INTRODUÇÃOAs conchas nasais inferiores desempenham um importante papel na fisiologia nasal. São estruturas ósseas revestidas por mucosa com epitélio colunar pseudo-estratificado ciliado com células caliciformes, apoiado em tecido conjuntivo frouxo, ricamente vascularizado e com inúmeras glândulas mucosas(1,2,4). A área das conchas nasais apresenta uma ampla superfície mucosa e representa a principal região funcional do nariz(4).
As conchas nasais atuam na proteção das porções inferiores do sistema respiratório, através da regulação da temperatura e umidificação do ar inspirado, bem como da filtração de partículas estranhas pelo sistema mucociliar.
Uma das principais funções da mucosa nasal é a denominada "clearance mucociliar". Para que este ocorra adequadamente, não apenas a função ciliar deve estar preservada, mas também a produção do muco nasal nas suas adequadas características físico-químicas. O muco é produzido pelas células caliciformes do epitélio superficial e pelo epitélio glandular localizado na lâmina própria da mucosa nasal(5,6). O funcionamento perfeito do "clearance mucociliar" é essencial no sistema de defesa das vias aéreas. O muco atua como uma barreira física aderindo partículas e patógenos, e através da interação com os cílios do epitélio respiratório, faz com que esses agentes nocivos sejam adequadamente expelidos(7).
Muitas doenças relacionadas à mucosa nasal, como rinites e rinossinusites, têm relação direta com alterações estruturais na mucosa de revestimento das conchas nasais, seja na hipertrofia desta mucosa, que ocasiona obstrução nasal, seja na atrofia da mesma, relacionada frequentemente com ressecamento nasal, epistaxe e formação de crostas(8).
Modificações nas propriedades físico-químicas do muco nasal alteram sua característica visco-elástica, ocasionando o desenvolvimento de doenças respiratórias. Além disso, a quantidade de muco nasal produzida não deve estar aumentada e nem diminuída, respeitando a fisiologia do epitélio respiratório. Quando essa fisiologia está alterada, podem surgir afecções como: rinites, rinossinusites e doenças pulmonares(6).
Em geral, procura-se ter cautela na prescrição de medicamentos que alterem o movimento ciliar ou causem diminuição na produção de muco ou mudanças em suas propriedades físico-químicas; assim como se procura tratar os casos em que o muco é produzido exageradamente. Com isso, a preocupação na manutenção da homeostase do epitélio respiratório é uma constante na prática médica, seja no tratamento clínico, seja nas intervenções cirúrgicas.
O estudo histológico e morfológico de conchas nasais inferiores nos permite melhor conhecimento sobre a fisiologia nasal e também nos auxilia na abordagem terapêutica com relação às doenças associadas à mucosa nasal(8). A área das conchas nasais apresenta uma ampla superfície mucosa e representa a principal região funcional do nariz(4).
Na prática otorrinolaringológica, denominam-se respectivamente as partes anterior, média e posterior das conchas nasais como cabeça, corpo e cauda, apesar de não constarem da Nomenclatura Anatômica em uso(9). Assim, esse estudo tem como objetivo verificar o padrão de distribuição do epitélio glandular da lâmina própria na mucosa de conchas nasais inferiores normais, nas suas regiões da cabeça, corpo e cauda.
MATERIAL E MÉTODOForam selecionados, por ordem de aparecimento, 10 pacientes que foram submetidos a procedimento nasal estético, sendo 4 do sexo masculino e 6 do sexo feminino. Como critérios de exclusão para a seleção dos casos, foram excluídos aqueles indivíduos que possuíam sintomas nasais, tabagistas e que apresentavam rinites e/ou rinossinusites.
Foram submetidos voluntariamente à retirada de pequeno fragmento linear de concha nasal inferior no sentido ântero-posterior durante o procedimento, após explicação e assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido por escrito. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da Santa Casa de São Paulo, sob número 173/04.
A remoção do fragmento linear do comprimento total da face medial da concha foi realizada com tesoura de turbinectomia, sem luxação ou infiltração prévia. Os fragmentos possuíam em torno de 0,5 cm de largura e de espessura, e o comprimento variava de acordo com a concha nasal. Assim, esses fragmentos obtidos foram divididos em cabeça, referente ao terço anterior; corpo, referente ao terço médio; e cauda, referente ao terço posterior. Este material foi colocado em frascos com formol a 10% e separadamente incluído em blocos de parafina. Os blocos foram seccionados em micrótomo rotativo, obtendo-se cortes de 3 micrômetros de espessura. Os cortes foram corados com hematoxilina e eosina (HE) e submetidos a exame histológico.
Selecionou-se aleatoriamente 1 campo de cada uma das 3 regiões estudadas de cada caso, que foi fotografado, com uso do microscópio Zeiss modelo Axioscop 40, acoplado a um computador com processador Intel Pentium III e com auxilio do programa Axiovision 3.1 para medida de área. Nestas fotografias foram delimitadas individualmente as áreas de epitélio glandular e a área total de lâmina própria da mucosa da cabeça, do corpo e da cauda das conchas nasais, medidas em µm2 (Figura 1).
Figura 1. Lâmina própria da mucosa da concha nasal inferior, mostrando área total de lâmina própria e respectiva medida, delimitada por retângulo vermelho. As áreas irregulares e isoladas marcadas, com respectivas medidas, referem-se ao epitélio glandular (HE 100X).
As informações foram armazenadas em banco de dados informatizado (Microsoft Office Excel 2003) e posteriormente analisadas pelo pacote estatístico SPSS versão 13.0. As comparações dos valores médios da área glandular, da área total da lâmina própria e do quociente de glândulas (relação entre área glandular sobre área total) entre as três partes da concha inferior foram realizadas pelo teste não paramétrico de Friedman. Para todas as análises considerou-se o nível da significância em 5%.
RESULTADOSÀ microscopia óptica observou-se que o fragmento apresentava epitélio de revestimento com padrão respiratório, ou seja, pseudoestratificado cilíndrico ciliado, com células caliciformes. Este epitélio apoiava-se em lâmina própria de tecido conjuntivo frouxo, com vascularização e glândulas seromucosas dentro dos padrões da normalidade.
Não houve diferença estatisticamente significativa no padrão de distribuição do epitélio glandular da lâmina própria, seja na cabeça, corpo ou na cauda de conchas nasais inferiores (Tabela 1).
DISCUSSÃONas cirurgias nasais de modo geral, almeja-se obter uma boa função ventilatória sem alterar a fisiologia nasal, ou seja, procura-se evitar ressecções amplas de mucosa nasal que possam ocasionar ressecamento nasal e crostas ou alteração no fluxo aéreo nasal. A busca de um equilíbrio no resultado cirúrgico entre a melhora da rinorreia e obstrução nasais sem ocasionar ressecamento nasal tem sido um dos principais objetivos do tratamento.
Alguns autores sugerem a realização da turbinectomia submucosa em pacientes com rinopatia alérgica alegando que esta técnica preserva o epitélio respiratório e reduz o número de células inflamatórias na mucosa nasal(9,10). Outros autores(11-13) preocupam-se em avaliar a histopatologia e/ou a fisiologia da mucosa nasal na indicação cirúrgica de turbinectomia. Ou seja, conhecer detalhadamente a histologia da mucosa das conchas nasais inferiores é fundamental para um adequado planejamento cirúrgico e melhores resultados pós-operatórios.
No que diz respeito à produção de muco, existe a preocupação quanto à localização e à quantidade de glândulas seromucosas. Observa-se que pacientes com rinopatia vasomotora possuem um pequeno número de glândulas na lâmina própria, e pacientes com rinopatia alérgica perene possuem um aumento nesse número; já os portadores de hipertrofia de concha nasal vicariante ao desvio septal possuem mucosa nasal com glândulas dentro dos padrões da normalidade(12).
Por esse motivo, estudos que determinam a apresentação histológica de cada segmento anatômico das conchas nasais são necessários tanto no planejamento cirúrgico ou tratamento clínico adequado, quanto no entendimento da fisiopatologia de diversas doenças nasais.
Também é importante salientar a importância do presente estudo como parâmetro de comparação com demais estudos, em que se deseje estudar especificamente as glândulas seromucosas das conchas nasais inferiores. Vários estudos utilizam a mucosa de conchas nasais inferiores para avaliação histológica e imunoistoquímica de doenças como rinopatia vasomotora, alérgica, atrófica, entre outras, associadas à atividade glandular(15,16). Trabalhos como os de Nakaya et al.(17,18) constatam a presença de receptores muscarínicos e receptores de histamina em glândulas seromucosas. Evidencia-se, assim, a importância no conhecimento da distribuição glandular em conchas nasais inferiores, para que se possa efetuar a biópsia da mucosa nasal em locais previamente estudados, ou seja, região anterior, média ou posterior da concha nasal inferior. Isso facilitaria a padronização dos estudos, pois a coleta do tecido a ser pesquisado deixaria de ser realizada aleatoriamente, para ser realizada em uma região previamente sabida por conter, ou não, o tecido glandular a ser avaliado.
Quanto ao muco nasal, conhecer as regiões que podem apresentar um maior volume glandular torna-se de grande utilidade nesse aspecto. Pode-se determinar a região em que se deseja abordar com mais eficiência nos pacientes com rinorreia, ou realizar cirurgias conservadoras nos locais em que se pretende evitar o ressecamento nasal como complicação pós-operatória. O estudo do padrão de distribuição glandular na mucosa de conchas nasais inferiores também é importante na aplicação de medicações tópicas nasais, onde se pode determinar qual a região da mucosa nasal que se deseja atingir.
Na literatura não se encontram estudos histológicos de conchas nasais inferiores comparando suas diferentes regiões.
Segundo os resultados deste estudo, a distribuição das glândulas seromucosas nas conchas nasais inferiores de indivíduos normais apresenta um padrão de distribuição uniforme, no que se refere às regiões anterior, média e posterior das conchas. Isto indica não haver uma determinada região com predomínio da concentração glandular. Estudos similares devem ser realizados em portadores de rinopatia com objetivo de auxiliar no tratamento específico, seja na região mais propícia para aplicação de medicamentos, seja no planejamento cirúrgico através das turbinectomias, que podem ser mais conservadoras ou não em determinadas regiões da mucosa das conchas nasais.
CONCLUSÃOO presente estudo mostra que não existe predomínio em uma região específica, na distribuição do epitélio glandular, nas diferentes áreas das conchas nasais inferiores no sentido ântero-posterior em pacientes normais.
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1 Mestrado em Otorrinolaringologia pela FCMSCSP, Doutoranda em Otorrinolaringologia na FCMSCSP.
2 Doutora em Otorrinolaringologia pela FCMSCSP, Professora assistente do Departamento de Morfologia da FCMSCSP.
3 Doutor em Otorrinolaringologia pela UNIFESP, Chefe do Departamento de Otorrinolaringologia da FCMSCSP.
4 Doutor em Ciências da Saúde pela Fundação Antônio Prudente, Professor assistente do Departamento de Morfologia da FCMSCSP.
5 Doutor em Cirurgia pela FCMSCSP, Professor adjunto do Departamento de Morfologia da FCMSCSP.
Endereço para correspondência: Ieda Millas - Rua Dr. Diogo de Faria 1087 cjto. 1009 04037-003 Vila Clementino São Paulo SP.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 4 de março de 2008. cod. 5747 Artigo aceito em 29 de julho de 2008.