INTRODUÇÃOApesar da fundamental importância da olfação para avaliação dos sabores dos alimentos ingeridos, percepção de vazamento de gases e de incêndios, os testes de avaliação olfatória ainda não são padronizados na língua portuguesa, em especial no Brasil.
Na maioria dos casos, quando se avalia o sentido do olfato, pede-se somente para o paciente identificar odores como café, amônia, chocolate, laranja, etc. Essa análise constitui apenas parte da avaliação qualitativa, faltando outros critérios, como o limiar de identificação, para a distinção entre os diferentes déficits olfatórios.1
O teste de identificação de olfato da Universidade da Pensilvânia (SIT), composto de 40 odores diferentes, é um método rápido, autoadministrável e de fácil aplicação para se avaliar quantitativamente a função olfatória humana, além de apresentar uma alta confiabilidade teste-reteste (r=0,94).2-7 Seus escores são fortemente correlacionados com o tradicional teste de detecção do limiar olfatório, em que se utiliza o fenil-etil-álcool2,8. Quando o SIT é administrado da maneira padronizada, há uma grande uniformidade no desempenho quando testado em diferentes laboratórios9.
O teste original foi formulado em inglês e, atualmente, há traduções para diversas línguas, entre elas o português. Apesar de bem aceito e difundido na língua inglesa, os escores aceitos como padrão do SIT podem sofrer influência de diferenças culturais e, portanto, não podem ser generalizados. Esse trabalho é o primeiro que utilizou a versão comercialmente disponível em português do SIT. O objetivo desse estudo piloto é verificar a dificuldade e os escores alcançados por uma amostra de brasileiros e avaliar a aplicabilidade do SIT em português na população brasileira.
MATERIAL E MÉTODOA comissão de ética da instituição analisou e aprovou o estudo sob protocolo nº 0359/09.
O teste de identificação de olfato da Universidade da Pensilvânia (UPSIT; comercialmente conhecido como
Smell Identification Test (TM), Sensonics, Inc., Haddon Hts., NJ 08035) foi aplicado a um grupo de 25 brasileiros. A população do estudo foi coletada aleatoriamente da comunidade pertencentes às classes A, B e C segundo a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP)10. Nenhum dos participantes apresentava queixas olfatórias. Foram excluídos os pacientes que apresentassem doenças neurológicas, história de trauma cranioencefálico, com quadro de infecção das vias aéreas superiores no dia do exame e, conforme explicado abaixo, pacientes das classes econômicas D e E segundo a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP).
O teste foi traduzido por uma neurologista e um otorrinolaringologista brasileiros, sob supervisão do criador do teste5. Avaliou-se o nível de dificuldade do SIT, versão em português, através da aplicação pelo entrevistador de um questionário imediatamente após a realização do teste. Foram interrogados quanto à dificuldade encontrada na realização do teste através da escala visual analógica (EVA). A EVA é uma linha de 100mm, sem nenhuma medida, onde o indivíduo aponta com um traço vertical o grau de dificuldade em realizar o exame. Um extremo da linha, à esquerda, a considerar o teste fácil e o outro extremo, difícil.
Em relação a classificação econômica, foi aplicado o critério utilizado pela ABEP, que tem a função de estimar o poder de compra das pessoas e famílias urbanas. Esse critério, baseados nos bens possuídos e escolaridade, divide a população em 5 classes econômicas: A, B, C, D e E. A classe A é a que apresenta o maior poder de compra. Pacientes analfabetos e analfabetos funcionais, principalmente presentes nas classes D e E, não foram incluídos no estudo.
O SIT é constituído de quatro cartelas de 10 odores, com um odor por página. Os estímulos são embebidos em microcápsulas plásticas presentes em uma faixa marrom no rodapé de cada página. O examinador orienta o paciente a raspar com um lápis essa faixa, o que faz o odor ser liberado. Após isso, é necessário que se assinale a opção que melhor descreve o odor. Ao final do preenchimento desse questionário há uma pontuação obtida, que se traduz por uma classificação da função olfatória em normosmia, hiposmia (leve, moderada e severa) e anosmia. (Figuras 1 e 2).
Figura 1. Teste olfatório da Universidade da Pensilvânia (Versão em Português)
Figura 2. Modelo de uma das páginas do teste.
Utilizamos o teste de Levene para verificar se as variâncias foram iguais e, em seguida, foi realizada a comparação entre as médias do SIT associadas a cada uma das classes econômicas por meio do modelo linear geral para acomodar a heterocedasticidade.
RESULTADOSDos 25 pacientes, 13 (52%) eram do sexo masculino e 12 (48%) do sexo feminino, com idades de 19 a 58 anos (idade média= 32,44 anos, desvio padrão:11,53). Somente 1 paciente era tabagista. 13 (52%) eram brancos, 8 (32%) pardos, 4 (16%) amarelos e nenhum paciente era negro. O nível de dificuldade médio encontrado foi 26mm (desvio padrão: 24,68) segundo a
VAS e 22 (88%) dos participantes conheciam todos os odores escritos nas alternativas. Os odores que pessoas referiam desconhecer eram mentol e jasmim. O tempo de realização do teste variou de 15 a 31 minutos (Gráfico 1). O escore médio dos brasileiros foi 32,5 (desvio-padrão:3,48) de 40, abaixo do escore de 34 ou mais, considerado o índice de normosmia para a população americana. Conforme indicado na Tabela 2, os odores com pior índice de acerto foram os de flor (36%), pepino (36%) e pipoca (24%).
Quanto à classificação econômica, 6(24%) eram da classe A, 12 (48%) da classe B e 7 (28%) da C segunda a classificação da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) 2008 (Tabela 1). Não houve evidências, no nível de significância de 5%, de que as variâncias fossem diferentes (p: 0.02734) (Gráfico 2).
Gráfico 2. Boxplot do escore do UPSIT por classe econômica.
DISCUSSÃOO teste de identificação de olfato da Universidade da Pensilvânia constitui uma boa opção para tornar mais precisa a avaliação olfatória entre os otorrinolaringologistas brasileiros. Como visto, pacientes até de nível socioeconômico mais baixo realizam o teste com facilidade e em pouco tempo. O tempo máximo de realização do teste foi 31 minutos.
O SIT auxilia na resolução de um problema: a escolha dos odores que vão ser utilizados para a avaliação olfatória. São poucos os odores que estimulam somente o nervo olfatório sem concomitantemente despolarizar o trigêmeo. Esse fato pode acarretar confusão, pois o paciente pode interpretar como olfato a simples estimulação sensitiva do trigêmeo.
Outro ponto forte deste teste é que provê um diagnóstico olfatório comparando o escore obtido pelo paciente com o de pessoas de mesmo sexo e faixa etária de sua população5. Além disso, o médico pode distinguir pacientes com olfação normal (normosmia), reduzida (hiposmia leve, moderada e grave), ausente (anosmia) e simuladores.
Testes olfatórios padronizados também são importantes pois os distúrbios do olfato são fontes de inúmeras queixas médico-legais e motivo de milhares consultas médicas anuais11.
Em relação a outros testes olfatórios do mercado, a vantagem do SIT é que o paciente pode realizar o teste sozinho. O Sniffin' Sticks, utilizado principalmente na Europa, necessita de um técnico que apresente ao paciente as canetas que liberam os odores para identificação12.
A pontuação média apresentada por nossa amostra foi abaixo do índice de normalidade para a população americana5. Isso pode explicado por dois fatores: a cidade em que foram realizados os testes e a troca de alguns odores da versão original em inglês para a versão em português.
Calderón-Garcidueñas verificou uma diminuição significativa da pontuação no SIT dos indivíduos que realizaram o teste na Cidade do México, a relacionar essa baixa aferição do olfato com a poluição dessa cidade13. Nosso estudo foi realizado em São Paulo e a poluição pode ter contribuído para a baixa pontuação dos participantes.
Ao ser realizada a adaptação do teste para o português, alguns odores pouco comuns para os brasileiros foram substituídos para outros mais conhecidos nessa população. Por exemplo, o cheiro de terebintina, bastante característico, é trocado para odor de pipoca na versão em português. O odor apresentado de pipoca apresentou baixo índice de acerto (24%) entre os brasileiros estudados e pode ser uma das causas da menor pontuação.
Algumas essências, como as de morango e melancia, apresentaram 100% de acerto, enquanto as de pepino e flor, 36%. Essa discrepância de performance, o que não ocorre entre os americanos5 explica também a menor escore dos brasileiros.
Todos os participantes realizaram o teste com facilidade mesmo os indivíduos de classe econômica mais baixa, segundo demonstrado pela escala visual analógica. Não houve diferença estatisticamente significativa entre as diversas classes econômicas estudadas. Contudo, as menores pontuações aferidas foram em pessoas da classe C (Abep) e deve ser ressaltado que esse resultado pode ser explicado pelo ainda restrito número de participantes.
São necessários estudos futuros, com uma amostra maior, para verificar se os parâmetros de normalidade do teste aplicados para a população americana podem também ser utilizados na versão em português.
CONCLUSÃOPor enquanto, nesse estudo piloto, houve indícios de boa aplicabilidade do teste de identificação de olfato da Universidade da Pensilvânia, com o escore dos voluntários brasileiros pouco abaixo do nível de normosmia para a população americana. São necessários estudos futuros para confirmar a existência de diferença de pontuação entre pessoas de diferentes classes econômicas.
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10. Na ABEP [Site na Internet].Disponível em http://www.abep.org/codigosguias/Criterio_Brasil_2008.pdf. Acessado em 7 de outubro 2009.
11. Deems DA, Doty RL, Settle RG, Mooregillon V, Shaman P, Mester AF, et al. Smell and taste disorders: A study of 750 patients from the University of Pennsylvania Smell and Taste Center. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1991; 117: 519-28.
12. Hummel T, Sekinger B, Wolf SR, Pauli E, Kobal G. ' Sniffin' Sticks: olfactory performance assessed by the combined testing of odor identification, odor discrimination and olfactory threshold. Chem Senses. 1997;22: 39-52.
13. Lilian Calderón-Garcidueñas, Maricela Franco-Lira,Carlos Henríquez-Roldán, Norma Osnaya, Angelica González-Maciel, Rafael Reynoso-Robles et al. Urban air pollution: influences on olfactory function and pathology in exposed children and youg adults. Experimental and Toxicologic Pathology. 2009. Mar 16. Publicação eletrônica prévia a impressa.
1. Otorrinolaringologista
2. Doutor em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Médico Assistente do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo
3. Doutorando em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Otorrinolaringologista
4. Otorrinolaringologista, Department of Otorhinolaryngology - Head and Neck Surgery, University of Pennsylvania
5. Livre-Docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Professor Associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência:
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 7 de dezembro de 2009. cod. 6825
Artigo aceito em 15 de março de 2010.