ISSN 1806-9312  
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3937 - Vol. 75 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 2009
Seção: Artigo Original Páginas: 888 a 892
Perfil de usuários de AASI com fissura labiopalatina
Autor(es):
Ticiana Cristina de Freitas Zambonato1, Mariza Ribeiro Feniman2, Wanderléia Quinhoneiro Blasca3, José Roberto Pereira Lauris4, Luciana Paula Maximino5

Palavras-chave: fissura palatina, otite média, perda auditiva condutiva, perda auditiva condutiva-neurossensorial mista, perda auditiva neurossensorial.

Keywords: cleft palate, hearing loss, hearing loss, mixed conductive-sensorineural, conductive.

Resumo: A fissura labiopalatina, por provocar alterações nas estruturas do lábio e do palato, pode causar comprometimento auditivo, devido às otites médias recorrentes. O tratamento mais adequado é controverso, podendo ser indicado o uso de antibióticos e inserção do tubo de ventilação, ou o acompanhamento otorrinolaringológico, audiológico e reabilitação aural, com uso de aparelho de amplificação sonora individual (AASI). Objetivo: Caracterizar o perfil dos pacientes com fissura labiopalatina e deficiência auditiva, adaptados com AASI e acompanhados pelo setor de Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia de um hospital especializado em anomalias craniofaciais e deficiência auditiva. Estudo Retrospectivo. Material e Método: Análise retrospectiva de 131 prontuários de pacientes com fissura labiopalatina operada e deficiência auditiva, adaptados com AASI pelo referido centro. Resultados: O perfil geral (n=131) caracterizou-se pela predominância do gênero feminino (53%), fissura transforame incisivo unilateral (27%), presença de anomalias associadas (51%), histórico de alterações de orelha média (56%) e intervenção cirúrgica (56%). Conclusão: O perfil geral dos pacientes com fissura labiopalatina e deficiência auditiva, adaptados com AASI, caracterizou-se pela predominância da fissura de lábio e palato, histórico positivo de alteração de orelha média, intervenção cirúrgica e deficiência auditiva sensorioneural bilateral.

Abstract: Cleft palates cause alterations in palate and lip structures, and it may also cause hearing loss because of recurrent otitis media. The appropriate treatment is controversial. It may include the prescription of antibiotics and insertion of a ventilation tube, or even otorhinolaryngological and audiological assistance, and hearing rehabilitation, with the use of an individual sound amplifier aid (ISAA). Aim: To characterize the profile of individuals with cleft palate and hearing loss, users of ISAA are assisted by the center of otorhinolaryngology and speech therapy of a hospital specialized in craniofacial anomalies and hearing impairment. Retrospective Study. Material and Methods: Retrospective analysis of 131 charts of patients with corrected cleft palate and hearing loss, fitted with ISAA by the center abovementioned. Results: The sample (n=131) was characterized by a prevalence of females (53%), unilateral incisive transforaminal cleft (27%), presence of associated anomalies (51%), history of alterations of the middle ear (56%) and surgery intervention (56%). Conclusion: The general profile of the individuals with cleft palate and hearing loss, fitted with ISAA, was characterized by the predominance of cleft lip and palate, positive history of middle ear alterations, surgery intervention and bilateral sensorineural hearing loss.

INTRODUÇÃO

A fissura labiopalatina é uma malformação que envolve estruturas do lábio e do palato, podendo causar comprometimentos na comunicação oral, devido principalmente às alterações fonoarticulatórias e audiológicas, além de comprometimentos alimentares, psicossociais, educacionais, odontológicos e estéticos.1

Os pacientes com fissura labiopalatina apresentam problemas de ventilação da orelha média, devido à alteração da movimentação da tuba auditiva pela inadequada inserção do músculo tensor e elevador do palato, resultando em uma obstrução funcional da tuba e pressão negativa da orelha média, ocasionando otite média.2,3

O elevado grau de associação entre a fissura labiopalatina e a alteração de orelha média é intensamente descrito na literatura2,4-12 com concordância entre os autores, porém o tipo de tratamento mais adequado para esta alteração, em pacientes fissurados sem outras anomalias associadas, é controverso.

Vários estudos sustentaram a importância do uso de antibióticos e inserção do tubo de ventilação no momento da palatoplastia, como prevenção de ocorrência de alterações de orelha média e suas consequências.10,13-17 Porém, outros estudos2,7,8,9,18,19 descreveram elevado índice de efeitos colaterais observados em longo prazo, como perfuração e retração de membrana timpânica, otite média crônica e deficiência auditiva em orelhas tratadas com inserção de tubo de ventilação. Sugeriram, como tratamento ideal, o acompanhamento otorrinolaringológico, audiológico e reabilitação aural, com uso de aparelho de amplificação sonora individual (AASI), mantendo a indicação de inserção de tubo de ventilação após ampla discussão com o paciente e/ou responsável sobre as possíveis consequências da cirurgia, quando há evidência objetiva de deficiência auditiva e persistência de efusão por mais de 3 meses.

A indicação do AASI como conduta de reabilitação aural em pacientes com fissura palatina e deficiência auditiva, portanto, é uma alternativa viável e relevante para estes indivíduos. Cabe ressaltar que esta indicação engloba um processo complexo composto pela seleção do aparelho adequado e a verificação do mesmo20,21.

Neste âmbito, devido à importante relação entre a fissura labiopalatina e deficiência auditiva, este estudo teve por objetivo caracterizar o perfil dos pacientes com fissura labiopalatina e deficiência auditiva usuários de AASI.


MATERIAL E MÉTODO

Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (protocolo nº. 314/2005UEPCEP), foi realizado estudo retrospectivo de todos os 131 prontuários médicos de pacientes com fissura labiopalatina27,28 operada, adaptados com AASI no período de 2001 a 2006.

A pesquisa foi realizada no período de agosto de 2005 a agosto de 2007.

Nos prontuários médicos foram verificados os dados referentes à identificação do paciente (gênero, data de nascimento e cidade de origem, grau de escolaridade, tipo de fissura labiopalatina), histórico otológico (histórico de otite, tratamento cirúrgico), audição (avaliação audiológica mais recente) e adaptação de AASI (tipo e modelo).

Para a descrição do tipo de fissura labiopalatina, foi utilizada a classificação de Spina et al., modificada por Silva Filho et al., que utiliza como referência anatômica, o forame incisivo, que consiste no ponto de junção das estruturas que formam o lábio e o palato, porém, para fins didáticos, na apresentação dos resultados, foi utilizada a nomenclatura fissura de lábio para a fissura pré-forame incisivo, fissura de palato para a fissura pós-forame incisivo e fissura de lábio e palato para fissura transforame incisivo.

Após finalização da coleta de dados, foi realizada a análise descritiva dos resultados, que estão apresentados em tabelas para facilidade de análise e interpretação. Para verificar a associação entre as variáveis estudadas foi utilizado o teste do qui-quadrado e adotado nível de significância de 5% (p< 0,05).

Todos os pacientes desta amostra realizam tratamento e acompanhamento específico de sua malformação craniofacial e acompanhamento sistemático no setor de Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia de um hospital especializado em anomalias craniofaciais e deficiência auditiva.


RESULTADOS

A faixa etária dos pacientes variou de 2 a 72 anos de idade (média=23, mediana=20 e desvio padrão=14,7).

A Tabela 1 apresenta a distribuição da amostra, de acordo com o gênero e o tipo de fissura labiopalatina.




A presença de anomalias associadas à fissura foi analisada em todos os prontuários, sendo observado que em 67 pacientes (51%) houve a presença de outras anomalias associadas além da fissura labiopalatina.

O histórico otológico da população amostrada é demonstrado nas Tabelas 2 e 3, respectivamente, no que se refere ao histórico de otite e tratamento cirúrgico da otite. Dentre os procedimentos cirúrgicos realizados nos pacientes da amostra destacam-se a miringotomia para inserção de tubo de ventilação, a timpanoplastia, a timpanomastoidectomia e mastoidectomia radical.






Quanto à audição, com base nos dados audiológicos verificada na avaliação audiológica mais recente realizada e constante no prontuário, elaborou-se de acordo com o tipo de fissura labiopalatina a Tabela 4.




Os dados quanto à adaptação de AASI, no que se refere ao tipo de aparelho adaptado são apresentados na Tabela 5.




DISCUSSÃO

Foram identificados 131 pacientes portadores de fissura labiopalatina, usuários de AASI, com ampla faixa etária de abrangência (2 a 72 anos), sendo a maioria do gênero feminino. Segundo referência da literatura, as fissuras isoladas de palato têm maior incidência no gênero feminino, fato este confirmado neste trabalho (Tabela 1), com porcentagem de 62% dos pacientes do gênero feminino com fissura de palato29, havendo diferença estatisticamente significante entre os gêneros.

Como vastamente descrito na literatura,4,5,6,9,10,16,30 neste estudo (Tabela 2) também pode ser visualizada uma grande porcentagem de pacientes com fissura de palato com histórico de alteração de orelha média.

Neste estudo observa-se que a maior porcentagem dos pacientes com fissura de lábio (67%) não apresenta histórico de otite, em contrapartida, 52% dos pacientes com fissura de palato têm histórico de otite (Tabela 2), apesar de não ser evidenciada diferença estatisticamente significante (p=0,543).

Da mesma forma, há a descrição de um estudo, no qual os autores observaram limiares tonais aéreos piores em pacientes com fissura de palato, quando comparados a pacientes com fissura isolada de lábio, sinalizando maior possibilidade de deficiência auditiva nos pacientes com fissura de palato, devido às alterações de orelha média.31 Similar comportamento pode ser visualizado na Tabela 3, na qual a malformação com envolvimento do palato, acompanhada de lesão de lábio apresentou otite e tratamento cirúrgico em uma ocorrência maior, não havendo, porém, associação estatisticamente significante entre os dados (p=0,537).

Quanto à audição (Tabela 4), todos os tipos de perda auditiva (condutiva, mista e sensorioneural) estiveram presentes na população amostrada, bem como ausência de comprometimento auditivo. Ao se analisar a audição e os tipos de fissura, pode-se visualizar que nas fissuras de lábio, prevaleceu a deficiência sensorioneural. Este achado provavelmente deve estar relacionado a outros fatores etiopatogênicos que não especificamente à deformidade relacionada à fissura uma vez que apenas o lábio está acometido neste tipo de fissura. Em contrapartida, nos tipos de fissura com envolvimento do palato com ou sem a presença do lábio fendido é possível visualizar, outros tipos de perda auditiva, além da sensorioneural, podendo justificar a presença de algum componente condutivo em importante ocorrência. Os achados evidenciam alterações estruturais e funcionais ocasionadas pela fissura de palato, como a disfunção da tuba auditiva e as infecções de orelha média, além de maior incidência de infecções do trato respiratório, hipertrofia de tonsilas e adenoides e alterações do sistema imunológico, devido à falta de aleitamento materno, quando bebês.2,3,4,5,6,9,10,15,32,33

Após a palatoplastia ocorre uma melhora no quadro da otite, porém é possível que as alterações de orelha média persistam por muito tempo, até a idade adulta.9,10,30,34 Alguns autores atribuem a persistência da otite, após a correção do palato, assim como as alterações funcionais, à predisposição a infecções secundárias, ocasionadas pela infecção primária da orelha média.35

Quanto ao perfil de tratamento utilizado nos casos analisados com otites recorrentes, constatou-se que 56% foram submetidos à intervenção cirúrgica, demonstrando maior tendência para o tratamento cirúrgico, assim como tem sido descrito, na literatura, por diversos autores, como conduta preventiva das alterações da orelha média.10,14-17

Entretanto, notifica-se a discussão quanto à possibilidade de um tratamento menos agressivo, que não provoque complicações tardias e que seja realizado por meio de acompanhamento otorrinolaringológico e audiológico, além da intervenção terapêutica e indicação de AASI.1,2,5,7,8,11,18,35-42

Alguns autores afirmaram que a indicação do uso de AASI é efetiva como tratamento para otite média persistente ou recorrente, depois que o tubo de ventilação já tenha sido eliminado. E acrescentaram que se a justificativa para o tratamento da otite é a perda auditiva e a consequente inabilidade que esta pode provocar, a indicação de AASI é uma medida eficiente e não invasiva.40


CONCLUSÕES

O perfil dos pacientes com fissura labiopalatina e deficiência auditiva, adaptados com AASI, caracteriza-se pela predominância de fissura de lábio e palato, com histórico de alterações de orelha média e com tratamento por intervenção cirúrgica, nos casos de otite recorrente.


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1. Mestre em Ciências da Reabilitação pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo, HRAC-USP. Fonoaudióloga.
2. Livre-Docência, Professor Associado do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo, FOB-USP.
3. Doutora em Ciências dos Distúrbios da Comunicação pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo, HRAC-USP. Professora Doutora do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo, FOB - USP.
4. Livre Docência, Professor Associado do Departamento de Odontopediatria, Ortodontia e Saúde Coletiva da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo, FOB/USP.
5. Doutora em Ciências Biológicas - área de Genética Humana e Médica pela UNESP de Botucatu, Professora Doutora do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo, FOB/USP.

Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo, HRAC-USP.

Endereço para correspondência:
Profa. Dra. Mariza Ribeiro Feniman
Pça. Salim Haddad Neto, 13-20 apto. 1202
Vila Universitária - 17012-503 - Bauru - SP

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 17 de novembro de 2008. cod. 6134.
Artigo aceito em 5 de outubro de 2009.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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