INTRODUÇÃO
O campo da cirurgia de implante coclear está crescendo rapidamente, devido à melhora na qualidade dos implantes, cirurgias menos invasivas, e maior divulgação deste tipo de tratamento da surdez. Os implantes cocleares são próteses extremamente caras que parcialmente substituem as funções da cóclea.1 A cirurgia atualmente é muito mais rápida e menos invasiva que há anos atrás, com menores incisões e menor morbidade para o paciente. Apesar disto, ainda ocorrem alguns problemas, principalmente nos pacientes mais idosos, com relação à anestesia1. Frequentemente pacientes de maior idade apresentam comorbidades, como hipertensão arterial e diabetes mellitus, que podem causar aumento de sangramento durante a cirurgia com anestesia geral, além de maior probabilidade de arritmias cardíacas e dificuldades de intubação traqueal, nos pacientes com maior peso e pescoço curto. Além disto, a anestesia geral traz mais custos para o hospital, a recuperação do paciente no pós-operatório imediato é mais sintomática, e os riscos são maiores. Náuseas e vômitos são muito comuns com esse tipo de anestesia também, principalmente nas primeiras horas, fazendo com que o uso de medicações antieméticas seja maior, e o tempo de internação hospitalar também seja prolongado. Em pacientes adultos mais jovens, que poderiam fazer anestesia geral, a grande vantagem da anestesia local é o pós-operatório com menos sintomas de náuseas e vômitos, alta precoce, portanto com menor risco de infecção hospitalar, além de maior aceitação por parte do paciente para este tipo de anestesia.
Este artigo ressalta a possibilidade de fazer a cirurgia do implante coclear com anestesia local e sedação, as drogas usadas, e as vantagens dessa técnica em pacientes adultos.
MATERIAL E MÉTODOS
Este trabalho foi feito com três pacientes submetidos à cirurgia de implante coclear, com anestesia local e sedação. Foi aprovado pelo comitê de ética da instituição em 10/07/2009 sob o protocolo número 003/2009.
Todos os pacientes apresentavam surdez profunda bilateral, irreversível, sem resposta com aparelhos auditivos convencionais, e foram selecionados pela equipe de implante coclear da instituição seguindo os critérios nacionais do Ministério da Saúde para indicação da cirurgia. Cada um deles foi submetido a todos os exames necessários, incluindo audiometria tonal, imitanciometria, potencial evocado de tronco encefálico, vectonistagmografia, tomografia computadorizada de orelha média e mastoide e ressonância nuclear magnética de orelha interna com reconstrução tridimensional de cóclea. Além disso, foi feita toda a bateria de exames pré-operatórios, incluindo hemograma, coagulograma e eletrocardiograma, na dependência das comorbidades associadas, e avaliação com o anestesista onde foram discutidas as questões pertinentes a esse tipo de anestesia, e o que o paciente poderia sentir durante o procedimento. O anestesista aborda as questões relacionadas à sedação, o fato de o paciente sentir a manipulação da orelha no momento da cirurgia, explicando que isto é normal e que não há problema algum, diferentemente da anestesia geral, em que o paciente não sente nada e não vê nada. Também é explicado que no momento da telemetria neural, o paciente pode sentir algum estímulo, tipo um som de alarme ou um pequeno desconforto, absolutamente normais e que também ajudam a mostrar que o eletrodo está corretamente posicionado, dando sensação auditiva no paciente.
O primeiro paciente foi do sexo masculino, 35 anos de idade, com surdez profunda bilateral congênita, implantado na orelha direita com um dispositivo Sonata da Med-EL.
A segunda paciente foi do sexo feminino, 28 anos, com ossificação leve da cóclea, idiopática, implantada na orelha esquerda com um Nucleus Freedom da Cochlear Corporation, com inserção total do implante apesar da ossificação.
A terceira paciente, também do sexo feminino, 22 anos, com surdez congênita, implantada na orelha direita com um Nucleus Freedom, sem intercorrências.
Os pacientes, todos adultos, foram escolhidos pelo seu aspecto emocional estabilizado, com toda explicação necessária sobre a anestesia e sedação, com pronta aceitação por parte deles. A escolha foi baseada nas questões emocionais, preferência do paciente por este tipo de anestesia, e ausência de contraindicações, como medicações usadas, quadros emocionais importantes ou negativa por parte do paciente para este tipo de anestesia.
A técnica cirúrgica utilizada foi a tradicional, com acesso retroauricular com incisão de 3 centímetros, mastoidectomia simples, timpanotomia posterior, cocleostomia e inserção do implante, com realização do nicho para a unidade interna. Nenhuma modificação na técnica cirúrgica foi feita pelo fato da anestesia ser local.
O protocolo anestésico envolveu uma completa avaliação da condição geral do paciente, investigação de outras patologias e explicação por parte do anestesista no momento da cirurgia do que iria acontecer, através de comunicação gestual e leitura labial. Nenhuma pré medicaação foi dada. Monitoração incluiu eletrocardiograma e oximetria de pulso. Todos os pacientes receberam fentanil, 1ucg/kg, meperidina 0,5mg/kg, midazolan 5mg e clonidina 2ucg/kg, no momento da indução anestésica. Oxigênio nasal foi dado na taxa de 3l/min.
Após a sedação, a anestesia local foi feita com xilocaína e adrenalina 1:50000, na região retroauricular, na região do nicho para a unidade interna e nos quatro quadrantes do conduto auditivo externo. A pressão foi mantida normal durante a cirurgia, sem induzir hipotensão.
A telemetria neural foi feita sem problemas e com reação leve por parte dos pacientes, sendo que um deles piscou, a outra mexeu as mãos, e a terceira não teve reação nenhuma, apesar da telemetria estar absolutamente normal e mostrando em todos os casos um bom estímulo do nervo coclear.
Durante a cirurgia, a dose dos opioides é repetida se houver necessidade, quando o paciente reclama de alguma dor ou desconforto, ou se o paciente começa a acordar.
Outras drogas feitas de rotina são o ondansetron 4mg, repetido se necessário, metoclopramida 10mg, defazolina 1g, dexametasona 1mg/kg, dipirona 1g e cetorolaco 30mg.
A reversão anestésica é feita com naloxone 0,2mg.
Ao final da cirurgia o curativo habitual é feito e o paciente fica por aproximadamente meia hora em sala de recuperação, após o que são encaminhados para o apartamento, para então após aproximadamente 3 horas serem liberados para casa. Prescrevemos paracetamol 750mg, duas vezes ao dia, meclizina 25mg se necessário, e cobertura antibiótica com amoxicilina com clavulanato por 7 dias. O resto do período cicatricial e a ativação do implante ocorrem como de hábito.
RESULTADOS
As cirurgias duraram em média uma hora e meia, sem nenhuma movimentação dos pacientes que pudesse causar algum dano ao equipamento. A técnica cirúrgica foi exatamente a mesma que já realizávamos com a anestesia geral, devendo portanto o cirurgião estar capacitado tecnicamente a fazer a cirurgia de forma rápida, segura e também equipe de anestesiologia acostumada com esse tipo de anestesia.
Os três pacientes tiveram sua cirurgia de implante coclear sem intercorrências, nem nos momentos críticos como a cocleostomia e a telemetria neural, não apresentando nenhuma agitação nestes momentos, e ao término da cirurgia, após a reversão da sedação feita pelo anestesiologista, não apresentaram náuseas nem vômitos tendo um pós-operatório imediato tranquilo com alta hospitalar algumas horas depois. Nos casos de anestesia geral, o paciente demora mais tempo para estar totalmente acordado e consciente, os sintomas de náuseas e vômitos são maiores, e a alta hospitalar leva algumas horas a mais. O curativo foi retirado após dois dias, e o resto do pós-operatório foi como habitual, não se observando nenhuma diferença nos resultados cicatriciais, auditivos e na ativação do implante, em comparação com a anestesia geral. Portanto, a maior vantagem é realmente no ato operatório, com riscos menores, e no pós-operatório imediato, sendo o restante do pós-operatório como de costume.
DISCUSSÃO
Iniciamos o nosso serviço de implante coclear há 3 anos, encontrando muitas dificuldades no sentido de demonstrar capacidade e competência para os pacientes, liberação das cirurgias por parte dos convênios, e aquisição de todo o material necessário para a realização da cirurgia, além de montar um equipe altamente qualificada para esse projeto. Atualmente, contamos com uma equipe completa com todos os profissionais necessários, trabalhando praticamente com dedicação exclusiva para o implante coclear.
Para alcançar os melhores resultados possíveis, toda a equipe deve trabalhar com perfeição, e isso inclui um time altamente profissional e capacitado de anestesistas. A anestesia é um ponto fundamental para a cirurgia, pois tanto durante ela quanto após, a recuperação dos pacientes também depende, além da cirurgia em si, da técnica anestésica, dos sintomas no pós-operatório imediato, e da pronta recuperação do paciente para retornar às suas atividades normais.
Nós decidimos iniciar a realização da cirurgia do implante coclear em adultos com anestesia local e sedação por vários motivos. O custo de uma anestesia geral é muito alto, fazendo com que os próprios seguros de saúde acabem concordando melhor com a anestesia local, mas o principal fator é a segurança para o paciente. Com anestesia local e sedação, a morbidade é menor, os sintomas de vômitos e náuseas no pós-operatório imediato são menores, e o paciente vai para casa no mesmo dia. Além disto, muitos pacientes se sentem muito mais seguros de realizar a cirurgia com esse tipo de anestesia, pois ainda a anestesia geral é um grande medo de grande parte dos pacientes. E ainda a questão de cada vez mais fazermos a cirurgia em pacientes de maior faixa etária e muitos que não poderiam fazer com anestesia geral, com essa nova técnica já podem ser candidatos ao implante coclear.
O serviço de anestesiologia deve também estar preparado para lidar com as questões relacionadas à surdez, saber como abordar o paciente surdo, e também explicar de forma clara e objetiva o que vai acontecer durante a cirurgia, principalmente algum desconforto no momento da telemetria neural intraoperatória.
Não temos muitos artigos na literatura mundial a cerca desse assunto, pois se trata de uma técnica inovadora a nível mundial que foi iniciada em nosso serviço. A anestesia geral é uma prática e rotina na maioria dos serviços do mundo, para todas as cirurgias otológicas, e também de outras subespecialidades da otorrinolaringologia, e possivelmente devido à essa rotina e costume nunca se pensou em mudar para anestesia local. Claro que isso depende do cirurgião, e também do próprio anestesista, e como já estamos acostumados a realizar todas as cirurgias de ouvido crônico com anestesia local e sedação, decidimos também fazer o implante coclear, fato que foi de grande aceitação pelos pacientes.
A eficácia desta técnica é bem estabelecida para outras cirurgias otológicas, como mastoidectomias, estapedotomias e timpanoplastias. Também realizamos algumas cirurgias de orelha interna com esse tipo de anestesia, como a descompressão do saco endolinfático. Mas, para a cirurgia do implante coclear, muitos aspectos psicológicos e emocionais estão envolvidos2. Todos esses aspectos devem ser muito bem trabalhados pela equipe médica, pelas fonoaudiólogas e principalmente pelas psicólogas, para que o paciente se sinta mais seguro, e isso também influencie na decisão de fazer a cirurgia com anestesia local e sedação, para que a cirurgia transcorra sem qualquer intercorrência. Outro ponto é o estímulo elétrico que a telemetria faz3. Nós tínhamos algum receio que neste momento o paciente pudesse demonstrar alguma reação mais forte, ou se movimentar, que não fosse tolerada, mas neste momento o anestesiologista aprofunda mais a sedação, e a telemetria transcorre sem problemas.4,5,6
CONCLUSÃO
Concluímos que essa nova possibilidade de realização da cirurgia de implante coclear com anestesia local e sedação é perfeitamente possível, com muitas vantagens com relação à anestesia geral, e abrindo uma possibilidade muito grande de realização da cirurgia para vários pacientes que antes não poderiam devido a problemas anestésicos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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3. PEDERSEN CB, JOCHUMSEN U, MADSEN S, KOEFOED-NIELSEN B, JOHANSEN LV. Results and experiences with 55 cochlear implantations. Ugeskr Laeger. 2000;162:5346-50.
4. ROLAND JT Jr. A model for cochlear implant electrode insertion and force evaluation: results with a new electrode design and insertion technique.; Laryngoscope. 2005;115:1325-91.
5. CERVERA-PAZ FJ, LINTHICUM FH Jr. Cochlear wall erosion after cochlear implantation. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2005;114:543-6.
6. ROLAND JT Jr, FISCHMAN AJ, ALEXIADES G, COHEN NL. Electrode to modiolus proximity: a fluoroscopic and histologic analysis. Am J Otolaryngol. 2000;21:218-25.
1. Mestre, Professor do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. 2. Doutor, Professor titular do serviço de otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. 3. Mestre, médico do serviço de otologia do Instituto Paranaense de Otorrinolaringologia. 4. Doutor, médico do serviço de otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. 5. Especialista, médico do serviço de otologia do Instituto Paranaense de Otorrinolaringologia. 6. Mestre, Fonoaudióloga do serviço de otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. 7. Especialista, Fonoaudióloga do serviço de otologia do Instituto Paranaense de Otorrinolaringologia.
Instituto Paranaense de Otorrinolaringologia
Endereço para correspondência: Instituto Paranaense de Otorrinolaringologia Av. República Argentina 2069 Bairro Água Verde Curitiba PR Brasil 80620-010
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 13 de outubro de 2009. cod. 6707 Artigo aceito em 18 de dezembro de 2009
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