ISSN 1806-9312  
Terça, 23 de Abril de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
3874 - Vol. 75 / Edição 4 / Período: Julho - Agosto de 2009
Seção: Artigo Original Páginas: 565 a 572
Recorrência e persistência da vertigem posicional paroxística benigna
Autor(es):
Ricardo S Dorigueto1, Karen R Mazzetti2, Yeda Pereira L Gabilan3, Fernando Freitas Ganança4

Palavras-chave: doenças vestibulares, nistagmo patológico, reabilitação, vertigem.

Keywords: vestibular diseases, pathologic nystagmus, rehabilitation, vertigo.

Resumo: A vertigem posicional paroxística benigna (VPPB) é das vestibulopatias mais comuns. Objetivo: Verificar a recorrência e a persistência da VPPB no período de um ano em pacientes que foram tratados com manobras de reposicionamento de estatocônios (MRE). Forma de Estudo: coorte contemporânea longitudinal. Material e Método: Cem pacientes com VPPB foram acompanhados durante 12 meses após o tratamento com MRE. Os pacientes foram classificados de acordo com a evolução da doença no período de um ano. O protocolo de fisioterapia aquática para reabilitação vestibular (FARV) foi aplicado nos pacientes com VPPB persistente. Resultados: Após as MRE, 96% dos pacientes aboliram o nistagmo e a vertigem de posicionamento. Destes pacientes, 26 apresentaram recorrência da VPPB, no período de um ano. Em 4% dos pacientes, a VPPB foi persistente. Os pacientes com VPPB persistente apresentaram melhora clínica após a realização da FARV. Conclusão: No período de um ano, a VPPB foi não recorrente em 70% dos pacientes, recorrente em 26% e persistente em 4%.

Abstract: Benign paroxysmal positional vertigo (BPPV) is one of the most common vestibular disorders. Aim: To study the recurrence and persistence of BPPV in patients treated with canalith repositioning maneuvers (CRM) during the period of one year. Study design: longitudinal contemporary cohort series. Materials and Methods: One hundred patients with BPPV were followed up during 12 months after a treatment with CRM. Patients were classified according to disease evolution. Aquatic physiotherapy for vestibular rehabilitation (APVR) protocol was applied in cases of persistent BPPV. Results: After CRM, 96% of the patients were free from BPPV's typical nystagmus and dizziness. During the follow up period of 1 year, 26 patients returned with typical BPPV nystagmus and vertigo. Nystagmus and vertigo were persistent in 4% of the patients. Persistent BPPV presented improvement when submitted to APVR. Conclusion: During the period of one year, BPPV was not recurrent in 70% of the patients, recurrent in 26% and persistent in 4%.

INTRODUÇÃO

A vertigem posicional paroxística benigna (VPPB) é caracterizada pelo aparecimento de tontura rotatória em determinados movimentos da cabeça, como os realizados na hiperextensão cervical e quando o paciente levanta-se e/ou deita-se na cama1.

A vertigem e os demais sintomas associados são desencadeados por fragmentos de estatocônios provenientes da mácula do utrículo, que se deslocam para um ou mais canais semicirculares e transformam a cúpula em um órgão sensível à gravidade2.

Uma série de tratamentos foi proposta para a VPPB, incluindo medicamentos, cirurgias e exercícios de reabilitação vestibular. As teorias da cupulolitíase e da ductolitíase possibilitaram a elaboração de manobras que objetivam limpar a cúpula e o ducto dos canais semicirculares dos fragmentos de estatocônios. Em 1988 em Paris, Alain Semont et al.3 e em 1992, nos EUA, Epley4 descreveram as primeiras manobras de reposicionamento de estatocônios (MRE). Segundo o relato dos próprios autores, a taxa de sucesso, após a realização de uma sessão, foi de 83,96% para a manobra de Semont e 97,70% para a manobra de Epley.

Apesar da grande eficácia das MRE e da possível resolução espontânea, em 20 a 30% dos pacientes, a doença pode recorrer ou persistir5,6. No caso de recorrência da VPPB, a reaplicação das manobras é útil para abreviar a duração dos sintomas da crise vertiginosa. No entanto, a forma persistente não responde ao tratamento das MRE, e estratégias adicionais podem ser necessárias, tais como os exercícios de reabilitação vestibular, medicamentos supressores da função vestibular e procedimentos cirúrgicos7.

Muitos autores salientaram os benefícios dos exercícios de Reabilitação Vestibular em solo em relação à melhora do equilíbrio e à compensação vestibular8-14.

Gabilan15 e Gabilan et al.16 desenvolveram um protocolo de fisioterapia aquática como método de reabilitação vestibular (FARV) para pacientes com distúrbios do equilíbrio de origem vestibular e verificaram que pacientes com síndrome vestibular periférica deficitária unilateral (SVPDU), caracterizados por hipo ou arreflexia à prova calórica apresentaram melhora da autopercepção da intensidade da tontura, qualidade de vida e performance à posturografia dinâmica computadorizada quando avaliados antes e após este tratamento.

O objetivo deste estudo foi descrever a taxa de recorrência e persistência da VPPB no período de um ano.


MÉTODO

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade onde foi realizada, protocolo número 0596/04.

Trata-se de estudo coorte contemporânea longitudino qual foram incluídos cem pacientes consecutivos com diagnóstico de VPPB.

Os pacientes foram submetidos à avaliação otoneurológica que incluiu anamnese, exame otorrinolaringológico, audiometria tonal liminar, discriminação vocal, impedanciometria, pesquisa do equilíbrio estático e dinâmico e eletronistagmografia computadorizada (ENG).

Os pacientes incluídos no estudo apresentaram vertigem e nistagmo de posicionamento característicos da VPPB. A VPPB caracteriza-se por crises recorrentes de tontura rotatória com duração de segundos, desencadeada pelo movimento da cabeça, podendo ser acompanhada de náuseas, vômitos, palidez e sudorese. As características do nistagmo de posicionamento, indicam o(s) labirinto(s) e o(s) canal(is) semicircular(es) lesados, distinguindo entre ductolitíase (nistagmo com duração inferior a um minuto) e cupulolitíase (nistagmo com duração superior a um minuto). Nistagmo de posicionamento vertical para cima e rotatório anti-horário ou horário caracteriza o comprometimento do canal posterior direito e esquerdo, respectivamente; nistagmo de posicionamento vertical para baixo e rotatório anti-horário ou horário, caracteriza o comprometimento do canal anterior direito e esquerdo, respectivamente; nistagmo de posicionamento exclusivamente rotatório anti-horário ou horário indica o comprometimento de algum dos canais verticais dos lados direito e esquerdo, respectivamente e nistagmo de posicionamento horizontal caracteriza o comprometimento do canal lateral.

Para a pesquisa do nistagmo de posicionamento realizou-se a manobra de Dix, Hallpike17 com auxílio de lentes de Frenzel, iniciada pela posição desencadeante da vertigem e/ou nistagmo, de acordo com a informação obtida de cada paciente. Quando o paciente não soube relatar qual a posição responsável pelo aparecimento da vertigem, a manobra foi iniciada pelo lado direito. Os pacientes foram classificados de acordo com o substrato fisiopatológico e o canal semicircular envolvido, indicados pelas características do nistagmo e movimento desencadeante, como descrito por Herdman18.

Foram excluídos do estudo os casos de tontura de posicionamento com nistagmos atípicos, ou seja, com características diferentes das descritas por Herdman18 à manobra diagnóstica.

Todos os pacientes foram tratados semanalmente por meio das MRE de acordo com o substrato fisiopatológico e o canal semicircular acometido até que houvesse o desaparecimento da vertigem e nistagmo de posicionamento. Para o canal posterior utilizou-se a manobra de Epley modificada19. Para o canal lateral, utilizou-se a manobra de Lempert20. Para o canal anterior, utilizou-se também a manobra de Epley modificada para o canal anterior, como descrita por Herdman21.

Os pacientes foram classificados em três grupos, conforme a evolução clínica após as MRE e o acompanhamento clínico de um ano:

1) VPPB não recorrente;

2) recorrente e

3) persistente. Assim, considerou-se "VPPB não recorrente" os pacientes que não apresentaram recorrência da VPPB ao decorrer deste período, após a realização das MRE. Considerou-se "VPPB recorrente" o quadro clínico que apresentou desaparecimento da vertigem e nistagmo de posicionamento após as MRE, porém com retorno desses sinais e sintomas, verificados pelo otorrinolaringologista ao longo de um ano após as MRE. Estes pacientes tornaram-se novamente assintomáticos após a repetição das MRE. O grupo "VPPB persistente" foi aquele em que não houve abolição do nistagmo e vertigem de posicionamento com a realização semanal das MRE, por pelo menos 10 sessões monitoradas por médico otorrinolaringologista e, após este período, por meio do autotratamento diário com manobra de Epley realizado em ambiente domiciliar4.

Os pacientes foram acompanhados por meio de consultas semanais durante o tratamento por meio das MRE e mensalmente durante o acompanhamento dos casos persistentes.

Os pacientes que persistiram com nistagmo e vertigem de posicionamento característicos da VPPB submeteram- se ao protocolo FARV, após avaliação neurológica, audiometria de tronco encefálico e ressonância magnética encefálica com resultados normais.

O protocolo FARV é constituído por 12 etapas de exercícios e aplicado em 10 sessões de 45 minutos cada, 3 vezes por semana, sem orientação de exercícios domiciliares, sendo concluído num tempo médio de 1 mês. As sessões foram realizadas em piscina aquecida, com variação de temperatura entre 33,8 a 34,2º C, controlada por termostato. A profundidade da piscina onde foram realizados os atendimentos é de 1,30 m na parte mais rasa e 1,50 m na parte mais profunda. Em uma das paredes a piscina possui um sistema de turbilhonamento com motor. O acesso à piscina foi realizado por escada de alvenaria, revestida com piso antiderrapante, com degraus de 10 cm de altura. O FARV consiste de doze etapas: adaptação na água; desligamento; transferência postural; controle rotacional do tronco; controle rotacional do tronco associado ao rastreio de alvo móvel; marcha com empuxo; subir e descer degraus; flutuação sentada; flutuação sentada associada ao rastreio de alvo móvel; flutuação em pé; flutuação em pé associada ao rastreio de alvo móvel e controle do movimento com máxima turbulência16.

Previamente ao programa terapêutico, até uma semana antes, e posteriormente a ele, até uma semana depois, os pacientes com VPPB persistente foram avaliados por meio do questionário de qualidade de vida DHI brasileiro, escala analógica de tontura e testes de equilíbrio (Romberg, Romberg sensibilizado e apoio unipodal).

O DHI brasileiro22 avalia o prejuízo decorrente de tontura na qualidade de vida, em relação aos aspectos físico, funcional e emocional e escore total, sendo constituído por vinte e cinco questões em que o paciente pode escolher a resposta sim, não ou às vezes. A resposta "sim" pontua quatro pontos. A resposta "às vezes" pontua 2 pontos. Para a resposta "não" não se atribui escore. A pontuação vai de 0 a 100 pontos. O escore de 100 pontos indica máximo prejuízo da qualidade de vida, por causa da tontura. Da mesma forma, quanto menor o número de pontos, menor o impacto da tontura na qualidade de vida.

A escala analógica de tontura mensura a autopercepção que o paciente tem da intensidade da sua tontura no momento da avaliação podendo pontuar de 0 a 10 considerando 0 sem tontura e 10 tontura máxima.

O equilíbrio dos pacientes foi avaliado por meio do teste de Romberg nas seguintes condições sensoriais:

1) Romberg com olhos abertos, apoio bipedal em superfície firme;

2) Romberg com olhos abertos, apoio bipedal em superfície de espuma;

3) Romberg com olhos fechados e superfície firme;

4) Romberg com olhos fechados e superfície de espuma;

5) Romberg sensibilizado com olhos abertos e superfície firme;

6) Romberg sensibilizado com olhos abertos e superfície de espuma;

7) Romberg sensibilizado com olhos fechados e superfície firme;

8) Romberg sensibilizado com olhos fechados e superfície de espuma;

9) Apoio Unipedal com olhos abertos e superfície firme;

10) Apoio Unipedal com olhos abertos e superfície de espuma;

11) Apoio Unipedal com olhos fechados e superfície firme;

12) Apoio Unipedal com olhos fechados e superfície de espuma.

O teste de Romberg foi realizado na posição ortostática, com braços ao longo do corpo. O teste de Romberg sensibilizado foi realizado com pés alinhados um a frente do outro e braços ao longo do corpo. No teste de apoio unipedal os pacientes permaneceram na posição ortostática, apoiados no solo com apenas um dos pés23. O pé escolhido para apoio no teste de apoio unipedal foi o de dominância de lateralidade. Este por sua vez foi estabelecido perguntando-se aos sujeitos com qual dos pés preferencialmente chutaria uma bola que fosse rolada a eles24.

Os pacientes realizaram os testes trajando roupas confortáveis, descalços, fazendo uso de lentes corretivas quando necessárias. Foram supervisionados de perto por um examinador, para garantir segurança e integridade física em caso de desequilíbrio. Para a execução do testes, não houve treino. O examinador demonstrou cada tarefa, nas diversas condições sensoriais propostas, antes da realização dos testes.

Nas condições com olhos fechados foi utilizada uma venda sobre os olhos e nas condições sobre a espuma, uma almofada de densidade 28, com dimensões de 40 x 40 cm.

Foram realizadas 3 tentativas para cada etapa dos testes de equilíbrio. O desempenho dos pacientes nos testes de equilíbrio foi categorizado em SIM e NÃO. Atribuiu-se a resposta SIM quando o participante conseguiu manter-se na posição ortostática, sem alterar a base de sustentação, por 30 segundos, em pelo menos 2 das 3 tentativas. Atribuiu-se a resposta NÃO diante da incapacidade da manutenção da posição ortostática, sem mudança da base de sustentação por 30 segundos em 2 ou mais das 3 tentativas.


RESULTADOS

A presente pesquisa estudou 100 pacientes com diagnóstico de VPPB baseado na história clínica e no nistagmo de posicionamento à prova diagnóstica de Dix- Hallpike. A idade dos pacientes variou de 17 a 88 anos, sendo 74 pacientes do gênero feminino e 26 do masculino.

Após a realização das MRE, 96% dos pacientes aboliram o nistagmo e a vertigem característicos da VPPB. Foram necessárias, em média, 1,27 MRE (de 1 a 3) para abolição do nistagmo e da vertigem de posicionamento. Em 4% dos pacientes, o nistagmo e a vertigem de posicionamento não foram abolidos com as MRE no período de um ano, sendo considerado que a VPPB em questão era persistente.

Dos 96 pacientes que tiveram os sintomas da VPPB eliminados após as MRE, 26 pacientes retornaram ao ambulatório com sintomas típicos da VPPB acompanhados de nistagmo de posicionamento à prova de Dix, Hallpike, no período de um ano. Na recorrência da VPPB também foram necessárias, em média, 1,27 MRE (de 1 a 2) para abolição do nistagmo e vertigem de posicionamento.

Três dos quatro pacientes com VPPB persistente foram incluídos no protocolo FARV. Uma paciente apresentou Mal de Alzheimer e abandonou o tratamento.

Verificou-se uma diminuição da pontuação na escala analógica de tontura (Quadro 1) bem como no DHI brasileiro (Quadro 2) após o tratamento com FARV nos três pacientes com VPPB persistente.






Notou-se melhora em pelo menos três condições sensoriais do equilíbrio nos três pacientes com VPPB persistente desse estudo, como demonstra o quadro 3.




DISCUSSÃO

A VPPB é considerada a causa mais comum de tontura de origem labiríntica, principalmente entre a população idosa, impondo prejuízo da qualidade de vida, restrições das atividades sociais e domésticas e importante risco de queda25.

Em nossa amostra houve predomínio do gênero feminino (74%) com resultado concordante na literatura pesquisada17,25,26. Alterações hormonais, mais frequentemente encontradas em mulheres, poderiam favorecer a maior ocorrência da VPPB26.

A idade dos pacientes com VPPB do presente estudo variou de 17 a 83 anos, variação semelhante à encontrada nos estudos de Macias et al.27 em que a idade variou entre 20 a 93 anos.

Obtivemos um índice de sucesso terapêutico de 96% utilizando a manobra de Epley e Semont para os canais verticais e a de Lempert para os canais horizontais com número variado de manobras. Resultados semelhantes foram descritos pelos próprios autores das manobras, apresentando taxas superiores a 90%3,4,20.

Atlas, Parnes28 descrevem três formas de VPPB de acordo com o tempo da evolução clínica e padrão de recorrência:

1) autolimitada,

2) recorrente ou

3) persistente.

Na forma autolimitada os sintomas desaparecem em semanas ou meses. Na recorrente os pacientes apresentam crises vertiginosas intercaladas por intervalos assintomáticos. Na persistente os sintomas não desaparecem em um período de pelo menos um ano2,28. Em nossa casuística modificamos a denominação "autolimitada" para "não recorrente", pois o termo autolimitada pode englobar os casos que obtiveram melhora espontânea, independentemente de terem sido submetidos às MRE.

A maioria dos pacientes deste estudo apresentaram a forma não recorrente da VPPB (70%). A taxa de recorrência foi de 26% em um ano de acompanhamento. A forma recorrente da VPPB foi descrita por alguns autores com resultados variáveis. Assim, enquanto Semont3 a reconheceu em 4,22% dos seus pacientes, Baloh29 citou uma taxa de recorrência de 50%. Macias et al.27 em estudo retrospectivo, descreveram 13,5% de recorrência dos sintomas da VPPB após seis meses da realização das MRE. Helminski et al.30 encontraram 43% de recorrência da VPPB após a MRE, sem significância estatística entre os pacientes que realizaram ou não os exercícios de Brandt-Daroff diariamente, como forma de prevenção da recorrência. Esta variabilidade de resultados entre os autores pode ser explicada pela diferença no tempo e modo de acompanhamento dos pacientes. Acreditamos que o maior o tempo de acompanhamento dos pacientes possa aumentar a proporção dos casos da forma recorrente. Ressaltamos que na pesquisa atual foram considerados recorrentes apenas os casos em que foi comprovado o nistagmo de posicionamento perante o examinador.

Quatro pacientes (4%) foram classificados como VPPB persistente após um ano de acompanhamento sem a remissão dos sintomas, apesar do tratamento com as MRE. Segundo Gross et al.31, a associação da VPPB com a doença de Ménière pode tornar a VPPB intratável ou persistente. Hall et al.32 postularam que a VPPB persistente e resistente à terapia deve ter um mecanismo fisiopatológico diferente das formas não recorrentes. A despeito da falha às MRE e da persistência da VPPB, podem estar envolvidos os seguintes mecanismos:

1) adelgaçamento e enfraquecimento da camada gelatinosa de mucopolissacárides sobre a membrana otolítica do utrículo33;

2) fibrose ou ossificação intralabiríntica acometendo o espaço endolinfático33;

3) lesão da mácula utricular ou do labirinto membranoso27;

4) aumento do teor do cálcio endolinfático34;

5) cupulolitíase35;

6) hidropisia endolinfática26;

7) aderência dos estatocônios ao labirinto membranoso19;

8) atelectasia vestibular36.

Schratzenstaller et al.37 encontraram evidências de defeitos de preenchimento nos canais semicirculares à ressonância magnética no labirinto de cinco pacientes que sofriam de VPPB intratável.

Os pacientes com VPPB persistente do presente estudo apresentaram melhora clínica em relação ao prejuízo que a tontura causava à qualidade de vida, ao equilíbrio corporal e à auto-percepção da intensidade da tontura, após submeterem-se ao protocolo FARV, respondendo satisfatoriamente à terapia não cirúrgica (FARV), contrariando estudo de Gross et al.31, que considerou intratável a forma persistente da VPPB.

Gabilan15 verificou que o protocolo FARV se mostrou eficiente para a melhora da qualidade de vida, intensidade de tontura e equilíbrio corporal em pacientes com Síndrome Vestibular Periférica Deficitária Unilateral.

Norré, Beckers38 também verificaram que há eficácia dos exercicios de habituação, que visam estimular a neuroplasticidade vestibular, nos pacientes que sofriam de VPPB. Estes autores verificaram que os resultados destes exercicios são semelhantes à manobra de Semont após 6 semanas de acompanhamento. Entretanto, não revelaram o índice de recorrência e persistência da VPPB de seus pacientes.

Vários fatores podem ter contribuído para a melhora desses pacientes. Estes fatores podem ser divididos didaticamente em fatores aquáticos, relacionados às propriedades físicas deste meio e as consequências fisiológicas que a imersão da água provoca no corpo humano e a fatores adaptativos desencadeados diretamente pelos exercícios de reabilitação, estimulando a neuroplasticidade vestibular.

O empuxo que um corpo imerso na água sofre diminui o estresse gravitacional nos músculos e articulações, principalmente nos membros inferiores39, podendo reduzir as informações sensoriais provenientes destes receptores articulares40. A diminuição da informação proprioceptiva cria um conflito sensorial e pode estimular os sistemas envolvidos com o equilíbrio corporal, provocando adaptações do processamento central destas informações, ajustes motores e correções posturais. A propriedade de suporte, conferida pela água, possibilita atividades mais independentes por parte do paciente com alteração do equilíbrio corporal e proporciona mais tempo para se equilibrar, quando houver risco de queda.

A prática dos exercícios na água facilita a estimulação da adaptação vestibular, pois, para se realizar qualquer movimento no meio aquático há a necessidade de se partir de uma posição inicial estável, exigindo do indivíduo reações de equilíbrio para a manutenção da simetria corporal41. Os efeitos da turbulência aquática também podem ter exigido mais do equilíbrio e da coordenação dos pacientes do presente estudo e, frequentemente, são usados como recurso para desenvolver tais habilidades em exercícios de fisioterapia aquática, segundo Campion42.

A estimulação visual nos pacientes é fundamental para a recuperação da estabilização do olhar, segundo Herdman43. O efeito da refração na água gera distorções na posição dos membros e da postura correta do indivíduo na vertical44 e pode ter participado como estimulante dos mecanismos de compensação vestibular.

O estímulo proporcionado pela água aquecida em toda a superfície corporal submersa, dos pacientes com vestibulopatia, pode ter contribuído com os resultados terapêuticos favoráveis, ao facilitar a prática dos exercícios de RV, pois, de acordo com Suomi, Koceja45, a água, nestas condições, também melhora a circulação sanguínea, além de promover relaxamento muscular.

Além disso, estratégias de privação e perturbação da visão aumentariam o desafio sensorial na manutenção do equilíbrio corporal. Os equipamentos de flutuação e a utilização de degraus com diferentes alturas foram adicionados aos exercícios e aumentaram o grau de dificuldade para manutenção do alinhamento corporal e dos limites de estabilidade, estimulando os sistemas responsáveis pelo equilíbrio corporal. Enfatizaram-se, também, a estimulação do controle e ajuste do equilíbrio corporal dentro da água, com a realização de atividades motoras que abrangeram transferências posturais, marcha e movimentos repetidos de cabeça. Um dos objetivos da RV é aumentar a estabilidade postural estática e dinâmica nas situações de conflito sensorial46. Quando as informações somatossensitivas e, em escala menor, as visuais não estão disponíveis ou são deturpadas, as informações vestibulares assumem uma função dominante para o controle postural47. A atividade com bolas, semelhante ao preconizado por Ganança et al.8 oferece pistas visuais associadas à movimentação da cabeça para estímulo do reflexo vestíbulo ocular.

Horak, Shupert47 verificaram que as estratégias de tornozelo, quadril e do passo são importantes para a recuperação do equilíbrio corporal, nos limites de estabilidade corporal e que os pacientes com déficit vestibular sentem maior dificuldade para usar a estratégia do quadril. No protocolo FARV, a estratégia de quadril é requisitada em diversas etapas, com o intuito de melhorar a mobilidade desta região, aprimorar este tipo de reação de equilíbrio e, ao mesmo tempo, tirar possíveis compensações posturais decorrentes da perda do equilíbrio. O uso de flutuadores exige que o indivíduo permaneça sempre na posição vertical, constituindo um feedback quando a postura está assimétrica. A simetria do tronco possibilita um adequado desempenho apendicular, nas tarefas de coordenação motora promovidas nas atividades com bola, tanto na posição sentada, quanto na ortostática.

No planejamento terapêutico dos pacientes com VPPB é importante reconhecer seus padrões de recorrência e duração. A vocação da MRE é encurtar o período sintomático da crise de VPPB, seja ela não recorrente ou recorrente. Na forma persistente, podemos optar por outras formas terapêuticas como exercícios de reabilitação, medicamentos supressores vestibulares, destruição química do labirinto ou procedimentos cirúrgicos.

Nosso estudo apontou de forma preliminar que a utilização do protocolo FARV pode ser útil na melhora clínica dos pacientes com VPPB persistente. Novos estudos devem ser realizados com amostras maiores de pacientes com VPPB persistente e comparação com grupo controle para que se possa estabelecer a eficácia deste método terapêutico nesta população de vestibulopatas.


CONCLUSÃO

Em um ano de acompanhamento clínico após a abolição da vertigem e do nistagmo de posicionamento por meio da MRE, a VPPB foi não recorrente em 70% dos pacientes, recorrente em 26% e persistente em 4% deles.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. López-Escámez JA, Gamiz MJ, Fernandez-Perez A, Gomez-Finana M, Sanchez-Canet I. Impact of treatment on health-related quality of life in patients with posterior canal benign paroxysmal positional vertigo. Otol Neurotol. 2003;24(4):637-41.

2. Schuknecht HF, Ruby RR. Cupulolithiasis. Adv Otorhinolaryngol. 1973;20:434-43.

3. Semont A, Freyss G, Vitte E. Curing the BPPV with a liberatory maneuver. Adv Otorhinolaryngol. 1988;20:290-3.

4. Epley JM. The canalith repositioning procedure for treatment of benign paroxysmal positional vertigo. Otolaryngol Head Neck Surg. 1992;107(3):399-404.

5. Gacek RR. Further observations on posterior ampullary nerve transection for positional vertigo. Ann Otol Rhinol Laryngol. l978;300-6.

6. Velde, GM. Benign paroxysmal positional vertigo Part I: Background and clinical presentation. 1999;43(1):31-40.

7. Katsarkas, A. Paroxysmal positional vertigo: An overview and the deposits repositioning maneuver. Am J Otol. 1995;16(6):725-30.

8. Ganança MM, Albernaz PLM, Caovilla HH, Ito YI, Ganança FF, Pontes PAL, et al. Reabilitação do paciente labiríntico por meio de exercícios optovestibulares. In: 87º Encontro de Especialistas Ache - vertigens, náuseas e tinnitus;1989. p.357.

9. Shepard NT, Telian SA, Smith-Wheelock M, Raj A. Vestibular and balance rehabilitation therapy. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1993;102(3 pt 1):198-205.

10. Pedalini MEB, Bittar RSM, Formigoni LG, Cruz OLS, Bento RF, Miniti A. Reabilitação vestibular como tratamento da tontura:experiência com 116 casos. Arq Fund Otorrinolaringol. 1999;2(2):74-8

11. Black FO, Angel CR, Pesznecker SC, Gianna C. Outcome analysis of individualized vestibular rehabilitation protocols. Am J Otol. 2000;21:543-51.

12. Bittar RSM, Pedalini MEB, Lorenzi MC, Formigoni LG. Treating vertigo with vestibular rehabilitation:results in 155 patients. Rev Laryngol Otol. Rhinol (Bord) 2002;123:61-5.

13. Silveira SR, Taguchi CK, Ganança FF. Análise comparativa de duas linhas de tratamento para pacientes portadores de disfunção vestibular periférica, com idade superior a sessenta anos. Rev Acta Awho [periódico online] 2002 [citado 2002 fev 14];(junho 23):[14 telas]. Encontrado em URL:http:www.actaawho.com.br.

14. Medeiros IRT. Avaliação clínica e posturográfica do tratamento das afecções vestibulares periféricas na infância pela reabilitação vestibular [tese]. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo- FMUSP. São Paulo:2003.

15. Gabilan YPL. Fisioterapia aquática em pacientes com síndrome vestibular periférica deficitária unilateral. [tese]. Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. São Paulo:2004.

16. Gabilan YPL, Perracini MR, Munhoz MSL, Ganança FF. Fisioterapia aquática para reabilitação vestibular. Acta Orl. 2006;24(1):23-8.

17. Dix MR, Hallpike CS. The pathology, symptomatology and diagnosis of certain common disorders of the vestibular system. Proc R Soc Med. 1952;45(6):341-54.

18. Herdman SJ, Tusa RJ. Diagnosis and treatment of benign paroxysmal positional vertigo. Schaumburg (Illinois): ICS Medical Corporation; 1999. 28p.

19. Parnes LS, Price-Jones RG. Particle repositioning maneuver for benign paroxysmal positional vertigo. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1993;102(5):325-31.

20. Lempert T, Wilck KT. A positional maneuver for treatment of horizontal- canal benign positional vertigo. Laryngoscope. 1996;106:476-8.

21. Herdman SJ, Tusa RJ. Complications of the canalith repositioning procedure. Arch Otolaryngol. 1996;122(3):281-6.

22. Castro AS, Gazzola JM, Natour J, Ganança FF. Brazilian version of the dizziness handicap inventory. Pró Fono. 2007;19(1):97-104.

23. Lanska DJ, Goetz CG. Romberg's sign: development, adoption and adaptation in the 19th century. Neurology. 2000;55:1201-6.

24. Balogun JA, Akindele KA, Nihinlola JO, Marzouk DK. Age-related changes in balance performance. Disabil Rehabil. 1994;16(2):58-62.

25. Dorigueto RS, Ganança MM, Gazzola M, Ganança FF. Impacto do tratamento na qualidade de vida de pacientes com vertigem posicional paroxística benigna primaria e secundaria. In: 5o Congresso Triológico de Otorrinolaringologia, 2007, Brasília. Rev Bras Otorrinolaringol. 2007;73:101.

26. Guzmán PV, Zeigelboim BS, Hassan SE, Frazza MM, Diniz Jr J, Caovilla HH. A manobra de Brandt-Daroff modificada na reabilitação da vertigem postural. Acta Awho. 2000;19(4):189-92.

27. Macias JD, Lambert KM, Massingale S, Ellensohn A, Fritz JA. Variables affecting treatment in benign paroxysmal positional vertigo. Laryngoscope. 2000;110:1921-4.

28. Atlas JT, Parnes LS. Benign paroxysmal positional vertigo: mechanism and management. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2001;9:284- 9.

29. Baloh RW, Honrubia V, Jacobson K. Benign positional vertigo. Neurology. 1987;37:371-8.

30. Helminski JO, Janssen I, Kotaspouikis D, Kovacs K, Sheldon P, McQueen K, Hain TC. Strategies to prevent recurrence of benign paroxysmal positional vertigo. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2005;131(4):344-8.

31. Gross EM, Ress BD, Viirre ES, Nelson JR, Harris JP. Intractable benign paroxymal positional vertigo in patients with Ménières disease. Laryngoscope. 2000;110:655-9.

32. Hall SF, Ruby RRF, McClure JA. The mechanisms of benign paroxysmal vertigo. J Otolaryngol. 1979;8(2):151-8.

33. Welling DB, Parnes LS, OBrien BBA, Bakaletz LO, Brackmann DE, Hinojosa R. Particulate matter in the posterior semicircular canal. Laryngoscope. 1997;107(1):90-4.

34. Zucca GJ, VS. Why do BPPV episodes recover spontaneously? J Vest Res. 1998;8(4):325-9.

35. Hughes CA, Proctor l. Benign paroxysmal positional vertigo. Laryngoscope. 1997;107:607-13.

36. Merchant SN, S. H. (1988). Vestibular atelectasis. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1988;97:565-76.

37. Schratzenstallera B, Wagner-Manslaub C, Alexioua C, Arnolda W. High-resolution three-dimensional magnetic resonance imaging of the vestibular labyrinth in patients with atypical and intractable benign positional vertigo. ORL 2001;63:165-77.

38. Norré ME, Beckers A. Comparative study of two types of exercise treatment for paroxysmal positioning vertigo. Adv Otorhinolaryngol. 1988;42:287-9.

39. Willen C, Sunnerhagen K, Grimby G. Dynamic water exercise in individuals with late poliomyelitis. Arch Phys Med Rehabil. 2001;82:66-72.

40. Geigle PR, Cheek WL, Gould ML, Hunt HC, Shafiq B. Aquatic physical therapy for balance:the interaction of somatosensory and hydrodynamic principles. J Aquatic Phys Ther. 1997;5(1):4-10.

41. Martin J. The Halliwick method. Physiotherapy. 1981;67:288-91.

42. Campion MR. Física básica: forma e densidade. In: Campion MR, editor. Hidroterapia: princípios e prática. São Paulo: Manole;2000.p.14-22.

43. Herdman SJ. Role of vestibular adaptation in vestibular rehabilitation. Otolaryngol Head Neck Surg. 1998;119(1):49-54.

44. Becker BE. Princípios físicos da água. In: Ruoti RG, Morris DM, Cole AJ, editores. Reabilitação Aquática. São Paulo: Manole; 2000.p.17-42.

45. Suomi R, Koceja DM. Postural sway characteristics in women with lower extremity arthritis before and after an aquatic exercise intervention. Arch Phys Med Rehabil. 2000;81:780-5.

46. Ganança MM, Munhoz MSL, Caovilla HH, Silva MLG, Ganança FF, Perracini MR et al. Conceitos e algoritmos terapêuticos. In: Ganança MM, Munhoz MSL, Caovilla HH, Silva MLG editores. Condutas na vertigem. São Paulo: Moreira Jr;2004.

47. Horak FB, Shupert C. Função do sistema vestibular no controle postural. In: Herdman SJ editor. Reabilitação vestibular. São Paulo: Manole; 2002.p.25-51.










1 Otorrinolaringologista. Mestre e Doutorando em ciências pelo programa de pós-graduação em otorrinolaringologia e cirurgia de cabeça e pescoço da UNIFESP-EPM.
2 Fisioterapeuta. Especialista em Fisiologia do Exercício pela FMUSP- IOT/HC.
3 Fisioterapeuta. Mestre e Doutoranda em ciências pelo programa de pós-graduação em otorrinolaringologia e cirurgia de cabeça e pescoço da UNIFESP-EPM. Docente da UNICID.
4 Médico Otorrinolaringologista Doutor em Medicina pela UNIFESP - EPM. Professor Adjunto da Disciplina de Otoneurologia da UNIFESP - EPM. Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Reabilitação Vestibular e Inclusão Social da UNIBAN.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 5 de abril de 2008. cod. 5792
Artigo aceito em 10 de setembro de 2008.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia