ISSN 1806-9312  
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3888 - Vol. 75 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 2009
Seção: Artigo Original Páginas: 634 a 641
Classificações das perdas auditivas em Oncologia
Autor(es):
Christiane Schultz1, Maria Valéria Schmidt Goffi-Gomez2, Patrícia Helena Pecora Liberman3, André Lopes Carvalho4

Palavras-chave: cisplatino/efeitos adversos, oncologia, perda auditiva/classificação, quimioterapia/efeitos adversos.

Keywords: cisplatin/adverse effects, oncology, hearing loss/classification, chemotherapy/adverse effects.

Resumo: A cisplatina é um antineoplásico muito utilizado no tratamento de diferentes neoplasias, porém quando utilizada em doses acima de 360mg/m2 pode causar ototoxicidade. Esta produz lesões cocleares que resultam em perda auditiva. Existem critérios que visam identificar e quantificar as perdas auditivas. Objetivo: Descrever as características das classificações e identificar implicações e aplicações de cada uma, dentro das necessidades do acompanhamento ao paciente oncológico. Material e Método: Avaliamos 31 pacientes pré e pós-tratamento quimioterápico. Classificamos as perdas auditivas de acordo com os critérios e verificamos a sensibilidade e especificidade de cada um. Resultado: Houve grande variabilidade na detecção das alterações auditivas (de 29% a 61%). Somente 4 dos 31 indivíduos com alterações auditivas no exame pós-tratamento foram identificados por todos os critérios. Por vezes o indivíduo portador de perda auditiva era classificado com normal por algum critério. Dos 31 indivíduos, 18 apresentaram PTA normal no exame pós-tratamento. Conclusão: Nenhum dos critérios considera a queixa do paciente. Os critérios descritos mostraram inadequações para descrever as alterações auditivas encontradas, fazendo-se necessária a descrição de informações adicionais, para que o médico compreendesse a natureza da perda auditiva. É importante o refinamento desses instrumentos para melhor compreensão e tratamento dos pacientes oncológicos, assim como de sua qualidade de vida.

Abstract: Cisplatin is used frequently as an antineoplastic drug in the treatment of many different cancers. However, when used in doses over 360mg/m2, ototoxicity may ensue, resulting in loss of hearing. Criteria for identifying and quantifying hearing loss have been devised. Aim: To describe the features of different hearing loss classification systems and to identify their implications and use in oncologic patients. Method: Hearing loss was classified in 31 patients before and after chemotherapy, according to different criteria, assessing the sensitivity and specificity of each classification system. Results: Hearing loss results were highly variable (ranging from 29% to 61%). Only 4 of 31 subjects with post-therapy hearing loss were identified by all the methods. A few subjects with hearing loss were classified as normal hearing in some of the criteria. A normal PTA was found in 18 of 31 subjects in the post-treatment evaluation. Conclusion: None of the criteria assesses the complaints of patients. The criteria described in this study were inadequate to identify hearing loss following chemotherapy, requiring additional information for physicians to better understand the hearing losses and their implications for the quality of life of patients.

INTRODUÇÃO

A cisplatina (CDDP) é um antineoplásico muito utilizado no tratamento de diferentes tumores. Seus efeitos colaterais incluem: náusea, vômitos, mielossupressão nefrotoxicidade, neuropatias centrais e periféricas e ototoxicidade (Oliveira1; Rybak et al.2). Quando utilizada em doses cumulativas acima de 360mg/m2 (Brock et al.3; Pedalini et al.4, Simon et al.5, Knoll et al.6) pode causar ototoxicidade. A ototoxicidade pela cisplatina produz lesões na cóclea, inicialmente na estria vascular e nas células ciliadas externas do giro basal, resultando em perda auditiva nas frequências agudas (Rademaker et al.7; Rybak et al.8). Seu uso contínuo pode vir a acometer também as frequências graves (Pedalini et al.4, Zuur et al.9).

A perda auditiva pode causar prejuízos importantes na vida dos pacientes, por isso a preocupação com a ototoxicidade deve estar presente durante todo o tratamento oncológico. Uma das formas de se evitar a perda de audição é a detecção e a monitorização da ototoxicidade, de modo a permitir medidas preventivas.

Cada vez mais, cresce a preocupação dos médicos oncologistas com a toxicidade causada pelas drogas durante o tratamento oncológico, e têm criado critérios objetivos para medir a toxicidade específica para cada órgão durante os vários ciclos de quimioterapia.

Existem vários critérios descritos na literatura que visam identificar, descrever e até mesmo quantificar as perdas auditivas. Neste artigo usaremos quatro instrumentos, que serão descritos posteriormente (Davis e Silverman10; Brock et al.3; ASHA-American Speech-language-Hearing Association11; NCI12).

Porém, na prática clínica diária, todos os critérios são de difícil aplicação, pois não esclarecem claramente o grau de alteração auditiva causada, ou o seu impacto, não levando em consideração a queixa dos pacientes, além de não incluir todos os tipos e graus de alterações auditivas.


OBJETIVO

O objetivo deste estudo é avaliar e identificar as características de cada método de classificação das perdas auditivas adequando-os ao acompanhamento oncológico.


MÉTODO

Este foi um estudo prospectivo, aprovado pelo comitê de ética da Instituição na qual foi desenvolvido (número de aprovação 549/03). Todos os pacientes foram consultados sobre a possibilidade de participarem deste estudo e após concordarem assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Neste estudo foram realizadas avaliações audiológicas de 31 indivíduos atendidos no ambulatório de Audiologia que preenchiam os seguintes critérios de inclusão: Tratamento exclusivamente quimioterápico com cisplatina; ausência de queixas otológicas; ausência de radioterapia em região de cabeça e pescoço e realização de avaliação audiológica pré e pós-tratamento.

Dos 31 indivíduos, 16 eram do sexo masculino e 15 do sexo feminino. As idades variaram entre 7 e 66 anos, com média de 28 anos.

Todos os indivíduos deste estudo realizaram avaliação audiológica completa antes do início do tratamento, durante e ao final do tratamento com CDDP, entretanto somente os dados da audiometria tonal convencional foram computados. Essa foi realizada com o audiômetro da marca Madsen, modelo Orbiter versão 922. Para obter-se os limiares auditivos para tons puros (em dBNA), por via aérea e por via óssea. (Redondo et al.13; Yantis14)

Os resultados destas avaliações foram tabulados de acordo as classificações propostas por diferentes autores e entidades.

CTCAE (Common Terminology Criteria for Adverse Events12) foi proposto pelo NCI (National Cancer Institute). Este instrumento visa descrever os eventos adversos produzidos pelas drogas quimioterápicas durante o tratamento oncológico, atribuindo valores numéricos (de 1 a 4) para as reações observadas para cada órgão a cada ciclo de quimioterapia (Anexo 1).



Brock et al.3 atribui valores numéricos (de 0 a 4) para as diferentes perdas auditivas causadas pelo tratamento oncológico. (Anexo 2)




ASHA11 considera como ototoxicidade a elevação de limiares de 20dB em uma frequência isolada, a elevação de limiares de 10dB em duas frequências consecutivas ou ainda a ausência de respostas em três frequências consecutivas, no exame pós-tratamento.

Davis e Silverman10 - O grau da perda auditiva é classificado segundo o valor da média dos limiares das frequências de 500, 1000 e 2000Hz, sendo: normal - de 0 a 20 dB, perda auditiva leve - de 21 a 40 dBNA, perda auditiva moderada - de 41 a 70 dBNA, perda auditiva severa - de 71 a 90 dBNA, perda auditiva profunda - acima de 95 dBNA.

Para avaliar a sensibilidade e especificidade de cada critério em detectar a perda auditiva foi realizada uma comparação com o critério que considera o limiar de 25 dBNA como limite entre normalidade e perda auditiva, para análise da perda auditiva por frequência (PPF). Para a análise da significância de cada método foi usado o teste exato de Fisher, usando o programa GraphPad Prism versão 2.0, com nível de significância < 0.05.


RESULTADOS

A Tabela 1 mostra que segundo o critério do NCI12 12 dos 31 pacientes (38%) apresentaram alterações auditivas ao final do tratamento. Desses, apenas 1 teve alteração de grau I, 10 tiveram alteração de grau II e 1 teve alteração de grau III. Segundo o critério descrito por Brock et al.3, 19 pacientes (61%) apresentaram alterações auditivas ao final do tratamento. Desses, 5 tiveram alterações de grau 1, 5 tiveram alterações de grau 2, 5 tiveram alterações de grau 3 e 4 tiveram alterações de grau 4. De acordo com o critério da ASHA11, 17 indivíduos (54%) apresentaram alterações auditivas ao final do tratamento. Desses, 13 tiveram uma piora de 10 dB em duas ou mais frequências e 4 tiveram uma piora de 15 dB ou mais em apenas uma frequência. Porém, 39% dos pacientes apresentaram uma piora maior do que 15 dB em duas ou três frequências consecutivas em pelo menos uma orelha.

O critério proposto por Davis e Silverman10 mostrou que 9 (29%) indivíduos tiveram alterações auditivas ao final do tratamento. Observou-se que a porcentagem de identificação de perda auditiva variou consideravelmente entre os critérios desde 29% até 61%. Observamos ainda que 61% apresentaram limiares auditivos superiores a 25 dBNA em pelo menos uma frequência bilateralmente.

A análise estatística foi realizada através do cálculo da especificidade e da sensibilidade para cada critério, e o valor de p foi calculado através do teste de Fisher, como demonstra a Tabela a seguir.




A Tabela 2 evidencia que o critério proposto por Brock (1991)3 mostrou maior sensibilidade e os critérios da NCI12 e Davis e Silverman10 mostraram-se os de maior especificidade.




DISCUSSÃO

A distribuição dos limiares audiométricos dos pacientes estudados mostrou que:

  • Somente 4 indivíduos que apresentaram alterações auditivas no exame pós-tratamento foram identificados por todos os critérios, enquanto 7 indivíduos não apresentaram perda auditiva em nenhum dos critérios utilizados.
  • Treze dos 18 indivíduos que apresentaram PTA normal (segundo Davis e Silverman10) após o tratamento, apresentaram algum grau de perda auditiva segundo algum dos demais métodos estudados;


  • O critério de Brock et al.3 foi aquele que mostrou maior número de perdas auditivas importantes, pois o critério da ASHA11 somente mostrou se houve perda ou não, mas não foi capaz de quantificá-la.

    As alterações auditivas causadas por ototoxicidade da cisplatina normalmente são simétricas, bilaterais e acometem inicialmente as frequências agudas, depois as médias e por último as graves (Testa et al.15; Rademaker et al.7).

    Nos critérios descritos, as alterações nem sempre foram detectadas no início. A maior crítica a todos eles é que nenhum leva em consideração a queixa do paciente, que é de suma importância e deve-se considerar que o impacto na vida do paciente por vezes não é proporcional ao grau da perda, pois depende de fatores como atividade social e profissional, além dos aspectos pessoais. Contudo, a preocupação crescente dos médicos oncologistas deve sempre levar a um cuidado preventivo com relação à audição, fazendo exames periódicos e acompanhando as mudanças auditivas de perto, sem esperar a queixa do paciente para se preocupar com este aspecto, prevenindo a instalação da perda auditiva não somente reabilitando-a quando já não é mais possível revertê-la.

    Com relação ao critério proposto pelo NCI12, foi relevante observar que ele não é suficientemente específico, quando propõe que devemos monitorar a função auditiva, pois não estabelece claramente através de quais frequências isto deve ser feito.

    Do ponto de vista audiológico, existem propostas de monitorização com frequências convencionais (Testa et al.15, Kushner et al.16, Marshall et al.17, Toral-Martinnon et al.18), propostas de monitorização pelas emissões otoacústicas transientes (Liberman19) ou por produto de distorção (Biro et al.20; Hyppolito et al.21) e propostas de monitorização com altas frequências (acima de 8000 Hz) (Garcia22), que podem ser as primeiras acometidas pelo uso de ototóxicos. Neste caso o paciente portador de alterações auditivas normalmente não tem queixa e dificilmente percebe uma piora da audição (Liberman23), no entanto (Dhooge et al.24) observou 20% de ototoxicidade sintomática, ou seja, com presença de queixas auditivas em 16 crianças tratadas com cisplatina e/ou carboplatina. No monitoramento através das frequências convencionais (de 500 a 8000 Hz), a perda auditiva geralmente leva a dificuldades em situações diferentes, desde o paciente que se queixa apenas de zumbido até o paciente que apresenta dificuldade para entender conversa em locais ruidosos, até aquele paciente que, por apresentar perda auditiva nas frequências da fala, já não consegue mais acompanhar uma conversa. Ainda dentro desse critério os pacientes que já apresentavam alterações auditivas no exame pré-tratamento, são categorizados como não apresentando mudanças auditivas no exame pós-tratamento, mas observou-se que com o tratamento houve elevação dos limiares audiométricos, e isso não é considerado na análise final do critério.

    Além disso, há uma discrepância no que diz respeito ao grau II deste critério. Neste grau estão incluídos os pacientes que apresentam elevação de 25 a 90 dB no limiar auditivo. Uma elevação de limiares de 25 dB pode passar despercebida ou pode levar a dificuldade pequena, podendo ser classificada como uma perda leve (Davis e Silverman10). Por outro lado, uma elevação de 90 dB implica em que o paciente provavelmente não irá acompanhar uma conversa sem o uso de próteses auditivas, visto que nossa voz durante uma conversação é emitida por volta dos 60 dBNA. Além disso, sua perda de audição já é classificada como severa, e isto traz restrições importantes em sua vida social. Classificar esses dois extremos de elevação de limiares no mesmo grau prescinde das grandes diferenças em relação às dificuldades, queixas e limitações.

    Quanto ao critério proposto por Brock et al.10, é discutível a intensidade de 40 dB utilizada como referência. Uma perda de 40 dB já caracteriza uma perda auditiva de grau leve, com sérias implicações para a percepção de sons consonantais da língua portuguesa (Russo e Behlau25), especialmente em crianças, população para a qual essa classificação foi proposta. Além de não levar em consideração pequenas alterações auditivas, que podem acontecer antes de o limiar auditivo alcançar 40 dB, a autora também não leva em consideração alterações superiores a 40 dB que também podem acontecer em frequências isoladas. A intensidade é um fator importante quando falamos em perda auditiva, assim como é um fator importante quando pensamos em reabilitação com próteses auditivas, podendo ser inclusive fator limitante na escolha e até no uso do aparelho auditivo adequado.

    O critério proposto pela ASHA11 não leva em consideração as frequências que podem ser acometidas, o que do ponto de vista audiológico tem implicações para a monitorização do tratamento oncológico. Uma elevação de limiares de 10 dB nas frequências de 6000 e 8000 Hz pode não levar a prejuízo auditivo mínimo, a depender da idade, já uma piora de 20 dB em 1000 e 2000 Hz, em um paciente cujo limiar pré-tratamento era de 30 dB, causa uma perda auditiva de grau moderado e pode levar a uma dificuldade importante na comunicação. Portanto, a frequência acometida deve ser considerada.

    Observou-se que o critério proposto por Davis e Silverman10 não é indicado para pacientes oncológicos, uma vez que ele se detém a classificar a perda auditiva apenas pelos limiares de 500, 1000 e 2000 Hz, que não são as frequências comumente acometidas pela ototoxicidade1,26-27. Isto é prejudicial, pois quando a perda auditiva induzida por ototóxicos acomete essas frequências, ela já é bastante grande e o paciente já tem uma queixa importante, portanto não é adequado para monitorar paciente em tratamento de risco para perda auditiva, pois quando esse critério detecta a perda, ela já está muito avançada.

    Nem sempre o mesmo indivíduo com perda foi classificado por todos os critérios acima descritos, o que nos leva a pensar qual a sensibilidade e/ou especificidade de cada um deles, uma vez que pequenas alterações auditivas nem sempre são detectadas por esses instrumentos. As pioras auditivas importantes são facilmente detectadas por quaisquer desses instrumentos, contudo um instrumento de classificação deve ser capaz de detectar pequenas alterações para que o médico oncologista, assim como o fonoaudiólogo monitore cuidadosamente a função auditiva desses pacientes, evitando grandes prejuízos funcionais.

    A classificação de perdas auditivas das avaliações audiológicas diante do tratamento oncológico tem objetivos diversos. O primeiro deles é identificar a presença do efeito ototóxico, especialmente nas altas frequências, permitindo ao médico estar alerta para a opção de mudança do protocolo de tratamento. Também deve indicar em que ponto o paciente terá implicações sociais, educacionais e até profissionais pela perda auditiva. O impacto difere em adultos e em crianças, tanto em relação ao grau da perda auditiva, quanto em relação às frequências acometidas. A classificação deve ser capaz de evidenciar a evolução da perda.

    Knight et al.28 monitorou a ototoxicidade em 67 crianças com osteossarcoma, neuroblastoma e meduloblastoma que receberam tratamento com cisplatina. Os autores compararam os três critérios Brock et al.3, ASHA11, e NCI12 e também constataram dificuldades em descrever adequadamente as perdas auditivas encontradas. Os autores acreditam que tais critérios subestimam as perdas auditivas decorrentes do tratamento oncológico, prejudicando o desenvolvimento de linguagem, o desenvolvimento escolar e até mesmo o funcionamento social e emocional destas crianças. Observaram inclusive que a perda auditiva pode induzir à baixa autoestima, os distúrbios do comportamento, perda de energia e estresse, quando comparadas às crianças ouvintes, fatores que não estão incluídos em qualquer das classificações.

    Liberman29 em seu estudo com pacientes tratados por câncer na infância, que utilizaram cisplatina durante o tratamento, observou um aumento da ocorrência de queixas auditivas quando a perda auditiva comprometia a frequência de 4000Hz.

    Marini et al.30 ao analisar o valor preditivo, sensibilidade e especificidade da queixa auditiva em 795 pacientes observou que esta possui alta sensibilidade (80.9%), e especificidade (60,4%) devendo sempre estar presente em conjunto com os resultados do exame audiométrico, que apesar de ser subjetivo possui baixo custo quando comparado às novas tecnologias.

    Teles et al.31 comparou dados como frequência, proporção, concordância e consistência de respostas de trabalhadores expostos a ruído ocupacional no que se refere á mudança significativa do limiar de audibilidade (MSL). Utilizou três critérios nacionais e um critério internacional para analisar a mudança do limiar e observou que a utilização somente desses critérios mostrou-se falha, por se tratar de um exame subjetivo, não sendo aconselhável que a prevenção se dê somente nos indivíduos que apresentaram MSL, mas sim em todos os indivíduos que participem de um programa de preservação auditiva.

    Gupta et al.32 observaram um pequena incidência de perdas auditivas em crianças que foram submetidas à quimioterapia com cisplatina por infusão contínua, utilizando o critério de Brock, e concluiu que o modo de administrar a droga de maneira contínua está associado à menor incidência de ototoxicidade. No entanto, acreditamos que por somente considerar perdas acima de 40 dB este critério pode estar subestimando perdas importantes de serem identificadas nessa população.

    Em concordância com a literatura citada, nos critérios descritos neste estudo, para pacientes oncológicos, as alterações nem sempre foram detectadas no início. A maior crítica a todos eles é que nenhum leva em consideração a queixa do paciente, que é de suma importância e deve-se considerar que o impacto na vida do paciente por vezes não é proporcional ao grau da perda, pois depende de fatores como atividade social e profissional, além dos aspectos pessoais. Contudo, a preocupação crescente dos médicos oncologistas deve sempre levar a um cuidado preventivo com relação à audição, fazendo exames periódicos e acompanhando as mudanças auditivas de perto, sem esperar a queixa do paciente para se preocupar com este aspecto, prevenindo a instalação da perda auditiva e não somente reabilitando-a quando já não é mais possível revertê-la.

    Neste sentido, cada instrumento de classificação deve ser considerado diante do objetivo ao qual ele está sendo proposto, no caso das perdas auditivas decorrentes do tratamento oncológico, acreditamos ser importante não só identificar, classificar e quantificar a perda, mas também verificar as eventuais queixas e qual o impacto essa sequela pode trazer na qualidade de vida desses pacientes. Somente através desses critérios de classificação das perdas auditivas ainda não é possível estabelecer qual o grau de perda auditiva que traz queixas e dificuldades para os indivíduos. Por isso é importante não somente realizar a avaliação audiológica e a classificação das perdas de acordo com o gráfico, mas também é importante identificar e relevar a queixa.

    Vale a pena ressaltar que é de extrema importância que o critério usado para a classificação das perdas auditivas em pacientes oncológicos seja capaz de identificar o início da perda, evitando efeitos adversos desnecessários e prevenindo alterações auditivas em decorrência do tratamento oncológico.


    CONCLUSÃO

    Neste estudo foi possível observar que o critério proposto por Davis e Silverman10 identificou 29% de indivíduos com perdas auditivas ao final do tratamento, o critério do NCI12 identificou 38%, o critério da ASHA11 identificou 54% e o critério Brock et al.3 identificou 61% de pacientes com alterações auditivas ao final do tratamento oncológico. Ou seja, o critério proposto por Brock (1991)3 mostrou-se o de maior sensibilidade e os critérios da NCI12 e Davis e Silverman10, mostraram-se os de maior especificidade.

    No entanto todos os critérios subestimaram a descrição das alterações auditivas encontradas, fazendo-se necessária a descrição de informações adicionais que auxiliem os médicos a compreender as reais implicações da perda auditiva em cada caso.

    Faz-se necessário estabelecer um código comum entre médicos oncologistas e audiologistas para a melhor compreensão e tratamento dos pacientes, tentando descrever não somente o grau e o tipo de perda auditiva, mas também qual o impacto que esta traz sobre a vida do indivíduo


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    1 Mestre em ciências pela Fundação Antonio Prudente, Fonoaudióloga do setor de Audiologia do Hospital do Câncer A C Camargo.
    2 Doutora em Ciências dos Distúrbios da Comunicação pela Universidade Federal de São Paulo, Fonoaudióloga do setor de Audiologia do Hospital do Câncer A C Camargo.
    3 Mestre em Ciências pela Fundação Antonio Prudente, Fonoaudióloga do setor de Audiologia do Hospital do Câncer A C Camargo.
    4 Livre-docente em oncologia pela FMUSP, cirurgião titular do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital de Barretos - Hospital do Câncer.

    Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 2 de maio de 2008. cod. 5829
    Artigo aceito em 2 de novembro de 2008.
    Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
    Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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