INTRODUÇÃOUm número crescente de idosos que ouvem bem e que se queixam que não compreendem a fala em ambientes onde a fala de outras pessoas, música ou ruído está presente, tem procurado os otorrinolaringologistas1. A perda auditiva em tons agudos, quando presente, explica algumas dessas queixas, porém nos últimos anos um fator adicional atribuído a alterações funcionais do córtex cerebral relacionadas à idade tem sido reconhecido1,2. Alterações neuroquímicas e estruturais já estão comprovadamente envolvidas neste processo3-5.
Alguns destes idosos têm audiometria tonal perfeitamente normal ou com perdas leves que não justificariam a dificuldade em compreender a fala. Fazer o diagnóstico adequado da disfunção cerebral auditiva que possivelmente apresentam é desafio da moderna audiologia. Estudos com testes auditivos comportamentais que avaliam o Sistema Nervoso AuditivoCentral (SNAC) têm sido empregados com essa finalidade, porém ainda em uma escala muito menor do que aqueles que avaliam disfunções no nível periférico da audição6.
Sutton et al.7 publicaram em 1965 um estudo de potenciais positivos com latência ao redor de 300 milissegundos (ms) evocados com a apresentação de um estímulo tonal "raro" apresentado de forma inesperada em uma sequência de estímulos tonais "frequentes". O indivíduo examinado deveria prestar atenção aos estímulos raros e executar uma tarefa cada vez que ele fosse percebido. A tarefa poderia ser contar o número de estímulos raros percebidos. Este potencial se situa além dos estágios obrigatórios do processamento sensorial e tem sido chamado de endógeno, uma vez que sua geração depende de uma ação voluntária do indivíduo e não apenas da percepção passiva dos estímulos sonoros que são considerados "exógenos". Estes potenciais são associados a processos ativos como atenção, percepção, memória e cognição. Em função da latência em indivíduos adultos jovens normais ser próxima a 300ms o nome P300 foi adotado.
Atualmente considera-se que o P300, entre outros potenciais auditivos evocados de longa latência (PAELL), desempenha um papel fundamental na audiologia, pois sua capacidade de captar potenciais elétricos gerados no SNAC relacionados com a cognição, sem utilizar técnicas invasivas, representa um método diagnóstico único que fornece uma janela espaço-temporal através da qual é possível entender os processos cerebrais subjacentes ao processamento e percepção auditivas8.
A possibilidade de avaliar distúrbios do processamento auditivo central com P300 é recente e promissora como demonstrou o trabalho de Jerger e Lew1 em 2004. Eles observaram que a latência do P300 se mostrou significativamente aumentada em indivíduos idosos com distúrbios do processamento auditivo central detectadospor testes dicóticos comportamentais quando comparada com latência observada em idosos com presbiacusia e com testes dicóticos comportamentais normais. Esta avaliação torna-se ainda mais importante em função do aparecimento de técnicas eficientes de tratamento destes distúrbios, que demandam um diagnóstico detalhado da disfunção cortical9.
Como aumento da latência do P300 ocorre de forma fisiológica a partir do 15 anos de idade10-13, a idade deve ser levada em consideração na interpretação dos valores obtidos em diferentes faixas etárias. A literatura internacional sobre este tema está concentrada nos anos 80. Nessa época era considerado idoso o indivíduo com mais de 45 anos e as pesquisas envolviam um numero pequeno de indivíduos com mais de 70 anos. Resultados controversos nos valores de latência do P300 obtidos nestes estudos em "idosos" foram obtidos por falta de uma uniformização dos estímulos auditivos e das tarefas envolvidas na resposta ao teste14 assim como por fatores inerentes a esta faixa etária15.
Considerando o acima exposto, nos parece apropriado estabelecer valores de referência atualizados da latência do P300 para se confrontar com valores obtidos em grupos de indivíduos suspeitos de apresentarem distúrbios no Processamento Auditivo Central (PAC).
Este trabalho tem por objetivo determinar o efeito da idade sobre a latência do P300 em uma população de idosos saudáveis com finalidade de colaborar no estabelecimento destes valores de referência.
MATERIAL E MÉTODOA presente pesquisa está configurada dentro de um paradigma quantitativo de investigação em campo, com levantamento de dados e análise descritivo-exploratória caracterizada como um corte transversal observacional individual comparado, contemporâneo, sendo a variável independente o avanço da idade e a variável principal de desfecho a latência do P30016. Foi realizada a partir da obtenção dos valores de latência do Potencial Auditivo Evocado de Longa Latência P300 (P300) em um grupo de idosos participantes do projeto "Idoso, Natação e Saúde" do Núcleo Integrado de Estudo e Apoio a Terceira Idade (NIEATI) da instituição onde a pesquisa foi realizada. A atividade principal deste projeto é a prática de hidroginástica uma vez por semana.
O grupo de estudo foi composto por indivíduos com idade entre 60 e 74 anos ("idosos jovens" segundo a OMS) participantes do projeto do NIEATI da instituição onde a pesquisa foi realizada. Participavam do projeto 253 idosos (durante o ano letivo de 2007).
Para inclusão no estudo os indivíduos deveriam assinar o termo de consentimento livre e esclarecido concordando em participar da pesquisa, apresentar otoscopia normal, autoavaliar sua audição como muito boa ou boa,apresentar escolaridade suficiente para compreensão e execução do teste, apresentar limiar auditivo tonal nas frequências 1000 e 2000Hz igual ou menor a 40dBNA e Índice Porcentual de Reconhecimento de Fala (IPRF) maior que 80% de ambos os lados e apresentaram o P300 com latência entre 250 e 500ms, pois picos positivos com valores fora desta faixa de latência não podem ser chamados de P300 de acordo com Pfefferbaum et al.17 (1984).
Excluiu-se do estudo os indivíduos que apresentaram limiar tonal maior que 40 dBNA nas frequências de 1000 e 2000Hz em qualquer uma das orelhas, IPRF menor que 80% em qualquer uma das orelhas, histórico de acidente vascular cerebral (AVC), trauma craniano, tumores cerebrais, demência senil, esquizofrenia, afasia, insuficiência renal crônica, alcoolismo, esclerose em placas, Doença de Parkinson, Doença de Huntington, HIV positivos, Doença de Alzheimer, não aceitaram participar do projeto, faltaram às avaliações, usavam de drogas psicoativas, apresentaram otoscopia com sinais de comprometimento da integridade anatômica do conduto auditivo externo e/ou membrana timpânica.
Atenderam aos critérios de inclusão e exclusão os 62 idosos que formam o grupo de estudo.
A Comissão de Ensino, Pesquisa e Extensão e pelo Comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde dada instituição onde a pesquisa foi realizada aprovou a pesquisa que está registrada sob o número 095/04 conforme Resolução 196/96 da Comissão Nacional de Ética e Pesquisa.
A diretora do NIEATI assinou o Termo de Autorização Institucional para a realização da pesquisa, após ter sido informada dos objetivos da mesma pela pesquisadora. Após a assinatura do Termo de Autorização Institucional foram estipulados pela instituição os dias e horários para coleta de dados realizada, em um primeiro momento, no ambulatório médico do Centro de Educação Física pela pesquisadora ou por alunos do Curso de Medicina da instituição onde a pesquisa foi realizada.
Informou-se o objetivo da pesquisa e convidou-se os idosos para dela participar no dia em que vinham fazer o exame médico exigido para a prática de hidroginástica. Aqueles que aceitaram o convite assinaram uma autorização para sua participação na mesma mediante termo de consentimento informado.
A pesquisa teve três momentos distintos:
- no primeiro momento, todos os idosos que fizeram seu exame médico na terça e quarta-feira pelos alunos do curso de Medicina foram submetidos ao questionário de autoavaliação da audição (APÊNDICE A), de forma individual.
- em um segundo momento, aqueles idosos que se autoavaliaram como tendo audição muito boa ou boa, foram ao Hospital Universitário da instituição onde foi realizada a otoscopia, a audiometria tonal e a audiometria vocal. Essas avaliações foram feitas pela pesquisadora e por duas fonoaudiólogas.
- em um terceiro momento, aqueles idosos cujasaudiometrias preenchiam os critérios de inclusão e exclusão foram submetidos ao exame do P300.
A anamnese foi direcionada para detectar fatores de exclusão da amostra como escolaridade insuficiente para realização dos testes, presença de doenças neuropsicológicas e uso de drogas psicoativas, foi realizada no mesmo momento em que foi preenchido o questionário de autoavaliação da audição (APÊNDICE A).
Realizou-se a avaliação otorrinolaringológica antes de cada audiometria. Removeu-se o cerúmen dos indivíduos portadores do mesmo e excluiu-se da pesquisa aqueles com otoscopia alterada.
Realizaram-se as avaliações audiométricas em cabine acústica. Utilizou-se o audiômetro digital AMPLAID 315 para obtenção dos limiares tonais por via aérea, nas faixas de frequências de 250 a 8000Hz, dos limiares por via óssea nas frequências de 500 a 4000Hz, do IPRF para listas monossilábicas e do limiar de reconhecimento de fala (LRF) com listas dissilábicas.
O objetivo desta avaliação foi determinar quais indivíduos apresentaram limiares tonais em 1000 e 2000Hz iguais ou melhores do que 40 dBNA e com IPRF igual ou maior que 80%.
Escolheram-se estas frequências pela sua grande importância na percepção da fala e, pelo mesmo motivo, utilizou-se as mesmas como estímulos no exame do P300. Incluiu-se na pesquisa indivíduos com limiares até 40 dBNA, pois nessa faixa etária raramente encontramos limiares normais.
Realizou-se o exame do P300 auditivo através de um aparelho para avaliação eletrofisiológica da audição da marca CONTRONIC. Acomodou-se o indivíduo em uma cadeira reclinável posicionada de forma que se sentisse o mais confortável possível. Limpou-se com pasta abrasiva a pele do vértex, linha média alta frontal, mastoide direita e esquerda. Após a aplicação de pasta condutiva eletrolítica, fixaram-se os eletrodos nos locais citados com fita adesiva tipo micropore. Manteve-se a impedância dos eletrodos abaixo de 05Kohm (a maior parte das vezes abaixo de 03 Kohm) com uma diferença máxima de 02Kohm entre eles.
Informou-se que o tempo estimado de duração do exame seria de 30 minutos e solicitou-se ao indivíduo que mantivesse o olhar fixo em um ponto determinado a sua frente e que permanecesse o mais imóvel possível durante o teste. Explicou-se ao indivíduo a tarefa que deveria realizar (contagem mental dos estímulos raros) e realizou-se um treinamento inicial com a apresentação de alguns estímulos para o indivíduo compreender bem a dinâmica do teste. Ao final de uma série de 300 estímulos o indivíduo deveria informar corretamente o número de estímulos raros, sendo admitido um erro de até 10% para o exame ser considerado válido.
Apresentou-se uma sequência de estímulos acústicos, de forma binaural, através de fones de sobrepor,contendo dois sinais de mesma intensidade (80dBNA) e de frequência diferente (1000 e 2000Hz), em forma de tone burst com 50ms de duração, sendo o platô de 30ms e os tempos de subida e descida de 10ms). Dentro da sequência, deflagrou-se o estímulo frequente (1000Hz) em 80% das vezes, e deflagrou-se o estímulo raro (2000Hz) aleatoriamente, em 20% das vezes, entre os estímulos frequentes.
Registraram-se as respostas eletrofisiológicas em dois canais de registro simultâneos. Um dos canais registrou as respostas entre o eletrodo do vértex e a mastoide direita e o outro entre o vértex e a mastoide esquerda. O computador mediador de sinal armazenou o aparecimento das respostas separadamente para estímulos raros e para estímulos frequentes, usando a janela de 1000ms, amplificação filtrada de 01 a 20Hz, e taxa de repetição de 0,8 pps como pode-se ver na Figura 1. Determinou-se o P300 como o pico positivo entre 250 e 500ms de latência, de acordo com recomendações de Pfefferbaum et al.17 (1984), observado no traço onde eram somadas as respostas ao estímulo raro.
Figura 1. Exemplo de respostas obtidas:
No primeiro traço, obtido em resposta ao estimulo raro (tom puro de 2000Hz com intensidade de 80dBNA), observa-se a presença dos picos N1 e P2 gerados de forma passiva e os picos N2 e P300 gerados pela contagem mental dos estímulos.
No segundo traço, obtido em resposta ao estímulo frequente (tom puro de 1000Hz com intensidade de 80 dBNA), observa-se apenas a presença dos picos N1 e P2 que não estão relacionados à tarefa de contar os estímulos sonoros. O tempo de análise foi de 1000ms e a sensibilidade de 5 microvolts por divisão. Neste exemplo a latência do P300 foi de 351ms.
Apresentou-se duas séries de 300 estímulos (240 frequentes e 60 raros) para verificar a reprodutibilidade das respostas. Em alguns casos, nos quais o P300 não estava suficientemente definido, uma terceira série foi apresentada.
Para a medida da latência do P300 auditivo obtevese uma resposta composta pela soma (feita por software do equipamento empregado) das duas ou três séries de estímulos realizadas. Desta forma a medida da latência do P300 empregada para as análises desta pesquisa foi o resultado da soma de 120 ou 180 respostas ao estímulo raro, com grande vantagem na definição correta da latência sobre a análise de apenas 60 respostas empregadas de rotina na maioria dos trabalhos. A Figura 2 ilustra esta metodologia.
Figura 2. Exemplo de exame difícil para se determinar a latência do P300:
Os três primeiros traços (A, B e C) correspondem a respostas a 60 estímulos raros cada um, obtidas em sequência no mesmo indivíduo. Pela instabilidade das respostas obtidas, o pico correspondente ao P300 só pôde ser marcado com segurança no quarto traço (A+B+C) que corresponde à soma algébrica dos três primeiros.
Para realizar a comparação das médias da latência do P300, em relação aos grupos etários utilizou-se uma Análise de Variância (ANOVA), com o seu respectivo teste para diferenças mínimas significativas (d.m.s.), Teste de Duncan. Para avaliar as possíveis variações das latências do P300 em função da idade utilizou-se o Coeficiente de Regressão Linear. Em todos os testes, realizados no software SAS 8.02, o nível de significância adotado foi de 5%.
RESULTADOSDos 253 idosos convidados 226 responderam ao questionário de autoavaliação da audição (Apêndice A). Foram excluídos da pesquisa 88 idosos que apresentaram audiometria alterada, além dos padrões aceitos para esta pesquisa, 36 que desistiram, 11 que não foram encontrados, 07 que usavam antidepressivos, 07 que apresentaram P300 com latência menor que 250ms ou maior que 500ms, 06 que não apresentaram P300, 03 que apresentavampassado de AVC, 01 que apresentava insuficiência renal crônica, 01 portador de Doença de Alzheimer de grau leve e 01 com sequela de otite média crônica.
Os grupos foram compostos por idosos entre 60 e 64 anos de idade (Grupo 60), 65 a 69 anos de idade (Grupo 65) e 70 a 74 anos de idade (Grupo 70), que ficaram assim distribuídos:
- Grupo 60: composto por 19 idosos de 60 a 64 anos de idade, sendo 16 do gênero feminino (84%) e 03 do gênero masculino (16%).
- Grupo 65: composto por 22 idosos de 65 a 69 anos de idade, sendo 18 do gênero feminino (82%) e 04 do gênero masculino (18%).
- Grupo 70: composto por 21 idosos de 70 a 74 anos de idade, sendo 16 do gênero feminino (72%) e 05 do gênero masculino (28%).
Os valores de latência do P300 encontrados nesta pesquisa em idosos, demonstrados na Tabela 1, mostraram uma tendência significativa, comprovada estatisticamente, de aumentar à medida que a idade aumentava. Estes valores foram de 337 ms no grupo de 60 a 64 anos de idade com desvio padrão (DP) de 11,31 ms, de 351 ms com DP de 29,05 ms no grupo de 65 a 69 anos de idade e de 370 ms com DP de 23,40m no grupo de 70 a 74 anos de idade. Estes resultados são ilustrados na Tabela 1.
O modelo de regressão linear, exposto no Gráfico 1, mostrou um aumento significativo sob ponto e vista estatístico de 2,85 ms por ano de idade na faixa etária estudada.
Gráfico 1. Dispersão dos valores da latência do P300 (em ms) em função da idade (em anos). A analise da dispersão resultou em: P300=161.46497 + 2.8539* Idade r2=0,2270 (p<0,0001)
DISCUSSÃOGoodin et al.10 em 1978 foram os primeiros a demonstrar que a latência do P300 varia com a idade. Estudaram um grupo de 47 indivíduos com idade variando de 6 a 76 anos de idade, sendo que apenas 07 tinham mais de 60 anos de idade. Naquele trabalho eles empregaram os mesmos estímulos e a mesma tarefa utilizados nesta pesquisa. Encontraram uma média de 390 ms para a faixa de 60 a 75 anos de idade. Afirmaram que a latência do P300 aumentava em 1,8ms a partir dos 15 anos de idade. A latência calculada para os 15 anos era de 294ms (DP 21). Empregando esta fórmula, chegaríamos a um valor previsto de 379ms, 388ms e 397ms para os grupos 60, 65 e 70 respectivamente, valores bem maiores do que os obtidos nesta pesquisa. A explicação para essa discordância está no pequeno número de indivíduos idosos testados por eles (07) em relação ao número de indivíduos desta pesquisa (62).
Brown et al.12 em 1983 obtiveram a latência média do P300 de 342ms (DP 40,5) para uma amostra de 24 indivíduos de 45 a 80 anos de idade (média de 65 anos), um valor próximo ao obtido nesta pesquisa (337ms no grupo de 60 a 64 anos de idade). Para 25 indivíduos abaixo de 45 anos de idade encontraram o valor de 304ms (DP 22). A comparação direta com os achados desta pesquisa não pode ser feita porque a faixa etária estudada por eles era muito mais ampla (45 a 80 anos) e o número de indivíduos muito menor (25) do que os desta pesquisa (faixa etária de 60 a 74 anos e 62 indivíduos).
Polich e Starr13 em1983 obtiveram um valor de latência médio para o P300 de 354ms (DP 35) em uma amostra de 36 indivíduos com mais de 45 anos de idade (média de 59,7) próximo ao valor de 351ms encontrado nesta pesquisa no grupo de 65 a 69 anos de idade. O grupo de indivíduos adultos com menos de 45 anos de idade teve um valor médio do P300 de 310ms (DP 24, 7), claramente inferior ao grupo de mais idade.
Syndulko et al.18 em 1982 encontraram o valor médio de latência para o P300 de 368ms (DP 32,1) em uma amostra de 25 indivíduos com mais de 45 anos de idade (média 63) semelhante ao valor de 370ms encontrado nesta pesquisa no grupo de 70 a 74 anos de idade. O valor de 330ms (DP27, 2) foi observado em 20 indivíduos adultos com menos de 45 anos de idade (média 29).
Nunes19, no primeiro estudo brasileiro feito em idosos, avaliou uma amostra de 30 idosos normais entre 65 e 75 anos de idade, encontrou a latência do P300 em 363,07 (DP 37,08). Juntando os grupos 65 e 70 desta pesquisa(N 43) encontrou-se a média de 360,81ms (DP 27,7) mostrando concordância entre os dois estudos.
Matas et al.20 examinaram 24 indivíduos com idades entre 50 e 79 anos. Os indivíduos foram divididos em três grupos: G1 (50 a 59 anos) G2 (60 a 69 anos) G3 (70 a 79 anos). O P300 apresentou latência média de 331,71 ms no G1, 370,67 no G2 e no G3 407,50 que foi significativo sob ponto de vista estatístico. Juntando-se os grupos 60 e 65 (N 41) obtidos nesta pesquisa encontrou-se o valor médio de 344ms. Este valor é significativamente diferente do obtido no estudo de Matas et al.20(370ms). O número de indivíduos estudados muito menor (08 por grupo), a frequência de o estímulo raro empregado ter sido de 1500Hz e da estimulação ter sido monoaural ao invés de binaural deve ser a causa dessa discrepância entre os resultados.
Em uma análise geral, a presente pesquisa concorda com os dados da literatura que mostram valores de latência maiores para o P300 obtido em idosos do que aqueles obtidos em adultos jovens. Nos trabalhos que mostraram resultados diferentes11-16,20 o número muito pequeno de indivíduos examinados deve ser a principal explicação para as diferenças encontradas.
Há concordância entre todos os estudos e esta pesquisa na observação de que quanto maior a idade maior a latência do P300.
Polich14 constatou, em uma metanálise de diferentes estudos relativos à velocidade com que a mudança de latência do P300 ocorre em diferentes faixas de idade, desde a infância até terceira idade, que a frequência do estímulo raro ou do frequente é um fator relevante no resultado das medidas. Considera que cada frequência usada como estímulo avalia áreas topográficas diversas da via auditiva. A forma da tarefa, do mesmo modo, interfere claramente nos valores de latência obtidos, sendo estas maiores quando se emprega a contagem dos estímulos raros do que quando se aperta um botão.
O emprego de outros tipos de estímulo como sons de fala, intervalos sem som, tom de uma única frequência com intervalo inter-estímulo variável e outros acrescentam ainda mais variáveis para se determinar valores de referência para as medidas da latência do P300 nas diversas faixas etárias.
Observou-se que o tipo de estímulo e de tarefa empregados nesta pesquisa concorda com a grande maioria dos autores. O uso de outros tipos de estimulo e/ou tarefa encontrados na literatura serve para mostrar que mudanças nestes protocolos levam a resultados diferentes. Sugere-se que deve ser mantido o mesmo tipo de protocolo empregado neste trabalho em próximos estudos sobre o P300.
Acredita-se que, com o desenvolvimento recente nos campos do diagnóstico e tratamento dos distúrbios do PAC, o estudo do P300 na população idosa com queixas auditivas relacionadas com a compreensão da fala em ambientes com competição sonora que não se explicampelos seus audiogramas, poderá trazer informações úteis e únicas.
O melhor entendimento do substrato eletrofisiopatológico da disfunção auditiva central e a possibilidade de acompanhamento dos resultados da terapia com um teste rápido (ao redor de 30 minutos) e de baixo custo quando comparado com os testes comportamentais de avaliação do processamento auditivo central são aspectos que devem ser enfatizados.
A confirmação nesta pesquisa de que os valores de latência aumentam com a idade reforça a ideia de que esta variável deve ser levada em conta na interpretação dos resultados do P300.
Os resultados da presente pesquisa podem ser utilizados como valores de referência para outros estudos que poderão ser feitos em grupos com suspeita de distúrbios do PAC.
Para caracterizar a latência máxima admitida como normal nas faixas etárias estudadas recomendamos o valor da média obtida acrescida de dois desvios padrões, a saber:
- faixa etária entre 60 e 64 anos: 360ms
- faixa etária entre 65 e 69 anos: 410ms
- faixa etária entre 70 e 74 anos: 420ms
CONCLUSÃO- O aumento da idade é acompanhado de um aumento estatisticamente significativo da latência do P300 na faixa etária avaliada.
- Este aumento se faz de forma linear com um acréscimo estatisticamente significativo de 2,85 ms por ano na faixa etária avaliada.
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1. Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela UFSM, Médico Otorrinolaringologista do HUSM da UFSM.
2. Doutor de Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP, Professor Associado de Otorrinolaringologia na UFSM.
3. Doutor em Medicina pela UFRGS, Professor de Pediatria e Neurologia da UFSM.
4. Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela UFSM, Fonoaudióloga da Clinica Cóser de Otorrinolaringologia.
5. Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela UFSM, Fonoaudióloga da Clinica Cóser de Otorrinolaringologia.
Universidade Federal de Santa Maria.
Endereço para correspondência:
Maria José Santos Cóser
Rua Duque de Caxias 1668/304 Centro
97015-190, Santa Maria, RS, Brasil
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 20 de janeiro de 2008. cod. 5686
Artigo aceito em 25 de fevereiro de 2010