ISSN 1806-9312  
Quarta, 30 de Outubro de 2024
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413 - Vol. 68 / Edição 3 / Período: Maio - Junho de 2002
Seção: Artigo Original Páginas: 308 a 311
Avaliação polissonográfica da síndrome da apnéia obstrutiva do sono em crianças, antes e após adenoamigdatomia
Autor(es):
Melissa A.G. Avelino(1),
Fabiana C. Pereira(1),
Daniela Carlini(2),
Gustavo A. Moreira(3),
Reginaldo Fujita(4),
Luc L.M. Weckx(5)

Palavras-chave: apnéia do sono, polissonografia, hipertrofia adenoamigdaliana

Keywords: sleep apnea, polysomnographic, adenotonsillar hypertrophy

Resumo: Introdução: Nos últimos anos a Síndrome da Apnéia/Hipopnéia Obstrutiva do Sono (SAHOS) tem despertado muito interesse por tratar-se de uma condição não totalmente estabelecida. Muitos critérios usados para definir SAHOS em adultos e crianças são diferentes entre si. Em 1995 Sabe-se que a história clínica do paciente não era suficiente para estabelecer o diagnóstico de SAHOS. Na criança a causa mais comum de SAOS é a hipertrofia adenoamigdaliana, normalmente caracterizada clinicamente pela presença de roncos noturnos, episódios de apnéia, sono agitado, respiração bucal e hipersonolência diurna4. Objetivo: Este estudo tem o intuito de comprovar de forma objetiva a melhora da SAHOS em crianças submetidas a adenoamigdalectomia. Forma de estudo: Clínico prospectivo. Material e método: Para isso, foram avaliadas 23 crianças entre 2 e 13 anos (1999-2001), com hipertrofia adenoamigdaliana, que após nasofibroscopia e polissonografia foram submetidas a cirurgia de adenoamigdalectomia. A polissonografia foi repetida após 2 meses de pós-operatório. Foi então realizado estudo estatístico dos dados obtidos na polissonografia pré- e pós-operatória. Resultado: Observamos que todos os pacientes tiveram melhora importante após adenoamigdalectomia. Duas crianças (8,69%) persistiram com SAOS leve, que anteriormente eram de grau moderado e acentuado. Conclusão: Concluímos assim que SAOS é uma indicação precisa para cirurgia de adenoamigdalectomia em crianças.

Abstract: Introduction: In the last years the Obstructive Sleep Apnea/Hypopnea Syndrome (OSAHS) has much interested because it has not been completed established. Many criteria defined for OSAS in adults and children are different. We know that patient's clinical story is not sufficient for the diagnosis of OSAHS. In childhood, the most common cause of OSAHS is adenotonsillar hypertrophy, clinically characterised by snoring, apnea episodes, restless sleep, mouth breathing and daytime somnolence. Aim: This study has the purpose of comprovating, by objective way, the OSAS improving in children who underwent adenotonsillectomy. Study design: Clinical prospective. Material and method: For that, 23 children, among 2 and 13 years old, with adenotonsillar hypertrophy, were analysed. After endoscopy and polysomnography, they were submitted to adenotonsillectomy. Results: The polysomnography was repeated 2 months after surgery. The polysomnographic findings were compared through statistic study. Conclusion: All the patients had an important improve after adenotonsillectomy. Only two children (8.69%) persisted with light OSAHS, but they had moderate and important OSAHS before. We concluded that OSAHS is a precise indication for adenotonsillectomy in children.

INTRODUÇÃO

A Síndrome da Apnéia/Hipopnéia Obstrutiva do Sono (SAHOS) tem despertado muito interesse nos últimos anos por tratar-se de uma condição não totalmente estabelecida1. Guilleminault5, em 1976, definiu apnéia como a cessação do fluxo aéreo pela boca e nariz por mais de 10 segundos e SAHOS como a presença de 30 ou mais episódios de apnéia durante 7 horas de sono noturno detectados pela polissonografia. Existem modificações nesta definição, mas basicamente são similares6,7.

Os critérios usados para definir SAHOS em adultos e crianças são diferentes4. Se avaliados pelo mesmo parâmetro pode-se não identificar sérios problemas obstrutivos na criança2. Segundo consenso da Sociedade Torácica Americana realizado em julho de 1995, os critérios polissonográficos pediátricos de normalidade são: índice de apnéia e hipopnéia (IDR) menor que 1 evento respiratório/hora, duração mínima destas apnéias ser de 2 ciclos respiratórios (aproximadamente 5 segundos), saturação de oxi-hemoglobina maior que 90%, gás carbônico ao final da expiração menor que 10% do tempo total de sono. O estudo polissonográfico permite classificar as crianças roncadoras em portadoras de ronco primário (ausência de episódios de apnéia) e de síndrome da apnéia obstrutiva do sono de grau leve, moderado e acentuado.

Apnéia associada com roncos foi descrita pela primeira vez por Broadbent8 em 1877. Mackenzie9, em 1880, descreveu a relação entre obstrução das vias aéreas superiores e hipertrofia adenoamigdaliana. Apenas em 1960 despertou-se realmente o interesse nestas crianças devido à associação com cor pulmonale10,11,12,13.

Na criança a causa mais comum de SAHOS é a hipertrofia adenoamigdaliana, normalmente caracterizada pela presença de roncos noturnos, episódios de apnéia, sono agitado, respiração bucal e hipersonolência diurna4,6,14,15,16. A história clínica, infelizmente, é limitada para o diagnóstico devido a pobres informações disponíveis e a freqüência de sintomas em crianças normais3,16,17,18. Em estudo realizado em nosso serviço, no prelo, observamos que muitas crianças com hipertrofia adenoamigdaliana obstrutiva e história clínica sugestiva de SAHOS não apresentavam apnéia pela polissonografia, enquanto outras com hipertrofia adenoamigdaliana não-obstrutiva apresentaram alterações na polissonografia. A presença de sintomas em crianças com SAOS e nas roncadoras primárias são similares. Assim, até o momento não é possível determinar quando a adenoamigdalectomia pode beneficiar na SAHOS leve e nas crianças "normais e sintomáticas"4. A SAHOS é uma indicação precisa para cirurgia de adenoamigdalectomia em crianças, pois comprovadamente melhora a obstrução das vias aéreas superiores19,20,21,22,23.

Há várias outras causas de obstrução das vias aéreas superiores e conseqüentemente de SAHOS como obstrução nasal, micrognatia, desordens laríngeas, anomalias crânio-faciais, e problemas neuro-musculares14.

O presente estudo tem o intuito de registrar de forma objetiva, utilizando-se do estudo polissonográfico, o diagnóstico de SAHOS em crianças portadoras de hipertrofia adenoamigdaliana, e a melhora após adenoamigdalectomia.

MATERIAL E METÓDO

Foram avaliadas 23 crianças entre 2 e 13 anos, no ambulatório de otorrinopediatria (1999-2001), que apresentavam história de obstrução nasal, respiração bucal, roncos noturnos acompanhados de episódios de apnéia e hipertrofia adenoamigdaliana ao exame físico. Estas crianças foram submetidas a nasofibroscopia através de fibra ótica flexível de 3.2 de diâmetro para avaliação do tamanho da adenóide e amígdala. Realizou-se então a polissonografia: nos pacientes foram avaliados parâmetros eletrofisiológicos e cardio-respiratórios, registrados em sistema computadorizado®eletroencefalograma, eletromiograma submentoniano e tibial, eletrooculograma direito e esquerdo, fluxo de ar oronasal, movimento de tórax e abdômen, microfone (ronco), saturação da oxi-hemoglobina (SaO2) e posição no leito. Para análise de resultados foram utilizados: o Índice Distúrbios Respiratórios (IDR-n° de eventos apnéia-hipopnéia/hora), a média de SaO2 durante o sono REM e NREM, a retenção de CO2 e a dessaturação mínima de oxi-hemoglobina (Nadir da SaO2).

Excluíram-se crianças sindrômicas, com malformações crânio-faciais, alterações laríngeas ou outras doenças sistêmicas.

As crianças incluídas no estudo foram então submetidas a adenoamigdalectomia, e avaliadas após 60 dias de pós-operatório, através da polissonografia e nasofibroscopia. Utilizamos então o IDR e o Nadir de O2 do pré- e pós-operatório destas crianças para avaliação estatística (método de Wilks), e comprovação da melhora após cirurgia.

RESULTADOS

Todas as 23 crianças estudadas apresentaram melhora importante da obstrução das vias aéreas superiores após adenoamigdalectomia, comprovado através de estudo polissonográfico. Avaliou-se o IDR (n° de eventos apnéia-hipopnéia/hora), a saturação de O2 durante o sono REM e NREM, a retenção de CO2 e Nadir da SaO2. Destas 8,69% (2 crianças) persistiram com SAHOS de grau leve mesmo após a cirurgia, mas com melhora importante quando comparado com a polissonografia pré-operatória. Quatro crianças (17,39%) com história sugestiva de SAHOS não apresentaram SAHOS à polissonografia, apenas ronco primário (Tabela 1). Através de cálculo da média do IDR no pré- e pós-operatório, com valores de 7,46 ev/hora e 0,64 ev/hora, respectivamente; utilizou-se o método estatístico de Wilks e o resultado foi um p de 0,0009 (p significativo< 0,05).O Nadir médio no pré-operatório era de 80,35 e no pós-operatório foi de 92,48, e usando o mesmo método estatístico o resultado foi um p de 0,002 (p significativo<0,05).

Tabela 1. Distribuição dos casos segundo parâmetro.


DISCUSSÃO

Nas crianças com obstrução das vias aéreas superiores, o estudo polissonográfico pode contribuir para um diagnóstico mais preciso e tratamento específico19,21. O uso de rotina da polissonografia em todas as crianças com suspeita de SAHOS que apresentam amígdalas e/ou adenóides grandes é questionado4. Muitos autores sugerem o uso da polissonografia principalmente nos casos que geram dúvidas. Aproximadamente 10% das crianças roncam durante o sono na maior parte da noite, sendo que estas na maioria das vezes apresentam ronco primário, que é definido como roncos durante o sono sem episódios de apnéia, hipoventilação ou hipóxia. Ali et al.24 (1993) observaram que 50% das crianças que apresentavam roncos aos 4 anos, referidos pelos pais, tiveram melhora sem nenhum tratamento após 2 anos de seguimento. Em contrapartida, cerca de 40% destas crianças com história de ronco noturno podem apresentar SAHOS17,18. Segundo Gilason et al.5, a SAOS ocorre em aproximadamente 3% das crianças.

O resultado deste estudo demonstra que o tratamento cirúrgico da SAHOS é eficaz, como já relatado por outros autores na literatura22,25,26,27, dado este comprovado em nosso estudo através do estudo estatístico dos dados da polissonografia pré- e pós-operatória em 23 crianças. Devido à grande quantidade de dados obtidos no estudo polissonográfico, não foi possível, estatisticamente, a comparação entre o resultado final da polissonografia. Optamos, portanto, pela utilização de dois parâmetros de extrema importância, o IDR e o Nadir de O2. Realizou-se então o estudo comparativo do IDR e do Nadir de O2, que embora não sejam os únicos parâmetros estudados na polissonografia, tiveram resultados considerados com fortes evidências estatísticas de melhora entre pré- e pós-operatório.

A SAHOS pode persistir mesmo após adenoamigdalectomia, mas estes episódios normalmente representam uma apnéia central e são bem menos freqüentes em número2, dado também comprovado em nosso estudo, onde 2 crianças (8,69%), mesmo após cirurgia, permaneceram com SAHOS de grau leve, que anteriormente eram de grau moderado e acentuado.

Observamos, como já citado por Weissbluth16, que em 4 crianças (17,39% dos casos) embora se apresentassem com história clínica de apnéia obstrutiva do sono, na polissonografia constatou-se ronco primário. Mesmo nestas crianças houve melhora após a cirurgia do padrão polissonográfico.
A melhora sintomática da SAHOS com adenoamigdalectomia já foi documentada por alguns autores (Brouillete et al., 1982 (n°de crianças, n 14); Butt et al., 1985 (n 20); Eliaschar et al., 1980 (n 9); Frank et al., 1983 (n 14)4,25,19,21).

Apesar de existirem vários trabalhos que comprovem a melhora da SAHOS após a adenoamigdalectomia, todos são baseados em critérios clínicos sintomáticos1,15,16,27, e não foram utilizados critérios objetivos para comprovação da melhora.

CONCLUSÃO

Em nosso estudo concluímos que a melhora da SAHOS em crianças com hipertrofia adenoamigdaliana após cirurgia de adenoamigdalectomia é muito significativa e importante, comprovado de forma objetiva, não utilizando-se apenas de parâmetros subjetivos (melhora sintomática).

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1 Especializandas da Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica da UNIFESP - EPM.
2 Pós-graduanda da Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica da UNIFESP - EPM.
3 Pós-graduando da Disciplina de Psicobiologia da UNIFESP - EPM.
4 Chefe de Clínica da Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica da UNIFESP - EPM.
5 Chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica da UNIFESP - EPM.

Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica da UNIFESP - EPM

Endereço para correspondência: Rua dos Otonis, 674/684 - Vila Clementino - São Paulo - SP - Tel (0xx11) 5539.7723

Artigo recebido em 30 de outubro de 2001. Artigo aceito em 07 de março de 2002.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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