ISSN 1806-9312  
Sexta, 13 de Dezembro de 2024
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3997 - Vol. 76 / Edição 3 / Período: Maio - Junho de 2010
Seção: Artigo Original Páginas: 321 a 325
Comparação entre diferentes métodos de coleta para avaliação microbiológica de pacientes com rinossinusite
Autor(es):
Karina Mantovani1, Daniela de Oliveira Rodrigues2, Edwin Tamashiro3, Fabiana Cardoso Pereira Valera4, Ricardo Cassiano Demarco5, Roberto Martinez6, Wilma Terezinha Anselmo Lima7

Palavras-chave: cultura, microbiologia, sinusite.

Keywords: culture, microbiology, sinusitis.

Resumo: Atualmente existe controvérsia sobre qual a melhor forma de se coletar secreção do meato médio ou seio maxilar em pacientes com rinossinusite crônica. Objetivo: Avaliar a prevalência de bactérias em pacientes com rinossinusite crônica e comparar o método de aspiração direta com seringa e coletor estéril como forma de análise microbiológica desses pacientes. Materiais e Métodos: Estudo prospectivo em 31 pacientes submetidos à coleta de secreção do seio maxilar sob visão endoscópica por dois métodos diferentes (aspiração com coletor estéril de secreção nasal "suction trap" e aspiração usando cateter com seringa acoplada), para determinação do diagnóstico microbiológico e comparação dos métodos utilizados. Resultados: Dos 31 pacientes estudados, o crescimento de microrganismos foi observado em apenas 55% das amostras cultivadas. Os microorganismos mais frequentes foram Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa e outras bactérias aeróbicas Gram-negativas. Os resultados das culturas foram coincidentes entre os dois métodos em 71% dos pacientes. Conclusão: Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa e outras bactérias aeróbicas Gram-negativas constituem a flora predominante em pacientes com rinossinusite crônica. Houve correlação satisfatória entre os achados microbiológicos obtidos pelo uso de cateter acoplado à seringa com o do coletor nasal do tipo "suction trap".

Abstract: There is still controversy on which is the best method to collect the secretion directly from the middle meatus or maxillary sinus in patients with chronic rhinosinusitis. Aim: To evaluate the prevalence of bacteria in patients with chronic rhinosinusitis and compare the suction trap collector to direct aspiration attached to a syringe for the microbiological analysis of these secretions. Materials and Methods: Prospective study involving 31 patients who underwent endoscopically guided maxillary secretion aspiration by two different methods (aspiration with the collector tube "suction trap" and aspiration with the use of a catheter connected to a syringe), to determine the microbiological diagnosis and to compare the two methods used. Results: microorganisms grew samples collected from 55% of the 31 patients. The most frequent bacteria were S. aureus, Pseudomonas aeruginosa and other aerobic Gram-negative bacteria. The results from cultures were similar between the two methods in 71% of patients. Conclusion: S. aureus, Pseudomonas aeruginosa and other aerobic Gram-negative bacteria make up the main flora in the maxillary sinus of the patients. There was good correlation between the microbiological results obtained by using a catheter attached to a syringe and the "suction trap" nasal collector.

INTRODUÇÃO

Apesar dos diferentes estudos em Rinossinusite Crônica (RSC), não se sabe com clareza os verdadeiros mecanismos patogênicos e agentes etiológicos envolvidos nesta doença. Ao contrário de estudos de microbiologia realizados em pacientes com rinossinusite aguda, não existem dados definitivos e consistentes sobre a real distribuição dos patógenos bacterianos presentes em pacientes com RSC. Parte desta incerteza deve-se à grande variabilidade de métodos utilizados nesses estudos (diferentes métodos de coleta, uso de antibiótico prévio, variações nos métodos de cultura), além da dificuldade de se distinguir quais são agentes patogênicos e quais são apenas agentes colonizadores.

A punção do seio maxilar através da fossa canina era considerada, até recentemente, como o método padrão-ouro para coleta de amostras para estudos microbiológicos em pacientes com sinusite. Contudo, trata-se de um procedimento doloroso, invasivo, dependente da colaboração do paciente e algumas vezes requer anestesia local, sedação ou até mesmo anestesia geral1,2. Alternativas menos invasivas têm sido utilizadas, como a coleta de material do meato médio sob visão endoscópica. A coleta sob visão direta com esfregaço meatal (swab) ou aspiração por seringa apresenta críticas quanto à possível contaminação de áreas adjacentes ao meato médio, como o vestíbulo nasal, que poderiam mostrar resultados não fidedignos com a real microbiologia dos seios paranasais acometidos. Assim, técnicas mais precisas como a aspiração direta da secreção com reservatório estéril ("suction trap") poderiam solucionar tal conflito. Estudos comparando resultados microbiológicos obtidos através da punção do seio maxilar com os da coleta endoscópica de material do meato médio têm demonstrado boa correlação entre os métodos3-6. Apesar de ampla aceitação das técnicas menos invasivas, não existem evidências a respeito da equivalência entre os diferentes métodos de coleta do meato médio.

Diante disso, realizamos uma comparação de dois diferentes métodos para coleta de material do seio maxilar: aspiração com coletor estéril de secreção nasal ("suction trap"), e aspiração usando cateter com seringa acoplada, comparando a prevalência de microorganismos piogênicos entre os dois métodos.


MATERIAIS E MÉTODOS

Foi realizado um estudo transversal em 31 pacientes consecutivos, sendo 12 do sexo masculino (38,7%) e 19 do sexo feminino (61,3%), de 13 a 78 anos, (média de 41,6 anos), com diagnóstico de RSC. Este projeto foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob processo nº1930/97).

Foram incluídos os pacientes com RSC que não apresentaram melhora clínica após tratamento clínico(lavagem salina nasal, antibióticos, e corticoides, tópicos e sistêmicos), e que tiveram indicação para cirurgia endoscópica nasossinusal, segundo o Consenso EPOS 20077. Foram excluídos os pacientes com uso prévio de antibiótico nos últimos trinta dias que antecederam à coleta da amostra, ou aqueles que apresentavam alguma alteração anatômica que impedisse a visualização direta do meato médio.

Após anestesia do paciente, a fossa nasal foi submetida a uma rigorosa limpeza com soro fisiológico, e vasoconstrição com adrenalina 1:10000 por dez minutos. Em seguida, foi realizado acesso ao seio maxilar durante cirurgia endoscópica nasal e coletada secreção do seio maxilar por dois diferentes métodos de aspiração:

1. Cateter conectado a uma seringa, introduzido até o seio maxilar;

2. Coletor estéril "suction trap" (Coletor de Secreção Nasal, Medtronic Xomed, Jacksonvile/FL-USA)(Figura 1).


Figura 1. A figura mostra o coletor estéril "suction trap".



O material coletado foi imediatamente semeado para pesquisa de bactérias aeróbias nos meios Ágar Sangue (ágar Mueller Hinton com 5% de sangue de carneiro), Mac Conkey (ágar, peptona, cloreto de sódio, sais biliares, cristal violeta, lactose e indicador de pH vermelho neutro) e Ni (ágar simples com 7,5% de NaCl) incubados a 37ºC, por 24 horas. Para a identificação do gênero e da espécie dos microrganismos isolados foram usados painéis apropriados do sistema automatizado VITEK®, complementando-se com testes adicionais quando necessário.

Para análise estatística foi utilizado o teste de Fisher para comparação entre positividade de amostras, considerando significativo p<0,05.


RESULTADOS

Das 62 amostras estudadas (31 coletadas com seringa e 31 com coletor nasal), em 37 delas (59,7%) não houve crescimento de microrganismos. Comparando osdois métodos de coleta, observamos 20 amostras negativas obtidas com a seringa (64,5%) e 17 amostras negativas obtidas com o coletor (54,8%). O teste de Fisher demonstra P de 0,60, mostrando não haver diferença significativa entre os dois métodos de coleta em relação ao número de amostras que tiveram crescimento bacteriano.

Entre as 25 amostras que apresentaram crescimento de microorganismos, 14 delas foram obtidas com o coletor (uma das amostras apresentando crescimento polimicrobiano) e 11 obtidas com a seringa. Comparando o perfil microbiológico entre os dois tipos de coleta, observamos crescimento de onze bactérias Gram-negativas e quatroGram-positivas no grupo do coletor, e crescimento de sete bactérias Gram-negativas e quatro Gram-positivas no grupo da seringa, sendo o Staphylococcus aureus o mais frequente em ambos os grupos (26,7% das amostras positivas obtidas com coletor e 18,2% das amostras positivas obtidas com seringa). Outros microorganismos encontrados foram: Pseudomonas aeruginosa, Streptococcus viridans, Enterobacter aerogenes, Staphylococcus epidermidis, Proteus mirabilis, bacilo Gram-negativo não identificado, Klebsiella pneumoniae, Enterobacter cloacae, Haemophilus sp e Escherichia coli (Tabela 1).




Considerando-se as amostras positivas e negativasentre as duas formas de coleta, observamos que 22 das 31 (71%) amostras tiveram resultados coincidentes.


DISCUSSÃO

Ainda não se conhece o tratamento definitivo para a RSC, já que não existe completo esclarecimento quanto aos mecanismos fisiopatogênicos e os agentes etiológicos desta patologia. Dentre os tratamentos propostos, a antibioticoterapia empírica é uma das principais condutas para o controle desta doença. Porém, o elevado custo de drogas de amplo espectro, o alto índice de falha nos tratamentos e o aparecimento de organismos resistentes têm exigido melhor esclarecimento quanto aos microrganismos realmente envolvidos na RSC.

Com o intuito de identificar esses microrganismos, diversos estudos foram publicados na tentativa de se estabelecer diversas variáveis, como o sítio ideal para obtenção de material para cultura, o método melhor de coleta, o tipo de material a ser enviado (mucosa ou secreção) ou a forma específica para identificação dos microrganismos (cultura ou reação em cadeia da polimerase-PCR)1,8-13.

Nos últimos anos, vários estudos tentaram validar a cultura realizada de amostras coletadas por endoscopia no meato médio, sendo estudada e estabelecida a aspiração do meato médio por Jiang et al. (1993)14. Um novo estudo dos mesmos autores em 19984 demonstrou que a obtenção de amostras de mucosa não apresentou resultados superiores para identificação de bactérias patogênicas em relação à análise exclusiva da secreção nasal.

Araújo et al. (2003)15 demonstraram que 80% das culturas colhidas tanto por punção do seio maxilar quanto por aspiração do meato médio apresentaram crescimento do mesmo microorganismo. Esses mesmos autores sugerem que a cultura endoscópica do meato médio é uma alternativa viável à punção maxilar por ser um método não-invasivo e efetivo na identificação dos patógenos envolvidos na RSC.

Um estudo realizado por Orobello et al. (1991)5 com 39 pacientes pediátricos demonstrou haver uma alta correlação entre as culturas das secreções do meato médio com a secreção coletada dos seios maxilar e etmoide, sendo esta correlação de 83% com o seio maxilar e de 80% com o etmoide. Outro estudo realizado por Ozcan et al. (2002)16 avaliando 127 pacientes adultos também demonstrou uma alta correlação (91,2%) entre o crescimento bacteriano observado na secreção colhida do meato médio com o material coletado do seio etmoidal. Diante desses dados, a aspiração endoscópica tem sido considerada uma forma adequada para obtenção de material para monitoramento de pacientes com RSC e orientação à antibioticoterapia, substituindo a punção via fossa canina do seio maxilar.

Um estudo realizado por Tantilipikorn et al.17 demonstrou não haver diferença significativa entre a obtençãode material por métodos de aspiração ou com o uso de swabs quando feitos por visão endoscópica. Porém, a quantidade de material obtido nos swabs geralmente é insuficiente para pesquisa de fungos ou bactérias anaeróbias, o que limita o uso de tal método.

No presente estudo utilizamos dois métodos diferentes para obtenção de secreção do seio maxilar sob visão endoscópica. O primeiro, com a utilização de um cateter acoplado a uma seringa que, apesar de consideravelmente mais barato e de fácil obtenção em qualquer serviço médico, teria um maior risco de contaminação devido à maior dificuldade de manipulação do cateter e o possível contato deste com o vestíbulo nasal. O segundo método, com recipiente de coleta tipo "suction trap", já utilizado previamente para obtenção de material em outros estudos, é tido como método efetivo para evitar contaminação, uma vez que o material é transferido por sucção do seio paranasal diretamente para um recipiente estéril6,18-21.

Observamos um número significativo de amostras sem crescimento bacteriano, tanto com o coletor (54,8%) quanto com a seringa (64,5%). Tais resultados são compatíveis com estudos anteriores que relataram ausência de crescimento bacteriano em 17 a 60% das amostras22-24. Evidências recentes sugerem que a ausência de crescimento bacteriano em culturas convencionais poderia estar relacionada à presença de biofilmes bacterianos aderidos à mucosa nasossinusal, ou então reforçando a hipótese de que a reação inflamatória encontrada nos casos de RSC nem sempre está associada a processos infecciosos25.

Os microorganismos mais frequentes nas amostras coletadas foram semelhantes aos estudos prévios: Staphylococcus aureus e a Pseudomonas aeruginosa. Encontramos, no entanto, um maior número de bactérias aeróbicas Gram-negativas que o relatado em outros estudos2,15,26,27. Comparando as amostras coletadas com a seringa com as do coletor estéril, observamos o mesmo resultado em 71% dos pacientes. Nos oito pacientes com isolamento de microorganismos em ambos os tipos de amostras houve 100% de coincidência quanto às espécies bacterianas, exceto pela detecção adicional de Staphylococcus aureus em uma amostra obtida com o coletor. Mesmo observando essa diferença nos resultados, conforme já relatado anteriormente, não houve diferença estatisticamente significativa na utilização dos dois métodos (p=0,60).

Dentre os resultados discordantes, observamos que nos pacientes que apresentaram apenas culturas positivas com o uso do coletor, houve o crescimento de Staphylococcus aureus, Proteus mirabilis, Pseudomonas aeruginosa e Klebsiella pneumoniae. A ausência de crescimento desses microorganismos patogênicos nas amostras correspondentes coletadas com a seringa demonstra um provável resultado falso-negativo.

Nos pacientes que apresentaram culturas positivas apenas com a seringa, encontramos o crescimentode Streptococcus viridans, Staphylococcus epidermidis, e Enterobacter cloacae. As duas primeiras bactérias são consideradas por alguns estudos como colonizadoras da fossa nasal18,19,27.

Portanto, apesar da análise estatística não demonstrar diferença entre os dois métodos, não se pode descartar que a obtenção de material com o coletor proporcione resultados mais específicos do que com o uso do cateter acoplado à seringa, uma vez que a análise estatística não leva em consideração quais os microorganismos foram encontrados na cultura.

Estudos futuros, com maior número de pacientes, melhor padronização dos métodos de coleta e outras análises mais específicas da secreção maxilar, como avaliação microbiológica por PCR e avaliação do infiltrado de células inflamatórias presentes nas amostras de mucosa nasal, seriam necessários para a confirmação se o uso do coletor com recipiente estéril ("suction trap") seria realmente um método mais acurado para diagnóstico microbiológico de pacientes com RSC.


CONCLUSÕES

No presente estudo encontramos predominância do Staphylococcus aureus, da Pseudomonas aeruginosa e outras bactérias Gram-negativas entre os microrganismos patogênicos na RSC. Constatamos também que o método de coleta com cateter acoplado à seringa apresenta resultados semelhantes aos obtidos com o coletor, podendo ser um método válido e confiável para obtenção de secreção do meato médio se tomados os devidos cuidados para se evitar contaminação no vestíbulo nasal.


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1. Mestrado, Professora.
2. Médica Residente, médica otorrinolaringologista.
3. Doutorado, médico assistente.
4. Doutorado, Professora Doutora.
5. Mestrado, médico assistente.
6. Livre Docente, Professor Associado.
7. Professora Associada, Docente.

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 29 de julho de 2009. cod. 6531
Artigo aceito em 1 de outubro de 2009
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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