ISSN 1806-9312  
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3959 - Vol. 76 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 2010
Seção: Artigo Original Páginas: 102 a 106
Sucesso no tratamento do zumbido com terapia em grupo
Autor(es):
Lisiane Holdefer1, Carlos Augusto C. P. de Oliveira2, Alessandra Ramos Venosa3

Palavras-chave: psicoterapia de grupo, terapia cognitiva, terapia combinada, zumbido.

Keywords: group, behavior therapy, psychotherapy, tinnitus.

Resumo: Embora os tratamentos em grupos para o zumbido sejam uma área bem documentada na literatura internacional, até onde sabemos nunca foram realizados no Brasil. Este estudo apresenta uma experiência bem-sucedida de um tratamento em grupo para zumbido baseado na terapia de retreinamento do zumbido aliada com as técnicas cognitivocomportamentais. O objetivo deste estudo é avaliar pacientes com zumbido antes e depois do tratamento em grupo estruturado baseado da terapia de retreinamento do zumbido e na terapia cognitivo comportamental. Material e Método: Estudo coorte prospectivo: 27 sujeitos aplicaram-se para a pesquisa. Responderam ao inventário do Handicap do Zumbido (THI) e à escala da Ansiedade e Depressão Hospitalar (HAD),antes e depois do tratamento. Foram realizadas 6 sessões estruturadas segundo os princípios da terapia de retreinamento do zumbido associada com técnicas cognitivocomportamentais. Resultados: 27 pacientes iniciaram e 19 terminaram o tratamento (8 excluídos). 47,4% homens, média das idades 47.6. O resultado do THI antes e depois do tratamento foi respectivamente: funcionais, 29 e 14; emocional, 24 e 10; e catastrófico, 12 e 5; a escala HAD: ansiedade, 12 e 9 e depressão, 10 e 6. Conclusão: O tratamento descrito é efetivo na melhora do zumbido.

Abstract: Although group therapy for tinnitus is a well documented field in the international literature, as far as we know it has never been held in Brazil. This study represents a successful experience of a group therapy for tinnitus based on the tinnitus retraining therapy associated with behavioral cognitive techniques. The goal of the present study is to assess patients with tinnitus before and after the group therapy based on the tinnitus retraining therapy and the behavioral cognitive therapy. Materials and Methods: Prospective cohort study: 27 subjects signed in for the study, and answered the Tinnitus Handicap Inventory (THI) and the Hospital Depression and Anxiety Scale (HAD), before and after the treatment. We held six structured sessions according to the principles of tinnitus retraining therapy associated with behavioral cognitive techniques. Results: 27 patients started and 19 finished the treatment (8 were taken off). 47.4% men, mean age of 47.6. THI results before and after treatment were respectively: functional: 29 and 14, emotional 24 and 10 and catastrophic 12 and 5 and the HAD scale: anxiety 2 and 9 and depression 10 and 6. Conclusion: The treatment described is effective in improving tinnitus symptoms.

INTRODUÇÃO

Zumbido é um som percebido pela pessoa, sem fonte sonora externa no ambiente. Apresenta alta prevalência, de 15% na população em geral e 33% em idosos1. O zumbido piora significativamente a qualidade de vida de 15% a 25% das pessoas afetadas, diminuindo a concentração, sono, equilíbrio emocional e vida social2.

Jastreboff foi o primeiro a descrever um modelo neurofisiológico para explicar o zumbido, que envolve vias auditivas e não auditivas3. Neste modelo entram em cena o sistema límbico e o sistema nervoso autônomo como determinantes do incômodo relacionado ao zumbido. A Terapia de Retreinamento do Zumbido e Hipersensibilidade (Tinnitus Retraining Therapy - TRT) baseia-se na habituação: capacidade do cérebro ignorar estímulos neutros, sem significado4. Segundo o modelo neurofisiológico, as conexões entre sistema auditivo e o sistema límbico são responsáveis pela reação emocional ao zumbido, afetando o sistema nervoso autônomo provocando ansiedade, depressão e desordens do sono5.

A TRT é reconhecida hoje como um dos tratamentos para zumbido com os melhores resultados descritos na literatura. Ao montar a equipe multidisciplinar especializada no tratamento do zumbido no Ambulatório de Otorrinolaringologia de um grande Hospital Universitário, ao tratar pessoas com queixa de zumbido, tinha por objetivo aplicar a TRT em todos aqueles pacientes que não tinham benefício com outros tratamentos para zumbido. Em função do número elevado de pacientes, o tratamento individual de TRT tornou-se impraticável. Desta forma, a combinação das técnicas da Terapia da Retreinamento do Zumbido (TRT) e da Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) em atendimentos em grupos surgiu como uma possibilidade a se testar6.

As reações emocionais ao zumbido são consideradas muito importantes na determinação do desconforto provocado pelo mesmo. A ansiedade e a depressão são frequentemente descritas e associadas a um maior incômodo com este som7. O tratamento de zumbido autoadministrado pelo paciente através da internet, utilizando técnicas da psicologia cognitivo-comportamental mostrou que a intervenção através da TCC é eficaz no tratamento do zumbido8,9.

Pacientes com alterações psiquiátricas são muitas vezes contraindicados para o TRT por acreditar-se que a orientação é mais difícil de ser compreendida e aceita e nestes casos o tratamento do zumbido é iniciado apenas após o controle da doença de base pelo psiquiatra10.

O atendimento em um hospital público, que é referência no tratamento do zumbido em nossa região, com baixo investimento financeiro e um elevado número de pacientes, tem muito a ganhar com a terapêutica do zumbido em grupos, pois esta pode ser muito útil para atender a demanda. Este estudo apresenta números concretos de uma experiência piloto de tratamento bem-sucedido do zumbido em grupos combinando TRT e TCC.

Embora o tratamento combinado do zumbido e dos fatores emocionais associados seja um campo de pesquisa na clínica para tratamento do zumbido, bem documentada na literatura internacional, segundo pudemos constatar, o tratamento do zumbido nos grupos, com esta configuração metodológica (TRT e TCC), não foi realizado antes no Brasil. Desta forma baseou-se a proposta de tratamento aqui relatada na literatura internacional, adequando a metodologia usada nestas referências à realidade e necessidades locais6-12.

Esta pesquisa objetiva avaliar as respostas ao tratamento em grupo combinando o TRT e a TCC em pacientes com zumbido por meio de comparação de questionários aplicados antes e depois de completarem o programa de tratamento do zumbido.


MATERIAIS E MÉTODOS

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências da Saúde CEP/FS 015/08. O termo de consentimento livre e esclarecido foi lido e assinado por todos os participantes desta amostra.

27 pacientes iniciaram e apenas 19 terminaram o tratamento, sendo este último valor a amostra considerada neste estudo. Todos os sujeitos da pesquisa foram avaliados e selecionados para o tratamento em grupos no Ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário. A indicação para esta terapia adotou os seguintes critérios: pacientes com zumbido de causa conhecida, sem sucesso no tratado prescrito para controle da causa; aqueles com sintoma de zumbido de etiologia conhecida, porém sem tratamento preconizado, e pacientes com zumbido de causa idiopática. Não foi critério de seleção qualquer avaliação psiquiátrica ou psicológica anterior, nem mesmo perda auditiva, uso de aparelho de amplificação sonora individual ou medicação em uso. Aqueles que aceitaram realizar o tratamento em grupo foram incluídos.

O tratamento em grupo consistia em 6 encontros estruturados, com uma hora e meia de duração, uma vez por semana. As sessões foram desenvolvidas baseadas nos princípios do TRT associados a técnicas da TCC. Um profissional graduado em fonoaudiologia e psicologia coordenava o tratamento em grupo. Os grupos foram compostos de não mais de oito (8) pacientes que compareciam a sessões semanais por cinco (5) semanas consecutivas e de uma última sessão após um intervalo de duas (2) semanas (total de reuniões = 6). Consequentemente, THI e HAD foram aplicados uma vez antes do tratamento do grupo e após oito (8) semanas de tratamento, depois que a terapêutica do grupo foi terminada.

Os pacientes responderam ao Inventário do Handicap do Zumbido (Tinnitus Handicap Inventory - THI)13 e a Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar (Hospital Anxiety and Depression Scale - HAD). THI é composto por 25 questões, divididas em três escalas: funcional, emocional e catastrófica. A funcional (F) mede a interferência do zumbido em atividades mentais, sociais, ocupacionais e físicas. A escala emocional (E) mede as respostas afetivas como ansiedade, raiva e depressão. A catastrófica (C) quantifica o desespero e a incapacidade referida pelo paciente em lidar com o sintoma. São três as opções de resposta para cada uma das questões, pontuadas da seguinte maneira: para as respostas sim (4 pontos), às vezes (2 pontos) e não (nenhum ponto)14,15. O zumbido pode então ser categorizado como: desprezível (0-16%), leve (18-36%), moderado (38-56%), severo (58-76%) ou catastrófico (78-100%)16. A escala HAD é um screening para depressão e ansiedade completado pelo próprio paciente. Consiste em 14 perguntas, sete para a ansiedade e sete para depressão. Os pacientes dos grupos responderam ambos os questionários (THI e HAD) antes e depois do tratamento.


RESULTADOS

As sessões de tratamento em grupo foram estruturadas conforme especificado no Quadro 1.




Em todas as seis sessões o grupo era incentivado a praticar e usar, em sua rotina diária durante a semana, o que foi discutido naquele encontro e as tarefas propostas.

O THI e o HAD aplicados antes do início do tratamento eram comparados e avaliados estatisticamente com os questionários preenchidos após a finalização dos atendimentos em grupo. 27 pacientes iniciaram e 19 terminaram o tratamento.

Foram excluídos 8 sujeitos da amostra porque faltaram a sessões de tratamento. 47,4% eram homens e 52,6% mulheres. As idades variaram entre 20 - 78 anos (média 47.6 anos).

Resultados do THI e HAD antes e depois do tratamento na Tabela 1.




DISCUSSÃO

O zumbido pode ser um sintoma de difícil tratamento. Opções novas de tratamento são sempre bem-vindas. Sabe-se que entre todas as opções de tratamento do zumbido o TRT é aquela que apresenta melhores resultados, 82% de melhora após um ano5.

Este é um estudo piloto e os resultados são encorajadores. Apesar do número pequeno de pacientes, os achados mostram uma diminuição importante nas médias dos escores dos aspectos relacionados ao zumbido - THI - e dos aspectos psicológicos (ansiedade e depressão) - escala HAD - o que confirma a eficácia da associação destas duas técnicas (TRT e TCC). (Gráficos 1 e 2).


Gráfico 1. Médias do THI (funcional, emocional e catastrófico) antes e depois do tratamento em grupo.


Gráfico 2. Médias de ansiedade e depressão antes e depois do tratamento em grupo, avaliados segundo a escala HAD.



Este estudo sugere que o tratamento em grupo para o zumbido baseado nas técnicas da TCC associadas a TRT é uma boa opção de tratamento do zumbido em hospitais públicos. Outros estudos usando o mesmo tipo de técnicas também provam a eficácia, independentemente da seleção dos grupos e a avaliação dos grupos serem diferentes.

Apesar das diferenças na seleção de grupo, nas ferramentas da avaliação, e nos números de sessão, todos os estudos que usam técnicas similares revelam bons resultados na aplicação destas técnicas1,3.

Este estudo corrobora os achados dos demais estudos de metodologias semelhantes que usaram como instrumento o HAD. Londero et al. (2006) avaliaram a eficácia do tratamento cognitivo- comportamental em pacientes com zumbido. Utilizaram como ferramenta de avaliação o HAD que foi considerado elevado antes do tratamento (Ansiedade (HADa) = 11.6; Depressão (HADd) = 7.7). Após o tratamento a média do HADa = 7.5 e HADd = 3.46. No grupo de tratamento descrito neste trabalho as médias de HAD antes do tratamento eram de HADa = 11.84; HADd = 9.74 e após a terapia em grupo as médias do HAD eram HADa= 8.79 e HADd = 6.377.

O estudo atual sugere a eficácia do tratamento em grupo para zumbido no formato utilizado neste trabalho, que une os princípios do TRT a TCC. Os resultados obtidos confirmam a melhora do impacto do zumbido: THI (aplicado antes e oito semanas depois da realização dos grupos) demonstrou melhoria significativa em aspectos funcionais, emocionais e catastróficos do zumbido, assim como os escores de ansiedade e depressão, estes pesquisados através do HAD.

Além disso, demonstra bons resultados com melhora da condição clinica em um curto período de tempo: apenas 8 semanas, enquanto a TRT necessita de no mínimo 12 meses para evolução das queixas relacionadas ao zumbido5.

Os resultados vão ao encontro de achados na literatura avaliando tratamentos para zumbido através da terapia cognitivo-comportamental, com metodologia semelhante à utilizada nesta pesquisa7,11,12.

É fato que os pacientes deste estudo apresentaram dificuldades financeiras e problemas quanto aos dias e horários das sessões, que interferiram no comparecimento aos seis encontros. Este pode ter sido o motivo pelo qual 8 pacientes faltaram a sessões e interromperam o tratamento.

Observou-se que todos os pacientes que seguiram realmente as instruções e as tarefas propostas relataram melhora em todas as áreas da sua vida que eram afetadas pelo zumbido antes do tratamento.


CONCLUSÕES

Os resultados das avaliações por meio dos instrumentos HAD e THI mostram melhora significativa tanto nos aspectos relacionados ao zumbido quanto nos fatores emocionais de ansiedade e depressão previamente avaliados.

Este estudo sugere que a terapia em grupo associando a TRT à TCC é uma opção de baixo custo financeiro e de respostas rápidas e eficazes no tratamento do zumbido.


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1. Graduação, Fonoaudióloga e Psicóloga, Aluna do Mestrado de Ciências Médicas - UnB.
2. Pós-Doutorado, Chefe da Otorrinolaringologia do Hospital Universitário de Brasília.
3. Doutora, Professora Doutora da Universidade de Brasília e Hospital Universitário de Brasília.

Endereço para correspondência:
Lisiane Holdefer
SCN 02 Torre A Ed. Liberty Mall - Asa Norte
Brasília - DF - 70710-500.
E-mail: lisiane_h@hotmail.com

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 23 de março de 2009. cod. 6320
Artigo aceito em 27 de julho de 2009.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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