ISSN 1806-9312  
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3947 - Vol. 76 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 2010
Seção: Artigo Original Páginas: 25 a 28
Perfil de citocinas da polipose nasossinusal na fibrose cística comparado com indivíduos sem doenças nasossinusais
Autor(es):
Flávio Barbosa Nunes1, Mirian Cabral Moreira de Castro2, Tacimara Moreira da Silva3, Ricardo Nascimento Araújo4, Helena Maria Gonçalves Becker5, Paulo Fernando Tormin Borges Crosara6, Roberto Eustáquio Santos Guimarães7

Palavras-chave: citocinas, fibrose cística, pólipos nasais.

Keywords: cytokines, cystic fibrosis, nasal polyps.

Resumo: Embora o perfil das citocinas na polipose nasossinusal seja bem documentado, pouco se sabe sobre estas proteínas quando associadas à Fibrose Cística. Objetivos: Avaliar a expressão das citocinas IL¬4, IL¬5, IL¬6, IL¬8, GM¬C-SF e IFN¬y analisada pela RT¬-PCR, nos pólipos de pacientes com Fibrose Cística. Material e Método: Estudo transversal, prospectivo, de 24 pacientes, 13 com Fibrose Cística e polipose nasossinusal (Grupo Fibrose Cística) e 11 com exame otorrinolaringológico normal (Grupo Controle). A média de idade foi de 21 anos (3¬-57), 12 eram do sexo masculino e 12 do sexo feminino. O perfil das citocinas foi pesquisado nos fragmentos de mucosa (Grupo Controle) ou pólipo nasal (Grupo Fibrose Cística) através da RT-¬PCR. Foram estudadas as transcrições para as citocinas IL¬4, IL¬5, IL¬6, IL¬8, IFN¬y e GM¬-CSF ajustadas pelo valor da ߬ actina. Resultados: As interleucinas 5, 6, 8 e GM¬-CSF foram semelhantes nos dois grupos (p>0,05). Menores valores de IFNy¬ (p=0,03) e forte tendência de aumento de IL¬4 (p=0,06) foram observados no grupo Fibrose Cística. Conclusão: As células inflamatórias e estruturais podem produzir RNA mensageiro para IL¬4, bloqueando a produção de outras citocinas com IFN-y¬, sugerindo a participação destes mecanismos na formação dos pólipos da Fibrose Cística.

Abstract: Although the cytokine profile in nasal polyposis is well documented, little is known about cytokines associated to cystic fibrosis. Aim: Assess the expression of cytokines IL¬4, IL¬5, IL¬6, IL¬8, GM¬-CSF and IFN¬-y, analyzed through RTPCR, in the polyps of patients with cystic fibrosis. Materials and Methods: A cross-sectional, prospective study was carried out with 24 patients, 13 of whom had cystic fibrosis and nasal polyposis (Cystic Fibrosis Group) and 11 had normal otorhinolaryngological exams (Control Group). The average age was 21 years (3¬57); 12 participants were males and 12 were females. The cytokine profile was studied in mucosal fragments (Control Group) or nasal polyps (Cystic Fibrosis Group) through RT¬PCR. Transcriptions were studied for cytokines IL¬4, IL¬5, IL¬6, IL¬8, IFN¬y and GM¬CSF, adjusted for the ߬-actin value. Results: Interleukins 5, 6, 8 and GM¬CSF were similar in both groups (p>0.05). There were lower values of IFN-y¬ (p=0.03) and a strong tendency toward an increase in IL¬4 (p=0.06) in the Cystic Fibrosis Group. Conclusion: Inflammatory and structural cells may produce messenger RNA for IL¬4, blocking the production of other cytokines such as IFN-y, suggesting the participation of this mechanism in the formation of polyps in cystic fibrosis.

INTRODUÇÃO

A polipose nasossinusal (PNS) é uma doença inflamatória crônica da mucosa nasal caracterizada pela presença de pólipos nasais múltiplos, de coloração acinzentada, normalmente bilaterais e originados no meato médio1,2. Acomete 0,5% da população e a polipose nasossinusal eosinofílica (PNSE) corresponde a 85% dos casos, enquanto a polipose nasossinusal não eosinofílica (PNSNE), os 15% restantes1,2.

Dentre as doenças com PNSNE, destaca-se a mucovicidose ou Fibrose Cística (FC). Esta é uma doença congênita, autossômica recessiva, com incidência de 1 em 2500 indivíduos, e os pacientes apresentam com disfunção glandular exócrina, obstrução pulmonar crônica e insuficiência pancreática. Os pólipos são encontrados em 20% dos pacientes3,4.

Vários mecanismos patogênicos têm sido propostos para explicar o seu desenvolvimento, destacando-se a teoria alérgica e a inflamatória. Embora a patogênese da rinite alérgica seja imunoglobulina E (IgE) específica, sua frequência é de apenas 1,5% nos pacientes com polipose e níveis similares de IgE foram observados em pólipos de pacientes alérgicos e não alérgicos5.

O microambiente inflamatório, as citocinas, as moléculas de adesão e o transporte iônico são os estudos mais recentes para esclarecer a patogênese dos pólipos nasais6.

Especificamente, os eosinófilos e mediadores específicos como as interleucinas 4 (IL-4), 5 (IL-5), 6 (IL-6), 8 (IL-8), fator estimulador de colônia de granulócitos e macrófagos (GM-CSF) e interferon gama (IFN-γ), receberam atenção especial após observação de valores elevados na maioria dos pacientes com PNSE1.

Infelizmente, poucos trabalhos têm objetivado o estudo da PNS e das citocinas na FC.

Neste intuito, o objetivo deste estudo foi analisar a expressão do ácido ribonucleico mensageiro (RNAm) para as citocinas IL-4, IL-5, IL-6, IL-8, GM-CSF, e INF-γ, em pacientes com Fibrose Cística e grupo Controle, através da reação reversa da cadeia de polimerase via transcriptase reversa (RT-PCR).


MATERIAL E MÉTODO

Foi realizado um estudo transversal em 13 pacientes com PNS em um total de 124 indivíduos com FC. Destes 13 pacientes, seis (46,15%) eram do sexo masculino, sete (53,85%) do sexo feminino e a média das idades foi de 22,45 anos (6-57).

Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão e exclusão para este grupo.

Critérios de inclusão

Diagnóstico de FC mediante duas dosagens de eletrólitos no suor com sódio e cloro superiores a60mEq/l.

Pacientes com FC e PNS.

Critérios de exclusão

Infecção de vias aéreas superiores ou inferiores, uso de medicação à base de glicocorticoide tópico e sistêmico ou anti-histamínico no período de 30 dias.

O grupo Controle foi constituído por 13 indivíduos, que procuraram o serviço para serem submetidos a procedimentos cirúrgicos otorrinolaringológicos. Apresentavam exame nasal sem alteração, ausência de alergia com comprovação pelo teste cutâneo por punctura negativo7 e não usavam medicação à base de glicocorticoide tópico, sistêmico ou anti-histamínico. Dois pacientes foram excluídos devido à presença de sinusite aguda em pósoperatório imediato. Destes 11 restantes, cinco pacientes (45,45%) eram do sexo feminino, seis (54,54%) masculinos e a média das idades foi de 17,7 anos (3-43).

O período de estudo foi de dezembro de 2003 a dezembro de 2004, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais sob o nº. 209/03. Todos os pacientes assinaram o consentimento pós-informado para este trabalho.

O perfil das citocinas foi pesquisado no fragmento de mucosa da concha média (grupo Controle) ou pólipo nasal (grupo Fibrose Cística) para obtenção de RNAm e posterior análise através da RT-PCR.

Os fragmentos de pólipos do grupo FC foram coletados no ambulatório de otorrinolaringologia, na cavidade nasal que apresentava pólipos, com utilização de pinça da marca EXPLORENT® (Karl Storz, Miami, Flórida, USA) e endoscópio Storz 30º, 4,0 mm (Karl Storz, Miami, Flórida, USA).

Fragmentos de mucosa nasal normal dos pacientes do grupo Controle foram coletados na região da concha média, com pinça tipo EXPLORENT® (Karl Storz, Miami, Flórida, USA) e endoscópio Storz 30º, 4,0 mm (Karl Storz, Miami, Flórida, USA) durante procedimentos cirúrgicos otorrinolaringológicos sob anestesia geral e encaminhados para a realização da RT-PCR.

Foram analisadas as transcrições para as citocinas IL-4, IL-5, IL-6, IL-8, GM-CSF, e INF-γ ajustadas pelo coeficiente da β-actina8. Após resfriamento a -80°, a extração do RNA foi realizada utilizando o reagente Trizol® (Invitron Corporation, Carlsbad, Califórnia, USA) de acordo com as recomendações do fabricante. A concentração do RNA nas amostras foi quantificada em espectrofotômetro no comprimento de onda de 260 nm e a integridade foi avaliada por eletroforese desnaturante em gel de agarose a 0,8%8. O ácido desoxirribonucleico (DNA) foi sintetizado a partir de 1,25 µg de RNA total utilizando iniciadores hexâmeros randômicos (Promega Corporation, Madison, Wisconsin, USA) e o sistema da transcriptase reversa SuperScript II (Invitron Corporation, Carlsbad, Califórnia, USA) de acordo com as recomendações do fabricante. Os produtos da PCR foram analisados por eletroforese em gel de poliacrilamida 8% corado pela prata. Os géis foram fotografados e os resultados analisados por densitometria, utilizando o AlphaDigidoc 1201 TM (AlphaInotech, San Leandro, CA, USA). As bandas resultantes da PCR para cada amostra, foram analisadas por densitometria utilizando o programa AlphaEaseFC versão 3.3.0 (AlphaInotech, San Leandro, CA, USA).

Na análise estatística, utilizaram-se testes paramétricos "ANOVA" (Analysis of Variance) e o teste "t" para comparação de duas médias, fixando-se em 5% o nível de significância.


RESULTADOS

Na Tabela 1, pode-se constatar que não houve diferença com significância estatística, ao comparar IL-5, IL-6, IL-8 e GM-CSF (p>0,05) entre os grupos.




Ainda na Tabela 1, observaram-se maiores valores de IL-4 (p=0,06) com forte tendência de significância estatística e baixos valores de INF-γ (p=0,03) no grupo Fibrose Cística, quando comparados ao grupo Controle.


DISCUSSÃO

As citocinas são secretadas por células inflamatórias (linfócitos, eosinófilos e neutrófilos) e células constituintes (mastócitos, fibroblastos, células epiteliais e macrófagos)9. Estas regulam os processos biológicos como: crescimento, ativação celular, quimiotaxia, inflamação, imunidade, reparo tecidual, fibrose e morfogênese10. O perfil das citocinas e das células inflamatórias na PNSE é bem documentado na literatura, em contraste, muito pouco é conhecido sobre a patogênese da PNS e das citocinas em pacientes com FC.

A interleucina 8 é a principal citocina relacionada à PNS da FC. Vários autores observaram aumento de IL-8 e neutrófilos quando comparados com a PNSE11. As principais fontes de IL-8 são os neutrófilos e seus subprodutos como a elastase, oxidantes e IL-812,13.

Sobol et al.12, estudando indivíduos com sinusite crônica e FC, confrontados a controles sadios, demonstraram que a doença nasal na FC consiste de infiltrado neutrofílico com valores aumentados de IL-8, similar ao encontrado nas alterações pulmonares12.

Vale ressaltar que, semelhantes aos resultados obtidos no presente trabalho, Noah et al.14 e Black et al.15 mostraram que valores maiores de IL-8 são decorrentes de agudização das infecções bacterianas associadas. Na ausência destas, a qual foi um dos critérios de exclusão do presente estudo, tanto a secreção nasal quanto a secreção pulmonar mostram valores normais de IL-814,15.

O epitélio respiratório exerce atividade na modulação inflamatória dos pólipos, principalmente na PNSE, através da elaboração de citocinas como IL-6 e GM-CSF16,17. Assim, diferente da teoria de Bernstein et al.6 e Mulloi et al.16 que mostraram grande lesão epitelial e consequente aumento de GM-CSF e IL-6, respectivamente, nos pólipos nasais, o presente trabalho mostrou valores normais destas citocinas, sugerindo maior integridade do epitélio na PNS da FC e menor participação de IL-6 e GM-CSF neste micro ambiente inflamatório.

Os eosinófilos apresentam expressão genética para IL-5 em todas as PNSE10,18,19.

Segundo Jankowski et al.20, os eosinófilos, mesmo na PNS da FC, onde se encontram em menor proporção, exercem uma forte atividade inflamatória no desenvolvimento destes pólipos20.

Conforme indicado na Tabela 1, não foi observado aumento de IL-5, semelhante a outros achados, como os de Clayes et al.4 e Sobol et al.12. Estes resultados sugerem que, se os eosinófilos possuem participação importante na PNS associada à FC, diferentes mecanismos de eosinofilia existem e são independentes de IL-5.

Interessante, como podemos observar na Tabela 1, constataram-se valores aumentados de IL-4 com tendência de significância estatística e baixos valores de INF-γ no grupo Fibrose Cística.

Semelhantes a estes resultados, outros trabalhos como os de Clayes et al.4 e Dellacono et al.21 mostraram valores menores de INF-γ nos pacientes com FC e polipose nasossinusal quando comparados a pólipos eosinofílicos. O INF-γ estaria aumentado, nos pacientes com FC, somente na agudização de uma sinusite crônica12.

Em contrapartida, não encontramos na literatura trabalhos mostrando valores alterados de IL-4 nos pacientes com PNS e FC.

Os Lipopolissacarídeos bacterianos (LPS), por meio da ligação ao receptor das células T auxiliares CD4+ (linfócitos T helper 2), estimulam a produção de IL-4 e proporcionam aumento dos valores de IgE22-24. Em compensação, o INF-γ apresenta efeito inverso através de estímulos de linfócitos T helper 1 (Th1), com bloqueio da produção de IgE e de células T helper 2 (Th2), principalmente IL-4 e IL-524.

Originalmente definida como um agente antiviral, o INF-γ é importante na estimulação bactericida pelos fagócitos, apresentação antigênica através de moléculas MHC (major histocompatibility complex) e interação leucócitos- endotélio25,26. A sua supressão acarreta proliferação bacteriana devido à ausência do clearance intracelular ou pelas alterações iônicas epiteliais25,26.

Assim, a diminuição do INF-γ, observada no presente estudo, seria responsável pela presença de bactérias ou LPS bacterianos no meio intracelular. Estas bactérias estimulariam a produção de IL-4 pelas células Th2. O resultado refletiria uma inflamação intensa com aumento de proteína catiônica eosinofílica (PCE), IgE total, intermediada pelo aumento de IL-4 e baixa de INF-γ23,24.

Portanto, Staphylococcus aureus, Pseudômonas aeruginosa ou os LPS bacterianos poderiam induzir uma inflamação eosinofílica e também a síntese de IgE multiclonal, com elevação dos valores de IgE total, intermediada pelo aumento de IL-4 e baixa de INF-γ23,24. A enteroxina agiria, pelo menos, modificando a PNS por IgE liberada pelos mastócitos, e se apresentaria como um mecanismo alternativo à alergia24.


CONCLUSÃO

A expressão de RNAm para as interleucinas 5, 6, 8 e GM-CSF, analisadas pela RT-PCR, foi semelhante nos grupos Fibrose Cística e Controle. Baixos valores de INF-γ e tendência a maiores valores de IL-4 associaram-se com o grupo Fibrose Cística.


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1. Doutor em Medicina pela HFMG, Prof. Substituto do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da UFMG.
2. Mestre pelo curso de pós-graduação em Cirurgia Geral da Faculdade de Medicina da UFMG, Preceptor da Residência Médica do Hospital das Clínicas da UFMG e Santa Casa de Misericórdia - MG.
3. Mestre pelo curso de Pós-Graduação em Cirurgia Geral da Faculdade de Medicina da UFMG, Otorrinolaringologista e Cirurgiã Geral, Oficial Médico do Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais.
4. Doutor em parasitologia - UFMG, Prof. Adjunto do Departamento de Parasitologia da Universidade Federal de Minas Gerais.
5. Doutora pelo Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da UFMG, Profª Adjunta do Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmologia da Faculdade de Medicina da UFMG.
6. Doutor pelo Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da UFMG, Prof. Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmologia da Faculdade de Medicina da UFMG.
7. Doutor em Medicina, Prof. Livre Docente da Faculdade de Medicina - USP - Ribeirão Preto., Prof. Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmologia da Faculdade de Medicina da UFMG.

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 26 de fevereiro de 2009. cod. 6293
Artigo aceito em 26 de maio de 2009.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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