INTRODUÇÃO O sistema vestibular é extremamente complexo e fascinante alvo de estudo de neurofisiologistas e otoneurologistas do mundo todo. Ele envolve não somente o labirinto posterior e nervos vestibulares, mas também estruturas centrais como os núcleos vestibulares, o cerebelo, o tálamo, o córtex cerebral frontal e pré-frontal, entre outras estruturas. É um dos responsáveis pela coordenação do equilíbrio, dos movimentos e da marcha. As informações que chegam ao complexo vestibular não são oriundas puramente do sistema vestibular, mas também dos sistemas visual, somatossensorial e cerebelar. O equilíbrio consiste em uma função fisiológica complexa que necessita da concordância e interação de informações vestibulares, visuais e somatossensoriais ou ainda de uma compensação central após uma injúria, além da integridade funcional e anatômica do sistema nervoso central.1
A oculomotricidade é muito útil na avaliação do sistema vestibular devido às vias neurais que fazem a interação visão-sistema vestibular. Os testes oculomotores medem a acurácia, latência e velocidade dos movimentos dos olhos para um dado estímulo.
A eletronistagmografia computadorizada representa um teste diagnóstico empregado para estudo das disfunções do labirinto, a fim de auxiliar o médico, após detalhada história clínica e exame físico, na tentativa de localização do sítio da lesão causadora dos sintomas apresentados pelo paciente, podendo ser ela periférica, central ou mista.
A bateria de testes oculomotores básica inclui os testes sacádicos, rastreio, nistagmo optocinético e testes de supressão da fixação ocular.2
Os movimentos sacádicos são o alvo principal deste estudo e constituem uma das provas da eletronistagmografia computadorizada.
Os sacádicos representam os movimentos oculares mais rápidos e nos capacitam a redirecionar nossa linha de visão. Eles incluem alterações voluntárias e involuntárias da fixação, a fase rápida do nistagmo optocinético, a fase REM (rapid eye movements) que ocorre durante o sono e a componente rápida do nistagmo pós-calórico.
Os sacádicos, ou simplesmente sacadas (termo também empregado por muitos autores), estão entre os movimentos oculares melhor conhecidos e estudados, sendo que possuem propriedades dinâmicas facilmente mensuráveis.
Os sacádicos constituem uma via de estudo para o controle motor, cognição e memória. Além disso, são comumente usados em conjunto com outras tecnologias como métodos funcionais de diagnóstico por imagem e estimulação magnética transcraniana.3
Sacádicos voluntários em primatas estão diretamente ligados à presença de uma fóvea, uma vez que as imagens são mais bem visualizadas se localizadas nela.
Assim não há a necessidade de movimentarmos a cabeça para visualizarmos uma imagem, se esta estiver localizada na fóvea. Três são os parâmetros mais relevantes na avaliação dos movimentos sacádicos: velocidade de pico, latência e acurácia.
A velocidade de pico é a máxima velocidade que os olhos podem alcançar durante um movimento sacádico. Anormalidade de latência é a diferença de tempo entre a apresentação do alvo luminoso e o início de um sacádico. Anormalidades na latência incluem latência prolongada, latência encurtada e diferenças significativas entre as latências dos olhos direito e esquerdo. Tais anormalidades são observadas na presença de doenças neurodegenerativas.2
A acurácia (precisão) sacádica é determinada pela comparação da posição do olho do paciente em relação à posição do alvo luminoso. Se o movimento sacádico do olho for além da posição do ponto luminoso, tem-se um sacádico hipermétrico ou uma dismetria do tipo overshoot. Se o movimento sacádico for menor que a posição do alvo luminoso, tem-se um sacádico hipométrico ou uma dismetria do tipo undershoot. Distúrbios cerebelares e doenças degenerativas do sistema nervoso central podem, às vezes, ser reveladas por meio de testes sacádicos, apesar de que o exame clínico é um método bem mais eficiente para se fazer este diagnóstico, sendo os sacádicos mais uma arma que o otoneurologista tem nas mãos para chegar mais próximo ao diagnóstico correto.
As injúrias cerebelares mais comuns são: as causadas por toxinas (etanol, quimioterapia, anticonvulsivantes), autoanticorpos (degeneração cerebelar paraneoplásica, doenças autoimunes), lesões estruturais (isquemias, esclerose múltipla, tumores) e doenças cerebelares congênitas e adquiridas. As cerebelopatias adquiridas podem ser determinadas geneticamente. No presente trabalho foram estudados indivíduos com as seguintes degenerações cerebelares adquiridas: ataxia cerebelar episódica familiar e Ataxia de Friedreich.
O cerebelo calibra a amplitude do sacádico (vermis dorsal e núcleo fastigial), sendo que eles parecem controlar o tamanho do pulso do sacádico. O flóculo e talvez o paraflóculo parecem ser responsáveis pela combinação entre o estímulo do sacádico e seu pulso.4
O cerebelo parece ser importante para o controle da acurácia sacádica e para a correção de alterações posiçãodependentes nas propriedades mecânicas dos músculos oculares e tecidos orbitais.
Estudos sobre as relações entre o cerebelo e os movimentos sacádicos são apresentados a seguir.
Aschoff e Cohen, em 1971, mostraram que os sacádicos horizontais espontâneos de macacos sofriam alterações em caso de lesões unilaterais do córtex cerebelar.5
Experimentos realizados por Optican e Robinson em 1980 mostraram que após cerebelectomias parciais e totais feitas em macacos, estes eram capazes de realizar sacádicos de todas as amplitudes e direções, mas o déficit principal nestes animais era que o pulso do sacádico não era mais apropriado à movimentação do alvo.6
Vilis e Hore, em 1981, implantaram probes no núcleo fastigial (probe medial) e no núcleo dentato (probe lateral) do cerebelo de macacos Cebus, produzindo lesões reversíveis quando tais probes eram estimulados. A estimulação dos probes laterais não alterou a acurácia dos sacádicos horizontais e verticais, porém o calor transmitido através do probe medial provocou dismetrias, cujas magnitudes eram dependentes da posição do olho e da direção do sacádico.7
Fuchs, Farrel e Straube em estudo feito em macacos e publicado em 1993 sugeriram que o núcleo fastigial caudal do cerebelo tem a função de auxiliar na aceleração de sacádicos contralaterais e de desacelerar os sacádicos ipsilaterais.8
Barash et al. estudaram em 1999 os efeitos de pequenas lesões no vermis oculomotor do córtex cerebelar na habilidade de macacos de execução e adaptação dos movimentos sacádicos dos olhos. Observaram que, para sacádicos na direção horizontal, as lesões levam a uma hipometria inicial grosseira e a uma permanente abolição da capacidade de adaptação rápida.9
Em artigo publicado em 2004, Guan, Eggert, Bayer e Buttner estudaram as características dos sacádicos para alvos estáticos e migratórios em três macacos (Macaca mulatta) e chegaram à conclusão que a aceleração sacádica em resposta a alvos móveis pode ser controlada pelo colículo superior, e as mudanças de desaceleração recebem um fino controle do cerebelo.10
Tais estudos mostram que o cerebelo exerce uma influência considerável nas vias neurais dos movimentos sacádicos. As controvérsias e a complexidade das conexões corticais, de tronco cerebral e cerebelares que participam da geração dos sacádicos nos levam a acreditar que pouco se sabe sobre estes tipos de movimentos oculares e que muitos trabalhos e modelos experimentais, inclusive a nível neuronal, devem ser desenvolvidos para o aprofundamento científico neste interessante campo da otoneurologia e da neurofisiologia.
Os objetivos do presente estudo foram: avaliar as características dos movimentos sacádicos, por meio da eletronistagmografia computadorizada, em pacientes com doenças cerebelares, comparar os três parâmetros de avaliação dos movimentos sacádicos (velocidade de pico, latência e acurácia) entre indivíduos com disfunções de cerebelo e indivíduos normais e documentar, ainda, se há diferenças nestes parâmetros com relação a sexo e idade dos indivíduos, tanto no grupo controle (normais) quanto no grupo de indivíduos com doenças cerebelares.
MATERIAIS E MÉTODOS Foram selecionados 11 pacientes com distúrbios da função cerebelar do ambulatório de neurologia de um grande hospital universitário. Tais pacientes foram encaminhados ao ambulatório de otoneurologia deste hospital e submetidos à eletronistagmografia computadorizada, com ênfase na pesquisa dos movimentos sacádicos (foco principal do estudo).
Quanto ao sexo dos indivíduos, foram selecionados: 4 do sexo feminino e 7 do sexo masculino, cujas idades variavam dos 16 aos 53 anos. A idade média deste grupo foi de 36,18 anos.
As doenças cerebelares deste grupo eram as seguintes: ataxia cerebelar episódica familiar (sendo 6 indivíduos de uma mesma família e outros 2 indivíduos de outra), ataxia cerebelar adquirida, ou Ataxia de Friedreich, (2 indivíduos) e 1 último indivíduo com patologia cerebelar congênita de diagnóstico etiológico incerto.
Foi selecionado também um grupo controle constituído de 27 indivíduos sem quaisquer queixas quanto à função cerebelar e labiríntica, sendo eles acompanhantes de pacientes que já passavam em consultas no ambulatório de otorrinolaringologia do hospital, alunos do curso de medicina e médicos pós-graduandos. Foram selecionados indivíduos com idades variando dos 16 aos 50 anos de idade, sendo 15 do sexo feminino e 12 do sexo masculino. A idade média do grupo controle foi de 27,26 anos.
Todos os sujeitos da pesquisa assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) elaborado em 2 vias, sendo uma do sujeito e uma arquivada pelo pesquisador.
O projeto de pesquisa foi devidamente analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital. Protocolo número 7770/2004.
Os exames de eletronistagmografia computadorizada (e movimentos sacádicos) foram realizados em ambiente escuro e silencioso no laboratório de otoneurologia do ambulatório de otorrinolaringologia do hospital universitário.
O aparelho (eletronistagmógrafo computadorizado) pertence ao laboratório de otoneurologia do hospital universitário. O equipamento de registro utilizado foi o sistema de eletrodiagnóstico de 4 canais de fabricação norte-americana da Micromedical Technologies, Inc., EUA. O programa empregado foi o Visual Eyes 4, em sistema Windows 98.
Os tipos de movimentos sacádicos analisados em todos os indivíduos foram os horizontais, sendo primeiramente o fixo de 10° e em seguida o randomizado (aleatório) de 15°. A análise dos sacádicos verticais não foi incluída no presente estudo.
O gráfico da velocidade representa a velocidade de pico no eixo Y e vai de 0 a 600°/s, sendo que no eixo X temos a deflexão de até 50° do ponto luminoso para cada sacádico analisado. As velocidades anormalmente baixas aparecerão nas áreas hachuradas, que representam um desvio padrão abaixo da média. Uma linha de velocidade média é traçada por círculos de velocidade para cada direção. Tal linha auxilia na análise da velocidade média para cada paciente.
O gráfico da acurácia mostra que o valor normal desta vai de 77 a 137%, onde 100% significa acurácia exata, mais de 100% significa que os olhos param depois da posição do ponto luminoso e menos de 100% significa que os olhos param de se mover antes de alcançar a posição do ponto luminoso.
A latência é definida como o tempo decorrido entre a apresentação do alvo luminoso na barra de testes e o início do movimento sacádico do olho para encontrá-lo. Todos os pacientes têm uma certa latência, a qual é dada em milissegundos.
Nos dois grupos (controle e patológico), os valores de velocidade de pico, latência e acurácia foram obtidos através de média aritmética entre os valores mais representativos de cada ciclo de respostas aceitas pelo aparelho de eletronistagmografia computadorizada da Micromedical.
Os achados dos indivíduos normais (controle) e cerebelopatas foram analisados entre si e entre um grupo e outro. Os principais parâmetros para análise de movimentos sacádicos (velocidade de pico, latência e acurácia) foram submetidos a análises estatísticas e gráficas, sendo comparados os grupos controle e com cerebelopatias, segundo os testes sacádicos fixo e randomizado. Além disso, as variáveis sexo e idade também foram analisadas em relação aos três parâmetros dos movimentos sacádicos e para os grupos controle e com doenças cerebelares. Tais dados foram comparados com os de trabalhos similares da literatura internacional.
A metodologia de análise estatística dos dados quantitativos (velocidade, latência e acurácia) utilizada neste estudo foi o modelo de regressão linear múltiplo, o qual, segundo os estatísticos, foi o mais adequado para fazer a comparação entre os grupos patológico e controle, segundo os sacádicos fixo e randomizado, adicionar as variáveis sexo e idade e analisar os três parâmetros nos dois grupos.
Para avaliar as diferenças entre os grupos patológico (com disfunção cerebelar) e controle foi utilizado o modelo de regressão linear múltiplo, que é uma extensão do modelo de regressão linear simples e permite investigar a relação entre uma série de variáveis diferentes (neste caso: grupo, idade e sexo) e a variável resposta.11
Primeiramente foi realizada uma análise exploratória dos dados com a finalidade de observar o comportamento dos mesmos. Logo após foram apresentados os resultados da análise do modelo de regressão linear múltiplo.
O nível de significância considerado foi de 5%.
RESULTADOS No grupo de cerebelopatas foram encontrados os seguintes resultados: para sacádico fixo, tivemos velocidade com média de 317,70°/s com DP de 74,40 e com mínima de 234,70 e máxima de 462,30; latência média de 188,60 ms com DP de 43,20, variando de 137,40 a 307,50 ms; a acurácia média foi de 101,61% com DP de 10,41, mínima de 90,10 e máxima de 127,70%.
Neste mesmo grupo, encontramos para sacádico randomizado (aleatório): velocidade com média de 326, 60°/s, DP de 91,90, indo de 243,50 a 498,70°/s; latência média de 192,50 ms, DP de 51,20, variando de 144,70 a 325,20 ms; e acurácia média de 98,63%, DP de 6,94 e variação de 88,60 a 113,90%.
Desta forma, temos que os valores médios dos três parâmetros estão dentro da normalidade, de acordo com o manual de instruções do aparelho da Micromedical, os quais são: velocidade de pico maior ou igual a 260°/s, acurácia indo de 77 a 137% e latência maior ou igual a 100 ms. Há ainda a relação acurácia/latência, que deve ir de 0,5 a 1,3.
Quanto ao grupo controle (normais), obtivemos os seguintes achados para sacádico fixo: velocidade média de 320,60°/s, DP de 54,90, variando de 216,30 a 440,40°/s; latência média de 158,89 ms, DP de 23,00, indo de 98 a 199,00 ms; e acurácia com média de 104,80%, DP de 3,98 e variação de 95,90 até 111,70%.
Ainda no grupo controle, tivemos os seguintes resultados para sacádico randomizado: velocidade média de 304,50°/s, DP de 71,10, e variação de 144, 60 a 436,40°/s; latência com média de 184,91 ms, DP de 21,02 e variação de 147,40 até 230,40 ms; e acurácia com média de 101,25%, DP de 4,25 e variação de 91,00 a 109,40%.
Neste grupo, também os valores quantitativos médios dos três parâmetros estão dentro dos limites da normalidade, segundo o padrão americano do manual do aparelho Micromedical.
Para o sacádico fixo, a velocidade média e a mediana tiveram seus valores discretamente maiores no grupo controle (320,60 e 317,60°/s) em relação ao grupo patológico (317,70 e 301,80°/s) (Tabela 1).
Com relação ao sexo, no grupo patológico, tivemos que os valores médios da velocidade, latência e acurácia foram maiores nos indivíduos do sexo masculino em relação aos indivíduos do sexo feminino, tanto no teste fixo quanto no randomizado.
No grupo controle, quanto ao sexo, observou-se a média das velocidades pouco maiores nos sujeitos do sexo feminino em relação aos do sexo masculino, tanto no teste fixo quanto no randomizado.
Em relação à latência no grupo controle, os valores das médias foram maiores no sexo masculino em relação ao feminino, tanto no teste fixo quanto no randomizado.
A acurácia apresentou valores médios praticamente iguais no grupo controle, em ambos os sexos e nos testes fixo e randomizado (Tabela 2).
Efetuando a análise por modelo de regressão linear múltiplo, para sacádicos fixo e randomizado, foram realizadas as seguintes comparações: patológico vs controle e feminino vs masculino para as três variáveis (velocidade, latência e acurácia).
No teste fixo, para a variável velocidade, comparando- se os indivíduos do grupo patológico e controle, não se pode dizer que há diferenças entre os sujeitos do sexo masculino (p-valor 0,5694) e feminino (p-valor 0,7709); e comparando-se os indivíduos do sexo feminino e masculino, não se pode dizer que há diferenças significativas entre os grupos patológico (p-valor 0,7613) e controle (p-valor 0,3273).
Para a variável latência (teste fixo), comparando-se patológico vs controle, observou-se que não há diferenças entre os sujeitos do sexo feminino (p-valor 0,4640) e masculino (p-valor 0,8653) e comparando-se feminino vs masculino, não houve diferenças entre patológico (p-valor 0,6089) e controle (p-valor 0,6369).
Quanto à variável acurácia, no teste fixo, na comparação entre patológico e controle, também não houve diferenças entre feminino (p-valor 0,8193) e masculino (p-valor 0,2009); e na comparação entre sexo feminino e masculino, também não ocorreram diferenças significativas entre os sujeitos dos grupos patológico (p-valor 0,9967) e controle (p-valor 0,5921).
No teste randomizado, para a variável velocidade, comparando-se patológico vs controle, também não se pode dizer que há diferenças significativas entre os indivíduos do sexo feminino (p-valor 0,5178) e masculino (p-valor 0,6436); e comparando-se os sexos feminino e masculino não podemos dizer que houve diferenças entre os sujeitos do grupo patológico (p-valor 0,8844) e controle (p-valor 0,3432).
Para a variável latência (teste randomizado), na comparação de patológico vs controle, não houve diferenças entre feminino (p-valor 0,5878) e masculino (p-valor 0,5348); e comparando-se feminino vs masculino, não se observou diferenças significativas entre os indivíduos dos grupos patológico (p-valor 0,7074) e controle (p-valor 0,9356).
Para a variável acurácia (teste randomizado), feita a comparação entre grupos patológico e controle, mais uma vez não foram encontradas diferenças entre os sexos feminino (p-valor 0,4699) e masculino (p-valor 0,6557); e comparando-se os indivíduos do sexo feminino com os do sexo masculino, não foram encontradas diferenças entre os grupos patológico (p-valor 0,4787) e controle (p-valor 0,6446).
As análises estatísticas mostraram não haver diferenças quantitativas nos parâmetros velocidade, latência e acurácia entre os indivíduos com patologias cerebelares e os indivíduos normais. Houve, porém, diferenças qualitativas na morfologia dos traçados dos testes sacádicos fixo e randomizado entre estes dois grupos, sendo que os sujeitos com patologia mostraram dismetrias sacádicas, sacádicos de correção, glíssades e outras alterações não encontradas nos traçados dos sujeitos normais. Tais alterações qualitativas foram encontradas nos 11 indivíduos (100%) com doenças cerebelares e em quase toda a totalidade dos respectivos registros de cada indivíduo cerebelopata, porém elas constituem achados dos exames e não constam da lista de objetivos do trabalho. Foge ao escopo deste estudo quantificar e analisar estatisticamente estas alterações morfológicas, podendo estas constituírem alvo de uma próxima pesquisa no futuro.
DISCUSSÃO Neste estudo foram comparados os parâmetros quantitativos dos movimentos sacádicos horizontais (fixo e randomizado) em indivíduos normais e com patologias cerebelares. Os parâmetros analisados no estudo foram: velocidade, latência e acurácia. Além disso, foram adicionadas as variáveis sexo e idade, a fim de se verificar as variações destes parâmetros em função destas duas variáveis tanto no grupo controle quanto no grupo patológico (com distúrbios cerebelares).
Não ocorreram alterações nos parâmetros quantitativos dos movimentos sacádicos nos dois grupos (controle e patológico), ou seja, não se pode dizer apenas analisando velocidade, latência e acurácia que um paciente apresenta uma patologia cerebelar ou é um indivíduo saudável, segundo nosso estudo. Tais resultados também foram encontrados por Aschoff et al. em estudo publicado em 19715, que mostraram que a velocidade dos movimentos sacádicos em macacos não fora afetada por lesões provocadas no córtex cerebelar.
Por outro lado, os movimentos sacádicos dos olhos foram afetados qualitativamente em todos os pacientes com distúrbios cerebelares. Foram observadas dismetrias sacádicas (hipometrias e hipermetrias), sacádicos de correção e glíssades com maior frequência no grupo patológico do que no grupo controle. Tal achado implica em dizer que o cerebelo é um modulador da amplitude dos sacádicos e também participa dos mecanismos de compensação dos movimentos sacádicos, devido ao grande número de sacádicos de correção encontrados nos indivíduos do grupo patológico. Optican e Robinson6 realizaram cerebelectomias totais em macacos e observaram dismetrias sacádicas, porém sem anormalidades de velocidade e latência.
Há autores que definem as dismetrias sacádicas como alterações da acurácia e outros as definem como alterações da amplitude dos sacádicos, como Ganança et al.12
A verdadeira dismetria sacádica é sempre acompanhada de sacádicos de correção. No caso de uma hipermetria o sacádico de correção ocorre no sentido contrário ao deslocamento do alvo e no caso de uma hipometria, o sacádico inicial é muito pequeno e o sacádico de correção continua em direção ao alvo.
Glíssades designam sacádicos que não terminam bruscamente, mas vão caminhando até acabarem gradativamente.
Podem ocorrer em pacientes com miastenia gravis, lesões cerebelares (pela inabilidade de estes pacientes ajustarem suas taxas de pulso) e em pacientes com oftalmoplegia internuclear13 (Figura 2).
Figura 1. Registro dos traçados dos sacádicos em cada olho (direito e esquerdo) e gráficos da velocidade, latência e acurácia na parte inferior da figura. Paciente do grupo controle.
Figura 2. Sacádicos de paciente com patologia cerebelar. Vide hipometria e sacádico de correção.
Os pacientes com doenças familiares e degenerativas do cerebelo também apresentaram dismetrias sacádicas, porém sem um padrão específico, podendo os tipos de dismetrias variar de paciente para paciente. Sacádicos de correção também foram encontrados nestes pacientes.
Zee et al., em estudo datado de 1976, mostraram anormalidades nos movimentos sacádicos de dois pacientes com degeneração espinocerebelar.14
É apresentado, a seguir, o traçado de um dos pacientes deste estudo, sendo este do grupo com distúrbios cerebelares, cuja patologia é síndrome cerebelar familiar (Figura 3).
Figura 3. Sacádico de indivíduo com síndrome cerebelar familiar.
Este é um sujeito do sexo masculino, adulto jovem, com marcha atáxica e desequilíbrio. Seu pai possui os mesmos sintomas e também foi incluído neste estudo. Vêse, pela figura, que este paciente apresenta hipermetria, hipometria e sacádico de correção. Além disso, observa-se uma notória assimetria nos traçados e respostas do olho esquerdo em relação ao direito. Os parâmetros quantitativos permanecem dentro dos limites da normalidade (vide na parte inferior da figura os gráficos da velocidade, acurácia e latência). Foram observadas dismetrias sacádicas (hipometrias e hipermetrias), sacádicos de correção e glíssades com maior frequência no grupo patológico do que no grupo controle. Tal achado implica em dizer que o cerebelo é um modulador da amplitude dos sacádicos e também participa dos mecanismos de compensação dos movimentos sacádicos, devido ao grande número de sacádicos de correção encontrados nos indivíduos do grupo patológico.
A dismetria sacádica tem sido considerada por muitos autores como um sinal clínico de patologia cerebelar.
A presença das dismetrias sacádicas encontradas nos diversos estudos em pacientes com doenças cerebelares nos levam a crer que o cerebelo possui uma importante função na modulação da amplitude de cada sacádico e nos mecanismos de adaptação e compensação dos movimentos sacádicos, já que os indivíduos com distúrbios de cerebelo apresentaram sacádicos de correção quando ocorriam overshoot (o sacádico vai além da posição do alvo) ou undershoot (quando o movimento sacádico é menor que a posição do ponto) dos alvos luminosos na barra de testes otoneurológicos.
O cerebelo, porém, não atua nos três parâmetros quantitativos avaliados neste estudo, os quais são velocidade de pico, latência e acurácia. A velocidade de pico dos sacádicos, por exemplo, é dependente do tronco cerebral. A latência dos sacádicos depende da integridade de vias neurais que envolvem tronco cerebral, colículo superior entre outras.
Autores como Zee e Leigh dizem que o cerebelo parece ser importante no controle da acurácia sacádica. Tal afirmação entra em contraste este estudo, uma vez que não houve diferença na acurácia de indivíduos dos grupos controle e patológico, sendo que todos os valores deste parâmetro estavam dentro dos padrões da normalidade.4
As vias neurais que explicam as interconexões entre o cerebelo e o sistema sacádico ainda não foram totalmente elucidadas e fogem ao escopo deste estudo. Foram formuladas diversas hipóteses para explicar tais vias neurais e como o cerebelo influencia nos movimentos sacádicos dos olhos.
O presente estudo também mostrou que indivíduos do sexo masculino e feminino não apresentaram diferenças nos três parâmetros quantitativos analisados nos movimentos sacádicos horizontais fixo e randomizado, tanto na comparação entre os grupos controle e patológico quanto na comparação entre indivíduos dos dois sexos em cada grupo.
Estes dados mostram que a variável sexo não influi na velocidade, latência e acurácia dos movimentos sacádicos e que a mesma faixa de valores normais para tais parâmetros pode ser empregada para ambos os sexos.
Através da análise com gráficos de dispersão, a variável idade também foi avaliada neste estudo, sendo que também não foram encontradas alterações significativas nos três parâmetros analisados com relação à idade dos indivíduos, tanto na comparação entre os grupos controle e patológico como entre os indivíduos de cada um dos grupos.
Desta maneira, temos que a variável idade também não exerce influência nas medidas da velocidade, latência e acurácia dos movimentos sacádicos, tanto em indivíduos saudáveis como em indivíduos com distúrbios de cerebelo.
Em pacientes mais idosos (maiores de 60 anos), esperar-se-iam maiores latências, segundo os padrões norte-americanos apresentados no manual da Micromedical. Todavia, as idades máximas dos indivíduos que participaram deste estudo foram de 53 anos para o grupo patológico e 50 anos para o grupo controle, não sendo possível verificar estes achados em nosso trabalho.
Pode-se inferir, portanto, que o cerebelo possui importantes conexões neurais com o sistema sacádico e que a eletronistagmografia computadorizada, através da morfologia dos registros sacádicos (fixo e randomizado) é um tipo de exame que pode auxiliar o otoneurologista no diagnóstico precoce de distúrbios da função cerebelar mesmo quando não existirem alterações em exames de imagem, uma vez que a maior parte dos pacientes do grupo patológico não exibia alterações na morfologia cerebelar em seus exames radiológicos.
CONCLUSÕES Os parâmetros quantitativos (velocidade de pico, latência e acurácia) dos movimentos sacádicos horizontais (fixo e randomizado) de pacientes com cerebelopatias não diferem daqueles apresentados por indivíduos normais. Portanto, não são úteis na avaliação das síndromes cerebelares.
Sexo e idade são variáveis que não influem nos parâmetros quantitativos dos sacádicos, tanto no grupo controle quanto no patológico e nos dois grupos comparados entre si.
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1. Mestre em ORL pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo / Ex-Fellow da The Ear Foundation at Baptist Hospital / The Otology Group - Nashville, Tennessee, EUA, Coordenador do Grupo Otológico e de Cirurgia de Base de Crânio do Hospital Santa Helena-Unimed Paulistana / Doutorando em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP.
2. Livre docente pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Professor Associado do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 28/11/2008. cod. 6154.
Artigo aceito em 9/6/2009 14:13:46.