INTRODUÇÃOOtite externa é um termo genérico usado para se referir a uma inflamação da pele do conduto auditivo externo (CAE), que inclui não apenas a porção visível do ouvido, mas também aquela porção do conduto auditivo que leva até a membrana timpânica sem se entender até o ouvido médio. As infecções do CAE são geralmente de etiologia bacteriana ou fúngica, cujos principais sintomas incluem otalgia intensa, otorreia purulenta e hipoacusia de grau variado1. Um recente aumento na incidência de otite fúngica pode estar associado ao aumento do uso de antibióticos sistêmicos de largo espectro2 e ao crescente uso de antibióticos tópicos à base de fluoroquinolonas3-6.
Relatos anteriores têm questionado se organismos fúngicos identificados em cultura representam colonização ou agentes infecciosos3-7. Entre os fungos, as espécies de Aspergillus representam os organismos predominantes implicados na etiologia de otomicose7,8.
Nosso estudo teve como objetivo investigar os agentes bacterianos e fúngicos presentes nas amostras colhidas por swabs de pacientes com otite externa sem história clínica relevante.
MATERIAIS E MÉTODOSMediante aprovação do Conselho de Ética Institucional e assinatura do Consentimento Informado Individual, amostras por swab foram obtidas a partir de 362 pacientes diagnosticados com otite externa no Hospital Militar Maresal Cakmak, uma instituição de atenção secundária à saúde em Erzurum, Turquia, entre janeiro de 2006 e abril de 2007. O estudo envolveu 124 homens e 238 mulheres com idades variando entre 1 e 55 anos (média de idade: 26 anos).
Como critérios de inclusão usamos: história de otalgia e/ou coceira, achados físicos de eritema e edema da pele do conduto auditivo externo (CAE), e variadas efusões do ouvido (mucoide esbranquiçada, cinzenta, azul-esverdeada e amarelada), ou detritos úmidos no CAE com duração de menos de sete dias. O diagnóstico de otite externa foi feito por um médico residente em otorrinolaringologista (único observador). Excluímos do estudo aqueles pacientes imunocomprometidos com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV); diabetes melito; eczema; aqueles com hábito de limpar o ouvido, e aqueles tratados com antimicrobianos, antifúngicos ou corticosteroide tópico auricular na semana anterior. Os pacientes diagnosticados com otomicose pelo residente, com achados bastante característicos como massa escura ou esbranquiçada de fungos (esporos ou hifas) também foram excluídos do estudo. Dados demográficos, história, sintomas e fatores predisponentes foram registrados para cada paciente.
O pavilhão auditivo e o conduto auditivo externo foram limpos com álcool (70% isopropanol) antes da coleta da amostra com swab. Foram colhidas três amostras do CAE afetado com um swab diferente para cada uma com todas as precauções sendo tomadas para se evitar contato com o pavilhão e o meato auditivo externo. Um swab foi processado para bactérias aeróbias no sistema de transporte do meio de Stuart (Diomed), um swab foi colocado em meio anaeróbio de tioglicolato, e um swab foi colocado em banho de dextrose Saboroud com antibióticos. Os espécimes foram inoculados em 60 minutos em placas de ágar com 5% de sangue de ovelha, chocolate e EMB para organismos aeróbios e facultativos e ágar dextrose saboraud com antibióticos (ASDA) para organismos fúngicos. As placas foram cultivadas em meio aeróbio a 37°C (EMB) ou sob concentração de 5% de CO2 (5% sangue de ovelha e chocolate) e examinadas às 24h e 48 horas. Para anaeróbios, o material foi cultivado em 60 minutos em banho de tioglicolato. Para anaeróbios, o material foi inoculado dentro de um prazo de 60 minutos em tioglicolato e colocado em uma placa anaeróbia de ágar sangue contendo canamicina e vancomicina. Estes foram incubados em frascos GasPak (BBL) e examinados às 48h, 96h e 120 horas. As culturas fúngicas foram avaliadas quanto a qualquer crescimento fúngico em ASDA após incubação a 25-26°C por duas semanas. Técnica microbiológica padrão foi utilizada para o diagnóstico dos isolados.
Para análises estatísticas usamos média aritmética e testes X2, e os valores a foram selecionados como p=0,01 e p=0,05.
RESULTADOSEncontramos 219 culturas positivas e um total de 267 isolados a partir de swabs de ouvidos de 362 pacientes. Dos isolados, 68,16% (182) eram bactérias aeróbias ou facultativas, 1,12% (3) eram bactérias anaeróbias e 30,71% (82) eram fungos. A distribuição dos isolados em casos de cultura positiva está resumida na Tabela 1. A distribuição de isolados polimicrobianos em otites externas está resumida na Tabela 2.
A natureza polimicrobiana da otite externa em 17,35 % (n: 38) dos casos foi refletida nesse estudo. Agente fúngicos foram encontrados em 9,13% (n: 20) dos casos como polimicrobianos e em 21,58% (n: 62) dos casos como agente somente presentes na cultura.
DISCUSSÃONosso estudo objetivou investigar os possíveis agentes bacterianos e fúngicos em pacientes diagnosticados com otite externa. Diferenças significativas foram encontradas entre Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, Candida sp., e outros micro-organismos (P<0,01). Apesar dos achados de agentes bacterianos serem compatíveis com a literatura, as espécies de Candida foram os agentes fúngicos mais comumente encontrados. Staphylococcus aureus é mencionado como o agente infeccioso causador mais comum9 e fungos são patógenos ocasionais na otite externa, principalmente em infecções crônicas10. Aspergillus spp., o principal patógeno da otomicose foi responsável por 54-80% dos casos11,12. Em infecções sistêmicas ou disseminadas, foi observado que a imunossupressão sistêmica ou local, materiais exógenos (tubos de ventilação) e tratamento com antibioticoterapia local ou sistêmica podem servir como importantes fatores predisponentes para otomicose10,11,13.
C. albicans ainda é o mais comum agente fúngico oportunista que causa um amplo espectro de alterações clínicas tanto em animais quanto em humanos14,15, sendo mais comumente encontrado em zonas temperadas, enquanto o Aspergillus negar é mais comum em países tropicais.16
Jadhav et al.16, Erkan et al.17 e Jaiswal et al.18 relataram incidências de Candida albicans em pacientes com otomicose de 2,38%; 1,62% e 1,72%, respectivamente, em seus estudos. Em nosso estudo, encontramos incidência espécies de Candida em pacientes sem doença subjacente. Espécies de Candida estão normalmente presentes nas floras da pele humana16-18. Assim sendo, culturas positivas de espécies de Candida nem sempre significam que Candida seja o patógeno responsável pela otite externa; nosso estudo não foi capaz de diferenciar entre colonização fúngica e infecção fúngica em casos polimicrobianos. Entretanto, em nosso estudo 21,58% (n:62) dos casos foram encontrados somente fungos nas culturas. Esse achado pode ser explicado pelo fato de que espécies de Candida podem ser o patógeno responsável pela otite externa em pacientes que tenham qualquer fator de risco para infecção fúngica.
Jaiswal18 da Índia e Sheikh et al.15 do Iran relataram C. albicans como agente etiológico predominante em casos de otomicose. A maior probabilidade de se encontrar espécies de Cândida pode ser correlacionada aos achados físicos comumente associados a infecções fúngicas. Espécies de Candida são frequentemente associadas uma secreção espessa e esbranquiçada. Em contrapartida, hifas escuras podem ser visíveis em infecções por aspergillus, servindo como dicas claras sobre a infecção fúngica. Em nosso estudo, os pacientes com esses achados característicos de infecção fúngica foram excluídos da investigação. O achado dessas características físicas no caso de um ouvido purgando que não tenha sido resolvido com tratamento convencional seria bem assistido tanto pela cultura como pelo tratamento direto dos organismos fúngicos19.
Em um estudo semelhante, Pino Rivero et al.20 descobriram que Pseudomonas, principalmente a P. Aeruginosa (46,83%) seguidas de Staphylococcus (18,98%) foram os mais frequentes agentes causais de otite externa encontrados, mas foram identificados tipos fúngicos em quase um quarto dos casos.
Amigot et al.21 isolaram Candida em 9,7%, Aspergillus em 6,5%, associações de Aspergillus e Candida em 2,2%, Pseudomonas aeruginosa em 18,6%, Proteus mirabilis em 10,9%, Staphylococcus aureus em 10,9% e três associações entre Pseudomonas aeruginosa e Proteus mirabilis em 1,4% de pacientes com otite externa.
Loh et al.22 relataram que Staphylococcus coagulase-negativa e Aspergillus niger foram as bactérias e fungos mais comuns encontrados em culturas de pacientes com otite externa, respectivamente. Eles enfatizaram que a autolimpeza dos ouvidos foi o fator predisponente mais comumente encontrado.
Zaror et al.23 pesquisaram as características clínicas e os fatores predisponentes em 20 casos de otomicose durante um ano. Eles descobriram que as espécies mais frequentes foram: Aspergillus niger (35%) e Candida albicans (20%), o gênero Aspergillus representou 75% dos isolados. Entretanto, eles enfatizaram que a falta de cerume (70%), otite crônica (30%), antibioticoterapia prévia e eczema (25%) foram os fatores predisponentes que mais se destacaram para otomicose.
Nosso estudo excluiu os pacientes com fatores de risco para infecções fúngicas, ainda assim espécies de Candida foram as mais comumente encontradas em culturas fúngicas na otite externa aguda.
CONCLUSÃOOtorreia causada por microorganismos fúngicos, especialmente espécies de Candida devem ser sempre suspeitados como possíveis agentes causais em pacientes com otite externa sem fatores de risco para infecção fúngica. Culturas bacterianas e fúngicas podem ser recomendadas, e o tratamento desses pacientes pode exigir outros medicamentos antifúngicos.
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1 Dr., Especialista.
2 VMD, Med. Microbiólogo. Departamento de Microbiologia, Hospital Militar Maresal Cakmak, Erzurum, Turquia.
3 MA, MD, Professor Associado, Departamento de Otorrinolaringologia, Escola de Medicina, Médico Otorrinolaringologista - Hospital Geral Filipinas, Universidade das Filipinas - Manila.
Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço - Hospital Militar de Maresal Cakmak, Erzurum, Turquia.
Endereço para correspondência:
Murat Enoz
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Não houve qualquer apoio financeiro ou conflito de interesse.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 22 de novembro de 2007. cod. 5590
Artigo aceito em 25 de fevereiro de 2008.