INTRODUÇÃOA SAHOS (Síndrome da Apneia e Hipopneia Obstrutiva do Sono), descrita em 1973 por Cristian Guilleminault1, é uma doença importante no cenário médico atual. Atinge cerca de 5% da população2, mas estima-se que é uma doença extremamente subdiagnosticada3. É importante pela sua correlação com doenças cardiovasculares crônicas que imputam importante morbimortalidade aos seus portadores, como a doença coronariana4, AVC5, dislipidemia e diabetes melito5.
A fisiopatogenia da SAHOS ainda não foi totalmente elucidada. Durante os eventos de apneia existe uma queda da saturação de oxigênio, que leva à ativação dos barorreflexos, desencadeando uma ativação generalizada do sistema nervoso autônomo simpático. Há uma descarga adrenérgica levando a picos de taquicardia e hipertensão. Esse processo se repete inúmeras vezes durante o sono em pacientes apneicos e leva a longo prazo uma alta sensibilidade do quimiorreflexo periférico, com resposta exagerada mesmo em normoxia, disfunção do barorreflexo, aumento da carga adrenérgica, disfunção cardiovascular a longo prazo, inflamação sistêmica e desregulação metabólica com resistência insulínica e diabetes melito tipo II6.
A SAHOS envolve a obstrução das vias aéreas superiores (VAS) durante o sono, provocando eventos de apneia com esforço respiratório, sendo extremamente importante a determinação do ponto de obstrução das VAS na avaliação do paciente com SAHOS. Fujita et al., em 1981, criaram uma classificação para o ponto de obstrução das VAS7, durante a videonasofibroscopia. Foi criada uma classificação baseada na manobra de Muller, para avaliação da obstrução das vias aéreas em orofaringe, base de língua e hipofaringe. Apesar de a classificação ser antiga e criticada, permanece em uso atualmente.
Mais recentemente foi desenvolvida a Classificação de Friedman usada para avaliar a obstrução da orofaringe avaliando o tamanho das tonsilas, a Classificação Modificada de Mallampati e o IMC varia de 1 a 4. Essa classificação vem sendo bastante difundida e usada na maioria dos serviços de ronco e apneia do sono. Tem valor prognóstico quanto à cirurgia bem definido na literatura: quanto maior a classificação de Friedman, menor o sucesso da uvulopalatofaringoplastia8.
OBJETIVOSDeterminar a correlação entre a Classificação de Friedman com a gravidade da SAHOS através do IAH (Índice de Apneia e Hipopneia) para avaliação e tratamento de pacientes com apneia do sono.
MATERIAIS E MÉTODOSEstudo aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa sob o protocolo 113/08 e devidamente registrado no Clinical Trials Registry sob o ID NCT00883025. Foram avaliados na Ambulatório de SAHOS do serviço de otorrinolaringologia da 143 pacientes com queixa principal de ronco e história clínica sugestiva de apneia do sono, com sintomas como sonolência diurna, sono não reparador e ronco. Todos os pacientes foram submetidos a um protocolo de avaliação incluindo anamnese, escala de Epworth, escala subjetiva do ronco, classificação de Friedman e exame otorrinolaringológico completo (Tabela 1).
Na classificação de Friedman são avaliados: tonsilas palatinas, escore de Mallampati modificado e IMC (Índice de Massa Corpórea). Dessa maneira são classificados em quatro estágios (I, II, III e IV). Os pacientes com menor o estágio de Friedman apresentam maior a chance de sucesso após uvulopalatofaringoplastia no tratamento da SAHOS9. A Classificação de Friedman é mostrada na Tabela 2.
Os pacientes foram submetidos à nasolaringoscopia com nasofibroscópio Mashida de 2,8mm. O exame foi feito no ambulatório com paciente acordado. Não foram usados vasoconstritores para avaliação da cavidade nasal. Após análise da fossa nasal, foi feita faringoscopia e laringoscopia dinâmica.
Todos os pacientes foram encaminhados para polissonografia feita no laboratório de sono. Os participantes se submeteram à polissonografia noturna com a monitoração integral dos seguintes canais: movimentos oculares, movimentos de perna, fluxo aéreo nasal, movimento torácico, EEG, ECG, frequência cardíaca, saturação de oxigênio. Os pacientes foram alocados quanto à gravidade da doença, de acordo com os critérios da Força-Tarefa da Academia Americana de Sono1. Foram excluídos deste estudo com alterações craniofaciais.
RESULTADOSDos 143 pacientes protocolados, 112 foram selecionados para o estudo e 31 pacientes foram excluídos por preencherem os critérios de exclusão: ausência de polissonografia ou protocolo incompleto. A distribuição quanto à gravidade da doença, de acordo com os critérios da Força-Tarefa da Academia Americana de Sono1, é mostrada na Gráfico 1.
Gráfico 1. CLASSIFICAÇÃO DA SAHOS - NORMAL - AIH MENOR QUE 5 ev/h LEVE - AIH ENTRE 5 E 15 ev/h MODERADO - AIG ENTRE 15 E 30 ev/h GRAVE AIH MAIOR QUE 30 ev/h
Todos os pacientes na avaliação inicial foram avaliados e classificados conforme a classificação de Friedman cujos resultados são mostrados abaixo no Gráfico 2.
Gráfico 2. CLASSIFICAÇÃO DE FRIEDMAN - 1 - FRIEDMAN I 2 - FRIEDMAN II 3 - FRIEDMAN III 4 - FRIEDMAN IV
Gráfico 3. CROSTABULAÇÃO GRAFICA ENTRE AIH E FRIEDMAN
A Classificação de SAHOS e a Classificação de Friedman foram avaliadas em crostabulação gráfica e realizados testes estatísticos do tipo Qui-quadrado, com correlação estatisticamente significante com o teste Qui-Quadrado pela associação linear com p<0,05. Resultado adquirido pela análise do programa de estatística SSPS versão 12.0.
DISCUSSÃOA literatura mostra vários tratamentos cirúrgicos da SAHOS. A maioria dos estudos na literatura indica taxas de melhora da IAH entre 45 a 90% com a uvulopalatoplastia ou faringoplastia como descrito por Hicklin et al.10. Jones et al., descrevem uma melhora inicial em torno de 34% e cerca de 24% de insucesso cirúrgico imediato11.
Importante notar que existem poucos estudos na literatura usando apenas um tipo de cirurgia. No estudo de Jones et al. são relatados 151 casos cirúrgicos, porém com três tipos de cirurgias diferentes sem menção a um protocolo específico para triagem dos pacientes para cirurgia12.
A SAHOS é uma doença de obstrução das vias aéreas com alterações neuromusculares e a abordagem cirúrgica precisa ser indicada para a correção do ponto de obstrução específico para obtermos melhores resultados. Nesse sentido realizamos a associação entre classificação de Friedman e IAH. Consideramos importantes parâmetros na avaliação do paciente com SAHOS. A videonasofibroscopia mostra-se muito importante para avaliação do ponto de obstrução das vias aéreas superiores7. A classificação de Friedman mostra eficácia na predição do sucesso cirúrgico no tratamento da SAHOS como demonstrado por Friedman et al.12.
Encontramos uma relação em que os pacientes SAHOS leve tendem a ter uma menor classificação de Friedman e, portanto, melhores resultados cirúrgicos12. Da mesma forma os pacientes classificados como SAHOS moderado a grave possuem maior prevalência da classificação de Friedman III e IV estando associado ao menor sucesso com uvulopalatofaringoplastia (p<0.05).
Os melhores resultados são conseguidos através do estudo anterior e sempre informando aos doentes suas chances de melhora e dos efeitos colaterais da uvulopalatofaringoplastia como insuficiência velofaríngea e boca seca13.
O estudo prévio do paciente é de fácil aplicabilidade clínica. Friedman publicou recentemente um estudo demonstrando que a classificação de Friedman tem alta correlação interexaminador, sendo útil para avaliação de pacientes em serviços de ensino e pesquisa14.
Esses resultados remetem à importância do adequado estudo das VAS no planejamento e avaliação pré-cirúrgica de todos os pacientes com SAHOS. O paciente deve ser avaliado considerando-se uma série de variáveis. Friedman et al. demonstraram que a classificação de Friedman é superior à IAH na predição de sucesso da uvulopalatofaringoplastia11. Como observado em nossa amostra, a classificação de Friedman se correlaciona diretamente com a gravidade da SAHOS e deve ser avaliada no planejamento do tratamento cirúrgico e/ou clínico.
CONCLUSÃOA SAHOS é uma doença principalmente das vias aéreas superiores com vários fatores intrínsecos e extrínsecos associados ao seu surgimento. Concluímos que a classificação de Friedman se correlaciona com o IAH. Quanto maior a classificação de Friedman, maior tende a ser a gravidade da apneia. Essa correlação é extremamente útil na avaliação pré-operatória dos pacientes com SAHOS para os critérios de indicação cirúrgica, e seguimento em longo prazo é necessário.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Sleep-related breathing disorders in adults: recommendations for syndrome definition and measurement techniques in clinical research. The Report of an American Academy of Sleep Medicine Task Force. Sleep. 1999 Aug 1;22(5):667-89. Review.
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10. Hicklin LA, Tostevin P, Dasan S. Retrospective survey of long-term results and patient satisfaction with uvulopalatopharyngoplasty for snoring. J Laryngol Otol. 2000;114:675-81.
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12. Friedman M, Vidyasagar R, Bliznikas D, Joseph N. Does Severity of Obstructive Sleep Apnea-Hipopnea syndrome predict Uvulopalatopharyngoplasty outcome? Laryngoscope. 2005; 115:2109-13
13. Yau H, Mark I, Willard F. Quality of Life 17to 20 years after uvulopalatopharyngoplasty. Laryngoscope.2007; 117:503-6
14. Friedman M, Soans R, Gurpinar B, Lin HC, Joseph NJ. Interexaminer agreement of Friedman tongue positions for staging of obstructive sleep apnea/hypopnea syndrome. Otolaryngol Head Neck Surg. 2008;139(3):372-7
1. Médico Residente do Departamento de Residência Médica em Otorrinolaringologia da Santa Casa de Limeira.
2. Mestre em Otorrinolaringologia pela USP-Ribeirão Preto. Médico Otorrinolaringologista assistente do Departamento de Residência Médica em Otorrinolaringologia da Santa Casa de Limeira.
3. Médica Residente do Departamento de Residência Médica em Otorrinolaringologia da Santa Casa de Limeira.
4. Médico Residente do Departamento de Residência Médica em Otorrinolaringologia da Santa Casa de Limeira.
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Limeira
Endereço para correspondência:
Rua Ipe N42 Jd. Hortênsia
Limeira SP 13485-051
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 20 de abril de 2009. cod. 6370
Artigo aceito em 20 de maio de 2010