INTRODUÇÃOAs neoplasias de glândulas salivares constituem um grupo raro de tumores, com incidência anual de 1 para 100.000 indivíduos, correspondendo a cerca de 3% de todas as neoplasias da região de cabeça e pescoço(1). A média de idade dos pacientes com tumor de glândula salivar é de 45 anos, com pico de incidência na sexta e sétima décadas de vida(2,3). Os tumores benignos de glândulas salivares são mais frequentes em mulheres, enquanto que as neoplasias malignas mostram pequena predileção pelo gênero masculino(4,5).
A glândula salivar mais frequentemente acometida com tumores é a parótida, com cerca de 70% dos casos(4-6). Aproximadamente 80% dos tumores de parótida são benignos, sendo que o adenoma pleomorfo é o mais comum, seguido do Tumor de Warthin, correspondendo a 65% e 10% respectivamente, de todas as neoplasias da parótida4.
O tumor maligno de glândula salivar mais comum é o carcinoma mucoepidermoide, acometendo preferencialmente a glândula parótida, seguida das glândulas salivares menores, submandibular e sublingual(5-7). O carcinoma adenoide cístico é o segundo mais frequente, sendo que na parótida deve-se considerar também o carcinoma de células acinares, adenocarcinoma SOE e o carcinoma ex-adenoma pleomorfo(1).
O principal sintoma de pacientes com neoplasia de parótida é o aumento de volume da região. Nos casos malignos outros sintomas como dor, paralisia facial e ulceração da pele podem estar presentes(8,9). O tratamento de escolha para os tumores de parótida, tanto benignos quanto malignos, é a parotidectomia parcial ou total, de acordo com a extensão da lesão(10). Em casos malignos a radioterapia pode ser útil como tratamento adjuvante, enquanto que a quimioterapia é pouco utilizada(6,11,12). As taxas de recorrência local, regional e à distância dos tumores malignos variam em torno de 40%, 15% e 11% respectivamente, e estão relacionadas a um pior prognóstico(6).
O objetivo deste trabalho foi avaliar as características clínicas e histológicas de todos os pacientes com tumores primários de parótida tratados em uma única instituição num período de 50 anos.
CASUÍSTICA E MÉTODOSEste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (protocolo - 711/05). Para este estudo foram selecionados todos os casos de tumor primário de parótida atendidos em nossa instituição de 1953 até 2003. Os critérios de exclusão para o estudo incluiu a não localização ou falta de informação nos prontuários, não localização dos blocos de parafina e das lâminas, e pacientes previamente submetidos a tratamento em outro serviço. As informações clínicas dos pacientes foram coletadas através dos prontuários médicos. Foi realizada a revisão histológica de todos os casos segundo a classificação da Organização Mundial de Saúde(13).
RESULTADOSForam selecionados para o estudo 600 casos, todos com as informações necessárias para as análises. 369 casos (60%) foram classificados como benignos, e 231 (40%) como malignos. A média geral de idade foi de 48,4 anos. Houve discreta predominância do gênero feminino (53%).
BenignosOs tumores benignos mais frequentes foram o adenoma pleomorfo e o Tumor de Warthin, representando 66,5% e 25% dos casos respectivamente. Outros tumores menos frequentes foram o adenoma de células basais, oncocitoma e mioepitelioma. Quinze casos foram diagnosticados como tumores de origem mesenquimal, sendo 5 linfangiomas, 5 neurofibromas, e 1 caso de lipoma, schwanoma, tumor fibroso solitário, lesão de células gigantes e meningioma (Tabela 1).
A média de idade dos pacientes com tumores benignos foi de 47 anos, com pico de incidência na quinta década de vida. Houve pequena predominância do gênero feminino, representando 55% dos casos. Nos adenomas pleomorfos esse predomínio foi maior, com 62% dos casos, por outro lado, nos Tumores de Warthin 65,5% dos casos ocorreram no gênero masculino. O tempo médio de queixa dos pacientes foi de 40 meses, e os principais sintomas relatados foram aumento de volume da região (98% dos casos) e dor (11% dos casos). O tamanho médio dos tumores foi de 4cm, variando de 1 a 30cm. Dez pacientes apresentaram tumores bilateralmente, ou seja, atingindo as duas glândulas parótida, todos com diagnóstico de Tumor de Warthin. Todos os pacientes foram tratados cirurgicamente, sendo 330 casos (90%) por parotidectomia parcial e 38 (10%) por parotidectomia total.
Em 365 casos houve preservação total do nervo facial, e em 3 casos houve sacrifício de algum ramo. A principal complicação após o tratamento cirúrgico foi a síndrome de Frey (34 casos - 9%). Paralisia facial foi constatada em 34 casos, sendo temporária em 28 e permanente em 6 casos. Dez casos apresentaram recidiva local, entre 18 e 112 meses (média de 56 meses), todos com diagnóstico de adenoma pleomorfo.
MalignosO tumor maligno mais comum foi o carcinoma mucoepidermoide, seguido pelo carcinoma indiferenciado, carcinoma adenoide cístico, adenocarcinoma SOE, carcinoma de células acinares, carcinoma ex-adenoma pleomorfo e carcinoma espinocelular (Tabela 2). Vinte e quatro neoplasias malignas eram de origem não epitelial, destas 14 eram linfomas. A média de idade dos pacientes com tumores malignos foi de 50 anos, com pico de incidência na sexta década de vida. Houve discreta predileção pelo gênero masculino, com 52% dos casos. O tempo de queixa médio foi de 35 meses, e o principal sintoma foi o aumento de volume na região (220 casos - 91%). Dor foi relatada em 30% dos casos; paralisia facial em 10% e trismo em 6%. O diâmetro médio dos tumores foi de 5,5cm, variando de 1 a 20cm.
Segundo o estadiamento clínico TNM, 23 casos foram classificados como T1, 80 como T2, 59 como T3, 70 como T4 e em 9 casos não foi possível a classificação do tamanho do tumor primário. Linfonodos palpáveis foram detectados em 39 casos, sendo N1 em 21, N2 em 5 e N3 em 10 casos. Três casos foram classificados como M1, mucoepidermoide tem sido relatado como o mais comum, seguido do carcinoma adenoide cístico1,8,16. Interessante que de acordo com Wahlberg et al.20, que revisaram 2062 casos de carcinoma de parótida, o carcinoma mucoepidermoide foi o mais frequente, entretanto em ordem decrescente foi seguido do adenocarcinoma SOE, carcinoma de células acinares, carcinoma adenoide cístico, carcinoma ex-adenoma pleomorfo e carcinoma indiferenciado. Na nossa série de tumores malignos também observamos predominância do carcinoma mucoepidermoide, seguido do carcinoma indiferenciado, carcinoma adenoide cístico, adenocarcinoma SOE, carcinoma de células acinares e carcinoma ex-adenoma pleomorfo.
O tratamento de escolha para os tumores benignos da glândula parótida é a parotidectomia, com conservação do nervo facial21. Geralmente a parotidectomia parcial é realizada nos tumores de parótida confinados ao lobo superficial, quando é feita a ressecção completa deste lobo. A remoção do lobo inteiro da parótida visa a obtenção de margem cirúrgica adequada, e evitar o rompimento de cápsula, minimizando o risco de recorrência22. A parotidectomia total para tumores benignos é restrita aos casos onde há acometimento do lobo profundo da parótida23. Considera-se que a ruptura da cápsula durante a ressecção cirúrgica e margens microscópicas positivas podem levar a recorrências24. Todos os nossos casos benignos foram tratados por parotidectomia, e apenas 10 casos apresentaram recorrência local. O tratamento de escolha para os tumores malignos de parótida também é a parotidectomia, podendo ser parcial ou total, e a preservação do nervo facial deve ser feita sempre que possível10. A radioterapia adjuvante tem provado ser efetiva para melhor controle local e melhora na sobrevida12,25. As taxas de recorrência local, regional e à distância dos tumores malignos de parótida correspondem aproximadamente a 40%, 15% e 11% respectivamente, e estão relacionadas a um pior prognóstico6,26. A maioria dos nossos pacientes com tumores malignos também foi tratada por parotidectomia, sendo em alguns casos associados a terapias adjuvantes. O índice de recorrência local foi de 10%, regional 8% e à distância 9%, valores menores que os considerados na maioria dos relatos internacionais.
CONCLUSÕESEm resumo, em um total de 600 casos de tumores de parótida os tumores benignos foram os mais frequentes. O adenoma pleomorfo foi o tipo mais comum entre todos os tumores. Dentre os tumores malignos o mais frequente foi o carcinoma mucoepidermoide. A principal forma de tratamento foi a parotidectomia, e a radioterapia foi reservada para casos específicos de tumores malignos. 48 pacientes apresentaram algum tipo de recorrência durante o acompanhamento, correspondendo a 21% dos casos.
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1 Mestre, Doutorando do Programa de Pós-graduação em Estomatopatologia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba - Universidade Estadual de Campinas.
2 Doutor, Professor Titular do Departamento de Diagnóstico Oral da Faculdade de Odontologia de Piracicaba - Universidade Estadual de Campinas.
3 Doutor, Chefe do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital A.C. Camargo de São Paulo.
Departamento de Diagnóstico Oral. Faculdade de Odontologia de Piracicaba. Universidade Estadual de Campinas. Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia. Hospital A.C. Camargo, São Paulo.
Endereço para correspondência: Ademar Takahama Junior - Departamento de Diagnóstico Oral, Faculdade de Odontologia de Piracicaba - Unicamp. Avenida Limeira 901 Caixa Postal 52 Piracicaba SP 13414-903.
Tel: (0xx19) 2106-5266 - Fax: (0xx19) 2106-5218 ¬- E-mail: ademartjr@yahoo.com.br Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 25 de fevereiro de 2008. cod 5732
Artigo aceito em 10 de abril de 2008.