ISSN 1806-9312  
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4105 - Vol. 77 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 2011
Seção: Artigo Original Páginas: 84 a 87
O padrão facial é fator predisponente para otite média com efusão em crianças?
Autor(es):
Cláudio de Góis Nery1; Fernando Stefanato Buranello2; Cícero Pereira3; Renata Cantisani Di Francesco4

Palavras-chave: otite média com derrame, tuba auditiva, ventilação da orelha média.

Keywords: otitis media with effusion, eustachian tube, middle ear ventilation.

Resumo: Anormalidades na morfologia craniofacial são associadas à disfunção da tuba auditiva e a otite média com efusão (OME). Objetivo: Avaliar a relação entre o padrão facial, direção do crescimento craniofacial e OME em crianças com tonsilas faríngea e palatinas aumentadas (TFPA). Casuística e Métodos: Estudo clínico prospectivo em 79 crianças (41 meninos e 38 meninas), com idades de 4 a 10 anos, com TFPA (níveis III e IV de Brodsky). O grupo de estudo foi composto por 40 crianças com OME, enquanto que o grupo controle foi composto por 39 crianças sem OME. Foi realizada análise cefalométrica. Resultados: Não houve correlação entre o padrão facial e a OMS (c 2 = 0,25 p = 0,88). O grupo com OME apresentou Eixo Facial maior (F(1,75) = 3,68 p = 0,05), e uma Altura Facial Inferior menor (F(1, 75) = 3,99 p = 0,05) quando comparados ao grupo controle. Conclusões: Não houve correlação entre o padrão facial e a OME em crianças com TFPA, ainda que um padrão facial mais horizontal associado à altura facial inferior diminuída foi consistentemente observada. Isto sugere que um posicionamento anormal do tuba auditiva influencia o desenvolvimento da OME em crianças com TFPA.

Abstract: Abnormalities in craniofacial morphology are associated with Eustachian tube dysfunction and otitis media with effusion (OME). Aim: to evaluate the relationship between facial pattern and craniofacial growth direction, and OME in children with enlarged tonsils and adenoids (ETA). Methods: Clinical prospective survey in 79 children (41 male and 38 female), ranging from 4 to 10 years of age, with tonsil and adenoid enlargement (Brodsky's grades III and IV). Forty children presented with OME (study group) and 39 did not (control group). Cephalometric analysis was used to determine the facial pattern. Results: There was no correlation observed between facial pattern and OME (c 2 = 0.25 p = 0.88). Facial Axis was larger in the OME group (F(1.75) = 3.68 p = 0.05) and the Lower Anterior Facial height was smaller (F(1. 75) = 3.99 p = 0.05) in children with otitis media with effusion. Conclusions: There was no correlation between OME and facial pattern in children with ETA although a more horizontal facial growth direction, and a smaller lower anterior facial height was observed consistently among subjects in this group. This suggests that abnormal positioning of the eustachian tube influences the development of OME in children with ETA.

INTRODUÇÃO

Anormalidades na morfologia craniofacial são associadas à disfunção da tuba auditiva e a otite média com efusão (OME)1. Pautow relatou que a morfologia da tuba auditiva está relacionada com a forma da cabeça2. Indivíduos adultos braquifaciais tendem a apresentar tubas mais estreitas, e consecutivamente mais otite. Estes resultados corroboram com a afirmação de outros autores que relataram ser a otite média comum em pacientes braquifaciais3,4.

Uma das condições mais frequentes associadas à OME é a presença das tonsilas faríngea e palatinas aumentadas5.

Entretanto, não são todas as crianças em idade pré-escolar que apresentam tonsilas faríngeas e palatinas aumentadas que desenvolvem OME6.

Com base nestas afirmações, é possível propor a hipótese de que o formato da cabeça seria um fator predisponente à OME.

O objetivo deste estudo foi determinar se existem associações entre o padrão facial e a OME em crianças com tonsilas faríngea e palatinas aumentadas.

Amostra

Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa - CAPPesq da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em sessão de 08.12.04, com Protocolo de Pesquisa no 738/04.

Neste estudo clínico prospectivo de desenho caso-controle, a amostra consistiu de 79 crianças (41 meninos e 38 meninas), com idades de 4 a 10 anos, em tratamento no departamento de Otorrinolaringologia da Escola de Medicina da Universidade de São Paulo.

Todos os pacientes apresentavam obstrução crônica das vias aéreas superiores devido ao aumento de tonsilas faríngea e palatinas. Foram selecionados de forma aleatória, na lista de espera para adenotonsilectomia, 40 pacientes com OME e indicação de inserção de tubos de ventilação (grupo de estudo) e 39 indivíduos sem esta indicação (grupo controle). Todos os indivíduos apresentavam no mínimo 80% de obstrução nasofaríngea devido a aumento de tonsila faríngea, determinada pela avaliação da telerradiografia de norma lateral. Foram incluídos apenas os pacientes com aumento das tonsilas palatinas de graus III - IV, da classificação de Brodsky7.

O grupo de estudo foi composto por 40 indivíduos que apresentavam OME por mais de 3 meses, com intervalo aéreo-ósseo de, no mínimo, 20 dB, ausência de reflexo estapediano e timpanometria plana (tipo B). Trinta e nove indivíduos, selecionados para o grupo controle, não apresentaram OME diagnosticada durante exame físico (otoscopia) e confirmada por audiometria e timpanometria normais. A lista de espera nesta instituição para adenotonsilectomia, com ou sem tubo de ventilação, varia entre 8 a 10 meses. Em geral, as indicações dos tubos para timpanostomia neste departamento seguem as diretrizes da Academia Americana de Otorrinolaringologia para a colocação de tubos de ventilação. A recomendação de colocação de tubo é um indicador válido da disfunção da tuba auditiva. Os critérios de exclusão foram: história pessoal ou familiar de fenda palatina, síndrome ou outra anormalidade craniofacial; condições médicas crônicas; cirurgia prévia oral, nasal, faríngea ou craniofacial; e tratamento ortodôntico prévio ou atual. Pacientes sindrômicos ou com distúrbios neurológicos foram excluídos.


MÉTODO

Todos os indivíduos foram submetidos a anamnese otorrinolaringológica, exame físico e telerradiografia de perfil. As radiografias foram tomadas de cada indivíduo posicionado no cefalostato com a mandíbula em oclusão cêntrica e com os lábios em repouso. Todas as radiografias foram digitalizadas e os pontos cefalométricos identificados (Tabela 1). O programa Radiocef 2003, 5ª edição, foi empregado para a elaboração da análise. A análise cefalométrica foi constituída exclusivamente de medidas angulares utilizadas na determinação da tipologia facial de acordo com Ricketts et al.8. O índice VERT (coeficiente de crescimento vertical) é determinado por meio de uma média aritmética das diferenças entre os ângulos e seus valores de normalidade8. Cinco fatores são empregados na determinação do índice VERT: (1) eixo facial (EF), (2) profundidade facial (PF), (3) ângulo do plano mandibular (PM), (4) altura facial inferior (AFI), e (5) arco mandibular (AM) (Figura 1). Após a aquisição dos dados cefalométricos, cada fator foi comparado ao seu respectivo desvio padrão, a esta diferença foi aferido um sinal positivo ou negativo para indicar sentido se para dólico ou braquicefálico. Cada valor foi dividido por seu respectivo desvio padrão, os resultados dos cinco fatores são submetidos à média simples e o resultado determina o índice VERT, que será comparado com valores de referência (Tabela 1) para determinar o padrão facial.




Figura 1. Análise Cefalométrica.



As análises estatísticas descritivas (média ± desvio padrão) foram calculadas dos valores observados para cada fator. A diferença média para grupos independentes foi calculada utilizando-se o teste t de "Student", os valores de p<0,05 foram considerados estatisticamente significativos. Correlações entre as variáveis foram realizadas por meio do teste qui-quadrado e de Pearson.

Os dados foram analisados utilizando-se o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS para Windows 12.0; SPSS Inc. Chicago, Illinois, USA).


RESULTADOS

Não houve relação entre o padrão facial e otite média com efusão (Tabela 2). Baseado nas medidas angulares observou-se que a medida Eixo Facial que determina a direção do crescimento mandibular foi significantemente maior, e a medida Altura Facial Inferior foi significantemente menor no grupo com OME (Tabela 3), quando comparados ao grupo controle.






DISCUSSÃO

Sabe-se que a OME é mais comum em crianças, devido às características da tuba auditiva. Durante este estágio da vida, a tuba é descrita como sendo mais horizontal, em relação à base do crânio, e estreita, em diâmetro, do que na fase adulta9.

Mais da metade dos indivíduos neste estudo, incluindo o grupo controle, apresentara tipologia dolicofacial. Em outros estudos brasileiros, a tipologia dolicofacial também foi predominante4,10. A correlação entre os tipos faciais e a OME não foi observada nesta investigação. A despeito da prevalência de indivíduos dolicofaciais neste estudo, houve uma leve predominância do padrão braquifacial no grupo com otite, quando comparado ao grupo controle. Este achado é apoiado por outros autores, que também afirmaram uma maior incidência da otite média no padrão braquifacial3,4,11. Outros estudos encontraram resultados diferentes12,13, com padrão facial vertical (dolicofacial) observado em indivíduos com disfunção da tuba auditiva. Entretanto, nestes estudos, o aumento de tonsilas faríngea e palatinas não foi determinado e isto pode ter influenciado os resultados, assim como a amostra propriamente. Obstrução faríngea e consequente respiração oral resultam em um crescimento mais vertical da face em indivíduos geneticamente predispostos6,14.

O padrão facial é definido geneticamente, porque depende da forma da base craniana. Neste estudo, a amostra foi composta totalmente por indivíduos com aumento de tonsilas faríngea e palatinas com o propósito de se manter consistência entre os indivíduos. A medida angular Eixo Facial foi maior, enquanto que a medida Altura Facial Inferior foi menor no grupo com OME, quando comparados ao grupo controle. O eixo facial descreve a posição da mandíbula e, consequentemente, a direção de desenvolvimento da face. Sabe-se que a face se desenvolve para frente e para baixo9, corroborando com os achados de nosso trabalho anterior1. Valores maiores do Eixo Facial são relacionados a faces menores. Similarmente, uma altura facial inferior diminuída também resulta em um padrão de crescimento da face mais horizontal. A porção cartilaginosa da tuba auditiva é localizada na fissura petro-escamosa do osso temporal, situado próximo aos ossos occipital e esfenoide15 ,16. Estes ossos fazem parte da base craniana e sua proximidade ao osso temporal explica a relação entre a forma da cabeça e a tuba auditiva. A base craniana é um fator chave para o crescimento e desenvolvimento das estruturas faciais e sua morfologia pode influenciar estruturas adjacentes. Isto é conhecido como a Teoria da Contraparte, onde a base craniana determina o tamanho da maxila e mandibula15. A tuba auditiva se estende da base craniana (porção óssea) até a faringe e seu crescimento está associado ao desenvolvimento da base craniana e do complexo nasomaxilar17.

Os músculos paratubáreos (tensor e elevador do véu palatino) se estendem da base craniana até o palato duro e porção cartilaginosa da tuba auditiva, na parede faríngea. A inserção do tensor do véu palatino é mais superior e distal ao lúmen em adultos do que em crianças18. Shibahara e Sando (1988) relataram que a inserção angular destes músculos pode alterar o vetor de tração na abertura da tuba e ainda contribuir para a sua disfunção, predispondo à otite média19.


CONCLUSÃO

Com base nos dados apresentados, pode-se concluir que não existe correlação entre a OME e o padrão facial em crianças com tonsilas faríngea e palatinas aumentadas, apesar de uma leve predominância ao padrão braquifacial no grupo com otite. As crianças com OME apresentaram um padrão facial mais horizontal, com uma altura facial inferior reduzida. Estes achados sugerem que em adição ao aumento das tonsilas faríngea e palatinas, a disfunção da tuba auditiva também está associada à morfologia craniofacial. Qualquer alteração na direção do crescimento craniofacial pode levar à redução da função da tuba auditiva.


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1. Doutor em Ciências, Professor Assistente do Departamento de Ortodontia da UFG.
2. Mestrado, Professor Coordenador do Curso de Especialização em Ortodontia.
3. Doutor em Psicologia Social Experimental, Consultor em Epidemiologia e Estatística da UFG.
4. Doutora em Medicina, Professora do Departamento de Otorrinolaringologia da Escola de Medicina da Universidade de São Paulo FMUSP.

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 21 de fevereiro de 2010. cod. 6938
Artigo aceito em 20 de julho de 2010
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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