INTRODUÇÃO A zigomicose (mucormicose) é a infecção fúngica mais letal em humanos e manifesta-se como sinusite de forma rápida, progressiva e invasiva. Acomete geralmente pacientes imunodeprimidos. A mortalidade é alta, apesar do diagnóstico precoce.1,2
Apresentamos o caso de uma criança que manifestou um quadro grave de zigomicose rino-órbito-cerebral, porém com excelente evolução após tratamento agressivo.
APRESENTAÇÃO DO CASO Paciente de 12 anos, do sexo feminino, iniciou quadro súbito de dor abdominal, poliúria, polidipsia, anorexia e rebaixamento da consciência. Foi diagnosticado diabetes melito tipo I descompensado (cetoacidose diabética), apresentando glicemia de 508 mg/dl à admissão. Após uma semana de internação iniciou quadro de ptose palpebral, dor facial, estrabismo convergente, epistaxe à esquerda e piora progressiva do estado geral.
Tomografia computadorizada e ressonância magnética de crânio e seios paranasais evidenciaram tumor com densidade de partes moles em fossa nasal esquerda com invasão de seios maxilar, etmoidal, seio cavernoso e órbita ipsilateral (Figura 1).
Figura 1. Tumor com densidade de partes moles ocupando a fossa nasal esquerda e invadindo seio cavernoso.
Biópsia da lesão por via endoscópica revelou zigomicose. Iniciou-se tratamento clínico com Anfotericina B lipossomal endovenosa em altas doses, com duração de 45 dias. Houve apenas melhora discreta do quadro. Rinoscopia anterior demonstrava grande massa de cor marrom-esverdeada ocupando toda a fossa nasal esquerda.
Decidimos realizar exploração nasossinusal endoscópica. Durante o procedimento, evidenciou-se grande massa proveniente do seio maxilar e da própria fossa nasal esquerda. Foi realizado debridamento cirúrgico e limpeza exaustiva de seio maxilar e região de seios etmoidal e esfenoidal com solução fisiológica hipertônica, além de irrigação da região com solução de anfotericina B. Exame histopatológico revelou zigomicose por fungos do gênero Mucor.
A paciente evoluiu bem, retornando em uma semana para revisão. À rinoscopia anterior evidenciou-se recidiva da massa fúngica. Nova tomografia computadorizada de seios paranasais sugeria recidiva da lesão. A paciente foi então submetida a 29 sessões diárias de oxigenoterapia em câmara hiperbárica, além da troca de Anfotericina B lipossomal por Itraconazol endovenoso devido ao longo período em uso da primeira, além do controle rigoroso do diabetes.
Houve discreta melhora e estabilidade do quadro geral, levando-nos a optar pela realização de nova exploração cirúrgica via endoscópica tipo "second look". Observouse que a fossa nasal esquerda apresentava-se ampla e limpa, sem qualquer evidência de infecção. O óstio do seio maxilar mostrava-se pérvio e não havia sinais de zigomicose.
A paciente recebeu alta hospitalar com o quadro estabilizado e usando Itraconazol por via oral. A imagem endoscópica confirmou resolução da doença.
Atualmente permanece sem queixas. A glicemia capilar é rigorosamente controlada. Apresenta paralisias dos nervos III e IV à esquerda, porém com acuidade visual mantida e sem diplopia.
DISCUSSÃO Mucormicose ou zigomicose é uma rara doença oportunista causada por fungos da ordem Mucorales, à qual pertencem os gêneros Mucor, Rhizopus, Rhizomucor, Absidia e Apophysomyces. A espécie mais virulenta e frequente é a Rhizopus oryzae, que invade e oblitera vasos sanguíneos levando a isquemia tecidual.1,2 Essa doença pode se manifestar em diferentes formas clínicas, sendo a zigomicose rino-órbito-cerebral (ZROC) a forma mais grave, manifestando-se geralmente em casos de diabetes melito de difícil controle.3
Presume-se que o modo de transmissão seja basicamente por via inalatória.
Várias condições clínicas estão associadas à mucormicose, mas apenas dois fatores claramente predispõem os pacientes a essa doença. O primeiro é a acidose metabólica e o segundo, um comprometimento na função dos neutrófilos ou monócitos.4
Como regra geral, o tratamento da mucormicose é multimodal e inclui o uso de antifúngicos sistêmicos, debridamento cirúrgico e controle clínico da condição que predispôs o paciente à doença.3
COMENTÁRIOS FINAISO adequado controle da ZROC deve incluir diagnóstico precoce, controle da doença de base, tratamento com agentes antifúngicos sistêmicos, drenagem sinusal e orbitária adequadas e excisão dos tecidos necróticos, além da oxigenoterapia hiperbárica.5
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Petrikkos G, Sklada A, Sambatakou H, Toskas A, Valopoulos G, Glannopoulou M, Katsllambros N. Mucormycosis: Ten-Year Experiance at a Terciary-Care Center in Greece. Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 2003;22:753-6.
2. Lueg EA, Ballagh RH, Forte, V. Analysis of the recent cluster of invasive fungal sinusitis at the Toronto Hospital for Sick Children. J Otolaryngol. 1996;25:366-70.
3. Eucker J, Sezer O, Graf B, et al. Mucormycoses. Mycoses. 2001;44:253-60.
4. Chimn RY, Diamond RD. Generations of chemotatic- factors by Rhizopus oryzae in the presence and absence of serum: relationship to hyphal damage mediated by human neutrophils and effects of hyperglycemia and ketoacidosis. Infect Immun. 1982;38:1123-9.
5. Hejny C, Kerrison J.B, Newman NJ, Cameron SM. Rhino-Orbital Mucormycosis in a Patient With Acquired Immunodeficiency Syndrome (AIDS) and Neutropenia. Am J Ophtalmol. 2001;132:111-2.
1 Médico Residente em Otorrinolaringologia pelo Hospital Universitário de Brasília.
2 Médica, Otorrinolaringologista pelo Hospital Universitário de Brasília.
3 Médica, Otorrinolaringologista pelo Hospital Universitário de Brasília.
4 Médica, Médica Residente em Otorrinolaringologia pelo Hospital Universitário de Brasília.
5 Médico, Radiologista pelo Hospital Universitário de Brasília.
6 Professor Doutor, Chefe e Preceptor de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Universitário de Brasília.
Hospital Universitário de Brasília - Universidade Federal de Brasília
Endereço para correspondência: Teixeira Raymundo Shin, QI 10, CONJ 10, CS 08 - Lago Norte Brasília DF 71525-100.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 3 de junho de 2007. cod. 4579.
Artigo aceito em 11 de novembro de 2007.