ISSN 1806-9312  
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4115 - Vol. 77 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 2011
Seção: Relato de Caso Páginas: 135 a 135
Alterações audiológicas na doença de Charcot-Marie-Tooth
Autor(es):
Erika Fukushima1; Patricia Maria Sens2; Ernani Lambert3

Palavras-chave: doença de charcot-marie-tooth, perda auditiva, polineuropatias.

Keywords: charcot-marie-tooth disease, hearing loss, polyneuropathies.

INTRODUÇÃO

A doença de Charcot-Marie-Tooth (CMT) faz parte de um grupo de polineuropatias heterogêneas tanto clínica como geneticamente. Sua prevalência é de 1:2.500 e é caracterizada pela degeneração dos nervos periféricos, resultando em atrofia muscular distal, perda da sensibilidade e deformidade das mãos e pés, com comprometimento dos reflexos profundos1,2. Herança autossômica dominante é a mais encontrada3.

Sua associação com surdez é considerada clinicamente distinta, propondo uma expressão anormal e alteração da estrutura do gene PMP221.


OBJETIVO

Descrever o caso de um indivíduo com doença de Charcot-Marie-Tooth, destacando sua importância no diagnóstico diferencial de alterações audiológicas.


APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO

Indivíduo do sexo feminino, 42 anos, referia dificuldade para compreender a fala, principalmente em ambientes ruidosos há 2 anos. Em 1992, devido a um quadro de dor associado à ausência de reflexos profundos em membros inferiores, e por apresentar joelhos valgos, foi solicitada eletromiografia que evidenciou polineuropatia periférica mista (sensitivo-motora), desmielinizante e axonal, crônica, acentuada nos quatro membros, compatível com a doença de Charcot-Marie-Tooth tipo 1.

Evoluiu com piora da dor atingindo membros superiores e ombro direito, hipoestesia, parestesia e fraqueza dos membros inferiores.

Exame físico otorrinolaringológico normal. Limiares auditivos dentro dos padrões de normalidade. Medidas de imitância acústica demonstraram timpanogramas tipo "A", com reflexos acústicos ipsilaterais e contralaterais ausentes bilateralmente. Nos PEATE (potencial evocado auditivo de tronco encefálico) ausência de respostas bilateralmente. Emissões otoacústicas alterada. Avaliação do processamento auditivo mostrou distúrbio do tipo decodificação e déficit não verbal.

Os estudos realizados nas amostras de DNA da paciente e seus pais, pelos métodos PCR e Southern blot, não identificaram a presença de duplicação ou mutação do gene PMP22 do cromossomo 17 (responsável pela maioria dos casos de CMT tipo 1), porém esses estudos não excluem a possibilidade de se tratar de outra forma de CMT.


DISCUSSÃO

Musiek et al.2 relataram caso semelhante ao descrito, cuja única queixa era dificuldade de entender a fala, mostrando nos resultados dos seus exames alterações semelhante às nossas, sugerindo que a associação entre deficiência auditiva e doença de CMT seja rara. Porém, encontramos relatos na literatura de famílias com o diagnóstico de CMT, cujos membros apresentaram alterações auditivas, sendo inclusive recomendado aos médicos considerar testes auditivos para indivíduos com CMT3,4. Nessas famílias a perda auditiva ocorria mais precocemente em cada geração.

Não há na literatura uma característica única para as perdas auditivas da doença de CMT. Kovach et al.4 descreveram perda sensorioneural nos membros de uma família, que variou de normal a perdas profundas. Já Papadakis et al.3 descreveram caso de surdez súbita com perda sensorioneural profunda bilateral relacionada a CMT.

Assim como apresentado pela nossa paciente, vários autores relataram anormalidade do reflexo acústico e também nos PEATE, onde observaram aumento da latência das ondas ou ausência delas4-6.

Semelhante ao caso relatado, Kovach et al.1 encontraram na família estudada alteração nos exames dos PEATE e emissões otoacústicas, sugerindo, portanto, que existem diferenças audiológicas entre as famílias com CMT e disacusia. Porém, o mecanismo de envolvimento coclear ainda não está definido. Já Starr et al.6 relatam 8 indivíduos com CMT que apresentaram PEATE ausentes e emissões otoacústicas normais, caracterizando como neuropatia auditiva5.

Considerando que o caso relatado apresentou alterações nas emissões otoacústicas não se pode defini-lo como uma neuropatia auditiva, mas possivelmente as alterações dos PEATE e emissões otoacústicas sejam devido a uma desmielinização da via auditiva decorrente da doença CMT.


COMENTÁRIOS FINAIS

A doença CMT é importante no diagnóstico diferencial de perdas auditivas sensorioneurais, particularmente se existe a suspeita de surdez hereditária. Especialistas devem estar conscientes quanto à possibilidade da relação entre disfunção auditiva e doença de CMT, o que pode contribuir para o tratamento clínico do paciente.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Kovach MJ, Campbell KCM, Herman K, Waggoner B, Gelber D, et al. Antecipation in a unique family Charcot-Marie-Tooth Syndrome and deafness: delineation of clinical features and review of the literature. Am J Med Genet.2002;108(4):295-303.

2. Musiek FE, Weider DJ, Mueller RJ. Audiologic findings in Charcot-Marie-Tooth disease. Arch Otolaryngol.1982;108(9):595-9.

3. Papadakis CE, Hajiioannou JK, Kyrmizakis DE, Bizakis JG. Bilateral sudden sensorioneural hearing loss caused by Charcot-Marie-Tooth disease. J Laryngol Otol.2003;117(5):399-401.

4. Kovach MJ, Lin J, Boyadjiev S, Campbell K, Mazzeo L. A unique point mutation in the PMP22 gene is associated with Charcot-Marie-Tooth disease and deafness. Am J Hum Genet.1999;64(6):1580-93.

5. Raglan E, Prasher DK, Trinder E, Rudge P. Auditory function in hereditary motor and sensory neuropathy (Charcot-Marie-Tooth disease). Acta Otolaryngol.1987;103:50-5.

6. Starr A, Picton TW, Sininger Y, Hood LJ, Berlin CI. Auditory neuropathy. Brain.1996;119:741-53.










1. Mestre em Medicina pela FCMSCSP, Médica assistente do serviço de otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Municipal.
2. Doutoranda, médica.
3. Otorrinolaringologista, médico consultório particular.

Hospital do Servidor Público Municipal.

Endereço para correspondência:
Av. Paes de Barros 828 apto. 9
Mooca São Paulo SP 03114000

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 7 de dezembro de 2009. cod. 6824
Artigo aceito em 14 de janeiro de 2010.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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