ISSN 1806-9312  
Sexta, 19 de Abril de 2024
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4001 - Vol. 76 / Edição 3 / Período: Maio - Junho de 2010
Seção: Artigo Original Páginas: 347 a 354
Alterações condutivas em neonatos que falharam na triagem auditiva neonatal
Autor(es):
Priscila Karla Santana Pereira1, Marisa Frasson de Azevedo2, José Ricardo Testa3

Palavras-chave: audição, otite média, triagem.

Keywords: child, neonatal screening, hearing.

Resumo: Na triagem auditiva neonatal pouca importância é atribuída às alterações de orelha média. As crianças que apresentam otites secretoras no período neonatal são de risco para desenvolver otite média no primeiro ano de vida. Objetivo: Verificar se as crianças que falharam na triagem auditiva por alteração condutiva têm mais episódios de comprometimento condutivo durante o primeiro ano de vida. Material e Método: O grupo estudo foi constituído por 62 crianças que falharam na triagem por comprometimento condutivo. O controle foi formado por 221 que passaram. Ambos tiveram acompanhamento audiológico e otorrinolaringológico e foram comparados quanto à ocorrência de comprometimento condutivo. Foram utilizados para análise estatística o teste Exato de Fisher e modelos de Regressão Logística. O estudo foi prospectivo e retrospectivo. Resultados: As crianças que falharam na triagem por comprometimento condutivo tiveram mais episódios de otite média durante o primeiro ano de vida do que as que não falharam, com diferença significante. Conclusão: Os neonatos que falharam na triagem no primeiro mês de vida por alteração condutiva têm maior chance de apresentarem otite no primeiro ano de vida. A elevada ocorrência de otite indica a necessidade da atuação conjunta com otorrinolaringologista para o diagnóstico de tais alterações.

Abstract: In newborn hearing screening little importance is attributed to changes in the middle ear. Children with secretory otitis in the neonatal period are at risk for developing otitis media in the first year of life. Aim: To determine if children who failed the hearing screening because of conductive hearing loss have more episodes of conductive hearing impairment during their first years of life. Materials and Methods: The study group comprised 62 children who failed the screening for conductive impairment. The control was made up of 221 who passed. Both had audiologic and otolaryngological assistance and were compared regarding the occurrence of conductive disorder. Were used the Fisher's Exact test for statistical analysis and logistic regression models. The study was prospective and retrospective. Results: Children who failed the screening by conductive disorder had more episodes of otitis media during the first year of life than those who did not fail, with statistically significant difference. Conclusion: Infants who failed the screening in the first month of life for conductive alteration are more likely to experience otitis in the first year of life. The high incidence of otitis indicates the need for joint action with otolaryngologist for diagnosis of such changes.

INTRODUÇÃO

A integridade anatomofisiológica do sistema auditivo, tanto em sua porção periférica quanto central, constitui um pré-requisito à aquisição e ao desenvolvimento normal da linguagem (Azevedo, 1996)1.

Dessa forma, o impacto da perda auditiva não detectada, no desenvolvimento da linguagem e na socialização da criança, estimulou a criação de programas de triagem auditiva neonatal (TAN).

Northern, Downs (1991)2 ressaltaram a importância da triagem auditiva neonatal para identificação das perdas auditivas congênitas e das alterações de orelha média, uma vez que tais alterações, em especial, nos primeiros anos de vida, interferem no desenvolvimento de fala e linguagem da criança.

As alterações decorrentes de comprometimento condutivo, como as otites de repetição, de caráter flutuante, podem comprometer a habilidade de processamento dos estímulos sonoros cujos parâmetros acústicos variam em função da diminuição temporária e periódica da acuidade auditiva (Bamford, Saunders, 1997)3. Por essa razão as crianças com otites médias recorrentes e/ou persistentes durante os dois primeiros anos de vida são consideradas de risco para alteração do processamento auditivo.

A otite média secretora (OMS) ou otite média com efusão é a causa mais frequente de perda auditiva condutiva em crianças de países desenvolvidos. É definida como a presença de fluido na orelha média sem sinais e sintomas de infecção aguda e geralmente ocorre nos primeiros anos de vida. É acompanhada por perdas auditivas condutivas, episódicas e variáveis, que podem variar de grau leve a moderado, não ultrapassando 50 dB (Saes et al., 2005)4.

A otite média secretora é rara durante os seis primeiros meses de vida. Na faixa etária entre seis e 12 meses de idade, a incidência aumenta muito, chegando à porcentagem de 13 a 15% em torno de 12 meses de idade. O pico de maior frequência ocorre entre dois e quatro anos, durante o qual 20% de todas as crianças têm otite média secretora. (Fiellau-Nikolajsen,1990)5.

Nos programas de triagem auditiva neonatal, pouca importância tem sido atribuída às alterações de orelha média por serem transitórias. Entretanto, Doyle et al. (2004)6 relataram que falhas na triagem auditiva realizada por emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente também podem ser atribuídas a alterações de orelha média (otites secretoras) e que as crianças que apresentam otites secretoras no período neonatal são de maior risco para desenvolver otite média crônica durante o primeiro ano de vida.

A privação sensorial decorrente da OMS, agravada pelo número e pela duração dos episódios da doença, pode afetar a percepção da fala e dificultar a compreensão, principalmente em ambiente ruidoso, e até mesmoprejudicar o desenvolvimento da linguagem da criança.

A flutuação da audição causada por alterações da orelha média nos primeiros anos de vida pode levar a alterações no processamento auditivo interferindo no aprendizado escolar.

Portanto, são fundamentais a prevenção, a detecção e principalmente o acompanhamento por no mínimo um ano, aos recém-nascidos que falharam na triagem auditiva por comprometimento condutivo, visto que as alterações de orelha média (otites) podem persistir, tendo picos de incidência entre os seis e 12 meses de idade, período importante para o desenvolvimento do sistema auditivo e aquisição da linguagem.

Dessa forma, o presente estudo se propõe a verificar se os recém-nascidos que falharam na triagem auditiva por comprometimento condutivo têm mais episódios de alterações de orelha média durante o primeiro ano de vida comparados com aqueles que passaram na triagem auditiva.


MATERIAL E MÉTODOS

O presente estudo foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em 21/12/07 sob protocolo nº1561/07.

Seguindo as recomendações éticas nas pesquisas que envolvem seres humanos, os pais e/ou responsáveis que concordaram com a participação de seus filhos na pesquisa foram informados sobre as condições desta e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foram incluídas no estudo as crianças que compareceram semestralmente no acompanhamento auditivo, ou seja, que realizaram pelo menos três avaliações auditivas (no 1º mês de vida, 6º mês, 12º mês) durante o primeiro ano de vida.

Foram excluídas do estudo as crianças com alterações neurológicas, malformações e perda auditiva neurossensorial. A população foi distribuída em dois grupos: grupo controle, de crianças que passaram na TAN e grupo estudo composto por crianças que falharam na TAN por comprometimento condutivo confirmado pelo resultado da timpanometria e da avaliação otorrinolaringológica.

O estudo foi realizado de duas formas: retrospectiva e prospectiva. No estudo retrospectivo, foram analisados prontuários de 217 crianças nascidas pré-termo entre os anos de 2003 e 2006, pertencentes ao Programa de acompanhamento multidisciplinar de neonatos de alto risco.

O estudo prospectivo consistiu do acompanhamento de 66 crianças nascidas no ano de 2007, sendo 31 nascidas a termo e 35 pré-termo.

A comparação dos resultados entre os dois grupos foi feita a fim de testar a hipótese de que o grupo de crianças que falhou na triagem auditiva por alteração condutiva apresentaria maior ocorrência de comprometimento condutivo por otite média secretora durante o primeiroano de vida em relação ao grupo controle. Para isso, foi analisada a frequência de perda condutiva nas crianças que falharam na triagem auditiva por comprometimento condutivo, durante seu acompanhamento por 12 meses.

Para avaliação audiológica foram aplicados os seguintes testes: emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente (EOAT), imitanciometria com sonda de 226Hz, observação comportamental, pesquisa do reflexo cócleo-palpebral (RCP), audiometria com reforço visual e avaliação otorrinolaringológica.

A pesquisa das EOAT foi realizada com o aparelho ILO 292-Analisador de emissões Otoacústicas (Otodynamics ANALISER Ltda. Versão 4,2) acoplado a um computador convencional. Considerou-se EOAT presente quando a relação sinal ruído foi maior ou igual a 3 dB para 1500Hz e maior ou igual a 6 dB para 2000, 3000 e 4000 Hz e a reprodutibilidade geral considerada foi maior ou igual a 50% com estabilidade da sonda maior ou igual a 70%, conforme critério proposto por Finitzo et al. (1998)7 e recomendado por Azevedo (2003)8.

A imitanciometria foi realizada com um Impedance audiometer AZ7 (manual), da Interacoustics, com sonda de 226 Hz. A curva timpanométrica considerada normal foi a do tipo A (Jerger 1970)9 e as alteradas tipo B e C (Jerger 1970)9.

Avaliação comportamental constou da pesquisa das respostas comportamentais de atenção, procura da fonte e localização para sons instrumentais de 50 a 90 dBNPS e pesquisa do reflexo cócleo-palpebral (RCP) com o agogô (100 dBNPS), segundo critério de adequação à faixa etária proposto por Azevedo (1995)10.

A audiometria com reforço visual foi realizada nas crianças de seis a 12 meses utilizando o audiômetro pediátrico PA 5 da Interacoustics nas frequências de 500Hz, 1000Hz, 2000Hz e 4000Hz em campo livre. O estímulo era apresentado em intensidade decrescente a 20cm do pavilhão auricular à direita e à esquerda e, quando a criança voltava a cabeça em direção ao som, reforçava-se com o estímulo visual simples (luz vermelha). O critério de normalidade para avaliação em campo livre foi de 40-60dB NA nas crianças entre seis a nove meses e 20-40dB NA em crianças de nove a 13 meses (Azevedo, 2004)11.

A avaliação otorrinolaringológica constituiu do exame otoscópico: os lactentes foram avaliados pelo médico otorrinolaringologista para realização da otoscopia, paraverificar as condições do meato acústico externo e da membrana timpânica. Para este estudo, foram consideradas as condições da membrana timpânica sendo classificada como normal ou alterada (retraída, hiperemiada, opaca, perfurada, abaulada). O médico responsável pela avaliação tem mais de quinze anos de experiência com neonatos. Considerou-se a falha na triagem ao nascimento por comprometimento condutivo quando houve ausência de EOAT e de RCP com curva timpanométrica tipo B e otoscopia compatível com OMS, com normalização dos exames póstratamento clínico e/ou cirúrgico. No acompanhamento foi considerado comprometimento condutivo quando houve níveis mínimos de resposta para tons puros elevados para a idade com ausência de EOAT e RCP, curvas timpanométricas e otoscopia alteradas.

Para verificar se havia diferença estatisticamente significante em relação à ocorrência de perda condutiva entre os grupos estudados, utilizou-se modelos de Regressão logística e o Teste Exato de Fisher. As diferenças foram consideradas estatisticamente significantes quando o p-valor foi menor que 0,05(5%). Os valores significantes foram assinalados com asterisco (*).


RESULTADOS

Estudo Prospectivo

O estudo prospectivo consistiu do acompanhamento de 66 crianças nascidas no ano de 2007, sendo 31 do sexo feminino e 35 do sexo masculino, 31 nascidas a termo e 35 pré-termo.

A ocorrência de comprometimento condutivo durante o primeiro ano de vida no grupo controle e estudo aparece descrita na Tabela 1.




A análise da ocorrência de comprometimento condutivo segundo os grupos estudados mostrou que houve diferença estatisticamente significante (p=0,0097*) entre os grupos estudados em relação à ocorrência de comprometimento condutivo. A chance de um recém-nascido do grupo controle não apresentar comprometimento condutivo no primeiro ano de vida é 4,29 vezes maior que a chance de um recém-nascido do grupo estudo não apresentar comprometimento condutivo (Tabela 1).

O número de episódios de comprometimento condutivo decorrente de otite por avaliação realizadaestá apresentado na Tabela 2. Observou-se que no grupo controle o pico de maior ocorrência de otite foi aos 12 meses de idade enquanto que no grupo estudo o pico foi aos seis meses de idade.




A Tabela 3 apresenta o número de crianças que teve um episódio ou dois de comprometimento condutivo durante o estudo. No acompanhamento realizado com os recém-nascidos ao longo dos 12 meses, após a realização da triagem auditiva, observou-se que a maioria das crianças apresentou pelo menos um episódio de otite.




A ocorrência de episódios de comprometimento condutivo segundo a variável sexo está apresentada nas Tabelas 4 e 5. Nos dois grupos houve maior ocorrência de comprometimento condutivo no sexo masculino, porém a diferença não foi estatisticamente significante (Tabelas 4 e 5).






Estudo Retrospectivo

No estudo retrospectivo, foram analisados prontuários de 217 crianças nascidas pré-termo, entre os anos de 2003 a 2006, sendo 115 do sexo feminino e 102 do sexo masculino, pertencentes ao Programa de acompanhamento multidisciplinar de neonatos de alto risco. O grupo estudo foi formado por crianças que falharam na triagem auditiva neonatal por alteração condutiva e o controle por crianças que não falharam.

A ocorrência de comprometimento condutivo no primeiro ano de vida no grupo estudo e no grupo controle é apresentada na Tabela 6. A análise da ocorrência de comprometimento condutivo segundo os grupos estudados mostrou que houve diferença estatisticamente significante (p=0,0186*). A chance de um recém-nascido do grupo controle não apresentar comprometimento condutivo é 2,9 vezes maior que a chance de um recém-nascido do grupo estudo não apresentar comprometimento condutivo (Tabela 6).




O número de episódios de comprometimento condutivo decorrente de otite por avaliação realizada está apresentado na Tabela 7. Observou-se que o picode maior ocorrência de otite foi aos seis meses de idade em ambos os grupos.




A Tabela 8 apresenta o número de crianças que tiveram um episódio ou dois de comprometimento condutivo durante o estudo.




No acompanhamento realizado com os recém-nascidos ao longo dos 12 meses, após a realização da triagem auditiva, observou-se que a maioria das crianças apresentou pelo menos um episódio de otite.

As Tabelas 9 e 10 apresentam a ocorrência de comprometimento condutivo segundo a variável sexo.






Apesar de o sexo masculino apresentar maior ocorrência de comprometimento condutivo a diferença não foi estatisticamente significante. (Tabelas 9 e 10).


DISCUSSÃO

Dentre as alterações de orelha média presentes na infância, os episódios de otites recorrentes e/ou persistentes estão chamando a atenção dos profissionais, bem como os casos de perdas auditivas condutivas temporárias.

Foi analisada a ocorrência de alteração condutiva por OMS nas crianças que falharam na triagem auditiva por comprometimento condutivo, durante seu acompanhamento por 12 meses.

Os resultados encontrados em ambos os estudos foram similares. Portanto, a discussão será realizada em conjunto.

A análise da ocorrência de comprometimento condutivo, segundo os grupos estudados, mostrou que houve diferença estatisticamente significante entre o grupo controle e o grupo estudo em ambos os estudos (prospectivo e retrospectivo)(Tabelas 1 e 6).

Nos resultados obtidos no estudo prospectivo, observou-se que no grupo estudo 16(57,1%) crianças apresentaram comprometimento condutivo no decorrer do primeiro ano de vida, e do grupo controle apenas nove (23,7%). Esses resultados são semelhantes aos obtidos por Doyle et al. (2004)6 que pesquisaram se neonatos que apresentaram efusão persistente de orelha média com 30 a 48 horas de vida teriam mais propensão a desenvolver otite média no primeiro ano de vida comparados a recém-nascidos que não apresentaram efusão. Os autores observaram que oito (58%) das 14 crianças do grupo experimental desenvolveram otite média no decorrer do primeiro ano de vida, e do grupo controle três das 15 crianças (20%). Esta diferença entre os grupos foi estatisticamente significante assim como a do presente estudo.

Apesar de o grupo estudo apresentar maior ocorrência de comprometimento condutivo, as crianças do grupo controle também apresentaram alteração condutiva no primeiro ano de vida, sendo 23,7% no estudo prospectivo e 12,6% no estudo retrospectivo (Tabelas 1 e 6).

Sabe-se que as perdas condutivas podem decorrer de otites médias, principalmente as otites secretoras. A otite média é uma das doenças mais comuns na infância (Sih et al., 1993)12. Sutton et al. (1996)13 afirmaram que a efusão de orelha média pode ocorrer em 50% das orelhas dos neonatos e ocasionar a falha na triagem auditiva realizada com emissões otoacústicas. Klein (1989)14 realizou umapesquisa com 2.500 crianças com menos de dois anos e observou que 42% apresentavam otite média ocasional e 33% tiveram otite média recorrente, (sendo mais de três episódios). Hogan et al. (1997)15 realizaram um estudo longitudinal com 112 recém-nascidos, que foram acompanhados por três anos e observaram que as crianças com menos de dois anos de idade são mais susceptíveis a episódios recorrentes de efusão por esse motivo, deve-se dar uma atenção especial aos recém-nascidos. Isaac et al. (1999)16 relatou que, para algumas crianças, a otite média começa nos primeiros meses de vida e se repete continuamente, sendo que muitas mantêm episódios recorrentes de otite média aguda e otite média crônica acompanhadas por flutuações na acuidade auditiva durante anos importantes para o desenvolvimento da fala e linguagem. Dessa forma, os resultados do presente estudo reafirmam o que foi observado pelos estudos de Hogan et al., 199715 e Isaac et al., 199916.

No presente estudo, observou-se que recémnascidos que tiveram otite no período neonatal (1º mês de vida) tiveram mais chance de desenvolver outros episódios de otite ao longo dos 12 meses. Tal achado é semelhante ao encontrado por Saes et al. (2005)4 que estudou a ocorrência de episódios de otite (secreção de orelha média) em 190 recém-nascidos, e observou que o período de aparecimento do primeiro episódio esteve diretamente associado à sua recorrência. Os lactentes que tiveram o primeiro episódio após o 6º mês apresentaram menor índice de recorrência. O inverso foi verificado para os casos em que o primeiro episódio ocorreu anterior ao sexto mês, ou seja, esse grupo apresentou maior número de recorrência. Na presente pesquisa, o grupo estudo, de crianças que tiveram o primeiro episódio de otite com um mês de vida, teve maior número de recorrências comparado ao grupo controle, de crianças que não tiveram otite no primeiro mês de vida (Tabelas 1 e 6).

Paparella (1972)17 referiu que em alguns casos de otite média pode haver melhora espontânea sem ocorrer danos à aquisição de linguagem ou outras sequelas. Em outros, a doença pode se tornar crônica podendo levar a distúrbios do desenvolvimento da linguagem e educacionais, além de que, se não tratada, pode evoluir, agravarse e comprometer as células mastoideas, ou mesmo a cavidade craniana, causando graves complicações e até acometer o ouvido interno provocando perda de audição neurossensorial.

Apesar de o sexo masculino apresentar maior ocorrência de comprometimento condutivo, a diferença não foi estatisticamente significante. (Tabelas 4, 5, 9 e 10). Os estudos de Sih (1998)18 demonstraram que crianças do sexo masculino têm maior possibilidade de desenvolver otite média. Saes et al. (2005)4 estudaram a ocorrência de episódios de otite (secreção de orelha média) em 190 recém-nascidos. Os autores verificaram maior frequênciade quatro ou mais episódios de otites nos lactentes do sexo masculino (estatisticamente significante). O assunto ainda é controverso. A maioria dos pesquisadores relatou não haver diferenças com base no sexo, sobre a incidência de otite media com efusão ou em tempo de efusão da orelha média (Paradise et al, 1997)19. Alguns estudos mostraram que os meninos apresentam uma incidência significativamente maior de otite media aguda e mais episódios de otite media aguda que as meninas (Teele et al, 1989)20, porem outros não encontraram confirmação para os fatos de os meninos terem mais episódios de otite media aguda que as meninas (Casselbrant et al, 1995)21. Os meninos foram descritos como tendo maior propensão para efusão persistente de orelha média. A razão para a diferença entre os sexos não é conhecida ainda.

Das crianças que apresentaram comprometimento condutivo ao longo dos 12 meses de vida, foi estudado em qual das avaliações (2a avaliação aos seis meses e 3a avaliação aos 12 meses) houve maior ocorrência de comprometimento condutivo. Observou-se que o pico de maior ocorrência de comprometimento condutivo no grupo estudo (de ambos os estudos) foi aos seis meses de idade (53,8% no estudo retrospectivo e 55% no prospectivo) (Tabelas 2 e 7). Esse achado corrobora os achados de Saes et al. (2005)4 que observaram que o período de aparecimento do primeiro episódio esteve diretamente associado à sua recorrência.

Engel et al. (1999)22 realizaram um estudo prospectivo, longitudinal, a fim de identificar a prevalência de otite média com efusão (OME) em 150 recém-nascidos saudáveis e 100 recém-nascidos de alto risco, com idades compreendidas entre zero e dois anos. Assim como no presente estudo, foi observada diferença em ambos os grupos (alto risco e lactentes normais) que permaneceram pelo menos até 24 meses no decorrer do desenvolvimento das crianças. O pico de maior ocorrência de OME (59% no grupo de alto risco versus 49% no grupo normal) foi observado em torno da idade de dez meses. Os autores concluíram que a OME tem uma grande prevalência, durante a infância, especialmente em crianças de alto risco.

Saes et al. (2005)4 estudaram a ocorrência de episódios de otite em 190 recém-nascidos e concluíram que o primeiro ano é o período de maior incidência de secreção na orelha média, sendo o quarto e o 12º mês os de maior ocorrência. Fiellau-Nikolajsen (1990)5 relata que a otite média secretora é relativamente incomum durante os seis primeiros meses de vida. Na faixa etária entre seis a 12 meses de idade, a incidência aumenta muito, chegando à porcentagem de 13 a 15% em torno de 12 meses de idade. Tais resultados são semelhantes aos obtidos no presente estudo, em relação ao pico de otite no 6º mês de vida. Costa et al. (1994)23 relata que a incidência da otite média secretora é maior entre crianças de seis a oito meses e de quatro a seis anos, sendo que a tendência é diminuircom a idade. Roy et al. (2007)24, em estudo retrospectivo, investigaram a incidência de otite média durante os dois primeiros anos de vida em uma população de 252 recémnascidos em Bangladesh. Os autores encontraram maior ocorrência de OMS entre os seis-12 meses de idade e os de menor ocorrência nos três primeiros meses de vida.

No acompanhamento realizado com os recémnascidos ao longo dos 12 meses, após a realização da triagem auditiva, observou-se que em ambos os estudos (prospectivo e retrospectivo) houve ocorrência de apenas um episódio de perda auditiva condutiva (otite) por criança, a partir da segunda avaliação.

Observou-se nos dois estudos maior ocorrência de apenas um episódio de perda condutiva. (Tabelas 3 e 8). A ocorrência encontrada neste estudo, de um episódio por ano, é similar a encontrada no estudo de Roy et al. (2007)24. Esses autores investigaram a incidência de otite média durante os dois primeiros anos de vida em uma população de 252 recém-nascidos e encontraram uma taxa de incidência de 0,9 episódios por criança-ano. Quarenta e seis por cento (n=115) dos 252 indivíduos desenvolveram otite, 36% (n=91) durante o primeiro ano de vida e 10% (n=24) durante o segundo ano de vida (p<0,001). Entretanto, Klein (1989)14 realizou uma pesquisa com 2.500 crianças com menos de dois anos, observando que 42% apresentavam otite média ocasional e 33% tiveram otite média recorrente, sendo mais de três episódios por ano.

Com base nos resultados encontrados nesta pesquisa, acredita-se que a identificação de comprometimento condutivo na triagem auditiva neonatal e infantil constitui uma parte importante para intervenção adequada e rápida, pois mesmo sendo transitória a perda auditiva condutiva pode causar alterações de linguagem e de processamento auditivo. Na literatura pesquisada, há muitos estudos (Northern, Downs, 19912; Klein, 198914; Hogan et al., 199715; Zapala, 199725; Doyle et al., 199726; Engel et al., 199922; Cone-Wesson et al., 199727; Doyle et al., 20046; Saes et al., 20054; Roy et al., 200724) que reforçam a importância do diagnóstico das alterações condutivas e apontam a alta incidência dessa patologia em crianças de maior risco.

A elevada ocorrência de otites nas crianças que falham na TAN indica a necessidade da atuação conjunta com o médico otorrinolaringologista. Portanto é de fundamental importância tal profissional integrar a equipe de triagem auditiva neonatal assim como participar do processo de acompanhamento audiológico infantil.


CONCLUSÃO

A partir da análise dos resultados obtidos no presente estudo pôde-se concluir que os neonatos que falharam na triagem auditiva neonatal no primeiro mês de vida por apresentar otite secretora têm mais chance de desenvolverem episódios de otite, principalmente entreo 6º e o 12º mês de vida. Além disso, pôde-se concluir também que os programas de TAN necessitam da atuação conjunta do médico otorrinolaringologista para diagnosticar alterações auditivas, principalmente as alterações de orelha média, que podem futuramente levar a alterações de processamento auditivo e, consequentemente, interferir no aprendizado escolar.


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1. Mestre, fonoaudióloga.
2. Fonoaudióloga. Doutora, Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Paulo/UNIFESP/Escola Paulista de Medicina/EPM.
3. Médico Otorrinolaringologista. Doutor, Professor Adjunto de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo/UNIFESP/Escola Paulista de Medicina/EPM.

Endereço para correspondência:
Priscila Karla Santana Pereira
Av. São João 1588 apto. 67 Santa Cecília
01211-000, São Paulo, SP

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 30 de junho de 2009. cod 6483
Artigo aceito em 25 de novembro de 2009
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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