INTRODUÇÃOA síndrome do respirador oral é muito frequente na infância, e se caracteriza por cansaço, sonolência diurna, adinamia, baixo apetite, enurese noturna e até déficit de aprendizado e atenção, decorrentes de obstruções da via aérea superior1. As deformidades dentofaciais são consequências bastante frequentes2.
A respiração oral também é considerada um fator de risco para cáries e doenças periodontais3,4. Seus mecanismos exatos não são totalmente conhecidos, no entanto a desidratação da superfície gengival, a reduzida resistência epitelial à formação da placa bacteriana e a ausência da autolimpeza salivar são causas prováveis5. Este elevado risco à cárie dentária e a gengivite6 é potencializado quando associado ao uso de aparelhos ortodônticos.
Apesar de alguns autores admitirem a melhora nas condições de saúde bucal nas últimas décadas7,8, a cárie dentária ainda é considerada um sério problema de saúde pública, tanto no Brasil9 como na maior parte do mundo10,11. Assim, têm sido realizados trabalhos científicos sobre a calibração da descalcificação do esmalte dentário12-14 com adoção de critérios de diagnóstico diferenciados pela Organização Mundial da Saúde, com o exame das lesões em estágios iniciais, os quais apresentam resultados confiáveis e acurados em seu registro. Entretanto, na literatura há escassez de estudos que considerem o potencial cariogênico de indivíduos de alto risco, tais como os respiradores orais, com o uso de aparelhos ortodônticos/ortopédicos fixos, já que estas variáveis podem influenciar na ocorrência e na severidade da cárie e da doença periodontal. Destacamos a importância da abordagem multidisciplinar para o tratamento eficiente destes pacientes.
Desta forma, objetivo deste estudo clínico experimental, prospectivo e transversal foi avaliar quantitativamente o grau de mineralização do esmalte dentário e a microbiota cariogênica bucal de respiradores orais que utilizaram disjuntores maxilares fixos.
Material e MétodoO projeto deste estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da entidade em que foi desenvolvido.
1. Amostra: 20 pacientes de ambos os gêneros, idades variáveis entre 09 e 13 anos, respiradores orais com pelo menos uma das seguintes alterações respiratórias: rinite alérgica, hiperplasia adenoideana, hiperplasia de tonsilas palatinas ou desvio de septo nasal. Todos os pacientes apresentavam atresia maxilar com indicação ortodôntica/ortopédica facial de disjunção da maxila. Pacientes submetidos anteriormente a tratamento ortodôntico ou ortopédico foram excluídos deste estudo. Durante este estudo os pacientes da amostra foram mantidos em controle otorrinolaringológico, no Departamento da Instituição, apesar de ainda apresentarem respiração oral durante o período desta pesquisa. Receberam ainda tratamento odontológico clínico antes e durante o tratamento ortodôntico, com a finalidade de adequar e controlar as condições bucais deste grupo de pacientes.
2. Mensuração do grau de mineralização dos tecidos dentais: Foi utilizado o aparelho de Laser díodo Diagnodent® (Kavo, Alemanha), com 1mW de potência de emissão, comprimento de onda de 655nm e intensidade de fluorescência com valores de 0 a 99. O método de detecção da cárie pela técnica de fluorescência com Laser diodo 655nm se baseia na medição da quantidade de desmineralização dos tecidos dentais (esmalte e dentina), que aumentam seu conteúdo orgânico ao perderem mineral; a fluorescência ocorre nos fluoróforos da parte orgânica. Mensuramos as faces vestibulares dos incisivos centrais superiores, porções cervical, média e incisal, e dos primeiros molares superiores, porções cervical, média e oclusal, em dois momentos: antes da instalação do disjuntor maxilar e após sua remoção. Os parâmetros clínicos para a utilização do DIAGNOdent® são fornecidos como referência, de acordo com o grau de mineralização, e apresenta valores de sensibilidade e especificidade.
3. Teste bacteriológico qualitativo da cárie dentária: foram coletadas amostras da saliva em dois momentos: antes da instalação do disjuntor maxilar, e precedendo sua remoção. Os pacientes foram instruídos a verterem saliva não estimulada em um coletor universal estéril, após jejum de 2 horas, não sendo permitida higienização oral neste intervalo. Na primeira pipeta foram inoculados 200 µml de saliva, e dissolvido no conteúdo do No Caries® 1. Na segunda pipeta foram inoculados 200µml de saliva e dissolvidos no conteúdo do Caries® 2. Os tubos foram agitados por 15 segundos, e colocados em estufa a 37ºpor 60 min. A interpretação dos resultados foi feita utilizando-se a escala de reação colorimétrica. A cor amarela significa potencial NEGATIVO de cariogenicidade, a cor laranja significa positivo (uma cruz), considerado pelo fabricante como portador de potencial AGRESSIVO de cariogenicidade, e cor rosa significa positivo (duas cruzes), interpretado por presença de potencial MUITO AGRESSIVO de cariogenicidade.
4. Disjuntor maxilar: Utilizamos o disjuntor maxilar tipo Hyrax com parafuso expansor de 0,8mm, marca Morelli, e bandas cimentadas com cimento de Ionômero de vidro (Sci Farm, USA) com liberação gradual de flúor.
5. Análise estatística: As variáveis numéricas resultantes do grau de mineralização foram comparadas pelo teste "t" para amostras pareadas ao nível de significância de 5%. O potencial cariogênico foi distribuído por incidência.
RESULTADOSO teste "t" verificou haver diferenças significantes no grau de mineralização do esmalte dental entre os valores aferidos antes e após a utilização do disjuntor (p=0,0046). A variação de desvio padrão indicou que a amostra perdeu a homogeneidade no segundo momento estudado, e quanto à amplitude, os valores mínimos se mantiveram próximos, enquanto os valores máximos aumentaram, significando dispersão dos valores ao final do tratamento ortodôntico. Podemos afirmar que os valores do grau de mineralização obtidos ao final deste estudo estão entre 2,11 e 4,05 e o valor médio encontrado foi de 3,08. A análise descritiva está representada na Tabela 1, e o Gráfico 1 demonstra o comportamento da amostra.
Gráfico 1. Comportamento da amostra antes e após a disjunção maxilar.
Os dados da mensuração qualitativa bacteriológica da saliva foram tabelados e o teste colorimétrico demonstrou que 45% da amostra diminuiu o potencial à cárie dentária, 40% permaneceu inalterado, e apenas 15% aumentou o risco à carie dentária, conforme demonstra o Gráfico 2.
Gráfico 2. Potencial à cárie dentária antes e após o disjuntor maxilar.
DISCUSSÃOA colocação de acessórios na cavidade bucal para tratamentos ortodônticos, tais como o disjuntor tipo Hyrax, são fatores que podem influenciar as características físicas, químicas e biológicas do meio bucal e da placa bacteriana propriamente dita, favorecendo o desenvolvimento de cáries e doenças periodontais15.
A utilização do disjuntor nos respiradores orais aumentou significativamente o grau de desmineralização do esmalte desta amostra, tendo sido obtido o valor médio de 3,08. De acordo com os parâmetros clínicos de referência16, valores entre 0 a 5 estão dentro da faixa de normalidade, ou seja, podem ser considerados "SADIOS" na avaliação histológica, e dispensa qualquer tipo de conduta clínica. A utilização de aparelhos bem adaptados, cimentados com material de última geração, que proporcionou liberação gradual de flúor, e a preocupação em motivar os pacientes para a higiene bucal podem ter amenizado as possíveis descalcificações.
O diagnóstico da saliva por meio do No Caries 1 e 2 levaram em conta o pH e o seu aspecto microbiológico. A presença de microorganismos na saliva revelou sua condição no momento da coleta, sua vulnerabilidade mesmo quando não se observam lesões clínicas de cárie ou gengivite. O princípio do teste No Caries se baseou na reação obtida pela atividade in vitro do Streptococcus Mutans e Neisseria Bucalis, os quais, ao hidrolizar substratos, alteram o pH da solução e mudam sua cor17,18.
A resposta a um ambiente cariogênico apresenta diferenças consideráveis entre os indivíduos, e a presença do disjuntor maxilar aumentou o potencial de cárie em apenas 15% da amostra. Provavelmente estes pacientes foram menos receptivos às orientações de higiene oral que eram reiteradas a cada consulta de controle. Os 45% que reduziram seu potencial à cárie, e os 40% que mantiveram inalterado este potencial, mesmo na presença do aparelho, talvez por terem conhecimento de que seriam submetidos ao teste, o que os induzia a melhorar o autocuidado.
É importante entender que o desenvolvimento da cárie não ocorre na ausência de placa dental ou fermentação de carboidratos da dieta, podendo ser considerada como uma doença dieta-bacteriana19. Vários microrganismos orais encontrados na placa dental podem contribuir para o desenvolvimento da cárie, entre eles o
Streptococos mutans (S.mutans),
Streptococos sobrinus, espécies de Lactobacilos, espécies de Actinomices
, Streptococos nonmutans, além de fermentadores. As características da virulência microbiana fortemente associadas com a cárie incluem a capacidade de produzir ácidos e manter um pH baixo, o que resulta na desmineralização dentária.O Streptococos mutans possui todas essas características de virulência, mantendo seu papel na etiologia da cárie19. A presença do disjuntor fixo dificulta a higiene, mas não a torna impossível. Assim, fica claro que a consultas constantes da equipe multidisciplinar, ou seja, da Otorrinolaringologia (avaliação da via aérea superior), Odontologia (orientações de higiene e dieta, profilaxia da placa bacteriana, aparelhos bem adaptados e cimentados) foram fundamentais para o resultado final desta pesquisa.
CONCLUSÕES1. Houve diferença estatisticamente significante no grau de mineralização do esmalte dentário nos pacientes respiradores orais, após a utilização de disjuntor, porém dentro da faixa de normalidade clínica.
2. Um número pequeno de pacientes aumentou o potencial cariogênico durante o tratamento ortodôntico.
3. A abordagem multidisciplinar contribuiu para o controle microbiológico cariogênico do respirador oral.
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1. Doutora em Ciências pela UNIFESP, Professora do Curso de Especialização em Ortodontia da FAPI
2. Doutor em Ciências pela UNIFESP-EPM, Professor Doutor Adjunto do Curso de Odontologia da Universidade Estadual de Feira de Santana
3. Especialista em Odontopediatria, Dentista voluntária do Centro do respirador Bucal do depto de ORL pediátrico da UNIFESP
4. Doutora em Ciências pela UNIFESP, Professora da APCD
5. Doutora, chefe da Disciplina do ORL pediátrica da UNIFESP-EPM
6. Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica, do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, da UNIFESP-EPM, Coordenador do Curso do Programa de Pós-graduação do Depto de ORL e CCP da UNIFESP-EPM
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 8 de dezembro de 2009. cod. 6828
Artigo aceito em 15 de março de 2010.