ambos os casos descritos foram bilaterais, como a maioria dos pacientes que necessitam intervenção precoce. Incide em 1 a cada 5-7 mil nascimentos. O diagnóstico é idealmente estabelecido na urgência, logo após o parto, pela FEN, a qual nem sempre está disponível. Por isso, são os neonatologistas que geralmente levantam a hipótese de AC através da constatação da falha de progressão da sonda de aspiração nasal.

TC de seios paranasais e FEN são os exames de escolha1, pois estabelecem o diagnóstico e permitem a identificação do tipo de atresia. Historicamente as AC eram descritas como ósseas em 90% e membranosas em 10%. Entretanto, a literatura recente sugere que a forma mista é a mais comum (70%), presente nos dois casos aqui descritos. Tal diferenciação é importante na escolha do tratamento cirúrgico.

Existem três técnicas cirúrgicas básicas no tratamento da AC: a punção transnasal (TN), a correção via transpalatina (TP) e a técnica endonasal endoscópica (EE). A técnica EE é, atualmente, a preferida por não apresentar tão altas taxas de recidivas como a TN, nem tantas complicações como a técnica TP1,5.

Anomalias congênitas associadas podem ser encontradas em aproximadamente 50% dos casos, sendo a síndrome CHARGE (coloboma, cardiopatias, AC, retardo mental e de crescimento, anomalias genitais e de orelha) a condição mais frequentemente descrita. Malformações nasais não são descritas com frequência com a AC. Em ambos os casos relatados, os pacientes não evidenciavam anormalidades sistêmicas, entretanto apresentavam o CDNLC.

O CDNLC deve ser considerado entre as causas de obstrução nasal ao nascimento. A presença de massa azulada no canto medial do olho pode estar relacionada à dacriocistocele com extensão nasal. Entretanto, a ausência de tal massa não exclui a possibilidade de anormalidade de ducto nasolacrimal, causando obstrução nasal3. TC e FEN são exames de escolha diante de neonato com obstrução nasal de causa inaparente. Tais exames podem identificar não apenas o CDNLC, como também AC, estenoses nasais e outras anormalidades nasais4. CDNLC apresenta-se como protrusão cística a partir da região do óstio do ducto nasolacrimal, na topografia do meato inferior3,4.

A maioria dos autores sugere manejo conservador nos cistos assintomáticos (massagens e compressas quentes na face). Entretanto, em casos de obstrução nasal, ou de infecção do cisto, a canulação do ducto, ou a marsupialização via endoscópica do cisto, devem ser executadas3,4. Nos casos relatados, optou-se por marsupialização, visto que a paciente seria submetida de qualquer modo a cirurgia para correção das coanas.

Após extensa revisão de literatura, utilizando a base de dados pubmed, foi encontrado apenas um caso associando CDNLC e AC bilateral. Tal estudo apresentou paciente do sexo feminino, com diversas malformações (síndrome CHARGE)3. Os aspectos tomográficos e endoscópicos assemelhavam-se aos dos pacientes descritos neste artigo. Entretanto, esta paciente foi a óbito sete dias após o nascimento pelas graves malformações.

Em conclusão, é importante que se observe a associação entre AC e CDNLC. Embora seja um achado raro, a associação encontrada nos casos chama a atenção para necessidade de se pesquisar outras anormalidades congênitas nasais em indivíduos com AC.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Hengerer AS, Brickman TM.Choanal Atresia:Embryologic analysis and evolution of treatment. Laryngoscope.2008;118:862-6.

2. Roy S, Vivero R. Bilateral choanal atresia in a newborn. ENT-Ear,Nose and Throat Journal.2007;86:608-9.

3. Calcaterra VE, Annino DJ.Congenital nasolacrimal duct cysts with nasal obstruction.Otolaryngol Head Neck Surg.1995;113:481-4.

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5. Voegels RL, Chung D, Lessa MM, Lorenzetti FT, Goto EY, Butugan O.Bilateral congenital choanal atresia in a 13-year-old patient. Int J Pediatr Otorhinolaryngol.2002;65:53-7.










1. Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (1991), Residência Médica em Otorrinolaringologia no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (1992-1993), Mestrado (1997) e Doutorado (2000) em Medicina: Ciências Médicas pela UFRGS. Fellowship na Divisão de Otorrinolaringologia Pediátrica do Massachusetts Eye & Ear Infirmary, Harvard Medical School, Boston, EUA (1997-1998) (Professor Adjunto IV da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da UFRGS, diretor da Divisão de Otorrinolaringologia Pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Diretor Científico da Associação Gaúcha de Otorrinolaringologia, Presidente do Comitê de Otorrinolaringologia da Sociedade de Pediatria do RS e Membro do Núcleo Gerencial do Departamento de Otorrinolaringologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, além de fazer parte da diretoria da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial, nos departamentos de Relações Internacionais e de Ensino, Residência e Treinamento)
2. Graduação em Medicina pela Universidade de Coimbra (1973), graduação em Medicina pela Universidade de Caxias do Sul (1977) e residência médica pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre (1979) . Professor Auxiliar III da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Outro- Sócio Fundador da Sociedade Brasileira de Laringologia e Voz e funcionário da Sociedade Gaúcha de Otorrinolaringologia
3. Graduação em Medicina pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1994), graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2000) e residência médica pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre (2004) (Sócia Efetiva da Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia e Aluna Especial de Pós-Graduação da Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Otorrinolaringologia)
4. Graduação em Medicina pela Universidade Federal de Pelotas (2006). Médico Residente da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre
5. Graduação em Medicina pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (2009)

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 4 de outubro de 2009. cod. 6692
Artigo aceito em 1 de outubro de 2010.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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