IntroduçãoXerostomia é a sensação subjetiva de boca seca, conseqüente ou não à diminuição/interrupção da função das glândulas salivares1,2,3,4,5,6,7. A xerostomia é mais freqüente entre os idosos8 e em pacientes do sexo feminino9. Pode se manifestar através de uma dificuldade para mastigar, deglutir e falar, sensação de queimação na boca e língua, diminuição da gustação, mucosites e até ulcerações na boca10. Alterações na flora oral predispõem à infecções oportunistas, principalmente por Candida albicans, e contribuem para a proliferação de microorganismos cariogênicos. Assim, pacientes com xerostomia são predispostos a desenvolver cáries e doença periodontal11.
Na maioria dos casos a xerostomia faz parte de um quadro sistêmico, podendo estar associada à sintomas extra-orais, como ressecamento da pele, vagina e olhos9,12. As causas mais comuns de xerostomia são: doenças auto-imunes, destacando-se entre elas a Síndrome de Sjögren, o uso de medicamentos que diminuem o fluxo de saliva e a irradiação das glândulas salivares2,5. Existem, porém, inúmeras outras alterações relacionadas a este sintoma, incluindo as doenças psiquiátricas (principalmente a depressão)2,4,6,13, obstrução e/ou infecção das glândulas salivares10, diabetes melitus7 e desidratação13.
A abordagem terapêutica do paciente com xerostomia varia de acordo com determinadas características individuais. O tratamento tem como objetivos o alívio dos sintomas, prevenir ou corrigir eventuais seqüelas da disfunção salivar, e a cura da doença sistêmica associada, mas depende basicamente da quantidade de tecido glandular funcionante.
A constatação de que pelo menos parte da glândula salivar ainda pode ser estimulada, aumentando a sua produção, nos autoriza a iniciar o tratamento com estimulantes tópicos. A estimulação sistêmica, representada principalmente pelo uso da pilocarpina, é pouco difundida em nosso meio devido ao seu grande número de efeitos colaterais14,15. Os pacientes cuja salivação não pode ser estimulada, por falta de tecido glandular sadio e funcionante, têm como alternativa o uso de saliva artificial3,5. Assim, é de grande valia a dosagem do fluxo salivar previamente e após estímulo tópico para que se possa determinar o tratamento a ser instituído.
A sialometria pode ser realizada de duas maneiras: dosagem do total de saliva produzida ou dosagem da saliva produzida por cada glândula individualmente. O fluxo salivar das glândulas parótidas, submandibulares e sublinguais pode ser determinado de maneira isolada através de coletores especializados que são colocados sobre os orifícios dos ductos de Stenson & Wharton6. A secreção das glândulas salivares menores pode ser quantificada com o auxílio de fitas de papel celulose aderidas à face interna dos lábios, palato duro e mucosa jugal16.
A produção total de saliva é mais fácil de ser mensurada, sendo este método suficiente para que se quantifique a hipossalivação. Nesse caso, o fluxo salivar pode ser determinado com ou sem estimulação prévia. Conforme previamente exposto, ambas as dosagens têm importância e devem ser realizadas consecutivamente. Existem vários métodos disponíveis de sialometria. Entre eles destacamos o proposto por Sreebny & Valdini (1987)17, no qual o paciente expectora passivamente a saliva que se acumula em sua boca em um tubo coletor a cada 2 minutos, por um período total de 6 minutos, sendo permitida a deglutição da saliva apenas entre os intervalos de 2 minutos. A segunda parte do exame é realizada da mesma forma, porém com estimulação prévia, que pode ser mastigatória (tabletes de parafina) ou gustatória (ácido cítrico). O fluxo salivar é estimado comparando-se o peso dos tubos antes e após a coleta, e convertido em ml/min. São considerados anormais valores inferiores a 0,1 ml/min sem estímulo e 0,5 ml/min com estímulo17. Esse método permite algumas variações, nas quais o paciente "cospe" no tubo coletor a saliva acumulada em sua boca2,3, ou tem sua saliva aspirada através de coletores específicos18.
Outro método de sialometria utilizado por autores diversos de maneira similar, mas sem uma padronização definida, consiste na colocação de dois chumaços de algodão previamente pesados no assoalho bucal, próximos à face interna da gengiva, onde permanecem durante alguns segundos para que então possam ser novamente pesados. A diferença entre os pesos também é convertida em ml/min19,20,21. Consideramos esse método o mais prático e fidedigno, e por esse motivo nos propomos a padronizá-lo para facilitar a sua utilização em larga escala.
Material e métodoSelecionamos aleatoriamente 5 pacientes que procuraram o Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo em Abril/2001 com queixas otorrinolaringológicas diversas, desde que não manifestassem sinais ou sintomas orais de qualquer natureza, e sem qualquer fator predisponente conhecido para xerostomia. Três desses pacientes pertenciam ao sexo feminino e 2 ao masculino e suas idades variaram de 40 a 63 anos (média de 54 anos). Selecionamos também os 5 primeiros pacientes com síndrome de Sjögren atendidos em nosso Ambulatório de Estomatologia em Março/2001. Todos eram mulheres e suas idades variaram de 39 a 72 anos (média de 55 anos). Os 10 pacientes realizaram sialometria sem e com estímulo.
Preparamos 6 chumaços de algodão para cada paciente, agrupados em três duplas. Cada dupla de chumaços de algodão foi depositada em um pote plástico (do tipo coletor universal, com capacidade para 80 ml) e esse conjunto foi pesado, utilizando-se a balança modelo Acculabr V1200. O peso desse conjunto variou entre 14,5g a 15,5g. Os pacientes foram então submetidos a 3 sialometrias consecutivas. Numa primeira etapa solicitamos aos pacientes que deglutissem toda a saliva contida em sua boca, e então depositamos 2 chumaços de algodão no assoalho bucal desses pacientes, próximos à face interna da gengiva de cada lado. O algodão assim permaneceu durante 2 minutos sem que o paciente deglutisse a saliva produzida no período. Retiramos então o algodão embebido em saliva, o depositamos novamente no pote plástico e o conjunto foi novamente pesado. O fluxo salivar foi então estimulado com auxílio de uma solução contendo ácido cítrico 2,5%, aspartame 2,5 g e saturada com carbonato de cálcio: colocamos 2 gotas no dorso lingual dos pacientes, que foram orientados a deglutir a saliva imediatamente após esse procedimento e, a seguir, submetidos a uma nova sialometria, conforme o padrão previamente exposto. A última fase do exame objetiva uma super-estimulação do fluxo salivar, útil nos casos em que a glândula salivar está seriamente comprometida e pouco responde a um único estimulo. Instilamos 2 gotas da solução contendo ácido cítrico no dorso lingual, os pacientes deglutiram toda saliva acumulada até então, e o último par de chumaços de algodão foi depositado no assoalho bucal. Durante os 2 minutos seguintes, o ácido cítrico foi novamente instilado a intervalos regulares de 30 segundos, totalizando 8 gotas (0seg, 30seg, 60seg e 90seg). A diferença entre os pesos pré e pós sialometria em suas três etapas foi convertida em ml/min.
ResultadosOs resultados obtidos estão representados nas Tabelas a seguir.
Tabela 1. Pacientes sem xerostomia (ml/min)
Tabela 2. Pacientes com xerostomia (ml/min)
DISCUSSÃOO método de sialometria proposto é uma adaptação da técnica descrita por Bolwig e Rafaelsen em 197222, e previamente utilizada por outros autores19,20,21, porém sem uma padronização definida. Consideramos o método prático, fidedigno e não-invasivo. Outras técnicas são utilizadas com maior freqüência, e se baseiam na expectoração ativa ou passiva da saliva em tubos coletores por um período previamente determinado3,5,23. Consideramos esse tipo de sialometria inadequado para pessoas idosos, cuja coordenação motora oral está freqüentemente reduzida, comprometendo a validade dos resultados, sendo a xerostomia prevalente principalmente nessa faixa etária. A dosagem da saliva produzida por cada glândula isoladamente é um método fidedigno, mas de difícil execução, e fica reservada aos casos em que a análise qualitativa da saliva é necessária. Isso porque a saliva total mensurada acaba sendo contaminada por restos alimentares, descamação epitelial e fluídos séricos oriundos do sulco gengival3,24. A dosagem quantitativa do fluxo salivar produzido por uma única glândula também exige esse tipo de técnica, mas essa informação raramente influi no diagnóstico/tratamento da xerostomia.
Os pacientes que irão ser submetidos a uma sialometria devem evitar comer, beber, fumar, escovar os dentes ou mascar gomas nas duas horas que antecedem o exame. A saliva deve ser coletada em um ambiente tranqüilo, após um período de, no mínimo, duas horas de jejum. Sialometrias seriadas em um mesmo paciente deverão ter início à mesma hora do dia, pois o fluxo salivar varia de acordo com o ritmo circadiano6,8,17,25. Esses cuidados não foram rigorosamente seguidos no presente estudo, pois o objetivo maior dos autores foi demonstrar a técnica de sialometria proposta, mas pretendemos adotar esse tipo de norma em trabalhos futuros visando maior credibilidade aos resultados.
Não há padrão universalmente aceito de sialometria que caracterize a hipossalivação, ou mesmo que afaste esta hipótese6. Isto porque os resultados obtidos muitas vezes não correspondem aos sinais e sintomas apresentados pelos pacientes. O fluxo salivar varia muito inclusive entre pessoas assintomáticas2, fato observado em nossa amostra, onde o paciente 5 apresentou fluxo salivar sem estímulo quase seis vezes maior em relação ao paciente 1. Todavia, utilizamos o critério de Sreebny & Valdini (1987)17, segundo o qual fluxo salivar anormal deve ser inferior a 0,1 ml/min sem estímulo e 0,5 ml/min com estímulo. Com base nesse critério constatamos que todos os pacientes com síndrome de Sjögren apresentaram hipossalivação. Mais uma vez, ressaltamos que a xerostomia é uma queixa subjetiva e muitas vezes não corresponde ao fluxo salivar do paciente. Optamos por realizar a sialometria em três fases porque o estímulo inicial com apenas 2 gotas de ácido cítrico algumas vezes não é suficiente para aumentar o fluxo de saliva (exemplo 5 da Tabela 1), sendo necessário um estímulo adicional para comprovação de que o tecido glandular ainda pode ser estimulado.
A sialometria auxilia na escolha do tratamento a ser instituído, mas permite também a avaliação da sua eficácia, através da realização de exames seriados em um mesmo paciente. Achamos que o principal objetivo deste exame é justamente a comparação entre os resultados pré- e pós-tratamento. Pequenos aumentos da salivação costumam beneficiar substancialmente os pacientes que produziam pouca ou nenhuma saliva, enquanto aumento equivalente em pacientes com maior fluxo salivar pode não desencadear qualquer melhora26. Preconizamos também a realização da sialometrias previamente e após procedimentos/ tratamentos que conhecidamente promovem a hipossalivação (ex.: radioterapia de cabeça e pescoço). Isso permitiria quantificar o prejuízo causado à produção de saliva.
ConclusãoO método proposto pelos autores é de fácil realização e fidedigno, desde que seguidas as padronizações quanto ao preparo do paciente prévio ao exame (alimentação, escovação dos dentes, etc.). A sialometria facilita o estudo objetivo da xerostomia, através de suas aplicações clínicas e científicas.
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1 Pós-graduanda (mestrado) do Departamento de Otorrinolaringologia da FCM Santa Casa de São Paulo.
2 Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia da FCM Santa Casa de São Paulo.
3 Pós-graduanda (doutorado) do Departamento de Otorrinolaringologia da FCM Santa Casa de São Paulo.
4 Residente do Departamento de Otorrinolaringologia da FCM Santa Casa de São Paulo
Endereço para Correspondência: Daniella Belotto Pupo - R. Itambé 367 apto. 72-A - Higienópolis São Paulo - SP - CEP 01239-001 - Tel.: (0xx11) 9789-7210 - e-mail: danipupo@hotmail.com.
Artigo recebido em 24 de janeiro de 2002. Artigo aceito em 14 de fevereiro de 2002.